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Sumario
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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A legislação portuguesa de IRC ao tributar por retenção na fonte, dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a OICVM constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro, ao mesmo tempo que permite aos OICVM equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional, beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17.03.2022.
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Assim, as liquidações de IRC por retenção na fonte sobre dividendos distribuídos a um OICVM não residente são anuláveis por erro na aplicação do direito.
Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dr. Martins Alfaro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de fevereiro de 2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., organismo de investimento coletivo constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede em ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, representado pela sua entidade gestora B... S.A., igualmente com sede em ... Luxemburgo doravante designado por “REQUERENTE”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte, relativas aos períodos de 2022.
A Requerente pede ainda a restituição das importâncias que considera indevidamente retidas, com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 23 de Dezembro de 2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10 de Fevereiro de 2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28 de fevereiro 2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 8 de Abril de 2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, e foi notificada a Requerente para, querendo, exercer o direito ao contraditório sobre os documentos juntos pela Requerida com a sua resposta.
2. Do conhecimento das questões prévias e das excepções
2.1 Do alegado incumprimento do dever de identificação dos actos tributários em apreço
Na Resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, alega, que as guias de imposto identificadas no PPA, constam valores muito superiores ao reclamado, tornando-se impossível a confirmação do pedido.
A Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se em condições de identificar, pelos seus próprios meios, a partir dos elementos facultados pela Requerente, nos termos dos artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, a Requerente como beneficiário dos rendimentos em referência, para confirmar o montante do IRC retido na fonte em cada caso, que esse montante foi entregue nos cofres do Estado e através de que guias, não tendo a Requerente ao seu alcance outros elementos que lhe permitam pronunciar-se sobre o teor das declarações Modelo 30 subjacentes aos actos tributários controvertidos.
Em todo o caso, acrescente-se que o dever inquisitório que impende sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira de identificar os actos tributários objeto de reclamação graciosa ou revisão oficiosa apresentados por um repercutido, sujeito passivo indireto da relação jurídico-tributária em questão, traduz a concretização nesses procedimentos do direito dos sujeitos passivos a uma tutela jurisdicional efetiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
Com efeito, apenas por essa via será assegurado a tal sujeito passivo indireto a plena possibilidade de sindicar os actos tributários de retenção na fonte que afetam patrimonialmente a sua esfera jurídica, no contexto de uma relação jurídico-tributária triangular, em que a obrigação principal de entrega do imposto é assegurada pelo substituto tributário e a obrigação acessória, concretamente atinente à emissão de uma guia de entrega de retenção na fonte, é também assegurada por tal substituto, sempre à margem de qualquer intervenção do sujeito passivo indirecto (mero repercutido).
Neste contexto, sem encetar as diligências necessárias e adequadas com vista à identificação do acto tributário de retenção na fonte objecto de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa, não poderá a Autoridade Tributária e Aduaneira abster-se de conhecer o pedido de declaração de ilegalidade formulado nesses procedimentos pelo sujeito passivo, por falta de identificação do acto impugnado, nos termos do artigo 108.º, n.º 1, do CPPT, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
Nesta medida, a partir dos elementos facultados pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira encontra-se em condições de apurar, pelos seus próprios meios, nos termos dos artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, quais as declarações Modelo 30 entregues pelo substituto tributário relativamente às retenções na fonte controvertidas, nos termos dos artigos 119.º, n.º 7 e n.º 11, do Código do IRC e 125.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e, a partir de tais declarações, identificar a Requerente como beneficiário dos rendimentos em referência, o montante do IRC retido na fonte e a guia de entrega da liquidação de IRC por retenção na fonte controvertida, conclui-se estarem devidamente identificados todos os factos tributários e liquidações de IRC em apreço.
De todo o modo, a Requerida não faz nenhum pedido nem extrai qualquer consequência do que alega a título de questão prévia.
Termos em que se julga improcedente a exceção invocada.
2.2. Impossibilidade originária da lide por falta do seu objeto no segmento em que o imposto supera os 15% de retenção na fonte
Na Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira, sustenta que da consulta às aplicações da AT, verifica-se o registo de pedidos de reembolso em nome desta entidade ao abrigo da CDT Portugal/Luxemburgo, submetidos no SGRI pelo substituto BANCO C... SA-NIF..., nos quais é solicitado o reembolso do imposto que resultar da diferença entre a taxa de retenção na fonte interna de 25% e a aplicação do limite convencional de 15% previsto no n.º 2 do art.º 10º da CDT, ou seja, existe duplicação de pedido: pedido de reembolso junto da DSRI e no âmbito do pedido arbitral.
