SUMÁRIO:
1) O ganho de mais-valias na alienação onerosa de quotas representativas do Capital Social de sociedade por quotas constituída antes da entrada em vigor do CIRS e adquiridas por subscrição de aumentos de capital com novas entradas em dinheiro na vigência do CIRS está sujeito a imposto, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, al. b) do mesmo Código. 2) A norma do CIRS constante do art.º 43.º, n.º 6, al. a), que se destina ao apuramento do saldo anual de mais-valias, permite determinar uma exclusão de incidência e aplica-se a situações em que as participações sociais tenham sido adquiridas já na vigência do CIRS, e não a situações pretéritas como é o caso das excluídas de tributação pela disposição transitória do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o CIRS. 3) Pela própria lógica, a norma do art.º 43.º, n.º 6, al. a) (Lei nova) não tem aplicação a ganhos realizados em quotas adquiridas antes da entrada em vigor do CIRS, como o próprio legislador expressamente acautelou por disposição transitória (aquele art.º 5.º).
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., “o Requerente”, e B..., “a Requerente”, em conjunto “os Requerentes”, contribuintes fiscais n.º s ... e ..., respetivamente, casados entre si e ambos com morada na ..., n.º ..., ...-... ..., Porto, vieram, ao abrigo dos art.º s 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticionam, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2018.
À liquidação em crise, com o n.º 2019... (“a Liquidação”), corresponde um valor a pagar de € 80.887,53.
Expõem que em 2018 alienaram, pelo preço de € 688.500,00, 51% da quota que detinham numa sociedade comercial por quotas, que identificam. E que a dita quota resultara da unificação de duas quotas “com o mesmo valor de aquisição, - uma constituída em 1988 e outra adquirida em 1992 - tendo sido alvo de sucessivos aumentos: por entradas em dinheiro, em 1992, 1997, 1998 e 2000, e por incorporação de reservas, em 1997”.
São residentes fiscais em Portugal, submeteram Declaração Modelo 3 optando por tributação conjunta, e a Liquidação foi processada com base na sua Declaração.
Porém, alegam, concluíram depois que incorreram em erro na submissão da Declaração “ao sujeitar a tributação a mais-valia resultante da alienação da parcela da sua quota que havia[m] adquirido por aumentos de capital realizados através de entradas em dinheiro.”
Solicitaram revisão oficiosa (RO) da Liquidação, requerendo a sua anulação parcial. Exerceram direito de audição, pugnando pela ilegalidade por erro imputável aos serviços, expõem, e ainda assim a RO foi expressamente indeferida.
Interpuseram, depois, recurso hierárquico. Que não foi decidido no prazo legal de decisão, pelo que se formou indeferimento tácito, referem.
Requerem a anulação da Liquidação e da decisão administrativa, pois que “padecem de clara e manifesta ilegalidade”, e vêm, assim, peticionar: (i) a anulação da decisão administrativa e (ii) a anulação parcial da Liquidação, com as consequências legais.
As posições das Partes são divergentes, desde logo, em matéria de interpretação normativa e qualificação - subsunção dos factos à lei. Como melhor veremos.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 06.06.2024 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou árbitro do Tribunal Arbitral que aceitou o encargo, e por comunicação de 25.07.2024 as Partes foram notificadas da designação não tendo manifestado intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13.08.2024.
Notificada para o efeito, a AT juntou o PA e apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) e pela manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.
Expõe que os Requerentes invocam que a Liquidação assenta em errónea interpretação do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS ao sujeitar a tributação “a mais-valia resultante da alienação onerosa da parcela da participação social (...) adquirida em 1988, e que foi objeto de diversas operações de aumento de capital, realizadas com entradas em numerário (...).”
Dá nota de que a quota alienada resulta da unificação de duas quotas com igual valor de aquisição, “tendo sido objeto de sucessivos aumentos, mais concretamente, por entradas em dinheiro em 1992, 1997, 1998, e 2000 e por incorporação de reservas, em 1997”.
A Liquidação, expõe também, resultou de os Requerentes terem declarado na Modelo 3 “como mais-valias sujeitas a IRS (Anexo G) toda a parcela da quota alienada que havia sido obtida, após 01/01/1989, quer através da aquisição, quer através de aumentos de capital realizados com entradas em dinheiro”.
Mais expõe que os Requerentes, ao solicitarem, depois, revisão oficiosa da Liquidação, alegaram que a alienação não está sujeita a tributação na parte referente à parcela da quota que haviam adquirido por aumentos de capital em dinheiro.
Reporta-se ao teor do despacho de indeferimento da revisão oficiosa submetida pelos Requerentes. E refere, ainda, os mesmos terem interposto, depois, recurso hierárquico (RH), não decidido à data da entrada do PPA.
Mais expõe o enquadramento legal da situação segundo o seu entendimento, que desenvolve. Entre o mais, no sentido de que “nas operações de aumento de capital social por novas entradas dos sócios, se considera como data de aquisição a data da operação de aumento do capital social e não a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.”
Conclui pugnando pela improcedência do PPA e manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.
*
Por despachos de 11.10.2024 e de 30.10.2024, o Tribunal notificou os Requerentes para informarem se mantinham interesse na produção de prova por Declarações de Parte requerida, e, em caso afirmativo, confirmarem a que factos concretos da matéria constante do PPA a pretendiam. Mais para indicarem especificadamente os documentos constantes do PA correspondentes a cada um daqueles a que fazem menção no PPA.
Os Requerentes vieram, por requerimento de 07.11.2024, dar cumprimento ao ali determinado.
E por despacho de 08.11.2024, o Tribunal: (i) indeferiu o requerimento de produção de prova por Declarações de Parte, que considerou impertinente por se confirmar o teor dos artigos do PPA indicados se reportar a factos demonstráveis por prova documental e, inclusive, a matéria de direito, e (ii) dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT por não vir solicitada produção de outra prova e, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, celeridade, simplificação e informalidade processuais, determinou o prosseguimento do processo com alegações escritas facultativas, notificando as Partes de prazo para o efeito.
Ambas as Partes apresentaram alegações, no essencial reiterando o exposto nos articulados.
Os Requerentes identificam os factos que consideram essenciais e assentes, que entendem decorrer da documentação junta e factualidade não controvertida. Notam que, estando em causa uma quota, importa, antes de mais, determinar qual a data de aquisição relevante para efeitos fiscais. Desenvolvem a sua posição no sentido da ilegalidade parcial da Liquidação.
