CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 907/2024-T
Tema: Contribuição Serviço Rodoviário – competência, legitimidade, ineptidão do pedido, caducidade, conformidade com a Directiva 2008/118 – prova da repercussão.
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SUMÁRIO
1. {C}A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.
2. {C}As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.
3. {C}A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
4. Para a Requerente provar o direito que alega à restituição da CSR deve demonstrar cumulativamente dois aspetos:
(i) {C}Por um lado, que a CSR lhe foi efetivamente repercutida, quais os montantes e em que períodos;
(ii) {C}Por outro lado, que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que, no preço dos serviços que presta, não estava contemplada a repercussão da CSR.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A... LDA., pessoa coletiva sob o número único ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 26-07-2024, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de CSR, objecto de repercussão nas facturas que identifica, referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, com todas as consequências legais, designadamente com a anulação e a restituição dos montantes de CSR indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-07-2024.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da sua designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 18-09-2024 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 08-10-2024.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Colectivo encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Previamente à constituição do tribunal arbitral a Requerida apresentou requerimento solicitando que a Requerente identificasse o(s) acto(s) de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada.
3.6. Apresentada resposta, a Requerente foi notificada, por despacho de 25-10-2024, para se pronunciar relativamente às excepções suscitadas, tendo, em simultâneo, sido dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e consequente anulação dos actos de repercussão consubstanciados em facturas referentes ao período decorrido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
- A Requerente, enquanto consumidora final, pretende a revisão das liquidações de CSR cujos encargos foram por si suportados durante o período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022 e, consequentemente, o reembolso dos montantes indevidamente liquidados, por entender ser tal contribuição contrária às disposições do Direito da União Europeia e, por via disso, manifestamente ilegal, conforme, aliás, declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do Processo C-460/21, de 07.02.2022.
- Tendo ocorrido a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou, este encontra-se compreendida no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, sendo este Tribunal concretamente competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito sub judice e, bem assim, dos actos tributários subjacentes ao mesmo.
- Não obstante a Requerente não ser o sujeito passivo da CSR, a sua legitimidade procedimental para requerer a revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de CSR e a sua legitimidade processual para sindicar a ilegalidade dos mesmos na sequência da presunção do indeferimento tácito do referido pedido de revisão oficiosa, encontram-se plenamente garantidas na ordem jurídica.
- Foi a Requerente quem efectivamente suportou o valor da CSR, por efeito da repercussão operada.
- No âmbito da sua actividade, no período compreendido entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu combustível, os quais foram facturados por B..., Lda, C... (Portugal), Lda, D..., SA e por E..., SA, com o que suportou, a título de CSR a quantia de 256.178,13 €.
- Com efeito, a Requerente suportou efetivamente o encargo económico da CSR por via da sua repercussão pelo sujeito passivo.
- A CSR foi introduzida no ordenamento jurídico por intermédio da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, com o intuito de financiar a rede rodoviária nacional, outrora a cargo da Estradas de Portugal, E.P.E, pelos seus utilizadores, enquanto contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional.
- Pese embora a CSR se baseasse, parcialmente, nas regras que disciplinam o ISP, nomeadamente no que respeita à incidência subjectiva e objectiva, a mesma constituía um tributo verdadeiramente distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprios, devendo ser qualificado como um verdadeiro imposto.
- Ora que possamos afirmar que a CSR consubstancia uma verdadeira contribuição, seria necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos, o que, verdadeiramente, não sucede.
- A CSR é cobrada independentemente da utilização da concreta “rede rodoviária nacional” que a Infraestruturas de Portugal tem a seu cargo, na medida em que a contribuição é devida pelos sujeitos passivos do ISP que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Desta forma, a CSR não apresenta a estrutura comutativa característica das contribuições financeiras.
- A plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, implica o reembolso da prestação tributária indevidamente realizada.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:
- Suscita as excepções de incompetência material do tribunal, ilegitimidade da Requerente, ineptidão da petição inicial e intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
- Encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum
- Só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago a que acresce o facto de, contrariamente ao pretendido pela Requerente, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, mas antes a possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final.
- No caso sub judice, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu à sua fornecedora, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportaram, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassaram no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais.
- Relativamente à CSR não existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
- Verifica-se a excepção de ineptidão da petição inicial, por falta de objecto, ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir.
- Assim é, e na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer acto tributário; apresenta como causa de pedir, para efeitos de reembolso do que foi pago, a repercussão de um tributo alegadamente inválido por conformidade com o direito da União Europeia que não identifica através de mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas. Foi, por isso, violado o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, b) e 577.º, al. b) do CPC (aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.
- Para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, face à não identificação do ato tributário em litígio, é impossível.
- De qualquer forma, tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições nos anos de 2019 e 2022, em 15-09-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT.
- Ademais, não será de admitir o pedido de revisão oficiosa no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
- Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter os actos em causa.
II – SANEAMENTO
6.1. Conforme adiante se fundamenta, o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. A Requerente pronunciou-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida, as quais se apreciarão à frente nesta decisão.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
B) Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) {C}A Requerente é uma sociedade que se dedica ao exercício da actividade de transportes públicos e ocasionais de mercadorias e comércio de materiais de construção, construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis, gestão de resíduos, actividades agrícolas, silvícolas e exploração florestal
b) {C}No exercício da sua atividade, adquiriu as seguintes quantidades de combustíveis:
- À sociedade B..., Lda., NIPC..., entre 03-01-2019 e 31-12-2022, 233.843 litros de gasóleo;
- À sociedade C... (Portugal) Lda., NIPC ..., entre 15-03-2020 e 25-12-2022, 53.118,35 litros de gasóleo;
- À sociedade D... SA., NIPC ..., entre 31-01-2019 e 31-12-2022, 2.012.995,45 litros de gasóleo;
- À sociedade E..., SA., NIPC 502840153, entre 31-01-2019 e 31-12-2022, 7.962,58 litros de gasóleo.
c) {C}A sociedade B..., Lda declarou ter repercutido à Requerente, nas facturas relativas ao combustível que lhe forneceu, a CSR que havia suportado,
d) {C}A qual ascendeu a 25.956,40 €, assim repartido:
- 2019: 7.780,17 €;
- 2020: 7.079,07
- 2021: 3.948,04 €;
- 2022: 7.149,12 €
e) A Requerente apresentou, em 29-12-2023, pedido de revisão, oficiosa com vista à anulação dos referidos actos de liquidação de CSR, que alegou ter-lhe sido repercutida através das aludidas facturas, ao qual foi atribuído o n.º ...2024... .
e) Até à data de apresentação do pedido arbitral -26-07-2024 - não foi emitida qualquer decisão relativamente ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito.
