SUMÁRIO
O conhecimento do mérito de qualquer processo tributário arbitral supõe a não verificação de exceções que impeçam essa intervenção, exceção que se considera existir quando o contribuinte solicita aquela tutela a entidade judicial arbitral sem competência – que se pode considerar material – com vista à anulação de atos de retenção na fonte não tendo tido antes o cuidado de fazer a impugnação graciosa prévia que é especialmente imposta como instrumento próprio previsto no art. 132.º do CPPT, a qual não pode ser entendida como idêntica ao regime geral do pedido de revisão oficiosa do art. 78.º da LGT em vista dos seus fins particulares, por aplicação do princípio da tipicidade dos meios graciosos de impugnação tributária; nem sequer o assunto tem que ver com a passagem ou não do prazo de dois anos que ali se estabelece, sendo certo que o preceito do art. 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, faz essa exigência, aplicando-a à justiça arbitral, e daí derivando a absolvição da instância, com o consequente prejuízo da apreciação de outras questões de natureza de exceção processual ou concernentes ao mérito da causa arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 14 de novembro de 2024, decide o seguinte:
I. {C}{C}{C}RELATÓRIO
1. Em 26 de agosto de 2024, A..., Organismo de Investimento Coletivo, constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ..., Alemanha, veio apresentar, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do Regime Jurídico em Matéria Tributária (adiante RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, um pedido de pronúncia arbitral, solicitando a anulação das retenções, em IRC, feitas a título definitivo, alusivas aos anos de 2020, 2021 e 2022, com correspondência às guias n.º ... (2020-05), n.º ... (2021-04) e n.º ... (2022-04), tudo no montante de 33.978,60 euros, com o consequente reembolso dos pagamentos indevidos, além do pagamento de juros indemnizatórios e das custas da arbitragem, apresentando como fundamento o facto de se dever aplicar o art. 63.º do TFUE, que estenderia a aplicação do art. 22.º do EBF – prima facie só aplicável a entidades congéneres sedeadas em Portugal – a qualquer outra entidade sedeada no território dos Estados-Membros da União Europeia, como seria o caso da requerente, pois que está sedeada na República Federal Alemã.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 27 de agosto de 2024, e em conformidade com o preceituado no art. 11.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66º-B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada, nessa data, à Autoridade Tributária (AT), ora Requerida.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do art. 6.º, n.º 1, e do art. 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT, o Conselho Deontológico, em 14 de outubro de 2024, designou o árbitro signatário, que comunicou, no prazo legalmente estipulado, a aceitação do respetivo encargo.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do art. 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT e arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Deste jeito, o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 14 de novembro de 2024, com base no disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta.
6. A Requerida apresentou a sua resposta em 21 de janeiro de 2025, defendendo-se por exceção e por impugnação:
- por exceção, invocando as exceções dilatórias tanto do caráter não impugnável do objeto arbitral quanto à retenção do ano de 2020, como da incompetência do tribunal arbitral por não ter havido essa reclamação prévia, assim não se verificando o preenchimento do requisito fixado no art. 2.º, al. a), in fine, da Portaria n.º 112-A/20211, de 22 de março;
- por impugnação, ao não considerar pertinente a interpretação de direito sugerida pela Requerente, salientado a diferença, em termos de teleologia fiscal, de as entidades tributárias estarem ou não sedeadas em Portugal.
7. Nos termos processuais, em 13 de março de 2025, a Requerente fez chegar aos autos o seu entendimento, em réplica, quanto às exceções processuais alegadas pela Requerida, contestando-as com a invocação de diversa jurisprudência – do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo – seguindo a ideia de que o art. 132.º do CPPT não poderia ser interpretado como prejudicando o contribuinte perante o mecanismo geral do art. 78.º da LGT, que lhe daria uma maior latitude de impugnação administrativa com base no prazo de 4 anos ali está consagrado.