A Requerida, por sua vez, reitera o exposto na Resposta, e dá ainda nota de as Decisões Arbitrais mais recentes indicadas pelos Requerentes não terem transitado em julgado.
Por despacho de 12.02.2025, o Tribunal determinou prorrogar por dois meses o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. respectivo n.º 2, pelas razões aí indicadas. E assim também por despacho de 11.04.2025.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O PPA é tempestivo, cfr. duas últimas alíneas do probatório, infra (e v. art.s 102.º, n.º 1, al. d) e 66.º, n.º 5, ambos do CPPT, e art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT), o processo não enferma de nulidades, e não vem invocada nem cabe conhecer matéria de excepção.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os factos que seguem:
a) Os Requerentes são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, e assim sucedia em 1988 e por todo o período relevante aos autos; (cfr. doc.s 2 e 3 juntos pelos Requerentes)
b) Em 11.08.1988 foi constituída, entre o Requerente e outros dois sócios, a Sociedade “C..., Lda.” (“a Sociedade”), com o Capital Social de Esc. 450.000,00, integralmente realizado em dinheiro, no qual o Requerente subscreveu uma quota no valor de nominal de Esc. 150.000,00 (cento e cinquenta mil escudos); (cfr. doc. 3-1 junto pelos Requerentes – EP de “Constituição de Sociedade”)
c) Em 15.04.1992 o Requerente adquiriu, a outro dos sócios, uma segunda quota da Sociedade, pelo preço de Esc. 150.000,00, correspondente ao respectivo valor nominal, e unificou-a com a inicialmente por si subscrita (cfr. al. anterior), passando assim a ser titular de uma única quota no valor nominal de Esc. 300.000,00; (cfr. doc. 3-2 junto pelos Requerentes – EP de “Cessão e Unificação de quota, Aumento de Capital e Alteração parcial do Contrato Social”)
d) Na mesma data de 15.04.1992, na sequência da aquisição e unificação referidas na alínea anterior, foi aumentado o Capital Social em Esc. 2.550.000,00 (dois milhões quinhentos e cinquenta mil escudos), por novas entradas em dinheiro, tendo-o o Requerente subscrito e realizado com Esc. 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil escudos), em reforço da sua quota de Esc. 300.000,00, elevando-a assim ao valor nominal de Esc. 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil escudos); (cfr. o mesmo já referido doc. 3-2 junto pelos Requerentes)
e) A 04.11.1997 o Capital Social da Sociedade foi aumentado em Esc. 33.000.000,00 (trinta e três milhões de escudos), “para acréscimo das quotas dos sócios” (cfr. EP), mediante: (i) incorporação de reservas livres no montante de Esc. 11.844.553,90 (onze milhões oitocentos e quarenta e quatro mil quinhentos e cinquenta e três escudos e noventa centavos) e (ii) novas entradas em dinheiro no montante de Esc. 21.155.446,10 (vinte e um milhões, cento e cinquenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e seis escudos e dez centavos), tendo o Requerente subscrito e realizado o aumento de Capital por novas entradas com Esc. 10.577.723,10 (dez milhões, quinhentos e setenta e sete mil setecentos e vinte e três escudos e dez centavos), elevando assim o valor nominal da sua quota de Esc. 1.500.000,00 para Esc. 18.000.000,00 (dezoito milhões de escudos); (cfr doc. 3-3 junto pelos Requerentes – EP de “Aumento de Capital e Alteração parcial de Pacto”)
f) A 27.01.1998 o Capital Social da Sociedade foi aumentado em Esc. 30.000.000,00 (trinta milhões de escudos), “para reforço das quotas dos sócios e entrada de novo sócio” (cfr. EP), por novas entradas em dinheiro, tendo-o o Requerente subscrito e realizado com Esc. 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil escudos), elevando o valor nominal da sua quota de Esc. 18.000.000,00 para Esc. 19.800.000,00 (dezanove milhões e oitocentos mil escudos); (cfr doc. 3-4 junto pelos Requerentes – EP de “Aumento de Capital e Alteração parcial de Pacto”)
g) A 04.12.2000 o Capital Social da Sociedade foi aumentado em Esc. 159.060,00 (cento e cinquenta e nove mil e sessenta euros), por novas entradas em dinheiro, tendo os sócios subscrito e realizado o aumento de Capital na proporção das respectivas quotas e, assim, tendo o Requerente ficado titular de uma quota no valor nominal de Esc. 19.847.718,00, a qual, após redenominação do Capital Social para euros na mesma data, passou a ter o valor nominal de Eur. 99.000,00 (noventa e nove mil euros); (cfr doc. 3-5 junto pelos Requerentes – EP de “Aumento de Capital e Alteração parcial de Pacto”)
h) A 21.06.2018, os Requerentes dividiram a quota de que eram titulares na Sociedade - quota então com o valor nominal de Eur. 99.000,00 (noventa e nove mil euros) (v. al. anterior) - em duas, e alienaram uma destas, de valor nominal correspondente a 51% daquela, a saber, de Eur. 50.490,00, a terceiros, pelo preço de Eur. 688.500,00 (seiscentos e oitenta e oito mil e quinhentos euros); (cfr. doc 2 junto pelos Requerentes – “Contrato de cessão de quotas”)
i) Com referência aos rendimentos por si auferidos em 2018, os Requerentes submeteram conjuntamente Declaração Modelo 3 de IRS, na qual declararam, no Anexo G, como rendimentos de mais-valias sujeitos a IRS, a porção do ganho respeitante à alienação da quota no correspondente às partes que tinham sido adquiridas: (i) em 1992 por compra de uma quota depois unificada à inicialmente subscrita (v. al. c) supra), e (ii) em 1992, 1997, 1998 e 2000 por subscrição de aumentos de Capital Social por novas entradas em dinheiro; (cfr. PA e por acordo)
j) No Quadro 9 do Anexo G, da Declaração Mod. 3 (cfr al. anterior), lê-se assim:
(cfr doc junto pela Requerida com a Resposta – Modelo 3)
k) Na mesma Declaração Modelo 3 (v. al. anterior) os Requerentes declararam, no Quadro 4 do Anexo G1, rendimentos de mais-valias não sujeitos a IRS, como segue:
(cfr. doc. junto pela Requerida com a Resposta - Modelo 3, e PA)
l) Com data de 13.05.2019 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2019... (“a Liquidação”), com prazo limite de pagamento 31.08.2019 e valor a pagar de € 80.887,53, reflectindo o declarado pelos Requerentes na Declaração Modelo 3; (cfr. PA e por acordo)