C) Por outro lado, o Tribunal não considerou provado que:
a) {C}A Requerente tenha suportado os custos dos montantes da CSR que o seu único fornecedor de combustível que era sujeito passivo – a D... – terá pago de CSR;
b) {C}A Requerente tenha suportado aumentos de preços de combustíveis imputáveis aos valores que os sujeitos passivos de CSR tenham pago e tenham eventualmente repassado aos fornecedores de combustíveis da Requerente, nem quais seriam tais sujeitos passivos;
c) {C}A Requerente não tenha repassado aos seus clientes os custos dos montantes que todos os seus fornecedores de combustíveis tenham incluído nos preços de venda desses combustíveis.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada, que aqui se dá por reproduzida, bem como no processo administrativo junto ao processo.
O único meio de prova junto aos autos sobre o montante da CSR suportada pela Requerente resulta da declaração, nesse sentido, por parte da sociedade B..., Lda., tendo-se como não provada a demais repercussão alegada;
Quanto a esse meio de prova, considerou a maioria do Tribunal que não era suficiente e, em todo o caso, que implicaria a correlativa prova da não repercussão a jusante, estando esta excluída, porém, por confissão da Requerente (no art. 116.º do PPA: “Tendo o referido imposto um impacto directo na definição dos preços praticados pela Requerente ao cliente, diminuindo assim substancialmente a sua margem de lucro.”)
- Matéria de Direito
I – EXCEPÇÕES
A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções que, de seguida, se apreciam.
A) {C}INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
Alega a Requerida que, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum., não sendo, por isso, os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
Por seu turno, é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Tal Portaria estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões.
A conclusão da Requerida assenta no facto de considerar, em suma, que a CSR não é um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).
Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).
Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.
Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:
- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:
«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.
Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».
Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.
8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.
No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:
«[…]
É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
(…)
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
[…]»
Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:
«[…]
No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).
(…)
«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.
Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).
Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.
A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1), sendo devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos energéticos. É aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, n.º 1), e o produto da sua cobrança constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).
Considerando estes vários elementos, este Tribunal entende, por maioria, que a CSR constitui um imposto e não uma contribuição financeira, o que, a propósito da exceção de incompetência, redunda na decisão, também por maioria, de que a mesma não deverá proceder. Subscrevendo o decidido, entre outros, no Acórdão 304/2022-T, entende essa maioria que:
- “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
(…)
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.
Conclui-se, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto.
É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:
- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(…)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.
Decorre do que se vem de referir que se entende que este Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.
Invoca, ainda, a Requerida, a incompetência material do tribunal arbitral, fundada na circunstância de o teor do pedido arbitral, bem como da sua fundamentação, se pretender a apreciação da legalidade do regime da CSR, no seu todo, ou seja, a conformidade jurídico-constitucional do plasmado na Lei 55/2007. O que sustenta no facto de a instância arbitral constituir um contencioso de mera anulação e o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação.
Cremos que sem razão.
Com o pedido arbitral pretende a Requerente, na sequência da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos actos de repercussão da CSR (corporizados nas facturas que lhe foram emitidas pela fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR praticados pela AT, actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.
É, pois, inequívoco que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade ou a conformidade constitucional da Lei 55/2007, como a Requerida alega. O que pretende é a declaração de ilegalidade dos identificados actos, por sustentar estarem em desconformidade com o direito comunitário.
Quer dizer, a Requerente pretende que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, sendo o fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.
Na mesma linha do que vimos de referir, considerou o TCA Sul, através do Acórdão de 24-10-2024, no Proc 128/23.9BCLSB que “os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios”. O que fundamenta do seguinte modo: “não existe nexo de correspectividade entre o pagamento do tributo e os benefícios que derivam para o sujeito passivo do mesmo da existência e funcionamento da “E…….. – Estradas ……………, E.P.E”, cujo objecto consiste na exploração e conservação das estradas nacionais. O tributo é devido independentemente do nível de utilização das estradas nacionais e do prejuízo que tal utilização possa causar às mesmas. Em rigor, sendo o sujeito passivo do tributo o mesmo que liquida o ISP não existe qualquer nexo de correspectvidade entre o pagamento do mesmo e os eventuais benefícios que derivam da actuação da “E……… – Estradas …………, E.P.E”, no exercício da sua actividade.”.
Improcede, pois, também neste ponto, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.
B) {C}ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE
Alega a Requerida que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer de repercussão meramente económica.
Efectivamente, defende que não existe no âmbito do ISP/CSR um acto tributário autónomo, de repercussão, sendo que as facturas não corporizam actos de repercussão, antes titulando actos de compra e venda de combustíveis, sendo que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelo adquirente ou adquirentes dos combustíveis.
Pelo contrário, as facturas apresentadas não corporizam actos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final.
Concluindo que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.
Sobre a exceção de ilegitimidade, entende este Tribunal, por maioria, o seguinte:
A CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.
Repetindo o que já foi dito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
Na linha, aliás, do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.
Mesmo que se entendesse que a legitimidade activa da Requerente não está coberta pelo referido preceito, entende-se ser essa legitimidade também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
Sobre este aspecto, a posição do TJUE, plasmada em despacho de 07-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, é a de que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
A esse mesmo propósito é dito na decisão arbitral 1015/2023-T, já citada, a propósito do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21: "O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido”.
Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade (vejam-se no mesmo sentido, por exemplo, as decisões vertidas nos acórdãos 676/2023-T, de 12-03-2024, 523/2023-T, de 24-01-2014, 491/2023-T, de 05-03-2024 ou 105/2023-T, de 28-05-2024).
C) {C}INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Alega a Requerida que a petição inicial padece de ineptidão por o pedido arbitral não respeitar os pressupostos legais de aceitação uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
Com efeito, sustenta que “no caso sub judice, analisado quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário”. Diz mais, que não é identificado qualquer liquidação de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC), submetidas pelos sujeitos passivos de imposto (também não identificados).
Conclui no sentido de não lhe ser possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, como a identificação das liquidações. E que esta situação de ineptidão inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias.
Mais invoca a Requerida que “nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à sua fornecedora”.
Do pedido arbitral resulta que a Requerente pretende que sejam declarados ilegais os actos tributários de liquidação de CSR referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2022, com todas as consequências legais, designadamente ordenando-se a sua anulação e a restituição dos montantes de CSR indevidamente pagos.
Por outro lado, a Requerente remete para documentos juntos ao pedido arbitral onde identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis, em que alega ter havido repercussão da CSR, indicando a quantia global suportada a esse título.
