SUMÁRIO
1-É ao sujeito passivo de imposto que compete fazer a prova do preenchimento dos requisitos de que depende a atribuição de determinado benefício fiscal, enquanto facto constitutivo desse direito e impeditivo da tributação-regra (artigo 74º, nº 1, da LGT).
2- Não se exige que os investimentos aumentem, por si só, a capacidade de produção, bastando que tenham potencialidade para influenciar esse aumento quando integrados num conjunto de aquisições que o geram. Nesta medida, podem ser considerados investimento inicial os equipamentos complementares que a Requerente tenha de adquirir para suportar o aumento do processo produtivo resultante dos investimentos globalmente considerados.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais, (Presidente), Prof. Doutor Júlio Tormenta e Dr. Fernando Miranda Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 13-11-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
"A..., S.A.", NIPC..., com sede na ..., n... ..., ..., ...-..., Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto imediato a declaração de ilegalidade e subsequente anulação do ato expresso de indeferimento da reclamação graciosa com o nº ...2023... apresentada em 21.06.2023. E, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário, referente ao período de tributação de 2019, consubstanciado na liquidação adicional de IRC nº 2023..., de 02.01.2023, e de juros compensatórios e correspondente demonstração de acerto de contas com a identificação nº 2023..., da qual resultou imposto a pagar no montante de 92.693,89 €, que se encontra regularizado.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-09-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-11-2024.
Foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes apresentado alegações escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
a- A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 1978, dedicada ao fabrico de artigos de uso doméstico em faiança, porcelana e grés terracota, encontrando-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil.
b- A Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 nº ... em 20.07.2020, referente ao período de tributação de 2019, tendo declarado, em sede de RFAI, no Quadro 074 do Anexo D, no campo 714 “Dotação do Período”, o valor de 84.727,22 € e no campo 715 “Dedução no período” o valor de 84.727,22 €, tendo mais tarde sido alvo de um procedimento de inspeção tributária, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2021..., realizada para efeito de controlo de benefícios fiscais.
c- Na sequência desse procedimento inspetivo conduzido pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ..., foi entendido que o investimento considerado elegível pela Requerente não reunia as condições para tal, pelo que a dotação e o valor deduzido à coleta foram objeto de correção, dando origem à liquidação adicional de IRC nº 2023... de 02.01.2023 e respetiva liquidação de juros, ato mediato contestado.
d- As referidas liquidações deram origem à Demonstração de Acerto de Contas com a identificação nº 2023... da qual resultou imposto a pagar de €92.693,89, que se encontra regularizado. Este imposto tem subjacente a correção do valor deduzido à coleta, pela Requente, a título de RFAI no montante de €84.727,22 que foi desconsiderado por, não ter sido aceite como dedutível conforme fundamentação pormenorizadamente explicada no relatório de inspeção que integra o processo administrativo junto aos autos.
e- Em 2018 iniciou-se um relacionamento com a empresa B... que viria a intensificar-se significativamente, nos anos seguintes.
f- A Requerente registou o seguinte crescimento do valor acrescentado bruto ("VAB"), volume de negócios eproveitos operacionais.
VAB (resultado da atividade produtiva no decurso de um período determinado):
2018 -1 513 628,00€
2019 - 3 525 352,70€
2020 - 4 219 164,72€
2021- 5549779,32€.
Volume de negócios:
2018 - 2.968.278,14€
2019 - 5.669.202,61€
2020 - 6.337.271,45€
2021- 8.258.595,07€
Proveitos operacionais:
2018: €3.171.643;
2019: €5.794,318;
2020: €6.555.252;
2021: €8.477.907.
g. Foram desconsiderados da elegibilidade para RFAI, os seguintes investimentos, que entraram imediatamente em funcionamento aquando da sua aquisição (com exceção da áquina de engobe e polimento que, até à data da inspeção ocorrida em 2022, nunca esteve em funcionamento):
- Sistema solar fotovoltaico, €225.000,00.
- Substituição de 4 telhados, €78.960,00.
- Prensa automática rotativa A200, €90.000,00.
- Medidas de auto-proteção €24 022,78.
- Peneiros, €2.950,00.
- Porta paletes, €9.078.80.
- Máquina de polimento €8 250,00.
h. A Requerente apresentou, em 21 de junho de 2023, um pedido de reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de ... . Não tendo a Requerente exercido o direito de audição, foi, em 10 de junho de 2024, notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
i- A aquisição e funcionamento dos equipamentos acima identificados, (com exceção dos telhados), contribuiu para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, na vertente exigível para efeitos de elegibilidade do RFAI.
2.2. Factos não provados
Não resulta provado que a substituição de 4 telhados, €78.960,00, integre qualquer projeto de investimento inicial global e tenha contribuído para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, na vertente exigível para efeitos de elegibilidade do RFAI.
2.3- Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral, tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados, atenta a posição das partes e através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação e regras da experiência, normalidade e racionalidade. Tudo em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Na apreciação da matéria factual há, pois, que ter, naturalmente, em conta, a alegação e prova. Sempre, claro, em vista da previsão legal norteadora. A materialidade preencherá os conceitos jurídicos em causa.
Ora, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, al. d), da Portaria n.º 297/2015, de 21/9 (que procedeu à regulamentação do RFAI), “Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
Por seu lado, no referido artigo 2.º, § 49.º, al. a), do RGIC (Regulamento (UE) N.º 651/2014 da Comissão, de 16/6/2014), pode ler-se que investimento inicial consiste num “investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
Acresce que a prova dos factos recaía sobre a Requerente nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, já que era esta que pretendia, através deles, fazer valer o direito ao benefício fiscal RFAI.
2.3.1- Vejamos, separadamente, a posição das partes relativa a cada um dos equipamentos:
I Sistema solar fotovoltaico no valor de €225.000,00
Entende, a Requerida que:
A central solar fotovoltaica consiste num conjunto de painéis fotovoltaicos instalados no telhado de um pavilhão industrial, que no caso que nos ocupa, já era usado na atividade produtiva do sujeito passivo, os quais captam a radiação solar e convertem-na em energia elétrica.
Apesar da energia elétrica produzida pelo sistema solar fotovoltaico gerar ganhos para a Requerente, na medida em que já utilizava outras fontes de energia, não foi a alteração da fonte energética que potenciou o aumento de capacidade instalada existente na fábrica.
Anteriormente à montagem do sistema fotovoltaico, as necessidades de energia elétrica da Requerente eram integralmente satisfeitas por serviço de fornecimento externo, pelo que, no futuro, a montagem do sistema fotovoltaico irá permitir poupança nos gastos gerais de fabrico, independentemente da capacidade produtiva que já se encontrava instalada.
Independentemente do mérito e da racionalidade da decisão da gestão da Requerente, em termos de redução de consumos e sustentabilidade ambiental em produzir energia, o investimento não é elegível nos termos do RGIC para efeitos do RFAI, uma vez que não é indutor do pretendido “aumento de capacidade do estabelecimento já existente”.
Argui, basicamente, a Requerente que:
Uma unidade produtiva funciona para além dos meios e máquinas que fabricam produtos, necessitando de todo um ecossistema envolvente, que deve ser considerado como parte integrante da produção.
Deste modo, estes investimentos fazem parte do ecossistema de produção da Requerente, pelo que não podem ser considerados como aquisições isoladas.