m) Os Requerentes interpuseram, a 12.05.2023, pedido de Revisão Oficiosa da Liquidação (v. al. anterior) pugnando pela respectiva anulação no referente à sujeição a IRS do ganho com a alienação da quota no correspondente às partes que haviam sido adquiridas mediante subscrição de aumentos de Capital por novas entradas em dinheiro, essencialmente argumentando que os ditos aumentos não deram lugar à aquisição de novas quotas mas apenas à alteração do valor nominal da quota de que já eram proprietários; (cfr. doc. 5 junto pelos Req.tes, PA – pedido de RO, e por acordo)
n) Notificados do projecto de indeferimento da Revisão Oficiosa, os Requerentes exerceram direito de audição, argumentando no sentido de a invocada ilegalidade parcial da Liquidação se fundar em erro imputável aos serviços, e da tempestividade da RO; (cfr. doc. 5 junto pelos Requerentes, PA, e por acordo)
o) O Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido por despacho da Requerida de 06.10.2023, notificado aos Requerentes por Ofício de 09.10.2023;
p) Do despacho de indeferimento, e Informação anexa integrante, consta, entre o mais:
“(...) Acerca da tempestividade do Pedido de Revisão (...) apenas se verifica, essencialmente, no que respeita à 2ª parte do nº1, do Art.78º, da LGT (“Erro Imputável aos Serviços”), embora (...) não consideramos ter existido (...);
(...) tem sido entendimento da AT (...) o seguinte:
1.2.1 – Tratando-se de aumento de capital, por entradas em dinheiro, ou em espécie, então, não se aplica o (já mencionado) exposto na alínea a), do n.º 6, do Art. 43.º, do CIRS (...), no aumento de capital, por novas entradas em dinheiro (ou em espécie), existe um incremento efetivo, do património da sociedade, ao qual corresponde um efetivo dispêndio de dinheiro (ou bens), por parte dos sócios;
1.2.2 – Assim (...) os valores mobiliários alienados em 2018, consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que, o valor da respetiva transmissão (...) deverá ser dividido em várias parcelas (...)”. (cfr. doc 4 junto pelos Requerentes, e PA)
q) Do indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa interpuseram os Requerentes, a 14.11.2023, Recurso Hierárquico, que a 14.02.2024 se encontrava pendente de decisão; (cfr. doc. 6 junto pelos Requerentes, e PA)
r) A 04.06.2024 os Requerentes deram entrada no CAAD ao PPA na origem dos autos.
3.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não existem.
3.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo no Processo Administrativo (PA) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, factos não controvertidos, tudo criticamente apreciado e cfr. discriminado supra.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC).
3. Matéria de Direito
3.1. Questão a decidir
Cabe decidir se a Liquidação, reportada aos rendimentos de mais-valias na alienação de partes sociais, obtidos pelos Requerentes no ano de 2018, vem ferida de vício de violação de lei na parte em que considerou como sujeitos a tributação (em IRS, Categoria G) os ganhos obtidos com a alienação da quota imputáveis à subscrição de aumentos de Capital por novas entradas em dinheiro, pelos Requerentes, nos anos de 1992, 1997, 1998 e 2000.
Se se preferir, trata-se de saber se na parte do ganho de mais-valia auferido pelos Requerentes em 2018 (com a alienação de quota de que eram titulares no Capital da Sociedade) correspondente aos aumentos de Capital por novas entradas em dinheiro realizadas na vigência do CIRS há, ou não, exclusão de tributação por força do regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30.11, que aprovou o CIRS. Já que a subscrição inicial da quota - depois reforçada pelas novas entradas em dinheiro - ocorreu antes da entrada em vigor do mesmo Código (se se preferisse dizer: já que a sociedade, de que o Requerente foi sócio fundador, na qual ocorreram os aumentos de Capital por novas entradas em dinheiro, foi constituída antes da entrada em vigor desse Código).
*
A questão é, pois, essencialmente de Direito.
E os factos essenciais constitutivos do direito que os Requerentes invocam não vêm controvertidos. Vem assente que as aquisições em questão, via aumentos de Capital por novas entradas em dinheiro, efectivamente se deram nos anos de 1992, 1997, 1998 e 2000. Portanto, já na vigência do Código do IRS (CIRS). Mais vem assente que a Sociedade foi constituída em 1998 e que o Requerente foi seu sócio fundador, subscrevendo então no Capital Social, integralmente realizado em dinheiro, uma quota no valor nominal de Esc. 150.000,00. Assim, antes do início de vigência do CIRS. V. probatório, al.s d), e), f), g), i), j), e al. b), supra.
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Vejamos, então.
Aquilo que os Requerentes invocam, diga-se, a fundamentar o vício que imputam à Liquidação, é que – para efeitos fiscais – de tributação em sede de IRS, Categoria G – será de entender a data daquelas aquisições, por subscrição de aumentos de Capital com novas entradas em dinheiro, ser a mesma data da aquisição da quota inicialmente subscrita na constituição da Sociedade, no ano de 1988. Portanto, anteriormente ao início de vigência do CIRS (1 de Janeiro de 1989).
Assim o defendem. E defendem tal ter por consequência que os rendimentos obtidos, correspondentes a essa parte do ganho de mais-valia, não se encontram sujeitos a IRS – por, assim sendo, recaírem no regime constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30.11.
O que alcançam/defendem, também se diga, por apelo à norma constante do n.º 6, al. a), do art.º 43.º do CIRS.
*
Na apreciação da questão relevarão, assim, desde logo, as referidas normas. Às quais mais adiante nos dirigiremos.
Não sem antes aproximarmos alguns conceitos, sumariamente (1. Princípio da realização e aplicação da lei no tempo; 2. Quotas e aumentos de Capital; 3. Legalidade estrita e incidência). Como segue.
Dê-se ainda que não se coloca nos autos questão quanto à tempestividade da revisão oficiosa que havia sido interposta pelos Requerentes (como aliás no seu PPA os mesmos já reconhecem), uma vez que houve aí uma pronúncia de mérito por acto de indeferimento expresso. Avançando.
