Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 562/2024-T
Data da decisão: 2025-05-20  IVA  
Valor do pedido: € 18.944,15
Tema: Caducidade do direito à liquidação; demonstração de acerto de contas; e ativo fixo tangível.
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SUMÁRIO:

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I – A lei exige a notificação das liquidações, como condição da sua eficácia, não bastando a notificação dos “acertos de contas” delas decorrentes. A falta de notificação, decorrido o prazo legal, implica a caducidade do direito a tais liquidações.

 

II  - O software deve ser considerado um ativo fixo tangível e ser refletido no preço de aquisição para efeitos de depreciação, sendo que para a determinação do cálculo das quotas máximas, os elementos do ativo devem ser valorizados pelo seu custo de aquisição, quando estejamos perante elementos adquiridos a título oneroso.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - RELATÓRIO

 

1.             A...,  Unipessoal, lda.,   contribuinte n.º  ..., sediada na Rua ..., n.º..., ..., sala n.º..., Porto, doravante designada por “Requerente”,  requereu  a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º  1, 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a),  todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro,  relativamente ao ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2022... e, mediatamente, sobre (i) a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., respeitante ao exercício de 2017 e demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado o montante de imposto a pagar de 633,23 euros  e de  86,25 euros de juros compensatórios, com prazo de pagamento voluntário até 26 de janeiro de 2022; (b) a liquidação adicional de IVA n.º 2021..., de 4 de dezembro de 2021, que  deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de  15 696,10 euros, com prazo de pagamento voluntário até 24 de janeiro de 2022; e a  liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., de 7 de dezembro de 2021, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de  2 528,57 euros, com o prazo de pagamento voluntário  até 24 de janeiro de 2022, por entender que são ilegais.

 

2.             É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

3.             O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor  Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 17 de abril de 2024 e, de seguida, notificado à AT.

 

4.             O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro,  nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, que, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

 

5.             As partes foram notificadas dessa designação, em 11 de junho de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

6.             O Tribunal Arbitral  foi constituído em 1 de julho de 2024, tendo a Requerida sido notificada para apresentar resposta no dia 3 de julho de 2024.

 

7.             A Requerida apresentou, em 23 de setembro de 2024, resposta,  na qual  defendeu, nomeadamente,  que (i) não se verifica  a caducidade do direito à liquidação de IVA respeitante ao período 2017.09T, na medida em que, nomeadamente, a própria Requerente apresentou reclamação graciosa na qual imputa, concreta e expressamente,  vícios às liquidações; (ii)  a correção de IVA, respeitante à dedução do “Comfort Package” dever-se-á manter na ordem jurídica, visto que o software não tem utilidade fora da viatura “...”; e  (iii) o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro prevê que, para efeitos de cálculo das quotas máximas de depreciação ou amortização, os elementos do ativo devem ser valorizados pelo seu custo de aquisição (sendo o conceito de custo fiscal idêntico ao contabilístico), assim, o (custo) do sistema denominado “Comfort Package” deveria ter sido acrescido ao da viatura, circunstância a considerar para efeitos da depreciação e; (iv) constam do Relatório de Inspeção Tributária os factos e fundamentos de direito que sustentam as correções realizadas, mormente, as normas contabilísticas e fiscais aplicáveis em sede de IVA e de IRC.

 

8.             O  Tribunal Arbitral determinou que, por despacho de 26  de dezembro de 2024,  ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas (artigo 16.º, alínea c), do RJAT), a dispensa da reunião a que o artigo 18.º do RJAT alude. De igual forma, considerou  que as questões objeto do processo  estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas partes, pelo que,  decidiu, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, pela desnecessidade de alegações.

 

Posição da Requerente

 

9.     A Requerente alega que, em relação à liquidação de IVA do período 2017.09T (n.º 2021...), verificou-se a caducidade do direito à liquidação, com os seguintes argumentos:

 

a.     O prazo de caducidade para a liquidação de IVA, na ausência de qualquer efeito suspensivo, iniciou-se a 1 de janeiro de 2018 e terminou a 31 de dezembro de 2021;

 

b.     Apenas foi notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2021...,  de 7 de dezembro de 2021,  referente ao IVA do período 2017.09T, no valor de 15 696,10 euros; da demonstração da liquidação de juros compensatórios n.º  2021...; e da demonstração de acerto de contas n.º 2021... (compensação n.º 2021...);

 

c.     A  demonstração de acerto de contas não substitui, como sustenta a Requerida, a liquidação de IVA, que devia ter sido notificada no prazo legal;

 

d.     A AT não pode esvaziar o conceito de liquidação, sob pena de uma entorse aos direitos fundamentais dos administrados;

 

e.     Na demonstração de acerto de contas não consta informação relevante:  todas as etapas do apuramento do imposto a pagar, bem como os meios de garantia e respetivos prazos passíveis de serem utilizados pelo destinatário da liquidação, além dos fundamentos do ato.