Assim, o aumento do consumo de energia está relacionado com o aumento da produção, e inerentemente este último está relacionado com o aumento dessa capacidade, caso contrário, sem os meios que foram alvo de investimento, a Requerente não estaria em condições de aumentar a produção, ou não o conseguiria realizar da mesma forma, ou com a mesma eficiência.
ii. Substituição de quatro telhados no valor de €78.960,00
Defende a Requerida que:
A Requerente procedeu à remoção de coberturas/telhados, e substituiu-os por novos, conforme faturas juntas ao processo administrativo. Este tipo de investimento ocorreria independentemente da existência dos auxílios e os auxílios não devem subvencionar os custos de uma atividade que uma empresa teria (§60 das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR)).
E a este propósito veja-se a Informação Vinculativa, Processo n.º 2020 001469 PIV 17279 com despacho de 28 de maio de 2020, da Diretora de Serviços do IRC, segundo a qual “não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”.
Aliás, a própria requerente identifica o investimento efetuado como “substituição de telhados”, ou seja, dúvidas não podem subsistir que o investimento em causa se trata de um investimento de substituição que não é aceite para efeitos do benefício fiscal RFAI.
Refere a Requerente que:
Da mesma forma, não se trata de investimentos de substituição, isoladamente considerados, porque vão muito além da pura substituição de ativos já existentes.
A substituição de telhados integra um investimento num ativo corpóreo relacionado com um processo e uma estratégia delineada de aumento da capacidade de um estabelecimento existente, pelo que a obra aqui em causa, tal como outras, são suscetíveis de contribuir para o aumento da capacidade produtiva da Requerente.
Em face do exposto devem estes investimentos ser enquadráveis no conceito de “investimento inicial”, e, como efetivamente configuram um “aumento da capacidade existente”, ser considerados na dotação do RFAI referente ao período de 2019.
iii- Prensa e outras máquinas
Fundamenta a Requerida que:
De acordo com a fatura junta ao processo administrativo, a Requerente adquiriu em 2019 uma prensa automática rotativa no valor de 90.000,00 €.
A Requerente enquadrou esta aquisição como “Investimento Inicial” na tipologia de “aumento da capacidade de estabelecimento já existente”, contudo não comprova que com a aquisição da referida prensa aumentou a capacidade de produção.
A aquisição de uma prensa direcionada para a produção de produtos menores, por si só, não justifica o aumento da capacidade de produção existente. Note-se que esta máquina constitui tão somente uma das fases do processo produtivo de cada produto (conformação) e não foram adquiridos os restantes equipamentos que integrariam uma nova linha de produção com todas as fases do processo produtivo, ou seja, desde a preparação das pastas, à vidragem e cozedura.
Quanto às prensas foi apresentada uma fatura de uma prensa que se encontrava em funcionamento e de outra que foi adquirida para desmantelar, isto é, para utilizar peças. Foram solicitadas as fichas de ativo, ao que a contabilista certificada respondeu não possuir. A Requerente alegou que o contrato com o grupo B... foi o fator que contribuiu para a necessidade de aumentar a capacidade produtiva da A... e de aquisição de equipamento. Nesse sentido, temos de esclarecer que só no ano de 2020 veio a Requerente a construir uma nova unidade produtiva, na qual veio a colocar diversos equipamentos produtivos. Contudo, apesar de não estar aqui em análise o período de 2020, não se questiona que a nova unidade industrial, tal como foi constatado na visita efetuada, possa contribuir para o aumento da capacidade até então instalada: no entanto, o investimento que está em análise no período de 2019 não contribuiu para esse aumento, desde logo porque se trata de aquisições isoladas. consistindo em reparações. manutenções. substituições ou até beneficiações.
Refere a Requerente que:
A aquisição de equipamentos complementares para apetrechamento da unidade fabril inequivocamente ligados à linha de produção deve ser considerada investimento inicial e configura uma adição elegível no âmbito do RFAI.
Os ativos em causa correspondem a ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado novo.
Ficou demonstrado que a Requerente fez vários investimentos em 2019, permitindo o fabrico de mais e novos produtos, pelo que não podemos considerar que estamos perante aquisições ad hoc de equipamentos, sem ligação a um projeto integrado e agregador, devendo ser considerados na dotação do RFAI, o investimento com maquinaria de produção.
iv- Equipamento de autoproteção
Conclui a Requerida que:
Conforme faturas juntas ao processo administrativo durante o período de 2019, a Requerente adquiriu vários equipamentos de segurança, tais como extintores, detetor de fumos, sirenes, central de incêndio e até formação de combate a incêndios.
Resumidamente, trata-se de investimentos em equipamentos de segurança, que mais não são de que investimento necessário para o normal funcionamento de uma unidade industrial, podendo a sua aquisição referir-se a substituição ou melhoria do material instalado, o que muitas vezes acontece inclusive por obrigação do setor de atividade em que se insere.
Pelo que não integra o conceito de investimento inicial.
Adianta a Requerente que:
Os bens foram adquiridos em estado novo e destinavam-se a garantir a segurança das instalações, que correspondendo a equipamentos básicos que no âmbito do processo normal de laboração, asseguram a manutenção do aumento da capacidade de produção, pelo que não pode a AT desconsiderar tal investimento.
v- Peneiros
Diz a Requerida que:
Conforme fatura junta ao processo administrativo, a Requerente adquiriu “peneiros” no valor total de 2.950,00 €.
Referem os serviços de inspeção no relatório por si elaborado que, no âmbito da visita às instalações da empresa efetuadas em 27 de junho de 2022, foram identificados os referidos “peneiros”, tendo o sócio-gerente, C..., explicado que os novos peneiros visam “peneirar a matéria-prima”, retirando pedras e outros resíduos.
Conforme relatado no relatório de inspeção, o citado sócio-gerente referiu também que estes “peneiros” eram mais rápidos e destinaram-se a substituir outros, que tiveram como destino a sucata. Portanto, tratam-se de acessórios de equipamento que permitiram a manutenção da atividade já existente, e que substituíram outros. Eventualmente com melhor performance, naturalmente fruto da normal evolução tecnológica.
Refere a Requerente que:
Este equipamento é um “investimento inicial”, fazendo parte de um conjunto de despesas incorridas pela Requerente no âmbito de uma estratégia global de longo prazo de aumento da capacidade produtiva, pelo que não podem corresponder a meras despesas correntes associadas ao normal funcionamento da unidade fabril ou investimentos de substituição.
vi- Porta paletes
Diz a Requerida que:
A Requerente vem identificar a aquisição de porta paletes como fazendo parte do “Investimento Inicial”, na tipologia por si indicada de “Aumento da Capacidade de Estabelecimento Existente”. Ora, como facilmente se depreende, o porta-paletes, são um equipamento essencial para o desenvolvimento e manutenção da atividade da Requerente, mas, na ausência de um projeto global do aumento da capacidade, mais não são do que equipamento isolado. A aquisição de ativos isolados ou de equipamentos de substituição, como ocorre de forma evidente no caso em apreço, não pode ser aceite para efeito de aplicação do regime do apoio ao investimento, ainda que tenham em vista o aumento da rentabilidade da empresa ou da sua produtividade, a redução de desperdícios ou mesmo a modernização.