8. Convidadas a apresentar alegações escritas, apenas a Requerente o fez, em 5 de maio de 2025.
II. {C}{C}{C}SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 14 de novembro de 2024, em conformidade com o preceituado na al. c) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
11. São alegadas pela Requerida exceções processuais atinentes à não impugnabilidade dos atos objeto do processo arbitral, bem como à não verificação da própria competência material do tribunal no sentido de do mesmo poder conhecer.
12. Sendo este assunto das exceções prioritário, deve, contudo, fazer-se a fixação dos factos, para depois de passar à questão de direito desta decisão, essas ou quaisquer outras que se coloquem à consideração do Tribunal Arbitral.
13. Cumpre, então, apreciar e decidir.
III. {C}{C}{C}DOS FACTOS
14. A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e dos elementos remetidos aos autos, seguindo-se os princípios processuais vigentes no tocante à margem de apreciação do Tribunal Arbitral, fixa-se como segue:
A) {C}{C}{C}Factos Provados
15. A Requerente é A..., um Organismo de Investimento Coletivo, constituído de acordo com o direito alemão.
16. A Requerente tem o número de contribuinte português ... e está sedeada em ..., na Alemanha.
17. A Requerente, durante os anos de 2000, 2021 e 2022, recebeu dividendos distribuídos pela B..., sociedade sedeada em Portugal, no valor global de 135.914,41 euros.
18. Estes dividendos recebidos foram tributados, em sede de IRC, à taxa de 25%, tal perfazendo o valor de 33.978,60 euros, valores confirmados pela Requerida no âmbito da declaração Modelo 30.
19. Em consequência disso, a Requerente apenas recebeu como dividendos, tendo aquela parcela dos 25% sido retida na fonte, o referido valor total com a substração deste, o que se contabilizou no valor final líquido efetivamente recebido de 101.935,81 euros.
20. Por isso, a Requerente, em 18 de maio de 2023, apresentou à Requerida um pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, quanto à retenção na fonte de IRC a título definitivo, atinente aos anos de 2020, 2021 e 2022, entregue através das guias n.º ... (2020-05), n.º ... (2021 04) e n.º ... (2022-04), solicitando a sua anulação e o consequente reembolso do montante de € 33.978,60.
21. Quanto à retenção do período do ano de 2020, a Requerida rejeitou liminarmente o pedido por já se encontrar ultrapassado o prazo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT “na medida em que, tratando-se do (i) substituído tributário, (i) tendo a retenção na fonte sido efetuada a título definitivo e, (iii) tendo invocado retenção indevida de imposto, é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 137.º do CIRC (norma especial face ao art.º 132.º n.ºs 3 e 4 do CPPT)”.
22. Quanto aos períodos de 2021 e de 2022, a Requerida indeferiu os pedidos nos termos do ponto 4.3 do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
23. Em termos gerais, a argumentação expendida vai no sentido de entender que não lhe assistiria razão quanto ao direito invocado, que se relaciona a suposta discriminação negativa em que consistiria impor a OIC não domiciliado em Portugal uma retenção na fonte que não teria fixado para esses mesmos rendimentos se recebidos por OIC’s sedeados em Portugal, em violação do art. 63.º do TFUE, que obrigaria a uma aplicação alargada do art. 22.º do EBF, por causa da garantia da liberdade de circulação de capitais.
B) {C}{C}{C}Factos não provados
24. Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
C) {C}{C}{C}Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
25. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
26. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. o art. 596.º, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT].
27. Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos.
IV. {C}{C}{C}DO DIREITO
A) {C}{C}{C}A exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral no tocante ao pedido de pronúncia arbitral por não ter havido a reclamação graciosa prévia prevista no art. 132.º do CPPT
28. Invertendo, por razões lógias, o conhecimento das duas exceções invocadas pela Requerida, importa começar pela exceção que consiste na suposta incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae em função dos exatos termos por que a vinculação da AT à justiça arbitral está definida na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, assunto que se refere ao conjunto dos três atos de retenção na fonte dos anos de 2020, 2021 e 2022.