 

10.  Alega, em segundo lugar, que a liquidação adicional de IRC e a liquidação adicional de IVA padecem do vício de violação de lei, na medida em que:

 

a.     O software “Comfort Package” não pode ser confundido com a viatura (adquirida pela Requerente), de marca “B...”, com a matrícula ...;

 

b.     A viatura consegue ser utilizada sem o referido software, são, por isso, ativos independentes;

 

c.     A NCRF 6, parágrafo 4, prevê que os programas informáticos que sejam uma parte integrante de um equipamento físico (computador ou equipamento), sem os quais o mesmo não possa funcionar, devem ser tratados como ativos fixos tangíveis;

 

d.     Já os programas informáticos que não façam parte integrante do hardware do computador, porquanto a viatura continua a poder funcionar, são tratados como ativos intangíveis;

 

e.     A AT não podia, por isso, qualificar este ativo como “ativo fixo tangível”;

 

f.      Defende que, para além do mais, consideram-se, em geral, transmissões de bens: as transferências onerosas de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, determinando o artigo 4.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”) que as operações efetuadas a título oneroso, que não constituam transmissões de bens, aquisições intracomunitárias ou importações, são consideradas prestações de serviços; e

 

g.     Que o artigo 7.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE, relativa ao sistema comum do IVA, consagra que os “serviços prestados por via eletrónica” a que se refere a Diretiva 2006/112/CE, são (os serviços) prestados através de internet ou de uma rede eletrónica e cuja natureza  torna a sua prestação essencialmente autonomizada, requerendo uma intervenção humana mínima, e que são impossíveis de assegurar na  ausência de tecnologias da informação, estando abrangido o fornecimento de produtos digitalizados em geral, nomeadamente, os programas informáticos (respetivas alterações e atualizações).

 

11.  Imputa, ainda, aos atos em crise, o vício de violação de lei por insuficiência do teor do Relatório de Inspeção Tributária, pois, no seu juízo, limita-se a enunciar que a despesa inerente ao “Comfort Package” deveria ser imputável ao ativo fixo tangível, sem perscrutar a realidade subjacente.

 

12.  Alega, ainda, que o Relatório de Inspeção Tributária padece de falta de fundamentação, pois limita-se a formular um juízo conclusivo: “Não havia qualquer razão para separar o Comfort Package do A. F. Tangível e considerá-lo um A.F. Intangível, pois faz parte integrante da viatura em questão”.

 

13.  As liquidações de juros compensatórios são ilegais, pois não é  devido o  montante liquidado,  a título de imposto.

 

14.  Defende que, por último, se os atos tributários em crise padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não podendo a ilegalidade ser imputável à Requerente, assiste-lhe o direito ao reembolso do imposto que estima ter sido indevidamente pago e à perceção de juros indemnizatórios.

 

Posição da Requerida

 

15.          A Requerida defende que não se verificam os vícios imputados pela Requerente aos atos em crise.

 

16.          Observa, quanto à  caducidade do direito à liquidação de IVA, respeitante ao período 2017.09/T, o seguinte:

 

a.     A Requerente foi notificada, em 28 de dezembro de 2021, da demonstração acerto de contas n.º 2021...;

 

b.     A demonstração de acerto de contas alude ao período de tributação em causa, ao tributo, ao montante do tributo, à data do termo de pagamento voluntário, à referência de pagamento e, por último,  a que  o imposto decorre da liquidação de IVA n.º 2021...;

 

c.     Paralelamente, os fundamentos da liquidação adicional constam do Relatório de Inspeção Tributária, o qual foi devidamente notificado à Requerente;

 

d.     É a própria Requerente que, no pedido de pronúncia arbitral, explica a fundamentação descrita no Relatório de Inspeção Tributária, isto é,  aquela que foi utilizada para a liquidação adicional;

 

e.     Assim, a notificação da demonstração da liquidação produziu o efeito útil que lhe está legalmente associado de tornar eficaz o ato de liquidação em relação à Requerente;

 

f.      Não se verifica a caducidade do direito à liquidação de IVA referente ao período 2017.09T.

 

17.  Sustenta, quanto ao vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, o seguinte:

 

a.     A Requerente defende que o software titulado pela fatura n.º 2017/43, de 19 de setembro de 2017 corresponde a um ativo fixo intangível e, assim, não está associado à compra da viatura “...”;

 

b.     O referido software “Comfort Package” encontra-se inserido informaticamente na viatura elétrica, sendo imprescindível para que o condutor consiga obter o conforto tecnológico, não tendo utilidade fora da referida viatura;

 

c.     Se o software não tem utilidade fora daquela viatura, está, por isso, a sua aquisição e utilização associada à compra da viatura;

 

d.     O software é divulgado como um sistema adaptado à viatura, sendo que a sua não incorporação (na viatura) terá, como consequência, a perda de conforto na condução;

 

e.     De acordo com o previsto na NCRF 7, 17, alínea b), a aquisição do “Comfort Package” foi um gasto indispensável para que o veículo pudesse ficar em condições e capaz de funcionar da forma pretendida, pelo que terá  de ser mensurado e reconhecido como um Ativo Fixo Tangível;

 

f.      Considerando que o veículo adquirido é elétrico, excedendo o seu custo de aquisição (68 243,80 euros), a importância de 62 500 euros, montante previsto na Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, o IVA incluído nas faturas que suportam a aquisição encontra-se excluído do direito à dedução, artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do CIVA.