Refere a Requerente que:
Conforme referido nos autos, o investimento realizado com a porta paletes, empilhadores e outros contribuiu para a transformação e atualização dos modelos de produção da Requerente, como para o incremento da eficiência dos processos e a redução dos consumos de energia e minimização dos desperdícios na sua produção
vii- Sistema de relógio de Ponto e Central Telefónica
Refere a Requerida que:
Não se colocando em causa que estejamos perante a aquisição de equipamento novo, certo é que se trata de equipamento não afeto à produção, pelo que, nos termos da subalínea vi) da alínea a) do nº 2 do artigo 22º. não é aceite para efeitos do benefício fiscal do RFAI. Aliás, não existindo qualquer informação em contrário, tanto um sistema de relógio de ponto como uma central telefónica são de equipamentos de substituição, que poderão possibilitar aumentar ganhos de eficiência.
Refere a Requerente que:
Os relógios de ponto e demais equipamentos diversos contribuíram para a transformação e atualização tecnológica do modelo de produção, bem como para o incremento da eficiência dos processos, revelando-se aptos, em conjunto com os demais investimentos realizados, ao aumento da capacidade produtiva, que ademais se verificou
2.3.2- Como melhor se contextualizará, no enquadramento de direito, não tendo sido arroladas testemunhas, os elementos carreados para os autos não se mostram sólidos e robustos para prova do facto alegado pela Requerente - considerado não provado - em função das pretensões aduzidas.
Na verdade, não foram, em termos práticos, demonstrados - de forma concreta - os eventuais ganhos de produtividade operacional da substituição dos telhados, ou, mesmo, funcionalidade e eficiência energética, que pudessem ser apreciados num investimento global de aumento de capacidade produtiva do estabelecimento.
Assim, considera-se, que - relativamente à substituição dos telhados - a Requerente não logrou afastar a dúvida fundada invocada pelos SIT sobre o carácter exclusivamente substitutivo do equipamento em causa e sobre a sua não inclusão no conceito de investimento inicial.
Sendo certo, como se disse, que a prova destes factos recaia sobre a Requerente nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, já que é esta que pretendia através deles fazer valer o direito ao benefício fiscal RFAI. Foi, contudo, um ónus que a Requerente não logrou cumprir.
2.3.3- Relativamente aos outros equipamentos desconsiderados, enumerados em g) dos factos provados;
É certo, que, em absoluto rigor, não foram, nos referidos termos práticos, suficientemente demonstrados - de forma concreta - os eventuais ganhos de produtividade operacional, individualmente considerada, no aumento de capacidade produtiva do estabelecimento.
Porém, ao contrário da substituição dos telhados, considera o Tribunal, que aqui não estão em causa investimentos, relativamente aos quais a Requerente se limita a invocar, sem mais, o aumento da capacidade instalada.
Pelo contrário, verifica-se que é aqui, notória a constatação que os novos equipamentos, na globalidade (e cada um por si), além das melhorias na qualidade do acabamento de produtos produzidos, acrescentaram outros, e, sobretudo, revolucionaram o próprio método de produção, (incluindo a vertente de sustentabilidade e segurança). Com isso consequenciando uma quantificação concreta de – enorme – ganho de produção resultante do investimento a que a empresa se propôs, em função da estratégia delineada.
Assim, considera-se que a Requerente logrou afastar as dúvidas invocadas pelos SIT, devendo a aquisição, (que não é posta em causa), dos referidos equipamentos, ser considerada como um investimento inicial com vista ao aumento da capacidade de estabelecimento existente.
3- O DIREITO
A principal questão que deve ser analisada prende-se com as características e finalidade dos equipamentos adquiridos. Com efeito, mostra-se necessário apurar se os mesmos tiveram a natureza de investimento isolado ou estratégico e, ainda, se se trata juridicamente de mero investimento de substituição (que, no entender da AT, é sinónimo de investimento sem relação com o aumento da capacidade de um estabelecimento existente) ou de investimento inicial, para se poder concluir que a aquisição do equipamento em causa é (ou não é) elegível para efeitos do benefício do RFAI.
3.1- Como se viu, entende, resumidamente, a AT que:
Não obstante os investimentos efetuados, num total de 471.205,42 €, poderem ser traduzidos em diversas vantagens, designadamente em ganhos de eficiência produtiva, não se afigura que possam ser enquadrados na tipologia relativa ao "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente", pois não constituem investimento inicial.
São apenas investimentos avulsos, sem interligação entre si, que entraram imediatamente em funcionamento aquando da sua aquisição (com exceção da máquina de engobe e polimento que, mesmo à data da inspeção, ocorrida em 2022, ainda não estava em funcionamento), não sendo aceitável a justificação de que são integrados num projeto de investimento inicial, conforme legalmente se exige, pelo que a Requerente não tem direito a deduzir à coleta o valor de 84.727,22 €
Com efeito, o aumento da produção não significa necessariamente aumento da capacidade de produção instalada. A Requerente invoca sistematicamente questões de sustentabilidade, ambientais, de segurança. Porém, não se podem agregar investimentos que ocorrem por imposição legal (relacionado com questões ambientais, de segurança ou de saúde) ou por necessidade manutenção da atividade pré-existente, com investimentos elegíveis para efeitos de benefícios fiscais. Foi o que se verificou no caso concreto.
Pese embora os inúmeros benefícios/vantagens indicados pela Requerente que conduziram a uma maior eficiência do processo produtivo, o investimento descrito não é suscetível de integrar o conceito de "investimento inicial" a que se refere o artigo 11.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, na tipologia de "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente" e, nesses termos, não pode beneficiar do RFAI relativamente a esse investimento.
3.2. Por seu lado, a Requerente, explicou que a dedução relativa ao benefício fiscal do RFAI correspondeu à aquisição dos equipamentos, supra elencados, concluindo que o equipamento adquirido não substituiu o equipamento existente, inserindo-se numa lógica de aquisição estratégica, tendo em vista possibilitar o (e contribuir para o) aumento da capacidade produtiva da empresa, satisfazendo as novas procuras de produtos, sobretudo por parte da B..., (cliente privilegiada),
O projeto de investimento do ano de 2019 implicou a melhoria operacional do edifício fabril existente, a aquisição de diversos equipamentos necessários para melhorar a eficiência energética e a produtividade no processo de fabricação de produtos, bem como o processo final de embalamento.
Para o efeito, a Requerente investiu num conjunto de ativos (equipamentos de segurança, porta paletes, central telefónica, relógio de ponto, construção de muros, substituição de telhados, prensa, sistema solar fotovoltaico, entre outros), tratando-se de verdadeiros investimentos suscetíveis de aumentar a capacidade produtiva da Requerente, inseridos numa estratégia global de crescimento.
Quando se aumenta a capacidade de produção da Requerente, toda a estrutura da empresa tem de acompanhar esse aumento, designadamente equipamentos, construções e outros, para assistir à produção.
É precisamente do conjunto de todos os elementos que resulta o aumento da capacidade de produzir.
Os investimentos realizados pela Requerente não configuraram uma mera substituição ou reparação de antigos equipamentos, mas sim a aquisição de novos ativos, mais adequados ao aumento da capacidade de produção.
