Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque e Dr. Ricardo Marques Candeias (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-03-2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., NIF ..., e B..., NIF..., residentes na rua ..., n.º..., ...-... MATOSINHOS. doravante designados como “Requerentes”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação parcial da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2024..., relativa ao ano 2021.
Os Requerentes pedem a redução do imposto apurado de € 121.764,43 para € 34.708,70, com restituição aos Requerentes o valor de € 87.055,73 e, em qualquer caso, a restituição aos Requerentes o montante de juros compensatórios que consideram indevidamente pagos, no valor de € 9.354,17.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30-12-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14-02-2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05-03-2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência dos pedidos.
Por despacho de 22-04-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Em 16-2-2017, os Requerentes adquiriram o prédio urbano sito na Rua ..., ..., sito na União de Freguesias ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo valor de € 340.000,00 (“Prédio 1”) (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A aquisição do Prédio 1 foi destinada a habitação própria e permanente dos Requerentes e respetivo agregado familiar;
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Os Requerentes obtiveram licença para ampliação e alteração do Prédio 1 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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As obras de construção no Prédio 1 ascenderam ao valor de € 413.433,55 (facturas e recibos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Para a aquisição do Prédio 1, os Requerentes contraíram dois créditos:
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obtiveram um empréstimo bancário no valor de € 340.000,00 dirigido à aquisição;
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obtiveram um empréstimo para a realização das obras de construção, no valor de € 350.000,00;
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Em 21-12-2021, os Requerentes venderam o Prédio 1, pelo valor de € 1.325.000,00, livre de quaisquer ónus ou encargos (nomeadamente, ficando assegurado o cancelamento das hipotecas que garantiam os empréstimos referidos (Ap. 1397 e 1398, de 16.02.2017, respetivamente) (escritura de venda, que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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À data da referida venda do Prédio 1, os Requerentes tinham em dívida:
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o valor de € 319.848,00 relativo ao crédito habitação contraído para a aquisição do terreno;
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o valor de € 340.277,56 relativo ao crédito habitação contraído para a construção do imóvel.
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Os Requerentes utilizaram o produto da venda do Prédio 1 para:
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Adquirir, em 3-1-2022, pelo valor de € 700.000,00, o prédio urbano sito na Rua ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., e que foi destinado à sua habitação própria e permanente (“Prédio 2”) (escritura de aquisição, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Realizar obras de melhoramento, no valor de € 201.194,59, no Prédio 2 (faturas que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); ( [1] )
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Para a aquisição do Prédio 2 não foi obtido nem contraído qualquer empréstimo pelos Requerentes;
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Com o produto da venda do Prédio 1, os Requerentes não amortizaram o capital em dívida;
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No momento da compra do Prédio 2, em 03-01-2022, foi constituída uma garantia hipotecária a favor do Banco mutuante dos empréstimos referidos na alínea E) sobre o Prédio 2, sendo o capital em dívida de € 319.848,46 e € 340.277,56, respectivamente (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 10-7-2022 os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS número..., relativa ao IRS 2021, em que declararam no campo 5005 o valor de € 640.000, como sendo o «valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem», e no campo 5006 o valor de € 685.000,00 como sendo o «valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel» (documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 15-04-2025, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na sequência da submissão da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano 2022, foi aberto um procedimento de liquidação pela Direção de Finanças do Porto, com fundamento em divergência verificada no que respeita a reinvestimento em imóveis;
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No procedimento de divergência foi emitida, em 21-03-2024, uma informação, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
2. Inscreveu também os seguintes valores no Quadro 5 A - “Intenção de reinvestimento”:
2.1 Campo 5005 - Valor em dívida do empréstimo à data da alienação € 640.000,00.
2.2 Campo 5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) € 685.000,00
3. Nos termos expostos pelo SF, a questão prévia consiste em conhecer quais os valores elegíveis nos supracitados Campos.