3.2. Conceitos
3.2.1. Princípio da realização e aplicação da lei no tempo
A tributação de rendimentos de mais-valias pauta-se por especificidades únicas. No seio de uma concepção de rendimento ampla, rendimento-acréscimo, o legislador entendeu tributar, como Categoria residual em sede de IRS, também os (rectiusalguns) incrementos patrimoniais de natureza excepcional, ocasional, ganhos que não resultam de uma actividade económica especificamente dirigida a esse fim. Incluindo – com relevo ao caso dos autos – valorizações ocorridas em activos (sejam eles bens ou direitos), seus “aumentos inesperados de valor”. Que têm por consequência o incremento da capacidade contributiva dos respectivos titulares. E, ocorrendo tal valorização normalmente ao longo do tempo, a bem de se evitarem evidentes inconvenientes /impossibilidades na respectiva tributação, determinou-se tributar as mais-valias apenas quando realizadas. I.e., ao invés de se tributarem valorizações nos activos efectivamente ocorridas mas não traduzidas (ainda) em dinheiro, determinou o legislador tributar as mais-valias apenas quando (finalmente) realizadas. Princípio da realização. Cfr, entre o mais, art.º 10.º, n.º 3, do CIRS - “[o]s ganhos consideram-se obtidos no momento (...)”.
O diferimento no tempo que uma tal tributação envolve, entre a verificação/formação do aumento de valor e, só num momento posterior, a efectiva realização de um ganho (cash basis), pode levantar, já se vê, questões de aplicação da lei no tempo. Se é tão só no momento em que o activo se traduz finalmente em dinheiro, em que é transaccionado, que se verifica a incidência, e se a valorização do activo se dá /se vai acumulando ao longo do tempo, então pode no decurso da (formação da) valorização do activo estar em vigor uma lei (denominemo-la já lei antiga – LA) e, depois, no momento da sua transacção estar já em vigor outra (a lei nova – LN). E é esta especificidade em sede Categoria G, de o facto gerador ocorrer num momento localizado adiante no tempo, que traz consigo potenciais problemas, específicos, de aplicação da lei no tempo.
Para solucionar problemas de aplicação da lei no tempo pode o legislador intervir de formas diversas. Trata-se, em todo o caso, de averiguar/apurar o momento a partir do qual se deve aplicar a LN. Está em causa respeitar expectativas legítimas fundadas em normas jurídicas, respeitar a estabilidade das situações jurídicas constituídas.
No nosso Direito Fiscal, para determinar o momento a partir do qual se deve aplicar a LN, há que determinar o momento da verificação dos factos tributáveis por referência ao da entrada em vigor da LN. Se a LN vem criar um (novo) facto tributário, vem sujeitar a tributação uma realidade que na LA não recaía no âmbito de incidência do imposto, então, sem dificuldade, haveremos de concluir que a LN só poderá aplicar-se para o futuro.
Sem surpresa, assim o vemos consagrado, desde logo, no art.º 103.º, n.º 3, da CRP – “[n]inguém pode ser obrigado a pagar impostos (...) que tenham natureza retroactiva (...)”, por sua vez reflectido no art.º 12.º, n.º 1, da LGT – “[a]s normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor (...)”.
A sucessão de leis no tempo pode suscitar menores ou maiores dificuldades. Sem prejuízo dos critérios gerais na matéria (v., desde logo, o art.º 12.º do CC ), estando a origem do problema na entrada em vigor da LN, bem se compreende que o legislador possa vir, na própria LN, resolvê-lo directamente. Através das ditas disposições transitórias.
Assim o fez o nosso legislador fiscal com referência à tributação na Categoria G (a saber, no já referido art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, que aprova o CIRS). Porquê? Porque, precisamente, a tributação nesta Categoria tem, entre outras, a especificidade de se pautar pelo Princípio da realização. Como vimos.
E, ao assim ser, um ganho de mais-valias tipificado pelo legislador no CIRS (LN), e que o não era no precedente Código do imposto de mais-valias (LA), pode ter origem - via alienação onerosa de partes sociais (cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do CIRS) - num facto ocorrido na vigência da LA.
No exemplo dado, pode (o ganho) ter origem na aquisição de participações sociais ocorrida ainda na vigência da LA. Muito embora a valorização destas se verifique ao longo do tempo, e a partir da sua aquisição (da sua entrada no património do titular), o facto gerador tem lugar já sob a vigência da LN (CIRS).
Ocorrendo o facto gerador, dir-se-ia – poder-se-ia dizer – nasce a obrigação tributária.
Muito embora conexa com uma aquisição de um activo que, ao tempo (da sua aquisição), numa eventual (posterior) venda, mesmo que gerasse um ganho este não recaía no âmbito de incidência do imposto de mais-valias (LA).
Pois bem. Não nasce.
Já que estamos, a assim suceder, perante situação jurídica constituída (já constituída) à data da entrada em vigor do CIRS. Situação existente, consolidada, no momento da entrada em vigor da LN. Merecedora, por isso, e pelo que vimos, de protecção. Como o legislador cuidou de assegurar (a bem da certeza e segurança jurídicas, protecção de expectativas legitimamente fundadas/direitos adquiridos), estipulando directamente sobre o regime de sucessão de leis no tempo - por disposição da LN. Disposição transitória – o art.º 5.º do DL 442-A/88.
3.2.2. Quotas e aumentos de Capital
Quota é uma participação social. É uma parte da sociedade, rectius é uma parte do Capital Social de uma sociedade comercial por quotas. Com efeito, na sociedade por quotas (SQ) “o capital está dividido em quotas” (v. art.º 197.º, n.º 1, do CSC). E o Contrato de Sociedade deve especialmente mencionar “o montante de cada quota de capital e a identificação do respectivo titular” (v. art.ºs 9.º, n.º 1, al. g) e 199.º do CSC).
O Capital Social, também de menção obrigatória no Contrato de Sociedade (v. art.º 9.º, n.º 1, al. f), do CSC), representado (nas SQ) por quotas, corresponde à soma de todas as participações dos sócios. O Contrato de Sociedade identifica qual é o montante da participação actual de cada sócio (v. art.ºs 199.º e 85.º do CSC).