O intuito da Requerente, entre outros, foi de investir e capacitar o processo produtivo para o fabrico de novas peças, designadamente, peças de tamanho inferior, dando lugar a novas coleções.
Claro está que tal implicou um aumento da capacidade de produção, na medida em que foi possível à Requerente produzir, no mesmo período temporal, um maior número e novas peças por cada ciclo.
Ora, não obstante de, efetivamente, se verificar uma diversificação da produção de um estabelecimento, na medida em que foram fabricados novos produtos, tal não significa que o processo subjacente não tenha implicado um aumento da capacidade de produção.
A Requerente estava ciente da necessidade de investir no aumento da capacidade produtiva da fábrica para dar resposta aos pedidos solicitados pelos clientes que estava a alcançar, entre os quais o B...,
Pelo que devem estes investimentos ser enquadráveis no conceito de “investimento inicial”, e, como efetivamente configuram um “aumento da capacidade existente”, ser considerados na dotação do RFAI referente ao período de 2019, os investimentos do sistema solar fotovoltaico.
DECIDINDO
Investimentos elegíveis para efeitos de RFAI
3.3- Como se referiu o n.º 2 do artigo 22.º do CFI (Dec.-Lei n.º 162/2014, de 31/10), relativo ao «âmbito de aplicação e definições» quanto ao RFAI: “consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa: a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de: i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa; ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas; iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas; iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística; v) Equipamentos sociais; vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa”.
Concluindo-se que a aquisição dos equipamento, em causa, para poder ser elegível para efeitos do benefício do RFAI: i) terá de ter a natureza de investimento estratégico (por contraposição a isolado), dado o disposto na citada al. c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI; e ii) terá de consistir num investimento inicial (por contraposição a investimento de substituição), dado o disposto nos citados artigos 2.º, § 49.º, al. a), do RGIC, e 2.º, n.º 2, al. d), da Portaria n.º 297/2015, de 21/9.
Entende o Tribunal que assiste razão a Requerente. Um tal investimento não constitui uma aquisição isolada de cada um dos ativos, (excecionando a substituição dos telhados), antes tem a natureza de investimento estratégico. A Lei não impõe como requisito que os bens adquiridos tenham de produzir diretamente o produto final. A aquisição de bens que (como sucedeu no caso destes autos) possibilitem ou permitam aumentar a capacidade produtiva da fábrica tem uma natureza planeada e prospetiva, contribuindo, estrategicamente, para o “aumento da capacidade de um estabelecimento existente” – que é a condição exigida pelo RGIC e pela Portaria n.º 297/2015 para que se possa considerar estarmos na presença de um investimento inicial, elegível para efeitos de aplicação do benefício do RFAI aqui em causa.
Na verdade, os investimentos realizados pela Requerente são parte integrante do investimento que a mesma efetuou, tendo como objetivo o aumento da sua capacidade de operacional de produção instalada, contribuindo, como bem se diz, na Decisão n.º 590/2023-T, para a transformação e atualização tecnológica do modelo de produção, bem como para o incremento da eficiência dos processos, revelando-se aptos, em conjunto com os demais investimentos realizados, ao aumento da capacidade produtiva, que ademais se verificou.
Nomeadamente, a instalação de um sistema fotovoltaico inclui-se na aquisição de bens para capacitação / aumento da capacidade produtiva da Requerente, pois o aumento da produção sempre será condicionado à existência de um elemento de fornecimento de energia, com produtividade, potência e suficiente sustentabilidade, que permita, capazmente, sustentar a laboração das instalações fabris modernizadas com novos equipamentos.
Refira-se que para que um investimento possa beneficiar do RFAI não é condição que haja um aumento efetivo da capacidade produtiva, bastando que o investimento seja apto a atingir esse objetivo, como sucede in casu.
Deste modo, estes investimentos são elegíveis para efeitos de RFAI, na medida em que se enquadram numa das situações previstas no artigo 2.º, n.º 2 alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, e na alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC.
Secunda-se a jurisprudência firmada no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 574/2020-T, segundo a qual “ (…) a aferição dos requisitos de que depende a aplicação deve fazer-se globalmente, tendo em conta a globalidade dos investimentos a que se referem as aquisições, não havendo assim, em princípio, ativos fixos tangíveis que pela sua natureza, não se enquadrem no âmbito de qualquer projeto de expansão da capacidade produtiva da A…, nem são proporcionadoras da criação de postos de trabalho.(…)”
Quanto aos tipos de ativos que, pela sua natureza, não se enquadram no projeto de expansão da capacidade produtiva, este Tribunal adere à decisão proferida no âmbito do Processo n.º 590/2023-T, e que se transcreve de seguida: (…) “os equipamentos básicos e administrativos adquiridos são complementares dos outros investimentos realizados, inseridos numa estratégia global de longo prazo de aumento da capacidade produtiva da empresa.
Ou seja, eles não correspondem a meras despesas correntes associadas ao normal funcionamento da unidade fabril, que a Requerente teria de assumir independentemente do investimento inicial feito.
Para este Tribunal é verosímil que a aquisição dos mencionados equipamentos, considerados na sua globalidade, complemente os demais investimentos realizados, existindo uma interdependência e relação de causalidade entre ambos relativamente ao objetivo de expansão da capacidade produtiva. (…)”
Atento a tudo quanto acima se expendeu, julga-se que, à exceção da substituição dos telhados, a Requerente demonstrou que os equipamentos diversos (isolados) foram adquiridos no âmbito da execução do projeto de investimento inicial apto a aumentar a capacidade produtiva instalada, sendo, assim elegíveis para efeitos de RFAI, e em consequência decidir pela procedência do pedido arbitral.
Terá, pois, que ser anulado o ato que incorpora a correção do valor deduzido à coleta, à exceção de €78.960,00, correspondente à substituição dos quatro telhados.
Juros indemnizatórios
3.4- A Requerente pede, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde o pagamento indevido do imposto.
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
Foi o que sucedeu no caso em apreço, visto que ficou demonstrado que, em parte, as Liquidações Contestadas padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual a Requerente em nada contribuiu (estão em causa liquidações adicionais oficiosamente promovidas), e que desse erro resultou pagamento de IRC em montante superior ao legalmente devido.
Assim, conclui-se que a Requerida deverá pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre o montante de imposto e juros indevidamente pago por esta, desde a data do respetivo pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
3.5- O ato de liquidação, que incorpora a correção à coleta, efetuada, relativamente a este investimento - àexceção de €78.960,00 - correspondente à substituição dos quatro telhados – enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, parcial, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, al. c), da LGT (e do artigo 29.º, n.º 1, al. d), do RJAT).
4- DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral, em:
- Julgar, parcialmente, procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando, nessa medida, a anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa.
- Anular, parcialmente, a liquidação de IRC/2019, nos termos referidos, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente, em conformidade, incluindo juros indemnizatórios sobre o montante, desde a data do pagamento pela Requerente.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €92.693,89, indicado pela Requerente e não questionado pela Requerida.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida e Requerente, na percentagem de 83% e 17%, respetivamente.
Notifique-se.
08 de maio de 2025
Os árbitros,
Rui Duarte Morais
Fernando Miranda Ferreira
(Relator)
Júlio Tormenta
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 1035/2024-T
Tema: Benefícios fiscais – RFAI – Adições de equipamento, investimento de substituição.