 

18.  Alega, no que respeita à correção de IRC, o seguinte:

 

a.     O sistema denominado “Comfort Package” deveria ter sido considerado no custo de aquisição da viatura, ao invés de ter sido contabilizado como “ativo fixo intangível”;

 

b.     O software só tem utilidade se for incorporado na viatura;

 

c.     As depreciações das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, dedutíveis para efeitos fiscais estão limitadas pelo artigo 34.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”)  e pela Portaria  n.º 467/2010, de 7 de julho, a 62 500 euros (para períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data);

 

d.     A contabilização separada das faturas da “...” teve como objetivo obter um custo de aquisição da viatura que não excedesse os 62 500 euros e, assim, contornar o limite das depreciações aceites para efeitos fiscais e a exclusão do direito à dedução do IVA;

 

e.     A NCRF 7, parágrafo 17, obriga, para efeitos de valorimetria do ativo (veículo), a considerar o custo de aquisição titulado pela fatura n.º 2017/107, de 19 de setembro de 2017, no montante de  60 764,22 euros (com exclusão de IVA) e a acrescentar o custo do sistema “Comfort Package”, titulado pela fatura n.º 2017/43, igualmente de 19 de setembro de 2017, no valor de 7 479,67 euros (com exclusão de IVA).

 

f.      O software tem utilidade quando incorporado na viatura “...” (e lhe aumenta o valor);

 

g.     A Requerente não prova que o software não faz parte integrante da viatura  e, assim, constitui um ativo completamente independente.

 

 

19.  Defende, quanto aos vícios de violação de lei por inobservância do ónus probatório – insuficiência do teor do Relatório de Inspeção Tributária e da insuficiente fundamentação, o seguinte:

 

a.     Constam detalhadamente no Relatório de Inspeção Tributária a descrição dos factos apurados, como também os fundamentos de direito que suportam as correções;

 

b.     A Requerente compreendeu perfeitamente o motivo das correções, como resulta da análise do exercício do direito de audição durante o procedimento inspetivo, da petição de reclamação graciosa e do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

20.  Defende que, não existindo qualquer “erro imputável aos serviços” na liquidação dos tributos, não deve ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

 

21. Saneamento

 

A primeira questão que se pode colocar consiste em determinar se, no caso sub iudice, é admissível a cumulação de pedidos que integram o IRC e o IVA.

O artigo 3.º, n.º 1, do RJAT  prevê o seguinte:

 

A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

O normativo não exige, assim, que a ação arbitral diga respeito apenas a um mesmo tributo. É esta a jurisprudência dos tribunais arbitrais que em interpretação desta norma declaram que é possível a cumulação de pedidos relativos a impostos de diferente natureza (v., por exemplo, a decisão arbitral n.º 350/2020-T, de 8 de julho de 2021). Não se exige até uma identidade absoluta de facto e de direito entre os pedidos, até porque a matéria de direito será naturalmente distinta quando estiverem em causa impostos diferentes. Basta, com efeito, que seja essencialmente idêntica a questão de facto nos pontos que relevam para a decisão e exista similitude na questão de direito, ainda que reportada a impostos diferentes. É isso o que sucede no caso dos autos: o tema das correções de IVA reporta-se à mesma factualidade das correções em IRC presentes, em bom rigor, no mesmo Relatório de Inspeção Tributária.

O processo não enferma de nulidades, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

22. Questões a Apreciar 

 

(i)             Se a decisão de indeferimento do pedido da reclamação graciosa e, mediatamente, a (a) liquidação adicional de IRC n.º 2021..., respeitante ao exercício de 2017 e demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., na qual foi apurado o montante de imposto a pagar  de 633,23 euros e de  86,25 euros de juros compensatórios; (b) a liquidação adicional de IVA n.º 2021...,  que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de 15 696,10 euros; e a  liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de 2 528,57 euros, são ilegais, nos termos suprarreferidos.

 

(ii)           Se a Requerente tem direito ao reembolso do montante de 18 944,15 euros, emergente das liquidações com fonte nas correções ao IRC e ao IVA;

 

(iii)         Se a Requerida deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

23. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

 

23.1 A Requerente está cadastrada com a atividade de “Sociedades Gestoras de Participações Sociais Não Financeiras”, com o CAE 64202, desde 11 de outubro de 2007, enquadrada no regime geral de IRC e no regime normal trimestral de IVA.

(PA) 

 

23.2 A Requerente adquiriu à “B..., Sociedade Unipessoal, Lda.” o veículo automóvel, elétrico,  de matrícula   ... .

(PA)

 

 

23.3 A “ B..., Sociedade Unipessoal, Lda.” emitiu ao sujeito passivo as seguintes faturas:

 

 

Faturas

NIF do Emitente

Data

Valor Tributável

IVA

Montante Total

2017/107

...

19 de setembro de 2017

60 764,22 euros

13 975,78 euros

74 740 euros

2017/42

...

19 de setembro de 2017

8211,38 euros

1888,62 euros

10 100 euros

2017/43

...

19 de setembro de 2017

7479,67 euros

1720,32 euros

9 199,99 euros

2017/125

...

1 de novembro de 2017

437,75 euros

100,69 euros

538,44 euros

Total

 

 

76 893,02 euros

17 685,41 euros

94 578,43 euros

 

(PA)

 

23.4 A fatura n.º “2017/43” respeita ao “Comfort Package”, cuja utilização permite  aumentar o conforto dos ocupantes e melhorar a experiência de condução do referido veículo “...”.

(PA)

 

23.5 A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção de natureza interna, credenciado pela ordem de serviços (“OI”) 2021..., de 26 de maio de 2021.