A quota não é titulada, é imaterial. Não pode ser documentada (v. art.ºs 197.º, n.º 1, e 219.º, n.º 7, do CSC) (diferentemente do que sucede com as acções, nas Sociedades Anónimas, que podem ser incorporadas num suporte material - seja ele em suporte papel, seja suporte informático - propício a uma circulação ágil). Não tendo natureza documental, não podendo ser representadas por títulos, as quotas não são valores mobiliários (v. art.º 219.º, n.º 7 do CSC, e v. art.º 1.º do CVM).
Nas SQ, cada sócio, tendencialmente, será titular de uma (única) quota, ainda que seja possível atribuir-se-lhe mais do que uma (nos casos de divisão de quotas ou de aumentos de Capital - cfr. art.º 219.º, n.º 2, do CSC). As quotas conservam-se independentes (v. art.º 219.º, n.º 4 do CSC), ficam distintas. Desde logo a quota que um sócio possuía anteriormente e a quota que adquira posteriormente. A unificação entre várias quotas de um só titular não implica unidade qualitativa. E pode dar-se até por mecanismo de unificação automática.
Tal como podem ser adquiridas por subscrição inicial do Capital Social na constituição da sociedade, as quotas podem ser adquiridas por subscrição de aumento do Capital. Quer num caso, quer no outro, estamos perante aquisição de quotas novas. Ambos são factos determinantes de aquisição originária de quotas, criação de quotas. Num caso, como no outro, são criadas quotas novas.
E o aumento do Capital Social pode revestir uma de duas modalidades, tratadas pelo legislador em separado: (i) por novas entradas, tratado nos artigos 87.º a 90.º do CSC (inclusive); (ii) por incorporação de reservas, tratado nos artigos 91.º a 93.º do CSC (inclusive). A primeira, contrariamente à segunda, traduz um acréscimo de novas riquezas à sociedade - no sentido de não existentes na sociedade à (até à) data do aumento.
A participação social é uma posição jurídica. Situação jurídica de sócio, também designada condição ou status de sócio. Situação jurídica complexa. Complexo unitário de direitos, poderes e sujeições do titular face à sociedade, decorrente dessa sua participação social.
A polissemia da palavra - quota - tendo também a sua relevância. Muito sumariamente, a palavra pode significar seja a quota de capital, seja a quota de participação. Sendo que é a quota de capital (e não a quota de participação) que tem um valor nominal. O montante monetário (e respectiva titularidade) que figura no contrato de sociedade (v. supra) é o da quota de capital.
3.2.3. Legalidade estrita e incidência
Em matéria de impostos o Princípio da legalidade traduz uma reserva absoluta de lei formal. E o Princípio da tipicidade fiscal é expressão/concretização deste Princípio da legalidade.
Assim, v., desde logo, o disposto no art.º 103.º, n.º 2, da CRP: “[o]s impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. E v. o art.º 8.º, n.º 1, da LGT: “[e]stão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes (...)”.
O Princípio da tipicidade fiscal em sentido estrito abrange facto tributário mais sujeito passivo, e abrange a base tributável ou os elementos que concorrem para a determinação da medida do imposto, as normas de quantificação do imposto (assim, o an e o quantum do imposto).
A intensidade da reserva de lei fiscal implica, pois, que esta defina a incidência lato sensu e em termos determinados, ou determináveis, de cada imposto. Contenha os elementos essenciais do imposto.
Pressuposto da tributação em IRS, mais-valias, será a transmissão de determinado bem ou direito com ganho. E nesta Categoria do IRS o legislador delimitou a incidência mediante um enunciado taxativo. Sendo titular de um bem ou direito em que houve valorização, o sujeito passivo realiza um ganho efectivo na sua transmissão (cash basis). Ganho que, para ser tributável, deverá constar do elenco selectivo que o legislador tipificou no art.º 10.º do CIRS.
Por sua vez nos artigos 42.º e seguintes do CIRS o legislador estabeleceu normas de quantificação do imposto - as regras de determinação da matéria tributável na Categoria G.
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Feito o enquadramento conceptual, e descendo de novo ao caso dos autos, vejamos o quadro legal potencialmente aplicável (em parte até já aproximado). Relembrando que as normas em especial convocadas pelos Requerentes em defesa da tese por que pugnam são o art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 442-A/88, que aprova o CIRS, e, ainda, o art.º 43.º, n.º 6, al. a), do CIRS.
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Quadro legal
Constituição da República Portuguesa (CRP)
Art.º 103.º - Sistema fiscal
1. (...)
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência (...).
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
Lei Geral Tributária (LGT)
Art.º 5.º - Fins da tributação
1. (...)
2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.
Art.º 8.º - Princípio da legalidade tributária
1. Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência (...).
(...)
Art.º 11.º - Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. (...)
Art.º 12.º - Aplicação da lei tributária no tempo
1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2. (...)
3. As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo (...).
4. Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento de normas de incidência tributária.
Art.º 36.º - Regras gerais
1. A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário.
2. Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes. /(...)
Código Civil (CC)
Art.º 9.º - Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
DL n.º 442-A/88, de 30.11 (que aprova o CIRS)
Art.º 2.º - Entrada em vigor
O Código do IRS entra em vigor em 1 de Janeiro de 1989.
Art.º 5.º - Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46673, de 9 de Junho de 1965 (...) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.
3 - (...)
CIRS
Art.º 1.º - Base do imposto
1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (...):
(...)
Categoria G – Incrementos patrimoniais
Art.º 9.º - Rendimentos da categoria G
1. Consideram-se incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (...)
Art.º 10.º - Mais-valias
1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) (...)
b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo: (...)
2. (revogado)
3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (...).
4. O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (...) nos casos previstos nas alíneas (...) b) (...) do n.º 1; (...)
Art.º 43.º - Mais-valias
1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2. (...)
3. (...)
4. (...)
5. Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efectuadas por residentes previstas nas alíneas b) (...) do n.º 1 do artigo 10.º (...).
6. Para efeitos do número anterior, considera-se que:
a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem; / (...)
Art.º 50.º - Correção monetária
1. O valor de aquisição (...) das partes sociais no caso da alínea b) (...) é corrigido (...) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação (...).
2. A data de aquisição é a que constar do título aquisitivo (...).
Código das Sociedades Comerciais (CSC)
Art.º 9.º - Elementos do contrato
1. Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:
(...)
g) A quota de capital (...); /(...)