4. Sobre esta matéria, o teor das” Instruções de Preenchimento” do Anexo G não deixa margem para dúvidas, conforme se transcreve:
“Intenção de reinvestimento:
- No Campo 5005 - o valor do capital em dívida do empréstimo contraído para a aquisição do bem alienado (excluem-se os juros e outros encargos, bem como os empréstimos para obras) à data da alienação do imóvel;
- No Campo 5006 - o valor de realização que o sujeito passivo pretende reinvestir na aquisição de habitação própria e permanente, sem recurso ao crédito, na compra de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.”
5. As referidas instruções fluem pelas seguintes vertentes do disposto no art.º 10.º, n.º 5, do Código do IRS (CIRS), que prescreve “O valor de realização deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel …”:
Daí emergindo:
a) o valor de venda da habitação antiga é abatido do empréstimo remanescente para a sua aquisição, e unicamente para a sua aquisição, não se incluindo empréstimos cuja utilidade se esgote noutros fins.
b) o produto da venda tem que ser aplicado, necessariamente, na aquisição da nova habitação pelo que, não é considerado reinvestimento, na parte da aquisição da nova habitação que esteja coberta por empréstimo.
6. Com efeito no “TÍTULO DE COMPRA E VENDA MÚTUO COM HIPOTECA” lavrado no Cartório Notarial de competência Especializada de Matosinhos, em que o titular da divergência outorgou como “SEGUNDO - PARTE COMPRADORA E MUTUÁRIA” do prédio alienado, pode ler-se:
“F. MÚTUO COM HIPOTECA
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F.1 O BANCO, representado da TERCEIRA interveniente, concede ao SEGUNDO, ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação, regulado pelo Dec. Lei n.º 349/98, de 11 de novembro e demais disposições legais complementares aplicáveis, um empréstimo no montante de TREZENTOS E QUARENTA MIL EUROS de que este se confessa devedor, destinado à aquisição do imóvel atrás identificado, que se destina a habitação própria e permanente, o qual nesta data lhe é concedido pelo prazo de trezentos e vinte e quatro meses. “
7. Verifica-se, assim, que o valor concedido pelo Banco para a compra do prédio, foi igual ao seu valor de aquisição de € 340.000,00.
8. Acresce que, se acha apenso à divergência um outro documento - Escritura de Hipoteca - exarado em 03-01-2022, no Cartório Notarial do Notário Lic. C…, do qual resulta que, o valor em dívida nessa data era de € 319.848,46, conforme excerto ínsito:
“Que em dezasseis de fevereiro de dois mil e dezassete, O BANCO concedeu ao primeiro outorgante A... um Empréstimo no montante de TREZENTOS E QUARENTA MIL EUROS de que se confessou devedor, o qual, naquela data lhe foi concedido pelo prazo de trezentos e quarenta e dois meses ao abrigo do mesmo Regime regulado pelo Dec. Lei n.º 349/98,
de 11 de novembro …
Que o empréstimo referido no parágrafo anterior, apresenta atualmente um capital em dívida de TREZENTOS E DEZANOVE MIL OITOCENTOS E QUARENTA E OITO EUROS E QUARENTA E SEIS CENTIMOS.”
9. Daí resultando que, o valor elegível no Campo 5005 - “Valor em dívida do empréstimo à data da alienação” corresponde a € 319.848,46.
10. Por outro lado, o contribuinte declarou em sede de IRS do ano de 2022, no Campo 5008 - “Valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito)” o valor de € 240.593,79.
11. A par dessa informação, indicou no Quadro A1 - “IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DO IMÓVEL OBJETO DE REINVESTIMENTO (NO TERRITÓRIO NACIONAL)” a inscrição matricial “...U...”
12. Efetivamente, através da declaração Modelo 11 sabe-se que o contribuinte adquiriu o mencionado prédio pelo valor de € 700.000,00, na mesma data da Escritura de Hipoteca, isto é, em 03-01-2022.