(PA)

 

23.6 O Relatório de Inspeção Tributária contém, nomeadamente, a seguinte fundamentação:

 

 

3.13 – Resultado Tributável – O sujeito passivo declarou através da declaração mod. 22 de IRC, relativamente ao exercício de 2017, um lucro tributável de € 64 485,08.

Considerou como gasto relativamente à viatura ... o montante de € 10 626,94, sendo 10 088,50 a título de depreciações e € 538, 44  a título de “Fornecimentos e Serviços Externos – Outros Serviços”.

O valor máximo que poderia ter considerado era de  € 7812,50 (€ 62 500*0,125%), já que foi considerada a quota mínima. Não havia qualquer razão para separar o Comfort Package, do A.F. Tangível e considerá-lo A.F. Intangível, pois este sistema faz parte integrante da viatura em questão.

Deste modo, verifica-se um excesso de gasto no valor de € 2814,44, respeitante à diferença entre o gasto que o sujeito passivo contabilizou e considerou como gasto fiscal (€ 10 626,94) e o valor limite de depreciação, ou seja, € 7812,50 (quota mínima à taxa de 12,5%), pelo que tal excesso não poderá ser aceite, tendo que ser acrescido ao lucro tributável declarado.

Assim, face à proposta de correção a favor do Estado, na importância de € 2814,44, o lucro tributável passa a ser na importância de € 67 299, 52(€ 64485,08 + € 2814,44).

 

4 – IVA – Exercício de 2017

 

4.1 – IVA indevidamente dedutível

 

a)-Relativamente ao IVA deduzido, a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro veio “possibilitar o direito à dedução do IVA contido nas despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na Portaria a que se refere a alínea e), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC (artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do CIVA);´

 

b) De acordo com a referida Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, se se tratar de uma viatura elétrica, cujo custo de aquisição ultrapasse a importância de € 62 500 não poderá ser efetuada a dedução de IVA;

 

c) No caso exposto, está-se perante a aquisição de uma viatura elétrica, cujo custo de aquisição excede a importância de € 62 500, ou seja, o custo de aquisição da viatura é de € 68 782,33, conforme valores inscritos nas faturas emitidas pela empresa “B... Sociedade Unipessoal, Lda.”, n.ºs 2017/107 (€ 60 764, 22 com exclusão de IVA), 2017/43 (€ 7479,67 com exclusão de IVA), e 2017/125 (€ 538,44 c/IVA incluído);

 

d) Com a separação das três faturas, que correspondem à aquisição da viatura elétrica, com IVA deduzido no total de € 15 696,10 (€ 13975,78 + € 1720,32), o sujeito passivo considerou, erradamente, que a aquisição da viatura cumpre com os requisitos para a dedução do IVA em causa, dado  que através da referida separação, não foi atingido o limite de € 62 500, obrigatório para que tal fosse possível;

 

e)Como já foi referido, a separação das faturas não obsta a que consideremos como custo de aquisição a importância total que foi despendida pelo sujeito passivo, para a obtenção da viatura em questão, pelo que o IVA deduzido na importância de € 15 696,10, deverá ser corrigido na totalidade.

 

Assim, propomos uma correção de IVA a favor do Estado, na importância de € 15 696,10 respeitante ao 3.º trimestre de 2017.

 

(…)

(PA)

23.7 A AT, em resultado das referidas correções, promoveu:

 

i. a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., de 6 de dezembro de 2021, respeitante ao exercício de 2017 e demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado o montante de imposto a pagar  633,23 euros e  86,25  euros de juros compensatórios, com prazo de pagamento voluntário até 26 de janeiro de 2022;

 

ii. a liquidação adicional de IVA n.º 2021..., de 4 de dezembro de 2021, que  deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de 15 696,10 euros, com prazo de pagamento voluntário até 24 de janeiro de 2022; e a liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., de 7 de dezembro de 2021, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de  2 528,57 euros, com prazo de pagamento voluntário até 24 de janeiro de 2022.

(PA)

 

23.8 A Requerida notificou a Requerente, no dia 28 de dezembro de 2021, da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de 15 696,10 euros, com prazo de pagamento voluntário até 24 de janeiro de 2022.

(PA)

 

23.9 A Requerente apresentou, em 24 de maio de 2022, reclamação graciosa das referidas liquidações.

(PA)

 

23.10 A liquidação de IRC n.º 2021..., de 6 de dezembro de 2021, respeitante ao exercício de 2017 e a demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., foram pagas no dia 14 de dezembro de 2021.

(PA)

 

23.11 A liquidação adicional de IVA n.º 2021..., de 4 de dezembro de 2021, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de  15 696,10 euros, foi paga no dia 13 de dezembro de 2021.

(PA)

 

23.12 A liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., de 7 de dezembro de 2021, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de  2 528,57 euros, foi paga no dia 13 de dezembro de 2021.

(PA)

 

23.13 A reclamação graciosa foi indeferida, por despacho de 19 de dezembro de 2023, com os seguintes fundamentos:

 

2. Quanto à questão prévia: Caducidade da liquidação de IVA 

2.1. Alega a reclamante não ter sido notificada da demonstração da liquidação de IVA referente ao período 2017/09T, liquidação n.º 2021..., mas tão somente da demonstração de acerto de contas n.º 2021... referente ao IVA do período 2017/09T, e da respetiva liquidação de juros compensatórios e correspondente demonstração de acerto de contas dos juros compensatórios, motivo pela qual a liquidação de IVA em causa, por não ter sido notificada à reclamante, está ferida do vício da caducidade e, nesta esteira os juros compensatórios inerentes à liquidação do IVA . 