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SUMÁRIO
1-É ao sujeito passivo de imposto que compete fazer a prova do preenchimento dos requisitos de que depende a atribuição de determinado benefício fiscal, enquanto facto constitutivo desse direito e impeditivo da tributação-regra (artigo 74º, nº 1, da LGT).
2- Não se exige que os investimentos aumentem, por si só, a capacidade de produção, bastando que tenham potencialidade para influenciar esse aumento quando integrados num conjunto de aquisições que o geram. Nesta medida, podem ser considerados investimento inicial os equipamentos complementares que a Requerente tenha de adquirir para suportar o aumento do processo produtivo resultante dos investimentos globalmente considerados.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais, (Presidente), Prof. Doutor Júlio Tormenta e Dr. Fernando Miranda Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 13-11-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
"A..., S.A.", NIPC..., com sede na ..., n... ..., ..., ...-..., Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto imediato a declaração de ilegalidade e subsequente anulação do ato expresso de indeferimento da reclamação graciosa com o nº ...2023... apresentada em 21.06.2023. E, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário, referente ao período de tributação de 2019, consubstanciado na liquidação adicional de IRC nº 2023..., de 02.01.2023, e de juros compensatórios e correspondente demonstração de acerto de contas com a identificação nº 2023..., da qual resultou imposto a pagar no montante de 92.693,89 €, que se encontra regularizado.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-09-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-11-2024.
Foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes apresentado alegações escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
a- A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 1978, dedicada ao fabrico de artigos de uso doméstico em faiança, porcelana e grés terracota, encontrando-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil.
b- A Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 nº ... em 20.07.2020, referente ao período de tributação de 2019, tendo declarado, em sede de RFAI, no Quadro 074 do Anexo D, no campo 714 “Dotação do Período”, o valor de 84.727,22 € e no campo 715 “Dedução no período” o valor de 84.727,22 €, tendo mais tarde sido alvo de um procedimento de inspeção tributária, em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2021..., realizada para efeito de controlo de benefícios fiscais.
c- Na sequência desse procedimento inspetivo conduzido pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ..., foi entendido que o investimento considerado elegível pela Requerente não reunia as condições para tal, pelo que a dotação e o valor deduzido à coleta foram objeto de correção, dando origem à liquidação adicional de IRC nº 2023... de 02.01.2023 e respetiva liquidação de juros, ato mediato contestado.
d- As referidas liquidações deram origem à Demonstração de Acerto de Contas com a identificação nº 2023... da qual resultou imposto a pagar de €92.693,89, que se encontra regularizado. Este imposto tem subjacente a correção do valor deduzido à coleta, pela Requente, a título de RFAI no montante de €84.727,22 que foi desconsiderado por, não ter sido aceite como dedutível conforme fundamentação pormenorizadamente explicada no relatório de inspeção que integra o processo administrativo junto aos autos.
e- Em 2018 iniciou-se um relacionamento com a empresa B... que viria a intensificar-se significativamente, nos anos seguintes.
f- A Requerente registou o seguinte crescimento do valor acrescentado bruto ("VAB"), volume de negócios eproveitos operacionais.
VAB (resultado da atividade produtiva no decurso de um período determinado):
2018 -1 513 628,00€
2019 - 3 525 352,70€
2020 - 4 219 164,72€
2021- 5549779,32€.
Volume de negócios:
2018 - 2.968.278,14€
2019 - 5.669.202,61€
2020 - 6.337.271,45€
2021- 8.258.595,07€
Proveitos operacionais:
2018: €3.171.643;
2019: €5.794,318;
2020: €6.555.252;
2021: €8.477.907.
g. Foram desconsiderados da elegibilidade para RFAI, os seguintes investimentos, que entraram imediatamente em funcionamento aquando da sua aquisição (com exceção da áquina de engobe e polimento que, até à data da inspeção ocorrida em 2022, nunca esteve em funcionamento):
- Sistema solar fotovoltaico, €225.000,00.
- Substituição de 4 telhados, €78.960,00.
- Prensa automática rotativa A200, €90.000,00.
- Medidas de auto-proteção €24 022,78.
- Peneiros, €2.950,00.
- Porta paletes, €9.078.80.
- Máquina de polimento €8 250,00.
h. A Requerente apresentou, em 21 de junho de 2023, um pedido de reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de ... . Não tendo a Requerente exercido o direito de audição, foi, em 10 de junho de 2024, notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
i- A aquisição e funcionamento dos equipamentos acima identificados, (com exceção dos telhados), contribuiu para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, na vertente exigível para efeitos de elegibilidade do RFAI.
2.2. Factos não provados
Não resulta provado que a substituição de 4 telhados, €78.960,00, integre qualquer projeto de investimento inicial global e tenha contribuído para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, na vertente exigível para efeitos de elegibilidade do RFAI.
2.3- Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral, tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados, atenta a posição das partes e através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação e regras da experiência, normalidade e racionalidade. Tudo em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Na apreciação da matéria factual há, pois, que ter, naturalmente, em conta, a alegação e prova. Sempre, claro, em vista da previsão legal norteadora. A materialidade preencherá os conceitos jurídicos em causa.
Ora, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, al. d), da Portaria n.º 297/2015, de 21/9 (que procedeu à regulamentação do RFAI), “Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
Por seu lado, no referido artigo 2.º, § 49.º, al. a), do RGIC (Regulamento (UE) N.º 651/2014 da Comissão, de 16/6/2014), pode ler-se que investimento inicial consiste num “investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
Acresce que a prova dos factos recaía sobre a Requerente nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, já que era esta que pretendia, através deles, fazer valer o direito ao benefício fiscal RFAI.
2.3.1- Vejamos, separadamente, a posição das partes relativa a cada um dos equipamentos:
I Sistema solar fotovoltaico no valor de €225.000,00
Entende, a Requerida que:
A central solar fotovoltaica consiste num conjunto de painéis fotovoltaicos instalados no telhado de um pavilhão industrial, que no caso que nos ocupa, já era usado na atividade produtiva do sujeito passivo, os quais captam a radiação solar e convertem-na em energia elétrica.
Apesar da energia elétrica produzida pelo sistema solar fotovoltaico gerar ganhos para a Requerente, na medida em que já utilizava outras fontes de energia, não foi a alteração da fonte energética que potenciou o aumento de capacidade instalada existente na fábrica.
Anteriormente à montagem do sistema fotovoltaico, as necessidades de energia elétrica da Requerente eram integralmente satisfeitas por serviço de fornecimento externo, pelo que, no futuro, a montagem do sistema fotovoltaico irá permitir poupança nos gastos gerais de fabrico, independentemente da capacidade produtiva que já se encontrava instalada.
Independentemente do mérito e da racionalidade da decisão da gestão da Requerente, em termos de redução de consumos e sustentabilidade ambiental em produzir energia, o investimento não é elegível nos termos do RGIC para efeitos do RFAI, uma vez que não é indutor do pretendido “aumento de capacidade do estabelecimento já existente”.
Argui, basicamente, a Requerente que:
Uma unidade produtiva funciona para além dos meios e máquinas que fabricam produtos, necessitando de todo um ecossistema envolvente, que deve ser considerado como parte integrante da produção.