SECÇÃO II - Aumento do capital
Art.º 87.º - Requisitos da deliberação ou decisão
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1 - A deliberação de aumento do capital deve mencionar expressamente:
(...)
b) O montante do aumento do capital;
c) O montante nominal das novas participações; /(...)
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Art.º 88.º - Eficácia interna do aumento de capital
1 – (...) considera-se, para todos os efeitos internos, que o capital é aumentado e as participações constituídas na data da deliberação (...). (...)
Art.º 89.º - Entradas e aquisições de bens
1 - Aplica-se às entradas nos aumentos de capital o preceituado quanto a entradas da mesma natureza na constituição da sociedade (...). (...)
Art.º 199.º - Conteúdo do contrato
O contrato de sociedade deve especialmente mencionar:
a) O montante de cada quota de capital e a identificação do respectivo titular;
(...)
Art.º 219.º - Unidade e montante da quota
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1 - Na constituição da sociedade a cada sócio apenas fica a pertencer uma quota, que corresponde à sua entrada.
2 – Em caso de divisão de quotas ou de aumento de capital, a cada sócio só pode caber uma nova quota. (...)
(...)
4 - A quota primitiva de um sócio e as que posteriormente adquirir são independentes. O titular pode, porém, unificá-las, desde que (...).
5 - A unificação deve ser reduzida a escrito, comunicada à sociedade e registada.
(...)
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Vejamos, então.
3.3. Incorre a Liquidação no vício de violação de lei que lhe vem imputado?
Invocam os Requerentes, vimos, vício de violação de lei por alegadamente na Liquidação terem sido tributados rendimentos de mais-valias não sujeitos. Excluídos de incidência, alegam, pelo art.º 5.º do DL n.º 442-A/88 (supra). Invocam, neste contexto, que a Liquidação assenta em errónea interpretação do n.º 6, al. a), do art.º 43.º do CIRS.
Com efeito, e segundo defendem, da correcta aplicação desta última norma decorrerá que, para efeitos fiscais, deverá entender-se que as quotas adquiridas por novas entradas em dinheiro nos aumentos de Capital foram adquiridas na mesma data da aquisição da quota inicialmente subscrita na constituição da Sociedade (1988). (Ainda que a certo passo, se bem entendemos, façam referência a metade do ganho derivado da valorização das quotas adquiridas pelos aumentos de capital, a questão é sempre a de saber se esse ganho fica excluído de tributação por efeito do art.º 5.º, n.º 1, do DL 442-A/88).
Já a Requerida defende que nas operações de aumento de Capital Social por novas entradas dos sócios se considera como data de aquisição para efeitos fiscais a data das operações de aumento do Capital. Assim, entende haver sujeição a imposto mesmo na parte do ganho correspondente às quotas adquiridas por novas entradas em dinheiro.
Considera a Requerida, também assim, que não cabe aplicar ao ganho em questão o regime transitório do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88. E que da norma do art.º 43.º, n.º 6, al. a), do CIRS resulta precisamente que se considera como data de aquisição, nas operações de aumento de Capital por novas entradas, a data da operação de aumento de Capital.
Vejamos onde reside a razão.
Provou-se (e nem vinha contraditado) que a quota adquirida pelo Requerente na constituição da Sociedade o foi no ano de 1988, portanto antes da entrada em vigor do CIRS.
A norma sobre aplicação da lei no tempo especificamente prevista pelo legislador para o efeito - art.º 5.º, n.º 1, do DL que aprova o CIRS, “Regime transitório da categoria G” (supra) - exclui de incidência em IRS os ganhos obtidos pelo sujeito passivo com a valorização de bens ou direitos adquiridos antes da entrada em vigor deste Código quando se trate de ganhos que não eram sujeitos a imposto de mais-valias pelo Código do imposto de mais-valias (LA, v. supra 3.2.1).
O que é também dizer: quando se trate de ganhos que não eram sujeitos a imposto de mais-valias (LA) só os que respeitem a (os ganhos realizados nos) activos adquiridos após a entrada em vigor do CIRS (LN) ficam (poderão ficar) sujeitos.
O Código do imposto de mais-valias não tributava directamente o ganho obtido na alienação de participações sociais (cfr. art.º 1.º do DL n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965). Logo, o ganho de mais-valias respeitante à quota adquirida aquando da constituição da Sociedade em 1988 (assim na vigência da LA, já que o CIRS só entrou em vigor a 01.01.1989), e alienada onerosamente na vigência do CIRS em 2018, fica excluído do âmbito de incidência do imposto. (Como vem também assente entre as Partes).
Quanto ao ganho de mais-valias respeitante às quotas adquiridas na subscrição dos aumentos de Capital por entradas em dinheiro, vejamos.
Resultou provado que tais aquisições ocorreram nos anos de 1992, 1997, 1998 e 2000. Assim, na vigência do CIRS. (Também isto vinha assente entre as Partes, que divergem, sim, quanto à que deverá entender-se ser a data de aquisição para efeitos fiscais).
E a aquisição de quotas por via de subscrição de aumentos de Capital é, vimos (3.2.2 supra), uma aquisição originária de quotas. Ou seja, num aumento de Capital são criadas quotas novas. Assim, ao subscrever cada aumento de Capital o Requerente estava, no caso mediante novas entradas em dinheiro, a adquirir originariamente quotas, quotas criadas então, quotas novas face às que até então existiam, face assim também às de que até então era titular (v. art.ºs 87.º e 88.º do CSC).
Sem prejuízo de as quotas novas, assim criadas e adquiridas, poderem vir a ser unificadas com as anteriormente detidas, elas são independentes. Como também vimos (e v. art.º 219.º, n.º 4 do CSC, supra). A unificação de quotas, que é determinada por vontade dos sócios (v. art.º 219.º, n.º 4, segunda parte, e n.º 5, do CSC), pode ocorrer de forma automática (desde logo se o Contrato de Sociedade assim o previr).
No caso, em qualquer dos aumentos de Capital foram logo unificadas as quotas. As novas com as anteriormente detidas (v. al.s d) e), f) e g) do probatório). O que em nada prejudica o que vem de se dizer: foram adquiridas, na vigência do CIRS, quotas. Subscritas no aumento de capital quotas. Adquiridas, assim, pelo montante dessas novas entradas em dinheiro.