2.2. Através de consulta efetuada à base de dados da AT, constata-se que em 2021/12/28, através de documento remetido ViaCTT, a reclamante considerou-se notificada da demonstração de acerto de contas 2021... . 

2.3. Através da referida demonstração de acerto de contas verifica-se que a reclamante foi notificada da exigência de pagamento da importância de € 15.696,10, bem como da data limite para o fazer, 2022/01/24, decorrente da liquidação de IVA identificada no referido documento com o n.º 2021..., da qual, como alegado pela reclamante, não terá sido a mesma notificada. 

2.4. Quanto ao alegado pela reclamante a este título importa referir que a notificação através de documentos distintos, demonstração de acerto de contas e/ou demostração de liquidação, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar, pelo que não estamos perante atos de diferente natureza. 

2.5. E ainda que a notificação da demonstração de acerto de contas contivesse alguma irregularidade, por falta de comunicação dos fundamentos, não resultaria de tal a inexigibilidade da dívida por: i) Daquele ato de notificação constar o montante da quantia liquidada e o termo do prazo de pagamento voluntário, momento a partir do qual a respetiva dívida se torna coercivamente exigível (cfr. n.º 1 do artigo 88.º do CPPT); ii) Os fundamentos da liquidação ora reclamada constarem do relatório final da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2021..., da qual foi a Reclamante notificada, conforme ofício que integra o documento 7 da petição apresentada pela mesma. 

2.6. Perante o exposto, conclui-se que a notificação produziu o efeito útil que lhe está legalmente associado de tornar eficaz o ato de liquidação em relação à Reclamante, pelo que o vício da caducidade da liquidação de IVA referente ao período 2017/09T e dos respetivos juros, peticionado pela mesma, não merecem acolhimento. 

3. Quanto ao erro sobre os pressupostos de direito 

3.1. Vem a Reclamante alegar que a única causa para as correções em sede de IVA e de IRC das quais resultaram as liquidações reclamadas advém do entendimento dos SIT de que o valor da fatura 2017/43, deve ser considerado como parte integrante da viatura adquirida.

3.2. Alega a reclamante que a fatura 2017/43, de 19/09/207, respeita apenas a um software, não sendo parte integrante da viatura, pelo que são ativos independentes e, enquanto programa informático que não faça parte do hardware do computador, de acordo com o parágrafo 4 da NCRF 6, deve ser tratado como ativo fixo intangível. 

3.3. Da análise à fatura em questão verifica-se que do descritivo da mesma consta “Comfort Package (Portugal Only) (...)”, sendo que, entre outros, a mesma identifica o destinatário da fatura em causa (a Reclamante) bem como o veículo ao qual será afeto o “Comfort Package” em questão, a saber, o veículo identificado com o número (VIN) ..., do ano de 2017, modelo S e com a matrícula ... .

3.4. Por sua vez, a aquisição da viatura referida no ponto anterior encontra-se titulada pela fatura 2017/107, de 19/09/2017, emitida em nome da Reclamante, verificando-se haver correspondência entre o veículo identificado em ambas as faturas. 

3.5. Importa ainda referir que da base de dados da AT consta que a viatura em causa trata-se de um veículo ligeiro de passageiros movido exclusivamente a energia elétrica 

3.6. Tratamento contabilístico e fiscal 

3.6.1. Nos termos da NCRF 7 “Um item do ativo fixo tangível que seja classificado para reconhecimento como um ativo deve ser mensurado pelo seu custo” (parágrafo 16), por sua vez o custo de um item do ativo fixo tangível compreende (parágrafo 17): 

 

“(a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos;

(b) Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida;

(c) A estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauração do local no qual este está localizado, em cuja obrigação uma entidade incorre seja quando o item é adquirido seja como consequência de ter usado o item durante um determinado período para finalidades diferentes da produção de inventários durante esse período” 

3.6.2. Já o Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que estabelece o regime das depreciações e amortizações para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), no n.º 2 do artigo 2.º, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro refere que: 

“O custo de aquisição de um elemento do ativo é o respetivo preço de compra, acrescido: 

a) Dos gastos acessórios suportados até à sua entrada em funcionamento ou utilização; 

b) Das benfeitorias necessárias ou úteis realizadas, de acordo com a normalização contabilística aplicável.." 

3.6.3. Nos termos do disposto na alínea f) do nº2 do artigo 21º do CIVA e Portaria 467/2010 está prevista a possibilidade de dedução do IVA contido nas despesas com a aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na Portaria 467/2010 de 7 de julho, a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC. 

3. 6. 4. Por sua vez, o n.º 4, do artigo 1.º da Portaria 467/2010, aditado pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, estabelece os limites para o custo de aquisição ou valor de reavaliação das viaturas ligeiros de passageiros ou mistas para efeitos da alínea e) do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC, mistas adquiridas nos períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data, a saber:

a) € 62 500 relativamente a veículos movidos exclusivamente a energia elétrica;

 b) € 50 000 relativamente a veículos híbridos plug-in; 

c) € 37 500 relativamente a veículos movidos a gases de petróleo liquefeito ou gás natural veicular; 

d) € 25 000 relativamente às restantes viaturas não abrangidas nas alíneas anteriores. 