Deste modo, estes investimentos fazem parte do ecossistema de produção da Requerente, pelo que não podem ser considerados como aquisições isoladas.
Assim, o aumento do consumo de energia está relacionado com o aumento da produção, e inerentemente este último está relacionado com o aumento dessa capacidade, caso contrário, sem os meios que foram alvo de investimento, a Requerente não estaria em condições de aumentar a produção, ou não o conseguiria realizar da mesma forma, ou com a mesma eficiência.
ii. Substituição de quatro telhados no valor de €78.960,00
Defende a Requerida que:
A Requerente procedeu à remoção de coberturas/telhados, e substituiu-os por novos, conforme faturas juntas ao processo administrativo. Este tipo de investimento ocorreria independentemente da existência dos auxílios e os auxílios não devem subvencionar os custos de uma atividade que uma empresa teria (§60 das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR)).
E a este propósito veja-se a Informação Vinculativa, Processo n.º 2020 001469 PIV 17279 com despacho de 28 de maio de 2020, da Diretora de Serviços do IRC, segundo a qual “não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”.
Aliás, a própria requerente identifica o investimento efetuado como “substituição de telhados”, ou seja, dúvidas não podem subsistir que o investimento em causa se trata de um investimento de substituição que não é aceite para efeitos do benefício fiscal RFAI.
Refere a Requerente que:
Da mesma forma, não se trata de investimentos de substituição, isoladamente considerados, porque vão muito além da pura substituição de ativos já existentes.
A substituição de telhados integra um investimento num ativo corpóreo relacionado com um processo e uma estratégia delineada de aumento da capacidade de um estabelecimento existente, pelo que a obra aqui em causa, tal como outras, são suscetíveis de contribuir para o aumento da capacidade produtiva da Requerente.
Em face do exposto devem estes investimentos ser enquadráveis no conceito de “investimento inicial”, e, como efetivamente configuram um “aumento da capacidade existente”, ser considerados na dotação do RFAI referente ao período de 2019.
iii- Prensa e outras máquinas
Fundamenta a Requerida que:
De acordo com a fatura junta ao processo administrativo, a Requerente adquiriu em 2019 uma prensa automática rotativa no valor de 90.000,00 €.
A Requerente enquadrou esta aquisição como “Investimento Inicial” na tipologia de “aumento da capacidade de estabelecimento já existente”, contudo não comprova que com a aquisição da referida prensa aumentou a capacidade de produção.
A aquisição de uma prensa direcionada para a produção de produtos menores, por si só, não justifica o aumento da capacidade de produção existente. Note-se que esta máquina constitui tão somente uma das fases do processo produtivo de cada produto (conformação) e não foram adquiridos os restantes equipamentos que integrariam uma nova linha de produção com todas as fases do processo produtivo, ou seja, desde a preparação das pastas, à vidragem e cozedura.
Quanto às prensas foi apresentada uma fatura de uma prensa que se encontrava em funcionamento e de outra que foi adquirida para desmantelar, isto é, para utilizar peças. Foram solicitadas as fichas de ativo, ao que a contabilista certificada respondeu não possuir. A Requerente alegou que o contrato com o grupo B... foi o fator que contribuiu para a necessidade de aumentar a capacidade produtiva da A... e de aquisição de equipamento. Nesse sentido, temos de esclarecer que só no ano de 2020 veio a Requerente a construir uma nova unidade produtiva, na qual veio a colocar diversos equipamentos produtivos. Contudo, apesar de não estar aqui em análise o período de 2020, não se questiona que a nova unidade industrial, tal como foi constatado na visita efetuada, possa contribuir para o aumento da capacidade até então instalada: no entanto, o investimento que está em análise no período de 2019 não contribuiu para esse aumento, desde logo porque se trata de aquisições isoladas. consistindo em reparações. manutenções. substituições ou até beneficiações.
Refere a Requerente que:
A aquisição de equipamentos complementares para apetrechamento da unidade fabril inequivocamente ligados à linha de produção deve ser considerada investimento inicial e configura uma adição elegível no âmbito do RFAI.
Os ativos em causa correspondem a ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado novo.
Ficou demonstrado que a Requerente fez vários investimentos em 2019, permitindo o fabrico de mais e novos produtos, pelo que não podemos considerar que estamos perante aquisições ad hoc de equipamentos, sem ligação a um projeto integrado e agregador, devendo ser considerados na dotação do RFAI, o investimento com maquinaria de produção.
iv- Equipamento de autoproteção
Conclui a Requerida que:
Conforme faturas juntas ao processo administrativo durante o período de 2019, a Requerente adquiriu vários equipamentos de segurança, tais como extintores, detetor de fumos, sirenes, central de incêndio e até formação de combate a incêndios.
Resumidamente, trata-se de investimentos em equipamentos de segurança, que mais não são de que investimento necessário para o normal funcionamento de uma unidade industrial, podendo a sua aquisição referir-se a substituição ou melhoria do material instalado, o que muitas vezes acontece inclusive por obrigação do setor de atividade em que se insere.
Pelo que não integra o conceito de investimento inicial.
Adianta a Requerente que:
Os bens foram adquiridos em estado novo e destinavam-se a garantir a segurança das instalações, que correspondendo a equipamentos básicos que no âmbito do processo normal de laboração, asseguram a manutenção do aumento da capacidade de produção, pelo que não pode a AT desconsiderar tal investimento.
v- Peneiros
Diz a Requerida que:
Conforme fatura junta ao processo administrativo, a Requerente adquiriu “peneiros” no valor total de 2.950,00 €.
Referem os serviços de inspeção no relatório por si elaborado que, no âmbito da visita às instalações da empresa efetuadas em 27 de junho de 2022, foram identificados os referidos “peneiros”, tendo o sócio-gerente, C..., explicado que os novos peneiros visam “peneirar a matéria-prima”, retirando pedras e outros resíduos.
Conforme relatado no relatório de inspeção, o citado sócio-gerente referiu também que estes “peneiros” eram mais rápidos e destinaram-se a substituir outros, que tiveram como destino a sucata. Portanto, tratam-se de acessórios de equipamento que permitiram a manutenção da atividade já existente, e que substituíram outros. Eventualmente com melhor performance, naturalmente fruto da normal evolução tecnológica.
Refere a Requerente que:
Este equipamento é um “investimento inicial”, fazendo parte de um conjunto de despesas incorridas pela Requerente no âmbito de uma estratégia global de longo prazo de aumento da capacidade produtiva, pelo que não podem corresponder a meras despesas correntes associadas ao normal funcionamento da unidade fabril ou investimentos de substituição.
vi- Porta paletes
Diz a Requerida que:
A Requerente vem identificar a aquisição de porta paletes como fazendo parte do “Investimento Inicial”, na tipologia por si indicada de “Aumento da Capacidade de Estabelecimento Existente”. Ora, como facilmente se depreende, o porta-paletes, são um equipamento essencial para o desenvolvimento e manutenção da atividade da Requerente, mas, na ausência de um projeto global do aumento da capacidade, mais não são do que equipamento isolado. A aquisição de ativos isolados ou de equipamentos de substituição, como ocorre de forma evidente no caso em apreço, não pode ser aceite para efeito de aplicação do regime do apoio ao investimento, ainda que tenham em vista o aumento da rentabilidade da empresa ou da sua produtividade, a redução de desperdícios ou mesmo a modernização.