Há que recordar, a este propósito, o que dispõe o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando prevê que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.
Como daí se depreende, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial, como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, identificando o tributo em causa pelo único meio que lhe possível, nomeadamente, facturas emitidas pelo fornecedor do combustível e declaração, por parte deste, de que, efectivamente, repercutiu o imposto.
A este propósito, há que ter presente que os repercutidos estão, no caso, impossibilitados de obterem elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no já invocado artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.
No caso em apreço, os serviços da AT, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação de imposto e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter tais informações juntos dos fornecedores do combustível e aceder, por via oficiosa, às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes actos de liquidação.
Posto isto, ainda que se considerasse que a situação se pudesse subsumir na alínea a), do nº 1, do nº 2 do artigo 186º do CPC, o certo é que, cotejadas as posições das partes expressas nos articulados, se constata que a Requerida interpretou convenientemente a petição inicial, tendo apresentado a sua resposta sem qualquer dúvida quanto à pretensão da Requerente. pelo que o nº 3 do artigo 186º do CPC sempre determinaria a improcedência da exceção em causa.
Por outro lado, como já se referiu, a dificuldade que a Requerida possa ter na identificação das liquidações junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado, nem trazer desvantagem, à Requerente.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no proc. arbitral n.º 467/2020-T).
As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC) sendo que, neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).
Desse modo, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DIC’s e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa (posição esta que resulta expressamente em vários processos arbitrais, cujo teor decisório se acompanha).
Improcede, pois, a invocada ineptidão da petição inicial.
D) {C}CADUCIDADE DE DIREITO DE ACÇÃO
Alega, ainda, a Requerida que a falta de identificação dos actos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do acto de liquidação.
Diz, a esse propósito, que tomando por referência o alegado pela Requerente, quando foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT”, “razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º nº 1, segunda parte da LGT.
Reitera-se que a alegada falta de identificação dos actos de liquidação não pode ser imputável à Requerente e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar directamente esses actos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
Por outro lado, como é jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é sempre imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.
No caso em apreço é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados (desconformidade da CSR e do ISP – Consignação de Serviço Rodoviário), face ao disposto na Directiva nº 2008/118, de 16 de Dezembro) não são imputáveis à Requerente, pois esta não teve qualquer intervenção no procedimento de criação da CSR, enquanto imposto, nem no procedimento de liquidação da CSR.
Aliás, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela AT na apreciação desse pedido, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. E não pode deixar de ter-se presente que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela AT na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
Como há muito entende o Supremo Tribunal Administrativo e se refere no Acórdão de 14-10-2020 - Proc. 01273/08.6BELRS: “O «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração" (...) É o que este STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do art. 43° da LGT. (...) Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: "havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro" já que "a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços". cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acs. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668”.
A propósito da alegada impossibilidade de recurso à via oficiosa, por o pedido de reembolso no âmbito dos IEC ter que ser apreciado à luz do disposto nos artigos 15º a 20º do CIEC, remete-se para o que há muito está consolidado na jurisprudência do STA, indicando-se, a título de exemplo, o que se diz no Acórdão STA de 9-11-2022 – Proc. 087/22.5BEAVR: “o dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei” (sublinhado nosso).
Ora, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa é de quatro anos, com fundamento no previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT. Como se diz no Acórdão STA de 04-05-2016: “é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento”.
Posto isto, vejamos o que sucede no caso em apreço.
Estão em causa actos compreendidos entre 03-01-2019 e 31-12-2022, sendo indiscutível que está em apreciação um erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão oficiosa deu entrada em 29-12-2023.
Quer dizer, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, já tinha decorrido o prazo de quatro anos, a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT, relativamente aos actos referentes ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2019. Já o mesmo não sucedendo relativamente aos demais actos, sendo o pedido de recisão oficiosa aos mesmos tempestivos.
Procede, assim, parcialmente, a alegada intempestividade do pedido, por caducidade do direito de acção, relativamente ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2019.
II – VIOLAÇÃO DE LEI
- CONFORMIDADE COM A DIRECTIVA 2008/118 CE
Defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.
Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.
Ora, tal directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:
- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.
A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:
- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.
- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.
- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).
- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.
- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º31 a 35)”.
Para concluir que:
- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.
Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido no processo arbitral 304/2022-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.
Com base no entendimento transcrito, as liquidações de CSR que possam ter estado na base dos valores cobrados à Requerente a título de combustível, no período acima considerado, enfermariam de vício de violação de lei, decorrente de ilegalidade, por incompatibilidade das normas previstas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, com as sucessivas alterações, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.
Contudo, como se referiu supra a propósito da análise da matéria de facto, este Tribunal não considerou que a Requerente tivesse logrado fazer prova da repercussão da CSR nos termos em que o alega. Com efeito, as faturas e a declaração que juntou não evidenciam de forma suficiente a repercussão da CSR no preço de venda: as faturas contêm apenas a menção do tipo de combustível e das quantidades adquiridas, do valor líquido, da taxa de IVA aplicável e do valor de IVA pago, nada permitindo concluir se houve lugar ao pagamento da CSR por repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título. Do mesmo modo, a declaração que juntou aos autos, emitida por um dos seus fornecedores, além de não ser, no entender do Tribunal, por idênticas razões, prova suficiente da repercussão da CSR (a declarante limita-se a afirmar, de forma genérica e abstracta, que repercutiu o encargo da CSR à Requerente, sem referir as concretas transações realizadas com a Requerente, sem fazer a correspondência entre as operações praticadas e as DIC dos combustíveis transacionados, sem estabelecer a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e sem demonstrar em que grau e/ou medida a incorporação da CRS se teria processado), sempre teria que ser complementada por uma demonstração de que a Requerente não se teria ressarcido desse alegado custo acrescido. Ou seja, mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, e que, porquanto, não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados aos seus clientes que podem situar-se no circuito comercial como os verdadeiros consumidores finais.
Face ao exposto, não é de considerar procedente o pedido de restituição da CSR formulado pela Requerente, por não se considerar demonstrado o pagamento do montante de 290.089,68 € alegado.
III – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, consagrado no art. 43º da LGT. Contudo, tendo este tribunal concluído que não há lugar à restituição da CSR, por não considerar provado o respetivo pagamento pela Requerente, nos termos alegados, também não haverá lugar ao pagamento de qualquer quantia a título de juros indemnizatórios.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) {C}Julgar improcedentes as excepções alegadas pela AT, excepto no que toca à exceção de intempestividade do pedido, por caducidade do direito de acção, relativamente ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2019;
b) No demais, julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de restituição da CSR e de pagamento de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 290.089,68 € (duzentos e noventa mil, oitenta nove euros e sessenta e oito cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 5.202,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerente.