 

3. 7. Como decorre do relatório inspetivo, verifica-se que associadas à aquisição da viatura de matrícula ..., encontram-se as faturas 2017/107, 2017/43, emitidas em 19/09/2017, e 2017/125, emitida em 01/11/2017, titulando as mesmas:

- a aquisição da viatura em apreço, pela importância de € 60.674,22, acrescida de IVA no montante de € 13.975,78 (fatura 2017/107);

- a aquisição do sistema “Comfort package”, pela importância de € 7.479,67, acrescida de IVA no montante de € 1.720,32 (fatura 2017/107);

- a aquisição do carregador “Chademo Adapteur”, pela importância de € 437,75, acrescida de IVA no montante de € 100,69 (fatura 2017/125).

3.8. Concluíram os SIT que a reclamante deduziu indevidamente IVA na importância de € 15.696,10, atendendo a que o valor de aquisição da viatura é de € 68.782,33 e, como tal, superior ao limite de € 62.500,00 , por respeitar a um veículo movido exclusivamente a energia elétrica, o que nos termos do disposto na alínea f) do nº2 do artigo 21º do CIVA e Portaria 467/2010, impossibilita a dedução do IVA contido nos custos incorridos com a aquisição do mesmo. 

3.9. Como exposto nos pontos 3.6.1. e 3.6.2., verifica-se haver coerência no conceito de custo de aquisição de um ativo em termos contabilísticos e fiscais, o qual corresponde ao preço de compra do mesmo acrescido dos custos incorridos com vista a que o ativo seja colocado nas condições para que funcione da forma pretendida. 

3.10. De acordo com o teor da fatura de aquisição do ativo “sistema Comfort Package”, registado na rubrica do ativo “Programas de computador”, como já referido, consta referência à mesma matricula e n.º do chassi do veiculo adquirido pela fatura 2017/107, de 19/09/2017, estabelecendo-se aqui correlação entre o sistema “Comfort Package”, que é um extra que está adstrito especificamente à viatura marca “...”, matricula..., modelo S 75 KWh, com chassi nº ..., e nela integrado, visando tal aquisição colocar a viatura adquirida, nas condições de funcionamento pretendidas.

 3.11. Assim, os ativos referidos, titulados pelas faturas mencionadas no ponto anterior, são um único elemento do ativo, cujo valor ultrapassa o limite de € 62.500,00 a que reporta o n.º 4 do artigo 1.º da Portaria 467/2010, pressuposto em que assentaram as correções promovidas pelos SIT em sede de IVA e de IRC contestadas pela reclamante e que, face ao aduzido nos pontos anteriores não merecem acolhimento.

 4. Juros indemnizatórios 

Por não se verificarem os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) em articulação com o n.º 1, do art.º 61.º, do CPPT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

(PA)

 

23.14 A Requerida notificou a Requerente do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, através carta registada, com aviso de receção, expedida a 12 de janeiro de 2024.

(PA)

 

23.15 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 15 de abril de 2024.

(Sistema informático do CAAD).

 

24.Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados com relevância para a decisão.

 

 

25. Fundamentação dos factos provados e não provados

 

O Tribunal Arbitral, quanto à matéria de facto, não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (artigo 123.º, n.º 2,  do  CPPT, artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, nos quais se descreve a fonte utilizada para que se os dê como assentes.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

26.MATÉRIA DE DIREITO

 

a)    Questão da caducidade do direito de liquidação 

 

A Requerente alega que a liquidação de IVA n.º 2021..., respeitante ao período de 2017.09-T, está ferida do vício de caducidade, na medida em que nunca foi notificada do seu teor. Ou seja, sustenta que o prazo de caducidade, na ausência de qualquer efeito suspensivo ocorrido, iniciou-se no dia 1 de janeiro de 2018 e terminou a 31 de dezembro de 2021.

Já a Requerida, pelo contrário, propugna que a Requerente foi notificada no dia 28 de dezembro de 2021 da demonstração de acerto de contas n.º  2021... (documento n.º 2021...) e na qual consta que o imposto decorre da liquidação de IVA n.º 2021... . Vejamos.

O artigo 45.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) prevê, nomeadamente, o seguinte:

 

1-    O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(…)

4-  O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. 

(…)

6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 

 

O direito da AT proceder à liquidação de tributos está sujeito a um prazo de caducidade, assim, após o decurso do referido prazo, sem que aquela (AT) promova a liquidação e a notificação do imposto, a relação tributária extingue-se.

A questão que se coloca nos autos consiste em apurar se a notificação da liquidação pode ser substituída pela (notificação da) demonstração de acerto de contas.

A  jurisprudência arbitral afirma[1], a este propósito, o seguinte:

 

 

A lei exige a notificação das liquidações, como condição da sua eficácia, não bastando a notificação dos “acertos de contas” delas decorrentes. A falta de notificação, decorrido o prazo legal, implica a caducidade do direito a tais liquidações.

 

A Requerida confessa na decisão de indeferimento da reclamação graciosa que: “Através da referida demonstração de acerto de contas verifica-se que a reclamante foi notificada da exigência de pagamento da importância de  € 15 696,10, bem como da data limite para o fazer, 2022/01/24, decorrente da liquidação de IVA identificada no referido documento  com o n.º 2021..., da qual, como alegado pela reclamante, não terá sido a mesma notificada”.