13. Contudo, essa Escritura de Hipoteca aponta para a existência de outro empréstimo, no valor de € 350.000,00, contraído nos termos do extrato incluso:
“Que em dezasseis de fevereiro de dois mil e dezassete, O BANCO concedeu ao primeiro outorgante A... um Empréstimo no montante de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS de que se confessou devedor, o qual, naquela data lhe foi concedido pelo prazo de trezentos e quarenta e dois meses ao abrigo do mesmo Regime regulado pelo Dec. Lei n.º 349/98, de 11 de novembro …
Que o empréstimo referido no parágrafo anterior, apresenta atualmente um capital em dívida de TREZENTOS E QUARENTA MIL DUZENTOS E SETENTA E SETE EUROS E CINQUENTA E SEIS CENTIMOS.”
14. De mais fica a conhecer-se, a partir do mesmo documento: “Que em caução e garantia dos referidos empréstimos, ele, primeiro outorgante, constitui, pela presente a favor do mesmo BANCO Hipoteca sobre o prédio atrás identificado, …”
15. Sendo que, o prédio identificado na Escritura corresponde ao prédio sob inscrição matricial “... U...”, cuja aquisição foi objeto do reinvestimento declarado pelo contribuinte no IRS/2022, no valor € 240.593,79.
16. Em síntese, com vista a esclarecer o valor em dívida à data da alienação o contribuinte efetuou, em 22-10-2022, uma “Justificação” no Portal das Finanças e anexou uma declaração do Banco BPI, SA, NIPC 501214534, da qual se extrai informação que se reputa amplamente esclarecedora:
“Para os devidos efeitos declaramos que o valor total em dívida de crédito à habitação concedido a A..., NIF..., à data de alienação do imóvel (21.12.2021) sito na Rua ..., no Porto, era de 660.126,02€. Este mesmo montante de crédito à habitação foi alocado/transferido à aquisição de uma nova habitação própria e permanente, adquirida em Janeiro de 2022 pelo próprio, na Rua..., nº ..., em Matosinhos.”.
17. Uma vez que, do relatado contexto se recolhe que a aquisição do artigo..., pelo valor de € 700.000,00, foi efetuada com capital emprestado no montante de 660.126,02 (319.848,46 + 340.277,56), partilha-se o entendimento do SF de que, o valor de realização sem recurso ao crédito a considerar reinvestido, no primeiro ano seguinte ao da realização, será de € 39.873,98 (700.000,00 .660.126,02).
III Proposta
1. Face às apreciações aduzidas e com fundamento no art.º 10.º, n.º 5, do CIRS, cumpre propor, à consideração superior, as correções a seguir evidenciadas:
• IRS/2021 - Projeto de Decisão:
No Quadro 5 A - “Intenção de reinvestimento”
Campo 5005 - “Valor em dívida do empréstimo à data da alienação” - alterar o valor de € 640.000,00 para o valor de € 319.848,46.
• IRS/2022 - Projeto de Decisão:
No Quadro 5 A - “Intenção de reinvestimento”
Campo 5008 - “Valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito)” -
alterar o valor de € 240.593,79 para o valor de € 39.873,98
-
No procedimento de divergência foi ainda emitida outra informação, em 27-05-2024, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
1. De acordo com a análise efetuada às declarações de rendimentos dos anos de 2021 e de 2022 que integram os Lotes “1821 - 2021 - J3213 - 27” e “1821 - 2022 - J2696 - 31” foram identificados os seguintes factos:
2. IRS/2021:
O Sujeito Passivo (SP) A declarou no Anexo G, que alienou em 12/2021 o prédio sob inscrição matricial “... U ...”, pelo valor de € 1.325.000,00, e que a respetiva aquisição ocorreu em 02/2017, pelo valor de € 340.000,00.
Inscreveu também os seguintes valores no Quadro 5 A - “Intenção de reinvestimento”:
Campo 5005 - Valor em dívida do empréstimo à data da alienação € 640.000,00.