Lisboa, 21-05-2025
Os Árbitros
Victor Calvete
(Árbitro Presidente, parcialmente vencido, com declaração de voto)
Raquel Franco
(Árbitra Adjunta, parcialmente vencida, com declaração de voto)
António A. Franco
(Árbitro Adjunto)
(parcialmente vencido, com declaração de voto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à improcedência das excepções de ilegitimidade da Requerente e da ineptidão do PPA e, consequentemente, sobre a continuação da análise.
Como tenho sinalizado nos processos em que fui relator, há – em abstracto – uma série de problemas que, mesmo na ausência de interdição legal, inviabilizariam que não-sujeitos passivos pudessem discutir a incidência do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (entre 1 de Agosto de 2008 e 1 de Janeiro de 2022, desdobrado em ISP e CSR) sobre a totalidade do volume de combustíveis introduzido no mercado no mês anterior por cada um dos sujeitos passivos desse imposto.
Demais, entendo que a solução da cindibilidade de um acto tributário uno (aliás, incorporando mais do que a CSR) em tantas fatias quantas as que vierem a ser objecto de promoção de revisões oficiosas (ou reclamações graciosas) por quem se arrogue a qualidade de repercutido de um dos tributos liquidados conjuntamente, fatias essas dependentes de eventos fortuitos subsequentes à liquidação, é um absurdo jurídico – e um absurdo que outras ordens jurídicas não admitem, muito menos com efeitos retroactivos.
Com a agravante, claro, de a repercussão implicar a existência de um imposto (como se escreveu no Acórdão do STA de 28 de Outubro de 2020, processo n.º 0581/17.0BEALM, “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro”), e um imposto monofásico deixar de o ser, para passar a ser um custo igual aos demais e fora do alcance do legislador, logo que se opera a primeira (rectius: a única) repercussão.
Victor Calvete
DECLARAÇÃO DE VOTO
Teria decidido de forma diferente a questão da competência, resumidamente, por entender que:
(i)Não é claro, para mim, que a CSR deva ser qualificada como imposto por estarem ausentes as características da bilateralidade difusa e da responsabilidade de grupo inerente às contribuições.
(ii) O regime jurídico da CSR criou um tributo de cuja receita é titular a Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), entidade responsável pela conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, sendo os respetivos sujeitos passivos as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários;
(iii) Não se pode concluir, tout court, que os sujeitos passivos da CSR não são, de forma alguma, destinatários da atividade do sujeito ativo;
(iv) De facto, é o sujeito ativo (Infraestruturas de Portugal) que garante as condições necessárias a que a atividade das empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, no que toca à venda desses bens, possa existir e manter-se. Sem a rede rodoviária nacional, dificilmente existiria o mesmo interesse, da parte dos consumidores de combustíveis, pela aquisição de gasolina e gasóleo rodoviários que adquirem aos sujeitos passivos da contribuição;
(v) A conclusão de que inexistem as caraterísticas da bilateralidade difusa e da responsabilidade de grupo parece assentar no pressuposto – que não se acompanha – de que os sujeitos passivos da CSR não são beneficiários da rede rodoviária nacional, quando, na realidade, tiram partido dela enquanto infraestrutura essencial para a oferta que aportam ao mercado – ao ponto de se poder dizer que, sem essa infraestrutura, a sua atividade, no que toca à venda de produtos que abastecem o transporte rodoviário, não teria interesse para o mercado;
(vi) Nesse sentido, entendemos a CSR como um exemplo das “taxas coletivas”, na expressão de Gomes Canotilho/Vital Moreira, aquelas que “(…) assentam em prestações cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quando referidos ao grupo mas apenas prováveis quando referidos aos indivíduos que o integram” ou, nas palavras de Filipe de Vasconcelos Fernandes como um tributo bilateral “(…) alicerçados numa lógica de equivalência de grupo (…)”, uma “(…) estrutura de incidência sustentada na utilização presumida de um serviço ou na obtenção de um benefício presumido (…)” . De acordo com o mesmo Autor, nas “(…) contribuições financeiras visa retribuir-se ou ressarcir-se o custo ou benefício inerentes ao serviço prestado por uma entidade pública, neste caso a um conjunto homogéneo de interessados, que o aproveitam (…) [como membros] num dado grupo”;
(vii) Ainda que o aproveitamento, por parte dos sujeitos passivos, do benefício realizado pelo sujeito ativo da contribuição, seja indireto – sempre será necessário que os clientes adquiram o combustível – é inequívoco que a prestação do sujeito ativo os beneficia, pois sem ela não existiria interesse, da parte dos clientes, em adquirir o produto em causa. Aliás, quanto melhor for a rede rodoviária nacional, maior interesse haverá em utilizá-la, mesmo em detrimento de potenciais ‘concorrentes’ – os outros meios de transporte, como o comboio, o barco ou o avião.
Por estes motivos, não cremos que seja líquida a conclusão de que a CSR não é uma contribuição financeira, nem, em consequência, se acompanha a sua qualificação como imposto. Em consequência, teria decidido pela incompetência do presente tribunal arbitral, cuja jurisdição não inclui a apreciação de questões relacionadas com a espécie tributária em questão.
Raquel Franco
DECLARAÇÃO DE VOTO
Face ao facto dado por provado na alínea e): “A sociedade B..., Lda declarou ter repercutido à Requerente, nas facturas relativas ao combustível que lhe forneceu, a CSR que havia suportado”, julgaríamos procedente o pedido da Requerente na CSR respeitantes aos consumos nelas descritos.
Consideraria tal elemento de prova suficiente para a procedência do pedido, nessa parte, pois não pode deixar de ter-se presente que os repercutidos estão, no caso, impossibilitados de obterem elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
A dificuldade que a Requerida possa ter na identificação das liquidações junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado, nem trazer desvantagem, à Requerente.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios, no caso no pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente (cfr. acórdão no proc. arbitral n.º 467/2020-T).
António A. Franco
“Fijación de la doctrina jurisprudencial
Com a única diferença de estar aí em causa um outro imposto sobre o consumo, veja-se o n.º 58 do Acórdão do TJUE no processo C-147/01 (Weber's Wine World) para concluir que o mesmo se passa na Áustria (“na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido.”) e, segundo resulta n.º 16 do Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011 Processo C-94/10, Danfoss A/S, na Dinamarca (“segundo as autoridades dinamarquesas, o direito à repetição do indevido previsto no direito da União só beneficia o sujeito passivo directo e não os elos posteriores da cadeia comercial, que não estavam obrigados a pagar o imposto nem, de resto, pagaram nenhum montante ao Tesouro de que pudessem pedir o reembolso.”).