Deste modo, a Requerente não foi notificada, no prazo de caducidade, da liquidação adicional de IVA respeitante ao período 2017.09T e, como tal, procede, neste segmento a pretensão anulatória da Requerente.

Anula-se, assim, a  liquidação adicional de IVA n.º 2021 ... (que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de  15 696,10 euros), bem como a liquidação  consequente de juros compensatórios n.º 2021 ... (que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de  2 528,57 euros).

 

b) Questão  do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito 

 

A correção de IRC está  suportada pela interpretação da Requerida de que o valor de 7 479,67 euros (fatura n.º 2017/43, de 19 de setembro de 2017) deve ser considerado como custo integrante da viatura descrita na matéria assente. A Requerente entende, pelo contrário, que a fatura respeita a um software que, não sendo parte integrante da viatura (que consegue ser utilizada sem o referido software), é um ativo independente. Vejamos.

O artigo 34.º. n.º 1, alínea e), do CIRC dispõe que:

 

1 - Não são aceites como gastos: 

 

e) As depreciações das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, incluindo os veículos elétricos, na parte correspondente ao custo de aquisição ou ao valor revalorizado excedente ao montante a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, bem como dos barcos de recreio e aviões de turismo, desde que tais bens não estejam afetos ao serviço público de transportes nem se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo.

 

A Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho  prevê a normatividade aplicável à determinação do custo de aquisição ou ao valor de reavaliação das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas em sede de IRC, no âmbito da definição dos gastos fiscalmente aceites com as depreciações dessas viaturas.  

O legislador fixa para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, movidas exclusivamente a energia elétrica, que tenham sido adquiridas depois de 2015, o limite de 62500 euros.

Deste modo, para o referido montante – 62500 euros, aplicando o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, o valor máximo de depreciação à quota máxima equivale a 15 625 euros (62500 euros x 25%) e o valor máximo de depreciação à quota mínima é de 7812,50 euros (62500 euros x 12,5%).

No caso sub iudice, a questão coloca-se na medida em que a Requerente procedeu à separação de faturas associadas à compra da viatura elétrica, questão com relevo, não só no domínio do IRC, como do IVA (embora a questão da anulação dos atos tributários deste imposto seja de conhecimento prejudicado,  nos termos do número anterior).

A NCRF 7, parágrafo 17, dispõe, quanto à mensuração, no reconhecimento, que:

 

 O custo de um item do ativo fixo tangível compreende: 

(a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos;

(b) Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida;

(…)

 

Já a NCRF 6, parágrafo 4, dispõe que: 

 

Alguns ativos intangíveis podem estar contidos numa substância física tal como um disco compacto (no caso de software de computadores), documentação legal (no caso de uma licença ou patente) ou filme. Ao determinar se um ativo que incorpore tanto elementos intangíveis como tangíveis deve ser tratado segundo a NCRF 7 — Ativos Fixos Tangíveis ou como um ativo intangível segundo esta Norma, a entidade usa o seu juízo de valor para avaliar qual o elemento mais significativo. Por exemplo, o software de computador de uma máquina ou ferramenta controlada por computador que não funcione sem esse software específico é uma parte integrante do equipamento respetivo e é tratado como ativo fixo tangível. O mesmo se aplica ao sistema operativo de um computador. Quando o software não for uma parte integrante do hardware respetivo, o software de computador é tratado como um ativo intangível.

 

Se para a Requerente, os programas informáticos que sejam parte integrante de um equipamento físico (computador ou equipamento), sem os quais o mesmo não possa funcionar, devem ser tratados como ativos fixos intangíveis. Já para a Requerida, a aquisição do “Comfort Package” foi um custo indispensável para que o veículo pudesse ficar em condições e capaz de funcionar na forma pretendida, pelo que deverá ser um ativo fixo tangível.

O “Comfort Package” da B... visa aumentar o conforto dos ocupantes e melhorar a experiência de condução. Ou seja, encontra-se adstrito ao funcionamento do veículo na forma desejada pela adquirente e, paralelamente, se não fosse incorporado no veículo,  de nada serviria.

Entende o Tribunal Arbitral que, por isso, deve ser considerado um ativo fixo tangível e ser computado no preço da aquisição para efeitos de depreciação, sendo que para a determinação do cálculo das quotas máximas, os elementos do ativo devem ser valorizados pelo seu custo de aquisição, quando estejamos perante elementos adquiridos a título oneroso - artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Regulamentar n.º 15/2009, de 14 de setembro.  O n.º 2 do referido artigo estatui que o custo de aquisição de um dos elementos do ativo é o preço de compra, acrescido de gastos acessórios suportados até à sua entrada em funcionamento ou utilização.

Deste modo, não merece censura a correção empreendida quanto à consideração do “Comfort Package” no custo de aquisição da viatura e, como tal, este excede o limite legal em que as depreciações são fiscalmente aceites, i.e.,  62 500 euros.

Deste modo, a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., de 6 de dezembro de 2021, respeitante ao exercício de 2017 e a demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021... mantêm-se na ordem jurídica.