29. Afirma a Requerida que, “…relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, tendo em conta que o pedido de revisão foi rejeitado liminarmente por intempestividade” (n.º 18 da resposta).
30. Assim teria sido porque “…a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido artigo 132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto” (n.º 19 da resposta).
31. Ora, a consequência teria sido a de colocar o pedido arbitral fora da competência material do justiça arbitral do CAAD tal como ela é definida no art. 2.º, al. a), no ponto preciso em que aqui emerge uma limitação à cláusula geral de arbitrabilidade da impugnação dos atos tributários em geral.
32. O fundamento para a verificação dessa exclusão que excluiria a jurisdição arbitral do conhecimento do concreto pedido consistiria no facto de a Requerida considerar o seguinte: “…o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 de tal artigo (neste sentido os votos vencidos nos processos n.ºs 619/2023-T e 445/2024-T do CAAD)” (n.º 21 da resposta).
33. No plano jurisprudencial, de entre outros, a Requerida invoca em socorro da sua ideia a decisão arbitral proferida no Processo n.º 382/2019-T, no seguinte trecho: “O RJAT contém uma previsão ampla de arbitragem em matéria tributária que, todavia, não tem operacionalidade imediata, uma vez que fica condicionada à vinculação da AT. Tal vinculação traduz-se numa reserva da Administração – representada pelos Ministros das Finanças e da Justiça – e que é objeto de uma limitação concreta, por via de exceções expressamente identificadas. Entre elas, as pretensões tendentes à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT. Atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem, o intérprete não pode ampliar o objeto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT aos tribunais arbitrais.» (n.º 22 da Resposta).
34. Na sua réplica às exceções, a Requerente teve a oportunidade de rejeitar a bondade desta solução, dizendo que assim não seria, apresentando em seu favor diversas posições jurisprudenciais e doutrinárias.
35. No tocante a decisões jurisprudenciais, alude ao facto de entender de modo diferente seria dar mais valor a “…uma posição claramente isolada (vertida numa decisão arbitral e num voto de vencido, autoria de um mesmo Árbitro), pois esta mesma questão tem sido decidida unanimemente em casos em tudo semelhantes pelo STA (vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022, no processo n.º 0565/07, de 14.11.2007, no recurso n.º 26233, de 12.12.2001, no recurso n.º 1460/02, de 25.03.2005, recurso n.º 1461/02, de 19.02.2003, recurso n.º 1771/02, de 02.04.2003, recurso n.º 422/03, de 09.04.2003)” (n.º 4 da réplica).
36. Refere-se ainda uma outra decisão judicial: “Como pode ler-se no acórdão do STA no processo n.º 087/22.5BEAVR, de 09.11.2022 “[o] meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)” (n.º 6 da réplica).
B) {C}{C}{C}A posição do Tribunal Arbitral – a aplicação preferente do regime especial da reclamação graciosa obrigatória e de menor prazo em relação à garantia geral de revisão dos atos tributários
37. Cabe, pois, ao Tribunal Arbitral decidir este tema da verificação da exceção de incompetência material da jurisdição arbitral havendo um pedido de anulação de atos de retenção na fonte sem a utilização da reclamação graciosa prevista no art. 132.º do CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributário).
38. Importa começar por transcrever o que se diz neste importante art. 132.º do CPPT, o qual se inscreve na perspetiva de se apresentar como um “regime especial” da “Impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias”, sendo a Secção VIII do Capítulo II – sob a epígrafe “Do processo de impugnação”, este se integrando, por sua vez, no Título III, “Do processo judicial tributário”, do CPPT:
Artigo 132.º – “Impugnação em caso de retenção na fonte”
“1 - A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.
2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.
3 - Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de dois anos a contar do termo do prazo nele referido.
4 – O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
5 – (Revogado)
6 – À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior”.
39. Quer isto dizer que o art. 132.º, n. 3, do CPPT se apresenta como uma norma especial em relação ao regime geral da impugnabilidade graciosa dos atos tributários, cuja fonte se encontra descrita no art. 78.º da LGT.