SUMÁRIO
1. {C}A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.
2. {C}As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.
3. {C}A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
4. Para a Requerente provar o direito que alega à restituição da CSR deve demonstrar cumulativamente dois aspetos:
(i) {C}Por um lado, que a CSR lhe foi efetivamente repercutida, quais os montantes e em que períodos;
(ii) {C}Por outro lado, que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que, no preço dos serviços que presta, não estava contemplada a repercussão da CSR.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A... LDA., pessoa coletiva sob o número único ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 26-07-2024, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de CSR, objecto de repercussão nas facturas que identifica, referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, com todas as consequências legais, designadamente com a anulação e a restituição dos montantes de CSR indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-07-2024.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da sua designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 18-09-2024 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 08-10-2024.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Colectivo encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Previamente à constituição do tribunal arbitral a Requerida apresentou requerimento solicitando que a Requerente identificasse o(s) acto(s) de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada.
3.6. Apresentada resposta, a Requerente foi notificada, por despacho de 25-10-2024, para se pronunciar relativamente às excepções suscitadas, tendo, em simultâneo, sido dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e consequente anulação dos actos de repercussão consubstanciados em facturas referentes ao período decorrido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
- A Requerente, enquanto consumidora final, pretende a revisão das liquidações de CSR cujos encargos foram por si suportados durante o período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022 e, consequentemente, o reembolso dos montantes indevidamente liquidados, por entender ser tal contribuição contrária às disposições do Direito da União Europeia e, por via disso, manifestamente ilegal, conforme, aliás, declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do Processo C-460/21, de 07.02.2022.
- Tendo ocorrido a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou, este encontra-se compreendida no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, sendo este Tribunal concretamente competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito sub judice e, bem assim, dos actos tributários subjacentes ao mesmo.
- Não obstante a Requerente não ser o sujeito passivo da CSR, a sua legitimidade procedimental para requerer a revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de CSR e a sua legitimidade processual para sindicar a ilegalidade dos mesmos na sequência da presunção do indeferimento tácito do referido pedido de revisão oficiosa, encontram-se plenamente garantidas na ordem jurídica.
- Foi a Requerente quem efectivamente suportou o valor da CSR, por efeito da repercussão operada.
- No âmbito da sua actividade, no período compreendido entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu combustível, os quais foram facturados por B..., Lda, C... (Portugal), Lda, D..., SA e por E..., SA, com o que suportou, a título de CSR a quantia de 256.178,13 €.
- Com efeito, a Requerente suportou efetivamente o encargo económico da CSR por via da sua repercussão pelo sujeito passivo.
- A CSR foi introduzida no ordenamento jurídico por intermédio da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, com o intuito de financiar a rede rodoviária nacional, outrora a cargo da Estradas de Portugal, E.P.E, pelos seus utilizadores, enquanto contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional.
- Pese embora a CSR se baseasse, parcialmente, nas regras que disciplinam o ISP, nomeadamente no que respeita à incidência subjectiva e objectiva, a mesma constituía um tributo verdadeiramente distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprios, devendo ser qualificado como um verdadeiro imposto.
- Ora que possamos afirmar que a CSR consubstancia uma verdadeira contribuição, seria necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos, o que, verdadeiramente, não sucede.
- A CSR é cobrada independentemente da utilização da concreta “rede rodoviária nacional” que a Infraestruturas de Portugal tem a seu cargo, na medida em que a contribuição é devida pelos sujeitos passivos do ISP que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Desta forma, a CSR não apresenta a estrutura comutativa característica das contribuições financeiras.
- A plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, implica o reembolso da prestação tributária indevidamente realizada.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:
- Suscita as excepções de incompetência material do tribunal, ilegitimidade da Requerente, ineptidão da petição inicial e intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
- Encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum
- Só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago a que acresce o facto de, contrariamente ao pretendido pela Requerente, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, mas antes a possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final.
- No caso sub judice, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu à sua fornecedora, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportaram, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassaram no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais.
- Relativamente à CSR não existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
- Verifica-se a excepção de ineptidão da petição inicial, por falta de objecto, ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir.
- Assim é, e na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer acto tributário; apresenta como causa de pedir, para efeitos de reembolso do que foi pago, a repercussão de um tributo alegadamente inválido por conformidade com o direito da União Europeia que não identifica através de mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas. Foi, por isso, violado o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, b) e 577.º, al. b) do CPC (aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.
- Para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, face à não identificação do ato tributário em litígio, é impossível.
- De qualquer forma, tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições nos anos de 2019 e 2022, em 15-09-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT.
- Ademais, não será de admitir o pedido de revisão oficiosa no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
- Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter os actos em causa.
II – SANEAMENTO
6.1. Conforme adiante se fundamenta, o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. A Requerente pronunciou-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida, as quais se apreciarão à frente nesta decisão.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
B) Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) {C}A Requerente é uma sociedade que se dedica ao exercício da actividade de transportes públicos e ocasionais de mercadorias e comércio de materiais de construção, construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis, gestão de resíduos, actividades agrícolas, silvícolas e exploração florestal
b) {C}No exercício da sua atividade, adquiriu as seguintes quantidades de combustíveis:
- À sociedade B..., Lda., NIPC..., entre 03-01-2019 e 31-12-2022, 233.843 litros de gasóleo;
- À sociedade C... (Portugal) Lda., NIPC ..., entre 15-03-2020 e 25-12-2022, 53.118,35 litros de gasóleo;
- À sociedade D... SA., NIPC ..., entre 31-01-2019 e 31-12-2022, 2.012.995,45 litros de gasóleo;
- À sociedade E..., SA., NIPC 502840153, entre 31-01-2019 e 31-12-2022, 7.962,58 litros de gasóleo.
c) {C}A sociedade B..., Lda declarou ter repercutido à Requerente, nas facturas relativas ao combustível que lhe forneceu, a CSR que havia suportado,
d) {C}A qual ascendeu a 25.956,40 €, assim repartido:
- 2019: 7.780,17 €;
- 2020: 7.079,07
- 2021: 3.948,04 €;
- 2022: 7.149,12 €
e) A Requerente apresentou, em 29-12-2023, pedido de revisão, oficiosa com vista à anulação dos referidos actos de liquidação de CSR, que alegou ter-lhe sido repercutida através das aludidas facturas, ao qual foi atribuído o n.º ...2024... .
e) Até à data de apresentação do pedido arbitral -26-07-2024 - não foi emitida qualquer decisão relativamente ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito.