Campo 5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) € 685.000,00
3. Contudo, acha-se apensa na divergência uma Escritura de Hipoteca, exarada em 03-01-2022, no Cartório Notarial do Notário Lic. C…, da qual resulta que o valor em dívida nessa data era de € 319.848,46
4. Por outro lado, o contribuinte adquiriu pelo valor de € 700.000,00 o prédio com a inscrição matricial “... U... ”, aquisição, essa, que declarou como objeto do reinvestimento, mas, para o efeito recorreu a crédito pelo montante de € 660.126,02
5. Deste modo, nos termos do Despacho Concordante de 22-03-2024, foram propostas correções de valores nos seguintes campos:
Campo 5005 - Valor em dívida do empréstimo à data da alienação € 319.848,46
Campo 5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) € 39.873,98
6. Foram igualmente detetados os seguintes aspetos:
IRS/2022:
O SPA inscreveu os seguintes valores:
Quadro 5 A - “Intenção de reinvestimento”
Campo 5008 - “Valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito)” € 240.593,79
7. No entanto, com fundamento na verificação efetuada a partir do IRS/2020, propôs-se o seguinte valor:
Quadro 5 A - “Intenção de reinvestimento”
Campo 5008 - “Valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito)” € 39.873,98.
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Os Requerentes não procederam à alteração da sua declaração nos termos propostos pela Direção de Finanças do Porto;
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Os Requerentes foram notificados para exercício do direito de audição sobre o projecto de decisão do procedimento de divergência, nos termos que constam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Posteriormente, os Requerentes foram notificados da alteração de alguns elementos da declaração de IRS que tinham apresentado, nos termos que constam do documento n. 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
2. IRS/2021:
O Sujeito Passivo (SP) A declarou no Anexo G, que alienou em 12/2021 o prédio sob inscrição matricial "... U ..., pelo valor de€ 1.325.000,00, e que a respetiva aquisição ocorreu em 02/2017, pelo valor de € 340.000,00.
Inscreveu também os seguintes valores no Quadro 5 A - "Intenção de reinvestimento":
Campo 5005 - Valor em dívida do empréstimo à data da alienação € 640.000,00.
Campo 5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) € 685.000,00.
3. Contudo, acha-se apensa na divergência uma Escritura de Hipoteca, exarada em 03-01-2022, no Cartório Notarial do Notário Lic. C, da qual resulta que o valor em dívida nessa data era de € 319.848,46
4. Por outro lado, o contribuinte adquiriu pelo valor de€ 700.000,00 o prédio com a inscrição matricial "... U ...", aquisição, essa, que declarou como objeto do reinvestimento, mas, para o efeito recorreu a crédito pelo montante de€ 660.126,02
5. Deste modo, nos termos do Despacho Concordante de 22-03-2024, foram propostas correções de valores nos seguintes campos:
Campo 5005 - Valor em dívida do empréstimo à data da alienação € 319.848,46
Campo 5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) € 39.873,98
6. Foram igualmente detetados os seguintes aspetos:
IRS/2022:
O SPA inscreveu os seguintes valores:
Quadro 5 A - "Intenção de reinvestimento"
Campo 5008 - "Valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito)" € 240.593, 79
7.No entanto, com fundamento na verificação efetuada a partir do IRS/2020, propôs-se o seguinte valor:
Quadro 5 A - "Intenção de reinvestimento"
Campo 5008 - "Valor de realização reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito)"€ 39.873,98.
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Na sequência do procedimento de divergência a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2024..., datada de 03-08-2024, com o valor a pagar de € 131.118,60 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 03-10-2024, os Requerentes pagaram a quantia liquidada (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O Banco BPI emitiu a declaração que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Para os devidos efeitos declaramos que o valor total em dívida de crédito à habitação concedido a A..., NIF..., à data de alienação do imóvel (21.12.2021) sito na Rua ... n.º ..., no Porto, era de 660,126,02€ . Este mesmo montante de crédito à habitação foi alocado/transferido à aquisição de uma nova habitação própria e permanente, adquirida em Janeiro de 2022 pelo próprio, na Rua ..., n.º ..., em Matosinhos.”
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Em 27-12-2024, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Não se provou que os Requerentes tenham constituído poupança no valor de € 402.266,55, como alegam no artigo 13.º do pedido de pronúncia arbitral. Nenhuma prova foi apresentada.
2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo, que não são impugnados.