O ganho de mais-valias gerado pela alienação onerosa das quotas assim adquiridas em 1992, 1997, 1998 e 2000, recai, pois, na norma de incidência do art.º 10.º, n.º 1, al. b). Estamos perante ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, assim ganhos constantes do elenco taxativo tipificado pelo legislador no CIRS. Sendo que, cfr. n.º 3 do mesmo normativo, e como também vimos, “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1”. No momento da alienação, ocorrida em 2018 (v. probatório).
Aquisição dos activos (e sua valorização ocorrida ao longo do tempo) e realização do ganho efectivo, pela alienação onerosa (facto gerador), ocorridos, ambos, na vigência da Lei nova – CIRS.
E não existe norma que exclua de incidência estes ganhos.
Desde logo, tal não decorre do referido art.º 5.º do DL 442-A/88. Que só exclui de incidência os ganhos gerados nos activos que já eram detidos (tinham sido adquiridos) antes da entrada em vigor do CIRS, vimos. E o Requerente não detinha, antes, as quotas. Que foram criadas, e que adquiriu, nesses anos de 1992, 1997, 1998 e 2000, depois da entrada em vigor do CIRS. Nas quais se geraram/realizaram os ganhos cuja tributação vem questionada nos autos.
Como também não decorre (tal exclusão) de qualquer das disposições, em matéria de incidência real, constantes do art.º 12.º do CIRS (“Delimitação negativa de incidência”).
Ora, não se encontrando tais ganhos expressamente previstos em norma de delimitação negativa de incidência, estão sujeitos - cfr. art.º 12.º, n.º 6. Lembrando que cuidamos de incidência, elemento essencial do imposto. Matéria de legalidade estrita (3.2.3. supra).
O rendimento de mais-valias assim gerado – o ganho realizado naqueles activos, mais valias realizadas nas quotas adquiridas em 1992, 1997, 1998 e 2000 –, e tornado efectivo em 2018, recai, assim, na norma de incidência do art.º 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS.
E, assim sendo, não se vê como possa ter procedência a tese pugnada pelos Requerentes.
Vejamos ainda, em qualquer caso, com mais detalhe, como a sustentam. E vejamos se em alguma medida, por aí, resulta afastado o que vimos de concluir. Tendo presente também tudo o que acima se percorreu, atentemos.
No entender dos Requerentes, os ganhos obtidos respeitantes às quotas adquiridas em 1992, 1997, 1998 e 2000 pelos aumentos de Capital por novas entradas em dinheiro devem entender- excluídos de tributação por força do art.º 5.º do DL 442-A/88. Como vimos, uma disposição transitória (3.2.1 supra).
Movemo-nos em matéria de incidência, legalidade estrita, repete-se.
A referida norma - art.º 5.º do DL 442-A/88 - é, também, uma norma de exclusão de incidência. Exclui de incidência certos rendimentos enquadráveis na Categoria G, tendo por razão de ser, como vimos, a protecção de situações jurídicas existentes (já existentes), constituídas (já constituídas) no momento da entrada em vigor da Lei nova - o CIRS. Aplicação da lei no tempo. Afasta-se, por disposição expressa na Lei nova, a aplicação desta. Impede-se a aplicação do CIRS quando de situações pretéritas se cuide, situações jurídicas já existentes à data da sua entrada em vigor. Quotas já então, a 01.01.1989, adquiridas. (Adquiridas num tempo em que, se viessem a ser alienadas com ganho, este não era rendimento tributável).
Os Requerentes vêm convocar a norma do art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS para daí extrair a conclusão de que as quotas adquiridas em 1992, 1997, 1998 e 2000 por novas entradas em dinheiro nos aumentos de Capital deverão entender-se, para este efeito (incidência), adquiridas antes da entrada em vigor do CIRS. Com a consequência, que assim retiram, de que os ganhos de mais-valias a elas respeitantes, nessas quotas realizados, deverão considerar-se também excluídos de tributação, por aplicação da disposição transitória do art.º 5.º do DL 442-A/88.
Estabelece a invocada norma do CIRS (a Lei nova) assim:
“6. Para efeitos do número anterior, considera-se que: a) a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;”
E sustentam os Requerentes que os aumentos de Capital deram apenas lugar à alteração do valor nominal da quota de que já eram proprietários (e não à aquisição de quotas novas). E que, então, sendo a data de aquisição da quota “original” de Agosto de 1988, as depois adquiridas, por entradas em dinheiro nos aumentos de Capital, tendo sido adquiridas “por alteração do valor nominal”, deve entender-se que mantêm a data da “aquisição original” – “a data de aquisição dos valores mobiliários (...) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.
Pois bem.
Por tudo o visto, o aumento do valor da quota inicialmente subscrita (em 1988) - e que, sim, teve origem no(s) aumento(s) de Capital (rectius, na aquisição de quotas por subscrição de aumentos de Capital com novas entradas em dinheiro) - deveu-se a terem sido adquiridas, já na vigência do CIRS, outras quotas de capital, por novas entradas em dinheiro, que vieram, por vontade dos Requerentes, a ser unificada(s) com a já antes detida (v. probatório, supra). Quotas adquiridas por novas entradas em dinheiro cujos valores se foram somando, assim, ao daquela, por unificação.
A quota de que à data da entrada em vigor do CIRS os Requerentes eram titulares (aquela, única, já então adquirida) era a quota subscrita aquando da constituição da Sociedade, no valor nominal de Esc. 150.000,00. Como, além do mais, no Contrato de Sociedade vinha reflectido (v. probatório, al. b) supra, e art.ºs 199.º, a), do CSC). Essa era a posição jurídica, a situação jurídica de sócio (v. supra, 3.2.2) então existente. Constituída (já constituída) à data da entrada em vigor do CIRS, e assim merecedora de tutela jurídica no momento da sua entrada em vigor. Como pela disposição transitória - art.º 5.º do DL 442-A/88 - o legislador acautelou. Por motivos de segurança jurídica, expectativas legitimamente fundadas. Situação jurídica à qual, assim, determinou o legislador não se aplicar a LN (o CIRS). Pelas razões que percorremos, e que bem se compreendem. Essa a razão de ser da norma deste art.º 5.º.
Já a situação jurídica de que o Requerente passou a ser titular em anos posteriores, por via das sucessivas aquisições de quotas por novas entradas em dinheiro em aumentos de Capital, essa não existia à data da entrada em vigor do CIRS. Resulta-nos claro. E, assim sendo, não havia motivos para que o legislador afastasse da incidência do imposto os ganhos de mais-valias obtidos por valorização das quotas aí adquiridas, adquiridas em momento posterior à entrada em vigor do CIRS. Como não afastou e resulta claro daquele art.º 5.º, n.º 1: “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46673 (...) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.” Afastados apenas os ganhos que não eram sujeitos e só se os activos em que se realizam foram adquiridos antes da vigência do CIRS.