C) Por outro lado, o Tribunal não considerou provado que:
a) {C}A Requerente tenha suportado os custos dos montantes da CSR que o seu único fornecedor de combustível que era sujeito passivo – a D... – terá pago de CSR;
b) {C}A Requerente tenha suportado aumentos de preços de combustíveis imputáveis aos valores que os sujeitos passivos de CSR tenham pago e tenham eventualmente repassado aos fornecedores de combustíveis da Requerente, nem quais seriam tais sujeitos passivos;
c) {C}A Requerente não tenha repassado aos seus clientes os custos dos montantes que todos os seus fornecedores de combustíveis tenham incluído nos preços de venda desses combustíveis.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada, que aqui se dá por reproduzida, bem como no processo administrativo junto ao processo.
O único meio de prova junto aos autos sobre o montante da CSR suportada pela Requerente resulta da declaração, nesse sentido, por parte da sociedade B..., Lda., tendo-se como não provada a demais repercussão alegada;
Quanto a esse meio de prova, considerou a maioria do Tribunal que não era suficiente e, em todo o caso, que implicaria a correlativa prova da não repercussão a jusante, estando esta excluída, porém, por confissão da Requerente (no art. 116.º do PPA: “Tendo o referido imposto um impacto directo na definição dos preços praticados pela Requerente ao cliente, diminuindo assim substancialmente a sua margem de lucro.”)
- Matéria de Direito
I – EXCEPÇÕES
A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções que, de seguida, se apreciam.
A) {C}INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
Alega a Requerida que, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum., não sendo, por isso, os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
Por seu turno, é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Tal Portaria estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões.
A conclusão da Requerida assenta no facto de considerar, em suma, que a CSR não é um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).
Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).
Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.
Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:
- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:
«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.
Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».
Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.
8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.
No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:
«[…]
É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
(…)
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
[…]»
Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:
«[…]
No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).
(…)
«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.
Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).
Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.
A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1), sendo devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos energéticos. É aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, n.º 1), e o produto da sua cobrança constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).
Considerando estes vários elementos, este Tribunal entende, por maioria, que a CSR constitui um imposto e não uma contribuição financeira, o que, a propósito da exceção de incompetência, redunda na decisão, também por maioria, de que a mesma não deverá proceder. Subscrevendo o decidido, entre outros, no Acórdão 304/2022-T, entende essa maioria que:
- “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
(…)
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.
Conclui-se, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto.
É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:
- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(…)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.
Decorre do que se vem de referir que se entende que este Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.
Invoca, ainda, a Requerida, a incompetência material do tribunal arbitral, fundada na circunstância de o teor do pedido arbitral, bem como da sua fundamentação, se pretender a apreciação da legalidade do regime da CSR, no seu todo, ou seja, a conformidade jurídico-constitucional do plasmado na Lei 55/2007. O que sustenta no facto de a instância arbitral constituir um contencioso de mera anulação e o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação.
Cremos que sem razão.
Com o pedido arbitral pretende a Requerente, na sequência da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos actos de repercussão da CSR (corporizados nas facturas que lhe foram emitidas pela fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR praticados pela AT, actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.
É, pois, inequívoco que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade ou a conformidade constitucional da Lei 55/2007, como a Requerida alega. O que pretende é a declaração de ilegalidade dos identificados actos, por sustentar estarem em desconformidade com o direito comunitário.
Quer dizer, a Requerente pretende que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, sendo o fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.
Na mesma linha do que vimos de referir, considerou o TCA Sul, através do Acórdão de 24-10-2024, no Proc 128/23.9BCLSB que “os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios”. O que fundamenta do seguinte modo: “não existe nexo de correspectividade entre o pagamento do tributo e os benefícios que derivam para o sujeito passivo do mesmo da existência e funcionamento da “E…….. – Estradas ……………, E.P.E”, cujo objecto consiste na exploração e conservação das estradas nacionais. O tributo é devido independentemente do nível de utilização das estradas nacionais e do prejuízo que tal utilização possa causar às mesmas. Em rigor, sendo o sujeito passivo do tributo o mesmo que liquida o ISP não existe qualquer nexo de correspectvidade entre o pagamento do mesmo e os eventuais benefícios que derivam da actuação da “E……… – Estradas …………, E.P.E”, no exercício da sua actividade.”.
Improcede, pois, também neste ponto, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.
B) {C}ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE
Alega a Requerida que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer de repercussão meramente económica.
Efectivamente, defende que não existe no âmbito do ISP/CSR um acto tributário autónomo, de repercussão, sendo que as facturas não corporizam actos de repercussão, antes titulando actos de compra e venda de combustíveis, sendo que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelo adquirente ou adquirentes dos combustíveis.
Pelo contrário, as facturas apresentadas não corporizam actos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final.
Concluindo que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.
Sobre a exceção de ilegitimidade, entende este Tribunal, por maioria, o seguinte:
A CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.
Repetindo o que já foi dito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
Na linha, aliás, do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.
Mesmo que se entendesse que a legitimidade activa da Requerente não está coberta pelo referido preceito, entende-se ser essa legitimidade também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
Sobre este aspecto, a posição do TJUE, plasmada em despacho de 07-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, é a de que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
A esse mesmo propósito é dito na decisão arbitral 1015/2023-T, já citada, a propósito do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21: "O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido”.
Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade (vejam-se no mesmo sentido, por exemplo, as decisões vertidas nos acórdãos 676/2023-T, de 12-03-2024, 523/2023-T, de 24-01-2014, 491/2023-T, de 05-03-2024 ou 105/2023-T, de 28-05-2024).
C) {C}INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Alega a Requerida que a petição inicial padece de ineptidão por o pedido arbitral não respeitar os pressupostos legais de aceitação uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
Com efeito, sustenta que “no caso sub judice, analisado quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário”. Diz mais, que não é identificado qualquer liquidação de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC), submetidas pelos sujeitos passivos de imposto (também não identificados).
Conclui no sentido de não lhe ser possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, como a identificação das liquidações. E que esta situação de ineptidão inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias.
Mais invoca a Requerida que “nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à sua fornecedora”.
Do pedido arbitral resulta que a Requerente pretende que sejam declarados ilegais os actos tributários de liquidação de CSR referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2022, com todas as consequências legais, designadamente ordenando-se a sua anulação e a restituição dos montantes de CSR indevidamente pagos.
Por outro lado, a Requerente remete para documentos juntos ao pedido arbitral onde identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis, em que alega ter havido repercussão da CSR, indicando a quantia global suportada a esse título.
Há que recordar, a este propósito, o que dispõe o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando prevê que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.