Refere a Requerente que:
Conforme referido nos autos, o investimento realizado com a porta paletes, empilhadores e outros contribuiu para a transformação e atualização dos modelos de produção da Requerente, como para o incremento da eficiência dos processos e a redução dos consumos de energia e minimização dos desperdícios na sua produção
vii- Sistema de relógio de Ponto e Central Telefónica
Refere a Requerida que:
Não se colocando em causa que estejamos perante a aquisição de equipamento novo, certo é que se trata de equipamento não afeto à produção, pelo que, nos termos da subalínea vi) da alínea a) do nº 2 do artigo 22º. não é aceite para efeitos do benefício fiscal do RFAI. Aliás, não existindo qualquer informação em contrário, tanto um sistema de relógio de ponto como uma central telefónica são de equipamentos de substituição, que poderão possibilitar aumentar ganhos de eficiência.
Refere a Requerente que:
Os relógios de ponto e demais equipamentos diversos contribuíram para a transformação e atualização tecnológica do modelo de produção, bem como para o incremento da eficiência dos processos, revelando-se aptos, em conjunto com os demais investimentos realizados, ao aumento da capacidade produtiva, que ademais se verificou
2.3.2- Como melhor se contextualizará, no enquadramento de direito, não tendo sido arroladas testemunhas, os elementos carreados para os autos não se mostram sólidos e robustos para prova do facto alegado pela Requerente - considerado não provado - em função das pretensões aduzidas.
Na verdade, não foram, em termos práticos, demonstrados - de forma concreta - os eventuais ganhos de produtividade operacional da substituição dos telhados, ou, mesmo, funcionalidade e eficiência energética, que pudessem ser apreciados num investimento global de aumento de capacidade produtiva do estabelecimento.
Assim, considera-se, que - relativamente à substituição dos telhados - a Requerente não logrou afastar a dúvida fundada invocada pelos SIT sobre o carácter exclusivamente substitutivo do equipamento em causa e sobre a sua não inclusão no conceito de investimento inicial.
Sendo certo, como se disse, que a prova destes factos recaia sobre a Requerente nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, já que é esta que pretendia através deles fazer valer o direito ao benefício fiscal RFAI. Foi, contudo, um ónus que a Requerente não logrou cumprir.
2.3.3- Relativamente aos outros equipamentos desconsiderados, enumerados em g) dos factos provados;
É certo, que, em absoluto rigor, não foram, nos referidos termos práticos, suficientemente demonstrados - de forma concreta - os eventuais ganhos de produtividade operacional, individualmente considerada, no aumento de capacidade produtiva do estabelecimento.
Porém, ao contrário da substituição dos telhados, considera o Tribunal, que aqui não estão em causa investimentos, relativamente aos quais a Requerente se limita a invocar, sem mais, o aumento da capacidade instalada.
Pelo contrário, verifica-se que é aqui, notória a constatação que os novos equipamentos, na globalidade (e cada um por si), além das melhorias na qualidade do acabamento de produtos produzidos, acrescentaram outros, e, sobretudo, revolucionaram o próprio método de produção, (incluindo a vertente de sustentabilidade e segurança). Com isso consequenciando uma quantificação concreta de – enorme – ganho de produção resultante do investimento a que a empresa se propôs, em função da estratégia delineada.
Assim, considera-se que a Requerente logrou afastar as dúvidas invocadas pelos SIT, devendo a aquisição, (que não é posta em causa), dos referidos equipamentos, ser considerada como um investimento inicial com vista ao aumento da capacidade de estabelecimento existente.
3- O DIREITO
A principal questão que deve ser analisada prende-se com as características e finalidade dos equipamentos adquiridos. Com efeito, mostra-se necessário apurar se os mesmos tiveram a natureza de investimento isolado ou estratégico e, ainda, se se trata juridicamente de mero investimento de substituição (que, no entender da AT, é sinónimo de investimento sem relação com o aumento da capacidade de um estabelecimento existente) ou de investimento inicial, para se poder concluir que a aquisição do equipamento em causa é (ou não é) elegível para efeitos do benefício do RFAI.
3.1- Como se viu, entende, resumidamente, a AT que:
Não obstante os investimentos efetuados, num total de 471.205,42 €, poderem ser traduzidos em diversas vantagens, designadamente em ganhos de eficiência produtiva, não se afigura que possam ser enquadrados na tipologia relativa ao "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente", pois não constituem investimento inicial.
São apenas investimentos avulsos, sem interligação entre si, que entraram imediatamente em funcionamento aquando da sua aquisição (com exceção da máquina de engobe e polimento que, mesmo à data da inspeção, ocorrida em 2022, ainda não estava em funcionamento), não sendo aceitável a justificação de que são integrados num projeto de investimento inicial, conforme legalmente se exige, pelo que a Requerente não tem direito a deduzir à coleta o valor de 84.727,22 €
Com efeito, o aumento da produção não significa necessariamente aumento da capacidade de produção instalada. A Requerente invoca sistematicamente questões de sustentabilidade, ambientais, de segurança. Porém, não se podem agregar investimentos que ocorrem por imposição legal (relacionado com questões ambientais, de segurança ou de saúde) ou por necessidade manutenção da atividade pré-existente, com investimentos elegíveis para efeitos de benefícios fiscais. Foi o que se verificou no caso concreto.
Pese embora os inúmeros benefícios/vantagens indicados pela Requerente que conduziram a uma maior eficiência do processo produtivo, o investimento descrito não é suscetível de integrar o conceito de "investimento inicial" a que se refere o artigo 11.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, na tipologia de "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente" e, nesses termos, não pode beneficiar do RFAI relativamente a esse investimento.
3.2. Por seu lado, a Requerente, explicou que a dedução relativa ao benefício fiscal do RFAI correspondeu à aquisição dos equipamentos, supra elencados, concluindo que o equipamento adquirido não substituiu o equipamento existente, inserindo-se numa lógica de aquisição estratégica, tendo em vista possibilitar o (e contribuir para o) aumento da capacidade produtiva da empresa, satisfazendo as novas procuras de produtos, sobretudo por parte da B..., (cliente privilegiada),
O projeto de investimento do ano de 2019 implicou a melhoria operacional do edifício fabril existente, a aquisição de diversos equipamentos necessários para melhorar a eficiência energética e a produtividade no processo de fabricação de produtos, bem como o processo final de embalamento.
Para o efeito, a Requerente investiu num conjunto de ativos (equipamentos de segurança, porta paletes, central telefónica, relógio de ponto, construção de muros, substituição de telhados, prensa, sistema solar fotovoltaico, entre outros), tratando-se de verdadeiros investimentos suscetíveis de aumentar a capacidade produtiva da Requerente, inseridos numa estratégia global de crescimento.
Quando se aumenta a capacidade de produção da Requerente, toda a estrutura da empresa tem de acompanhar esse aumento, designadamente equipamentos, construções e outros, para assistir à produção.
É precisamente do conjunto de todos os elementos que resulta o aumento da capacidade de produzir.
Os investimentos realizados pela Requerente não configuraram uma mera substituição ou reparação de antigos equipamentos, mas sim a aquisição de novos ativos, mais adequados ao aumento da capacidade de produção.