Por razões que se compreendem, e que respeitam à margem de liberdade conformativa do legislador, entendeu-se por bem, naqueles casos e pelas suas características próprias, que se impusesse um “regime próprio de reclamação graciosa”, num prazo mais de curto de dois anos.
40. Não foi essa norma declarada inconstitucional, nem haveria razão para o ser, e muito menos isso tendo sido alguma vez invocado no presente processo arbitral, apenas pelo facto de o prazo nele estabelecido ser mais curto do que o prazo geral de pedido de revisão oficiosa de quatro anos fixado no art. 72.º da LGT.
41. Não foi declarado inconstitucional, e bem, porque se afigura legítimo, por uma questão de segurança jurídica, que os atos de retenção de fonte – pelo seu especial impacto no tráfego jurídico e na legalidade tributária – careçam de uma consolidação mais rápida.
É fácil entender que não há aqui qualquer arbitrária desigualdade na imposição, num prazo menor, de um procedimento de impugnação graciosa, que de qualquer jeito não priva o contribuinte de um mínimo vital de capacidade de intervenção de procurar fazer prevalecer os seus direitos ou defender a legalidade tributária.
42. É de um regime de “especialidade” de que se cura – e não de um regime de “excecionalidade” – porque, em rigor, não há a criação de um “ius singulare”, como seria o caso se se tivesse estabelecido um desvio fundamental ou até mesmo radical, ou mesmo um regime geral absolutamente diverso: o regime que existe, na sua essência, é semelhante, qual seja a possibilidade de, do mesmo modo, embora em termos mais apertados, usar-se um mecanismo de impugnação graciosa prévia na situação particular da retenção indevida na fonte de tributos, que se afere pelo tipo jurídico autónomo de meio impugnatório gracioso previsto, diverso do meio estabelecido no art. 78.º da LGT, segundo os elementos que os identificam, o prazo e não só.
43. Isso é também comprovável pela própria leitura do art. 78.º da LGT, que se transcreve:
“Artigo 78.º - Revisão dos atos tributários”
“1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado.)
3 - A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.
44. Percebe-se da apresentação destes preceitos que a LGT pretendeu estabelecer um regime de impugnabilidade de atos tributários, mas dele não se deduz a sua incompatibilidade expressa com a coexistência de regimes de natureza especial, nomeadamente no tocante a duas características: (i) a feição facultativa ou necessária da intervenção impugnatória administrativa por referência à posterior intervenção judicial; e (ii) a fixação maior ou menor dos prazos aplicáveis ao exercício das garantias administrativas impugnatórias.
Daí se entende que este regime não conflitua com regimes especiais, nem
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sequer tem de ser considerado como prevalecente em relação a outros regimes que se considerem menos favoráveis, já que não se trata de dar ao contribuinte qualquer opção para escolher a via que lhe for mais favorável, mas de respeitar os termos por que o legislador tributário quis desenhar os vários meios de defesa administrativa possíveis, em razão dessas suas idiossincrasias.
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C) {C}{C}{C}A posição do Tribunal Arbitral – o exercício do meio impugnatório administrativo prévio específico como condição de atribuição da competência material da jurisdição tributária arbitral
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45. Não se aceitando qualquer “fungibilidade” de meios graciosos de impugnação no tocante à relação entre o art. 78.º da LGT e o art. 132.º do CPPT, também não se vislumbra como esta especial reclamação prévia obrigatória possa ser incluída – talvez “diluída” – numa garantia geral de impugnabilidade que não tem o condão de levar em consideração as suas reais especialidades.
Tudo isto sem que se vislumbre a razão de fundo para se considerar equivalentes normas de instrumentos legislativos tributários muitos diversos: não se pode comparar a peculiar função de um código de procedimento em relação a uma genérica lei tributária, como é a LGT, que nem lei-quadro ou lei reforçada é, a qual se limita, em muitas vezes, a repetir o que é dito noutros diplomas do Direito Tributário.