3. Matéria de direito
Em 2017, os Requerentes adquiriram um prédio para sua habitação própria permanente, pelo valor de € 340.000,00, em que realizaram obras tendo declarado como despesas e encargos o valor de € 431.394,23, que não foi corrigido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Em 2021, os Requerentes venderam o prédio pelo valor de € 1.325.000,00 e, no de 2022, adquiriam outro, também para sua habitação própria permanente, pelo valor de € 700.000,00, em que declararam que fizeram obras no valor de € 201.194.57.
Na declaração de IRS os Requerentes declararam que, à data da alienação do prédio, se encontrava em dívida o valor de e 640.000,00 (campo 5005) e que pretendiam reinvestir o valor de € 650.000,00 (campo 5006).
Na sequência de um procedimento de divergência, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a alterar estes valores inscritos nos campos 5005 e 5006 para € 319.848,46 e € 39.873,98, respectivamente.
O valor de € 319.848,46 é o do empréstimo contraído para aquisição do 1.º imóvel, à data da alienação.
O valor de e 39.873,98 foi obtido pela Autoridade Tributária e Aduaneira considerando, em suma, que
o valor total em dívida de crédito à habitação concedido a A..., NIF ..., à data de alienação do imóvel (21.12.2021) sito na Rua ... n.º..., no Porto, era de 660.126,02€. Este mesmo montante de crédito à habitação foi alocado/transferido à aquisição de uma nova habitação própria e permanente, adquirida em Janeiro de 2022 pelo próprio, na Rua ..., nº..., em Matosinhos.”.
17. Uma vez que, do relatado contexto se recolhe que a aquisição do artigo..., , pelo valor de € 700.000,00, foi efetuada com capital emprestado no montante de 660.126,02 (319.848,46 + 340.277,56), partilha-se o entendimento do SF de que, o valor de realização sem recurso ao crédito a considerar reinvestido, no primeiro ano seguinte ao da realização, será de € 39.873,98 (700.000,00 -660.126,02).
Os Requerentes defendem, em suma, que a liquidação impugnada enferma dos seguintes vícios:
– Vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito em virtude da não consideração do valor das obras de melhoramento realizadas no Prédio 2; entendem os Requerentes que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter considerado um custo de aquisição do Prédio 2 de € 700.000,00 acrescido do custo com obras de melhoramento de € 222.733,45, o que perfaz um total de € 922.733,45;
– vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito relativo ao financiamento da aquisição do Prédio 2: inexistência de empréstimo contraído para a aquisição do Prédio 2 e inexistência de amortização de empréstimo obtido antes da compra do Prédio 2;
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no procedimento de divergência, dizendo ainda, em suma, quanto ao segundo empréstimo, que o mesmo não poderá ser considerado para efeitos de amortização, tendo em conta que não se destinou à aquisição do imóvel (presumivelmente, foi concedido para as obras de edificação/melhoramento) e que no momento da venda do primeiro imóvel estava em dívida (relativamente a esse empréstimo em concreto) o montante de € 319.848,46.
A controvérsia tem subjacente o artigo 10.º do CIRS estabelece no seu n.º 5 o seguinte, na redacção vigente em 2021:
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
Como resulta da alínea a) do n.º 5 deste artigo 10.º do CIRS, para efeitos de reinvestimento é relevante «o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel», pelo que não é de considerar, para este fim, o valor do empréstimo obtido para a realização de obras, como tem vindo a entender o Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 05-07-2023, processo n.º 02073/18.0BEPRT).
Por isso, o «valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem» a inscrever no campo 5005 era de € 319.848,46, como fez a Autoridade Tributária e Aduaneira na declaração oficiosa e não € 640.000,00, como declararam os Requerentes.
3.1. Vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito em virtude da não consideração do valor das obras de melhoramento realizadas no Prédio 2
Os Requerentes defendem que a liquidação impugnada enferma de vício por não tomar em consideração o valor das obras que realizaram, em 2022, no prédio que adquiriram em 2022.
No entanto, o valor dessas obras não foi declarado na declaração de IRS de 2021, que está subjacente à liquidação impugnada.
A eventual relevância do valor dessas obras para efeitos de determinação das mais-valias, está dependente de prévia reclamação graciosa, nos termos do n.º 2 do artigo 140.º do CIRS.