O intuito da Requerente, entre outros, foi de investir e capacitar o processo produtivo para o fabrico de novas peças, designadamente, peças de tamanho inferior, dando lugar a novas coleções.
Claro está que tal implicou um aumento da capacidade de produção, na medida em que foi possível à Requerente produzir, no mesmo período temporal, um maior número e novas peças por cada ciclo.
Ora, não obstante de, efetivamente, se verificar uma diversificação da produção de um estabelecimento, na medida em que foram fabricados novos produtos, tal não significa que o processo subjacente não tenha implicado um aumento da capacidade de produção.
A Requerente estava ciente da necessidade de investir no aumento da capacidade produtiva da fábrica para dar resposta aos pedidos solicitados pelos clientes que estava a alcançar, entre os quais o B...,
Pelo que devem estes investimentos ser enquadráveis no conceito de “investimento inicial”, e, como efetivamente configuram um “aumento da capacidade existente”, ser considerados na dotação do RFAI referente ao período de 2019, os investimentos do sistema solar fotovoltaico.
DECIDINDO
Investimentos elegíveis para efeitos de RFAI
3.3- Como se referiu o n.º 2 do artigo 22.º do CFI (Dec.-Lei n.º 162/2014, de 31/10), relativo ao «âmbito de aplicação e definições» quanto ao RFAI: “consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa: a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de: i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa; ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas; iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas; iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística; v) Equipamentos sociais; vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa”.
Concluindo-se que a aquisição dos equipamento, em causa, para poder ser elegível para efeitos do benefício do RFAI: i) terá de ter a natureza de investimento estratégico (por contraposição a isolado), dado o disposto na citada al. c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI; e ii) terá de consistir num investimento inicial (por contraposição a investimento de substituição), dado o disposto nos citados artigos 2.º, § 49.º, al. a), do RGIC, e 2.º, n.º 2, al. d), da Portaria n.º 297/2015, de 21/9.
Entende o Tribunal que assiste razão a Requerente. Um tal investimento não constitui uma aquisição isolada de cada um dos ativos, (excecionando a substituição dos telhados), antes tem a natureza de investimento estratégico. A Lei não impõe como requisito que os bens adquiridos tenham de produzir diretamente o produto final. A aquisição de bens que (como sucedeu no caso destes autos) possibilitem ou permitam aumentar a capacidade produtiva da fábrica tem uma natureza planeada e prospetiva, contribuindo, estrategicamente, para o “aumento da capacidade de um estabelecimento existente” – que é a condição exigida pelo RGIC e pela Portaria n.º 297/2015 para que se possa considerar estarmos na presença de um investimento inicial, elegível para efeitos de aplicação do benefício do RFAI aqui em causa.
Na verdade, os investimentos realizados pela Requerente são parte integrante do investimento que a mesma efetuou, tendo como objetivo o aumento da sua capacidade de operacional de produção instalada, contribuindo, como bem se diz, na Decisão n.º 590/2023-T, para a transformação e atualização tecnológica do modelo de produção, bem como para o incremento da eficiência dos processos, revelando-se aptos, em conjunto com os demais investimentos realizados, ao aumento da capacidade produtiva, que ademais se verificou.
Nomeadamente, a instalação de um sistema fotovoltaico inclui-se na aquisição de bens para capacitação / aumento da capacidade produtiva da Requerente, pois o aumento da produção sempre será condicionado à existência de um elemento de fornecimento de energia, com produtividade, potência e suficiente sustentabilidade, que permita, capazmente, sustentar a laboração das instalações fabris modernizadas com novos equipamentos.
Refira-se que para que um investimento possa beneficiar do RFAI não é condição que haja um aumento efetivo da capacidade produtiva, bastando que o investimento seja apto a atingir esse objetivo, como sucede in casu.
Deste modo, estes investimentos são elegíveis para efeitos de RFAI, na medida em que se enquadram numa das situações previstas no artigo 2.º, n.º 2 alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, e na alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC.
Secunda-se a jurisprudência firmada no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 574/2020-T, segundo a qual “ (…) a aferição dos requisitos de que depende a aplicação deve fazer-se globalmente, tendo em conta a globalidade dos investimentos a que se referem as aquisições, não havendo assim, em princípio, ativos fixos tangíveis que pela sua natureza, não se enquadrem no âmbito de qualquer projeto de expansão da capacidade produtiva da A…, nem são proporcionadoras da criação de postos de trabalho.(…)”
Quanto aos tipos de ativos que, pela sua natureza, não se enquadram no projeto de expansão da capacidade produtiva, este Tribunal adere à decisão proferida no âmbito do Processo n.º 590/2023-T, e que se transcreve de seguida: (…) “os equipamentos básicos e administrativos adquiridos são complementares dos outros investimentos realizados, inseridos numa estratégia global de longo prazo de aumento da capacidade produtiva da empresa.
Ou seja, eles não correspondem a meras despesas correntes associadas ao normal funcionamento da unidade fabril, que a Requerente teria de assumir independentemente do investimento inicial feito.
Para este Tribunal é verosímil que a aquisição dos mencionados equipamentos, considerados na sua globalidade, complemente os demais investimentos realizados, existindo uma interdependência e relação de causalidade entre ambos relativamente ao objetivo de expansão da capacidade produtiva. (…)”
Atento a tudo quanto acima se expendeu, julga-se que, à exceção da substituição dos telhados, a Requerente demonstrou que os equipamentos diversos (isolados) foram adquiridos no âmbito da execução do projeto de investimento inicial apto a aumentar a capacidade produtiva instalada, sendo, assim elegíveis para efeitos de RFAI, e em consequência decidir pela procedência do pedido arbitral.
Terá, pois, que ser anulado o ato que incorpora a correção do valor deduzido à coleta, à exceção de €78.960,00, correspondente à substituição dos quatro telhados.
Juros indemnizatórios
3.4- A Requerente pede, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde o pagamento indevido do imposto.
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
Foi o que sucedeu no caso em apreço, visto que ficou demonstrado que, em parte, as Liquidações Contestadas padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual a Requerente em nada contribuiu (estão em causa liquidações adicionais oficiosamente promovidas), e que desse erro resultou pagamento de IRC em montante superior ao legalmente devido.
Assim, conclui-se que a Requerida deverá pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre o montante de imposto e juros indevidamente pago por esta, desde a data do respetivo pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
3.5- O ato de liquidação, que incorpora a correção à coleta, efetuada, relativamente a este investimento - àexceção de €78.960,00 - correspondente à substituição dos quatro telhados – enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, parcial, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, al. c), da LGT (e do artigo 29.º, n.º 1, al. d), do RJAT).
4- DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral, em:
- Julgar, parcialmente, procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando, nessa medida, a anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa.
- Anular, parcialmente, a liquidação de IRC/2019, nos termos referidos, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente, em conformidade, incluindo juros indemnizatórios sobre o montante, desde a data do pagamento pela Requerente.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €92.693,89, indicado pela Requerente e não questionado pela Requerida.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida e Requerente, na percentagem de 83% e 17%, respetivamente.
Notifique-se.
08 de maio de 2025
Os árbitros,
Rui Duarte Morais
Fernando Miranda Ferreira
(Relator)
Júlio Tormenta