46. Deste modo, é de atentar nos termos por que a jurisdição do CAAD foi definida, com a transcrição dos preceitos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em cujo art. 2.º se estabelece o seguinte:
Artigo 2.º - Objeto da vinculação
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
47. É o preceito da al. a) do art. 2.º que interessa porque define a competência da justiça arbitral em termos um pouco mais restritivos depois de essa definição ter sido feita na cláusula geral constante do seu proémio, dizendo-se que a justiça arbitral é competente nas “a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;”.
48. É verdade que este pressuposto processual muitas vezes não é considerado como um pressuposto de “competência”, mas um pressuposto atípico que fixa uma singular exigência para a competência do tributal arbitral poder funcionar, sendo designado sob o nome situação que causa a não impugnabilidade de certos pedidos de pronúncia arbitrais.
49. Eis uma questão de palavas que não é preocupante, na certeza de que se procura a substância do efeito que essa delimitação provoca: o efeito de a sua não verificação ou preenchimento bloquear o funcionamento da jurisdição como se se tratasse de uma exceção de incompetência ratione materiae – no fundo, sendo-o do mesmo modo – porque recortada, não sobre a totalidade de um tipo de procedimento ou imposto, mas sobre uma especial vicissitude que se requer acontecer para o tributal arbitral estar depois habilitado a poder operar.
50. A leitura daquele preceito não suscita ao Tribunal Arbitral dúvida sobre a sua inteligibilidade, até porque se insere numa lógica de fazer corresponder a alternatividade do uso da justiça arbitral às situações que tenham de ser resolvidas mais cedo e diretamente junto da Administração Tributária.
O Estado-Administração, ao escrever o que escreveu na Portaria n.º 112-A/2011, fê-lo em correspondência com esse raciocínio, não o desvirtuando, como seria o caso de prescindir dessa exigência prévia quando o contribuinte recorresse à justiça arbitral, mas sempre tendo de o fazer se, acaso, quisesse apenas caminhar pela via da impugnação judicial estadual.
51. Deve citar-se um trecho do Processo n.º 1000/2023-T:
“Não se põe em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13).
“No entanto, numa interpretação conforme a unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 132.º, n.º 3, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos atos de retenção na fonte.
“Nesse sentido aponta o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22), onde se consigna, na situação abrangida pelo artigo 132.º do CPPT, que a formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, mas esta é necessária para efeitos de dedução de impugnação judicial”.
52. O mais importante, porém, é demonstrar que, efetivamente, não se dá por preenchido o requisito da prévia reclamação administrativa, que o texto do art. 132.º do CPPT se refere a dois anos.
São estas as razões que o justificam:
- por um lado, por aquilo que se disse, não há confusão possível entre a reclamação graciosa do art. 132.º do CPPT e os meios gerais do art. 78.º da LGT, na convicção de que a Requerente pediu a intervenção da Requerida, sim, não a título de “reclamação graciosa”, antes como pedido de “revisão de ato tributário”, não bastando fazê-lo apenas, mas sendo necessário fazer com a invocação do título certo que legitima essa impugnação administrativa, recortado no regime do art. 132.º do CPPT;
- por outro lado, a questão de saber se o prazo de dois anos passou ou não é irrelevante – tendo tal só acontecido em relação à retenção atinente ao ano de 2020, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 18 de maio de 2023 – porque o que interessa é a natureza da impugnação que a Requerente fez junto da Requerida, nem sequer sendo importante se a resposta de indeferimento foi expressa ou tácita: a partir do momento em que se considera que não foi feita qualquer reclamação graciosa “proprio sensu”, e também pouco importando se a mesma foi indeferida por intempestividade ou por razões de mérito, não se dá por cumprido o requisito constante do art. 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, segundo o qual as pretensões com vista à declaração da ilegalidade de atos de retenção têm de precedidas de verdadeiras e próprias impugnações administrativas nos termos dos arts. 131.º a 133.º do CPPT, como se percebe que não sucedeu com o título jurídico ilustrado pelo artigo que a Requerente invocou para a impugnação administrativa indeferida, que foi o art. 78.º da LGT e não o art. 132.º, n.º 3, do CPPT, num erro de direito fatal.