Como daí se depreende, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial, como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, identificando o tributo em causa pelo único meio que lhe possível, nomeadamente, facturas emitidas pelo fornecedor do combustível e declaração, por parte deste, de que, efectivamente, repercutiu o imposto.
A este propósito, há que ter presente que os repercutidos estão, no caso, impossibilitados de obterem elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no já invocado artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.
No caso em apreço, os serviços da AT, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação de imposto e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter tais informações juntos dos fornecedores do combustível e aceder, por via oficiosa, às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes actos de liquidação.
Posto isto, ainda que se considerasse que a situação se pudesse subsumir na alínea a), do nº 1, do nº 2 do artigo 186º do CPC, o certo é que, cotejadas as posições das partes expressas nos articulados, se constata que a Requerida interpretou convenientemente a petição inicial, tendo apresentado a sua resposta sem qualquer dúvida quanto à pretensão da Requerente. pelo que o nº 3 do artigo 186º do CPC sempre determinaria a improcedência da exceção em causa.
Por outro lado, como já se referiu, a dificuldade que a Requerida possa ter na identificação das liquidações junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado, nem trazer desvantagem, à Requerente.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no proc. arbitral n.º 467/2020-T).
As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC) sendo que, neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).
Desse modo, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DIC’s e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa (posição esta que resulta expressamente em vários processos arbitrais, cujo teor decisório se acompanha).
Improcede, pois, a invocada ineptidão da petição inicial.
D) {C}CADUCIDADE DE DIREITO DE ACÇÃO
Alega, ainda, a Requerida que a falta de identificação dos actos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do acto de liquidação.
Diz, a esse propósito, que tomando por referência o alegado pela Requerente, quando foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT”, “razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º nº 1, segunda parte da LGT.
Reitera-se que a alegada falta de identificação dos actos de liquidação não pode ser imputável à Requerente e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar directamente esses actos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
Por outro lado, como é jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é sempre imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.
No caso em apreço é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados (desconformidade da CSR e do ISP – Consignação de Serviço Rodoviário), face ao disposto na Directiva nº 2008/118, de 16 de Dezembro) não são imputáveis à Requerente, pois esta não teve qualquer intervenção no procedimento de criação da CSR, enquanto imposto, nem no procedimento de liquidação da CSR.
Aliás, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela AT na apreciação desse pedido, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. E não pode deixar de ter-se presente que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela AT na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
Como há muito entende o Supremo Tribunal Administrativo e se refere no Acórdão de 14-10-2020 - Proc. 01273/08.6BELRS: “O «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração" (...) É o que este STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do art. 43° da LGT. (...) Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: "havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro" já que "a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços". cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acs. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668”.
A propósito da alegada impossibilidade de recurso à via oficiosa, por o pedido de reembolso no âmbito dos IEC ter que ser apreciado à luz do disposto nos artigos 15º a 20º do CIEC, remete-se para o que há muito está consolidado na jurisprudência do STA, indicando-se, a título de exemplo, o que se diz no Acórdão STA de 9-11-2022 – Proc. 087/22.5BEAVR: “o dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei” (sublinhado nosso).
Ora, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa é de quatro anos, com fundamento no previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT. Como se diz no Acórdão STA de 04-05-2016: “é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento”.
Posto isto, vejamos o que sucede no caso em apreço.
Estão em causa actos compreendidos entre 03-01-2019 e 31-12-2022, sendo indiscutível que está em apreciação um erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão oficiosa deu entrada em 29-12-2023.
Quer dizer, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, já tinha decorrido o prazo de quatro anos, a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT, relativamente aos actos referentes ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2019. Já o mesmo não sucedendo relativamente aos demais actos, sendo o pedido de recisão oficiosa aos mesmos tempestivos.
Procede, assim, parcialmente, a alegada intempestividade do pedido, por caducidade do direito de acção, relativamente ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2019.
II – VIOLAÇÃO DE LEI
- CONFORMIDADE COM A DIRECTIVA 2008/118 CE
Defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.
Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.
Ora, tal directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:
- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.
A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:
- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.
- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.
- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).
- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.
- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º31 a 35)”.
Para concluir que:
- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.
Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido no processo arbitral 304/2022-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.
Com base no entendimento transcrito, as liquidações de CSR que possam ter estado na base dos valores cobrados à Requerente a título de combustível, no período acima considerado, enfermariam de vício de violação de lei, decorrente de ilegalidade, por incompatibilidade das normas previstas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, com as sucessivas alterações, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.
Contudo, como se referiu supra a propósito da análise da matéria de facto, este Tribunal não considerou que a Requerente tivesse logrado fazer prova da repercussão da CSR nos termos em que o alega. Com efeito, as faturas e a declaração que juntou não evidenciam de forma suficiente a repercussão da CSR no preço de venda: as faturas contêm apenas a menção do tipo de combustível e das quantidades adquiridas, do valor líquido, da taxa de IVA aplicável e do valor de IVA pago, nada permitindo concluir se houve lugar ao pagamento da CSR por repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título. Do mesmo modo, a declaração que juntou aos autos, emitida por um dos seus fornecedores, além de não ser, no entender do Tribunal, por idênticas razões, prova suficiente da repercussão da CSR (a declarante limita-se a afirmar, de forma genérica e abstracta, que repercutiu o encargo da CSR à Requerente, sem referir as concretas transações realizadas com a Requerente, sem fazer a correspondência entre as operações praticadas e as DIC dos combustíveis transacionados, sem estabelecer a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e sem demonstrar em que grau e/ou medida a incorporação da CRS se teria processado), sempre teria que ser complementada por uma demonstração de que a Requerente não se teria ressarcido desse alegado custo acrescido. Ou seja, mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, e que, porquanto, não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados aos seus clientes que podem situar-se no circuito comercial como os verdadeiros consumidores finais.
Face ao exposto, não é de considerar procedente o pedido de restituição da CSR formulado pela Requerente, por não se considerar demonstrado o pagamento do montante de 290.089,68 € alegado.
III – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, consagrado no art. 43º da LGT. Contudo, tendo este tribunal concluído que não há lugar à restituição da CSR, por não considerar provado o respetivo pagamento pela Requerente, nos termos alegados, também não haverá lugar ao pagamento de qualquer quantia a título de juros indemnizatórios.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) {C}Julgar improcedentes as excepções alegadas pela AT, excepto no que toca à exceção de intempestividade do pedido, por caducidade do direito de acção, relativamente ao período compreendido entre Janeiro e Novembro de 2019;
b) No demais, julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de restituição da CSR e de pagamento de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 290.089,68 € (duzentos e noventa mil, oitenta nove euros e sessenta e oito cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 5.202,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerente.