A norma do CIRS convocada pelos Requerentes - art.º 43.º n.º 6 al. a) - é uma norma de determinação da matéria tributável, determinação do quantum do imposto (v. 3.2.3 supra) – “[p]ara efeitos do número anterior”, assim, “[p]ara apuramento do saldo positivo ou negativo.” Apurar o saldo anual entre mais e menos-valias (cfr. remissões sucessivas desse n.º 6 para o n.º 5 e deste para o n.º 1).
Normas existem em Direito Fiscal que, embora não criando tributos, são desenvolvimento de normas de incidência tributária. É o caso. A determinar a incidência em termos, no caso, determinados. Embora regra de determinação da matéria tributável não tem natureza materialmente processual.
Assim, como bem se compreende, rege apenas para futuro, factos posteriores à sua entrada em vigor. Factos ocorridos já (e tão só esses) na vigência da Lei nova. Que não situações pretéritas. Se dúvidas houvesse, v. como da aplicação da lei no tempo de tais normas cuidou o legislador no n.º 4 do art.º 12.º da LGT (supra).
Também ela norma de exclusão de incidência. Com efeito, e sem delongas, deve referir-se que a norma em questão cuida de apuramento de saldo com referência a mais-valias realizadas em valores mobiliários (em especial acções), e tem relação com a norma que constava do n.º 2 do art.º 10.º (v. supra, Quadro legal) que excluía de tributação ganhos na alienação onerosa de acções quando tivessem sido detidas por mais de 12 meses. Assim, norma de datação da aquisição dos títulos para “ajudar a passar o tempo” tendo em vista o regime favorável de exclusão de incidência - mandando assim considerar como data de aquisição desses títulos – valores mobiliários, a data de aquisição dos títulos originários. Regime ademais consagrado ao tempo em nome do fortalecimento do nosso Mercado de Capitais.
Como tal, e desde logo, matéria de incidência. Que não admite aplicação por analogia. E as quotas não são, também vimos, valores mobiliários. Não podem ser representadas por títulos (v. art.º 219.º, n.º 7 do CSC). Não visou o legislador, através da invocada norma, quotas; se se preferir, não eram visadas Sociedades por Quotas, mas sim Sociedades Anónimas, num regime que veio a ser alvo de críticas, entre o mais, por discriminatório entre dois tipos de Sociedades Comerciais.
Mas mais. A Lei nova - a norma do art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS – parte, implícita e necessariamente, do pressuposto de que a quantificação do saldo se refere a situações ocorridas, participações sociais adquiridas, na sua vigência. Posteriores, assim, a 1 de Janeiro de 1989. Por força da lógica, as situações pretéritas - participações sociais adquiridas antes da entrada em vigor da Lei nova - estão excluídas.
Como, afinal, expressamente previsto pelo legislador, precisamente, na disposição transitória do art.º 5.º, n.º 1, do DL 442-A/88. Por força da qual situações pretéritas, situações jurídicas já então existentes, ficam excluídas.
O saldo a ali apurar (art.º 43.º, n.º 6) não poderia, pois, considerar participações sociais adquiridas antes da entrada em vigor da Lei (CIRS). Tudo em conformidade e pelas razões já percorridas acima. Com efeito (lembrando também o princípio da realização), como seria admissível considerar no apuramento do saldo anual valorização de participações sociais que não adquiridas após a entrada em vigor do CIRS? O próprio art.º 5.º do DL 442-A/88 o afasta.
As duas normas, assim se compreende, excluir-se-ão reciprocamente na sua aplicação: o art.º 43.º/6, al. a) está pensado para ganhos realizados em activos adquiridos na vigência da Lei nova; a disposição transitória de exclusão de incidência da Lei nova, art.º 5.º/1 do DL 442-A/88, para ganhos em activos adquiridos antes da entrada em vigor da Lei nova – cuja aplicação afasta.
Entendimento em sentido contrário na interpretação destes normativos resulta, no nosso entender, e sempre com o devido respeito, juridicamente insustentável.
A data de aquisição, se dúvidas ainda houvesse, é pois - como o legislador no CIRS também expressamente determinou - a data que constar do título aquisitivo. Cfr. art.º 50.º, n.º 2, do CIRS. E v. probatório, al.s d), e), f), g). Escrituras Públicas de aumentos de Capital.
Que é o que também decorre do CSC, como vimos. E que o legislador fiscal não veio afastar. Como, aliás, da própria disposição transitória, no seu n.º 2, também se retira; e v. também o disposto no art.º 11.º, n.ºs 1 e 2, e 3, da LGT (supra).
Consequentemente, assiste razão à Requerida. Os ganhos de mais-valias obtidos em 2018 com a alienação onerosa de quotas que haviam sido adquiridas por novas entradas em dinheiro na subscrição de aumentos de Capital na vigência do CIRS estão sujeitos a imposto. Como na Liquidação.
Há, pois, que responder à questão decidenda que:
Não, a Liquidação não padece do vício de violação de lei invocado pelos Requerentes. Como em conformidade se decidirá.
4. Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:
Absolver a Requerida de todos os pedidos, mantendo-se a Liquidação de IRS melhor identificada supra na Ordem Jurídica.
5. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 39.054,03.
6. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo dos Requerentes.
Lisboa, 19 de Maio de 2025
O Árbitro
(Sofia Ricardo Borges)
Sobre estes últimos pontos, como em geral no tema, v., por todos, Raúl Ventura, in “Sociedades por Quotas”, Vol. I, 2.ª Ed. (reimpressão), Almedina, 1993, pp. 371 e ss.
Na redacção do art.º 10.º que vigorou de 01.01.2003 a 31.12.2014 constava o n.º 2 com a seguinte redacção: “2- Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: a) acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.” (até 2003 vigoraram diferentes redacções, e na redacção inicial do Código este n.º 2, na sua al. c), excluía de incidência as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo titular durante mais de 24 meses, e nas al.s a) e b) excluía de incidência, respectivamente, obrigações e outros títulos de dívida, e unidades de participação em fundos de investimento).