53. Nem sequer vale dizer que, segundo esta exigência, se limitaria excessivamente o recurso; ou que até, in casu, se prejudicariam os interesses de um contribuinte estrangeiro, no caso alemão, pois que, não vivendo em Portugal, precisaria de mais tempo para se inteirar acerca dos meios de defesa existentes para reagir contra eventuais ilegalidades tributárias.
Isso é tudo despiciendo porque não só o prazo mais curto, e a escolha de uma via especial de impugnação, são proporcionadas e razoáveis, como o facto de se tratar de um contribuinte não residente não lhe dará por certo mais direitos em relação aos contribuintes residentes em face de uma mesma Ordem Jurídica, que ambos têm a obrigação de conhecer nas suas regras e princípios aplicáveis, sem qualquer distinção em função desse ou de outros critérios.
D) {C}{C}{C}Não conhecimento, por inutilidade, da outra exceção dilatória, bem como do mérito do processo arbitral, incluindo o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e das custas da arbitragem
54. Não podendo o presente pedido de pronúncia arbitral ser conhecido, perante a verificação da exceção dilatória mencionada de incompetência do Tribunal Arbitral, segundo os fundamentos expostos relacionados com o não cumprimento do art. 2.º, al. a), in fine, da Portaria n.º 112-A/2021, de 22 de março, considera-se prejudicado, porque inútil:
- o conhecimento da exceção da não impugnabilidade do pedido em relação à retenção na fonte de 2020, invocando-se aí uma especial intempestividade de 2 anos;
- o conhecimento do mérito da tributação realizada, na ponderação sobre se seria ou não procedente a aplicação preferente de uma disposição do art. 63.º do TFUE que impusesse a aplicação a todos da isenção apenas prevista para os contribuintes sedeados no território nacional, em nome da liberdade de circulação de capitais;
- o conhecimento do assunto da devolução dos valores retidos, bem como a existência de juros indemnizatórios ou o pagamento das custas da arbitragem.
V. {C}{C}{C}DECISÃO
55. Termos em que o Tribunal Arbitral decide:
a) {C}{C}{C}Absolver a Requerida da instância, por verificação da exceção processual da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão de o mesmo não ter sido habilitado por norma superior acerca do conhecimento de um pedido de anulação de atos de retenção não precedido da impugnação prévia especificamente imposta pelo art. 132.º do CPPT;
b) {C}{C}{C}Não conhecer, por inutilidade, a exceção invocada pela Requerida a respeito do caráter não impugnável do ato de retenção na fonte de IRC atinente ao ano de 2020, por razões específicas de intempestividade;
c) {C}{C}{C}Não conhecer o mérito das pretensões formuladas pela Requerente, mantendo-se os atos produzidos como válidos na Ordem Jurídica;
d) {C}{C}{C}Condenar a Requerente no pagamento das custas da arbitragem.
VI. {C}{C}{C}VALOR DO PROCESSO
56. De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e art. 3.º, n.º 2, do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de €33.978,60 (trinta e três mil, novecentos e setenta e oito euros e sessenta cêntimos), correspondente ao valor de imposto que a Requerente computa como tendo sido indevidamente pago, que é o valor do pedido de pronúncia arbitral, o qual não foi objeto de contestação.
VII. {C}{C}{C}CUSTAS
57. Custas a cargo da Requerente, de acordo com o art. 12.º, n.º 2, do RJAT, do art. 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), em virtude de ter sido ela que deu causa à decisão de absolvição da instância ao ter intentado indevidamente o presente pedido, nos termos da decisão arbitral proferida.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de maio de 2025.
O Árbitro
Jorge Bacelar Gouveia
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art. 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. A redação da presente decisão rege-se pelo Acordo Ortográfico de 1990 em vigor.