Lisboa, 21-05-2025
Os Árbitros
Victor Calvete
(Árbitro Presidente, parcialmente vencido, com declaração de voto)
Raquel Franco
(Árbitra Adjunta, parcialmente vencida, com declaração de voto)
António A. Franco
(Árbitro Adjunto)
(parcialmente vencido, com declaração de voto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à improcedência das excepções de ilegitimidade da Requerente e da ineptidão do PPA e, consequentemente, sobre a continuação da análise.
Como tenho sinalizado nos processos em que fui relator, há – em abstracto – uma série de problemas que, mesmo na ausência de interdição legal, inviabilizariam que não-sujeitos passivos pudessem discutir a incidência do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (entre 1 de Agosto de 2008 e 1 de Janeiro de 2022, desdobrado em ISP e CSR) sobre a totalidade do volume de combustíveis introduzido no mercado no mês anterior por cada um dos sujeitos passivos desse imposto.
Demais, entendo que a solução da cindibilidade de um acto tributário uno (aliás, incorporando mais do que a CSR) em tantas fatias quantas as que vierem a ser objecto de promoção de revisões oficiosas (ou reclamações graciosas) por quem se arrogue a qualidade de repercutido de um dos tributos liquidados conjuntamente, fatias essas dependentes de eventos fortuitos subsequentes à liquidação, é um absurdo jurídico – e um absurdo que outras ordens jurídicas não admitem, muito menos com efeitos retroactivos.
Com a agravante, claro, de a repercussão implicar a existência de um imposto (como se escreveu no Acórdão do STA de 28 de Outubro de 2020, processo n.º 0581/17.0BEALM, “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro”), e um imposto monofásico deixar de o ser, para passar a ser um custo igual aos demais e fora do alcance do legislador, logo que se opera a primeira (rectius: a única) repercussão.
Victor Calvete
DECLARAÇÃO DE VOTO
Teria decidido de forma diferente a questão da competência, resumidamente, por entender que:
(i)Não é claro, para mim, que a CSR deva ser qualificada como imposto por estarem ausentes as características da bilateralidade difusa e da responsabilidade de grupo inerente às contribuições.
(ii) O regime jurídico da CSR criou um tributo de cuja receita é titular a Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), entidade responsável pela conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, sendo os respetivos sujeitos passivos as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários;
(iii) Não se pode concluir, tout court, que os sujeitos passivos da CSR não são, de forma alguma, destinatários da atividade do sujeito ativo;
(iv) De facto, é o sujeito ativo (Infraestruturas de Portugal) que garante as condições necessárias a que a atividade das empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, no que toca à venda desses bens, possa existir e manter-se. Sem a rede rodoviária nacional, dificilmente existiria o mesmo interesse, da parte dos consumidores de combustíveis, pela aquisição de gasolina e gasóleo rodoviários que adquirem aos sujeitos passivos da contribuição;
(v) A conclusão de que inexistem as caraterísticas da bilateralidade difusa e da responsabilidade de grupo parece assentar no pressuposto – que não se acompanha – de que os sujeitos passivos da CSR não são beneficiários da rede rodoviária nacional, quando, na realidade, tiram partido dela enquanto infraestrutura essencial para a oferta que aportam ao mercado – ao ponto de se poder dizer que, sem essa infraestrutura, a sua atividade, no que toca à venda de produtos que abastecem o transporte rodoviário, não teria interesse para o mercado;
(vi) Nesse sentido, entendemos a CSR como um exemplo das “taxas coletivas”, na expressão de Gomes Canotilho/Vital Moreira, aquelas que “(…) assentam em prestações cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quando referidos ao grupo mas apenas prováveis quando referidos aos indivíduos que o integram” ou, nas palavras de Filipe de Vasconcelos Fernandes como um tributo bilateral “(…) alicerçados numa lógica de equivalência de grupo (…)”, uma “(…) estrutura de incidência sustentada na utilização presumida de um serviço ou na obtenção de um benefício presumido (…)” . De acordo com o mesmo Autor, nas “(…) contribuições financeiras visa retribuir-se ou ressarcir-se o custo ou benefício inerentes ao serviço prestado por uma entidade pública, neste caso a um conjunto homogéneo de interessados, que o aproveitam (…) [como membros] num dado grupo”;
(vii) Ainda que o aproveitamento, por parte dos sujeitos passivos, do benefício realizado pelo sujeito ativo da contribuição, seja indireto – sempre será necessário que os clientes adquiram o combustível – é inequívoco que a prestação do sujeito ativo os beneficia, pois sem ela não existiria interesse, da parte dos clientes, em adquirir o produto em causa. Aliás, quanto melhor for a rede rodoviária nacional, maior interesse haverá em utilizá-la, mesmo em detrimento de potenciais ‘concorrentes’ – os outros meios de transporte, como o comboio, o barco ou o avião.
Por estes motivos, não cremos que seja líquida a conclusão de que a CSR não é uma contribuição financeira, nem, em consequência, se acompanha a sua qualificação como imposto. Em consequência, teria decidido pela incompetência do presente tribunal arbitral, cuja jurisdição não inclui a apreciação de questões relacionadas com a espécie tributária em questão.
Raquel Franco
DECLARAÇÃO DE VOTO
Face ao facto dado por provado na alínea e): “A sociedade B..., Lda declarou ter repercutido à Requerente, nas facturas relativas ao combustível que lhe forneceu, a CSR que havia suportado”, julgaríamos procedente o pedido da Requerente na CSR respeitantes aos consumos nelas descritos.
Consideraria tal elemento de prova suficiente para a procedência do pedido, nessa parte, pois não pode deixar de ter-se presente que os repercutidos estão, no caso, impossibilitados de obterem elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
A dificuldade que a Requerida possa ter na identificação das liquidações junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado, nem trazer desvantagem, à Requerente.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios, no caso no pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente (cfr. acórdão no proc. arbitral n.º 467/2020-T).
António A. Franco
“Fijación de la doctrina jurisprudencial
Com a única diferença de estar aí em causa um outro imposto sobre o consumo, veja-se o n.º 58 do Acórdão do TJUE no processo C-147/01 (Weber's Wine World) para concluir que o mesmo se passa na Áustria (“na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido.”) e, segundo resulta n.º 16 do Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011 Processo C-94/10, Danfoss A/S, na Dinamarca (“segundo as autoridades dinamarquesas, o direito à repetição do indevido previsto no direito da União só beneficia o sujeito passivo directo e não os elos posteriores da cadeia comercial, que não estavam obrigados a pagar o imposto nem, de resto, pagaram nenhum montante ao Tesouro de que pudessem pedir o reembolso.”).