 

c) Questão do vício de violação de lei por inobservância do ónus probatório no Relatório de Inspeção Tributária e questão do vício de fundamentação insuficiente

 

A Requerente alega, a este respeito que, as liquidações são ilegais, por vício de violação de lei, na medida em que há inobservância do ónus probatório da AT (não perscrutar a realidade subjacente), como também o Relatório de Inspeção Tributária padece de falta de fundamentação. Já a Requerida defende que constam detalhadamente no Relatório de Inspeção Tributária a descrição dos factos apurados, como também os fundamentos de direito que suportam as correções e, paralelamente, a Requerente compreendeu perfeitamente o motivo das correções, como resulta da análise do exercício do direito de audição durante o procedimento inspetivo, da petição de reclamação graciosa e do pedido de pronúncia arbitral.

Ora, observa a jurisprudência[2] relativamente ao método para apurar se um ato tributário está, ou não, fundamentado: 

 

“[i]mpõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa…”. 

 

A fundamentação material do ato reporta-se, assim, à real verificação dos pressupostos de facto e à correta interpretação e aplicação das normas como fundamento jurídico.

Importa, antes de mais, apurar sobre quem impendia o ónus da prova relativamente à divisão das faturas de aquisição do veículo com o objetivo de permitir a depreciação, nos moldes realizados no exercício aqui em causa. 

O artigo 74.º, n.º 1, da LGT determina que: 

 

O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 

 

É da responsabilidade da AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação e, paralelamente, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte do direito que invoca. 

Observa, neste sentido a jurisprudência[3] que:

[e]m princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo artigo 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do artigo 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.

No caso sub iudice, não só a AT indaga a realidade subjacente, argumentando que o “Comfort Package” aumenta a qualidade de condução e que não tem utilidade caso não seja utilizada no referido veículo, como também a Requerente bem percebeu toda a fundamentação subjacente ao Relatório de Inspeção Tributária, como o teor da petição de reclamação graciosa e da presente ação arbitral atestam.

Deste modo, também por aqui, a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., de 6 de dezembro de 2021, respeitante ao exercício de 2017 e a demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... mantêm-se na ordem jurídica.

 

d) Questão da restituição do imposto que a Requerente considera indevidamente pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

A  Requerente pediu ainda a restituição do imposto e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

Tendo sido anulada a liquidação de IVA n.º 2021... (que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de  15 696,10 euros), bem como a  liquidação de juros compensatórios n.º 2021... (que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de  2 528,57 euros), tem a Requerente  direito à restituição do imposto e dos juros compensatórios pagos em relação ao IVA do período 2017.09T, ou seja, 18 224,67 euros.

Já em relação ao montante pago com fonte na  liquidação de IRC n.º 2021..., de 6 de dezembro de 2021, respeitante ao exercício de 2017 e a demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., não deve ser restituído, atenta a improcedência do pedido de anulação dos referidos atos.

A Requerente solicita ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

A este respeito sustenta à jurisprudência[4] relativamente à anulação de atos tributários com fonte na caducidade do direito à liquidação:

 

II - A anulação de um ato de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele ato não ter sido efetuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito da liquidação, pelo que, ao abrigo do citado artigo 43.º da LGT não assiste ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios. (nosso sublinhado)


III – A conclusão exarada no ponto II não afasta o direito do contribuinte, ao abrigo, conjugadamente, do preceituado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa e na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, requerer, no processo próprio, a indemnização a que se julgue com direito.

 

O Tribunal Arbitral adere à referida posição jurisprudencial e, assim, é indeferido o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, atento o facto de ter sido reconhecida a caducidade do direito à liquidação, como também julgada improcedente a pretensão anulatória quantos aos atos tributários respeitantes ao IRC do exercício de 2017.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

(a)           Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IVA n.º 2021..., de 4 de dezembro de 2021, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de  15 696,10 euros;

 

(b)           Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de  IRC n.º 2021..., respeitante ao exercício de 2017 e demonstração de juros compensatórios n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021... mantendo-se, por isso, as mesmas na ordem jurídica;

 

(c)           Julgar procedente  o pedido de restituição (de IVA) respeitante à  liquidação adicional de IVA n.º 2021..., de 4 de dezembro de 2021, e de juros compensatórios do mesmo período de tributação (liquidação n.º 2021..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na qual foi apurado um total a pagar de  2 528,57 euros),  com as legais consequências;

 

(d)           Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios respeitantes à liquidação adicional de IVA n.º 2021..., de 4 de dezembro de 2021, com as legais consequências;

 

 

(e)           Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios respeitantes à liquidação adicional de  IRC n.º 2021..., do exercício de 2017, com as legais consequências;

 

(f)            Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento de custas arbitrais, na proporção de  3,8% e de 96,2 %, respetivamente.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em  18 944,15 euros, nos termos do artigo 97.º- A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”). 

 

CUSTAS

 

Fixa-se o montante das custas em 1124 euros, a cargo da Requerente e da Requerida na proporção do decaimento, sendo 3,8% da responsabilidade da Requerente, no valor de 42,712 euros e 96,2% da responsabilidade da Requerida, no valor de 1081,288 euros, em conformidade com o RCPAT, a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Notifique.

 

Lisboa,  20 de maio de 2025

 

O árbitro,

                                                                                                

 

Francisco Nicolau Domingos

 

 



[1] Decisão arbitral n.º 98/2022-T, de 29 de março de 2023.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º   03014/11.1BEPRT, de 2 de fevereiro de 2022.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0951/11, de 26 de fevereiro de 2014.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º
0503/19.3BELRS, de 8 de junho de 2022,