Por isso, não se demonstra que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha incorrido em erro ao não considerar o valor dessas obras tenha influenciado a liquidação impugnada.
Improcede, assim, este vício.
3.2. Vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito relativo ao financiamento da aquisição do Prédio 2: inexistência de empréstimo contraído para a aquisição do Prédio 2 e inexistência de amortização de empréstimo obtido antes da compra do Prédio 2
Como resulta da matéria de facto fixada, os Requerentes tinham utilizado empréstimos para aquisição e realização de obras no 1.º imóvel, empréstimos em que estava em dívida, à data da alienação, o valor de € 660.126,02.
Ao concluir, para efectuar a correcção no campo 3006, que «a aquisição do artigo ..., pelo valor de € 700.000,00, foi efetuada com capital emprestado no montante de 660.126,02 (319.848,46 + 340.277,56)» a Autoridade Tributária e Aduaneira pressupôs, necessariamente, em última análise, que teria existido uma amortização dos dois empréstimos que existiam, seguidos de contracção de um novo empréstimo utilizado para a aquisição do novo imóvel.
No entanto, resulta da matéria de facto que nenhum desses empréstimos foi amortizado nem foi contraído qualquer empréstimo para aquisição no novo imóvel.
Na verdade, o que se passou, juridicamente, foi a constituição de uma nova hipoteca sobre o novo imóvel, em substituição das duas hipotecas que existiam sobre o imóvel vendido, para garantia desses empréstimos que tinham sido contraídos para aquisição do 1.º imóvel e realização de obras no mesmo, que foram canceladas com a venda do 1.º imóvel (cláusula 3.ª da escritura que consta do documento n.º 5).
Mas, esta nova hipoteca é garantia desses dois empréstimos realizados em 2017, «sem qualquer alteração nas condições (...) com exceção da alteração da margem de taxa de juro», como evidencia a escritura de hipoteca que consta do documento n.º 8, constituída «em caução e garantia dos referidos empréstimos»), e não de um novo empréstimo de € 660.126,02 que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu existir, mas não tem correspondência com a realidade.
Assim, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no campo 5006 enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Por outro lado, sendo de € 700.000,00 o valor da aquisição do novo imóvel e independentemente da relevância ou não das obras nele realizadas, tem de se concluir que o valor de € 685.000,00, indicado pelos Requerentes no campo 5006 da declaração que apresentaram como sendo o «Valor de realização que pretende reinvestir sem recurso ao crédito na aquisição da propriedade de outro imóvel», se encontra abaixo do valor que era susceptível de ser reinvestido.
O erro sobre os pressupostos de facto constitui vício de violação de lei que justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Liquidação de juros compensatórios
A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRS, pelo que enferma do mesmo vício.
Por isso, justifica-se também a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Reembolso
Os Requerentes pagaram a quantia liquidada e pedem o reembolso do imposto que entendem ter sido pago em excesso, no valor de € 87.055,73.
O reembolso das quantias pagas em excesso é a consequência da anulação da liquidação.
No entanto, no caso em apreço, a determinação do montante a reembolsar implica uma reformulação da liquidação, como evidenciam os Requerentes no artigo 57.º do pedido de pronúncia arbitral.
Essa reformulação é da competência da Administração Tributária em execução de julgado, como decorre do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.
Assim, a Administração Tributária deverá reembolsar os Requerentes do valor que for determinado em execução da presente decisão arbitral.
5. Juros indemnizatórios
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, conclui-se que há erro na liquidação impugnada que é imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.
Os juros indemnizatórios devem ser contados com base na quantia a reembolsar, desde 03-10-2024, data em que os Requerentes efectuaram o pagamento da quantia liquidada, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
6. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular a liquidação de IRS n.º 2024...;
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Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar aos Requerentes o valor que for determinado em execução da presente decisão arbitral;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 5 desta decisão arbitral.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 96.409,90, indicado pelos Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneiras.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 29-04-2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque)
(Ricardo Marques Candeias)
[1] Os Requerentes indicam o valor de € 222.733,45, mas a soma dos valores das facturas que constam do documento n.º 7 é € 201.194.59.