A Requerida, contra-alegou, sustentando que a apresentação de pedidos de reembolso e a sua eventual concretização não se afigura relevante para a procedência ou improcedência parcial dos presentes autos, porquanto, reconduzindo-se o pedido principal formulado no presente âmbito à declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos tributários, é indiferente, na presente sede, saber se aos referidos atos se encontram associados pedidos de reembolso e se os mesmos já foram concretizados.
A apresentação de pedidos de reembolso e a sua eventual concretização não se afigura relevante para a procedência ou improcedência parcial dos presentes autos cujo pedido principal é de declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos tributários, sendo indiferente saber se aos atos tributários sindicados estão associados pedidos de reembolso e se os mesmos foram já concretizados.
O que está em causa nestes autos é apreciar a legalidade dos atos tributários identificados, porquanto é esse o âmbito dos Tribunais Arbitrais do CAAD, ou seja, de anulação, declaração de invalidade ou inexistência do ato administrativo sem lhe alterar o conteúdo pois de outro modo estaria o Tribunal a intrometer-se, por exemplo, em específica área da discricionariedade técnica mediante a emissão de juízos valorativos apropriando-se das prerrogativas da Administração.
Termos em que se julga improcedente a exceção invocada.
3. Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e analisada a matéria das exceções invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários ("OICVM"), nos termos da Directiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento e do Conselho, de 13-07-2009, que tinha sede e direção efectiva no Luxemburgo, no ano de 2022 (documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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O Requerente é administrado pelo B... S.A., entidade com residência em 5 ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo. (documento n.º 3);
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Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € € 1.965.763,00), que foram sujeitos a retenção na fonte de IRC, nos seguintes termos (valores em euros):
Entidade
|
Data
|
Dividendo Bruto
|
Retenção na fonte
|
Dividendo líquido
|
D...
|
18-Mai-2022
|
4.214,00
|
1.053,00
|
3.161,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
2.365,00
|
354,00
|
2.011,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
2.274,00
|
568,00
|
1.706,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
40.981,00
|
10.245,00
|
30.736,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
163.824,00
|
24.573,00
|
139.251,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
150.814,00
|
37.703,00
|
113.111,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
1.033,00
|
258,00
|
775,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
11.507,00
|
2.876,00
|
8.631,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
2.098,00
|
524,00
|
1.574,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
1.196,00
|
299,00
|
897,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
13.058,00
|
3.264,00
|
9.794,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
1.492,00
|
373,00
|
1.119,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
24.401,00
|
6.100,00
|
18.301,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
4.035,00
|
1.008,00
|
3.027,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
3. 367,00
|
505,00
|
2.862,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
2.190,00
|
547,00
|
1.643,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
6.723,00
|
1.680,00
|
5.043,00
|
D...
|
20-Set-2022
|
2.681,00
|
402,00
|
2.279,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
4.846,00
|
1.211,00
|
3.635,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
2.019,00
|
504,00
|
1.515,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
1.399,00
|
349,00
|
1.050,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
1.138,00
|
284,00
|
854,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
4.656,00
|
1.164,00
|
3.492,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
19.213,00
|
4.803,00
|
14.410,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
1.748,00
|
262,00
|
1.486,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
1.681,00
|
420,00
|
1.261,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
91.108,00
|
22.777,00
|
68.331,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
1.358,00
|
339,00
|
1.019,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
8.421,00
|
2.105,00
|
6.316,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
19.605,00
|
4.901,00
|
14.704,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
1.386,00
|
346,00
|
1.040,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
44.665,00
|
11.166,00
|
33.499,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
94.386,00
|
23.596,00
|
70.790,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
6.824,00
|
1.706,00
|
5.118,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
191.288,00
|
47.822,00
|
143.466,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
237.128,00
|
59.282,00
|
177.846,00
|
E...
|
20-Set-2022
|
131.756,00
|
19.763,00
|
111.993,00
|
E...
|
10-Mai-2022
|
133.577,00
|
33.394,00
|
100.183,00
|
G...
|
12-Dez-2022
|
2.820,00
|
705,00
|
2.115,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
2.417,00
|
604,00
|
1.813,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
7.415,00
|
1.853,00
|
5.562,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
1.790,00
|
447,00
|
1.343,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
424.784,00
|
106.196,00
|
318.588,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
69.423,00
|
17.355,00
|
52.068,00
|
G...
|
12-Dez-2022
|
988,00
|
247,00
|
741,00
|
D...
|
18-Mai-2022
|
5.440,00
|
1.360,00
|
4.080,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
12.903,00
|
3.225,00
|
9.678,00
|
F...
|
28-Abri-2022
|
1.328,00
|
332,00
|
996,00
|
|
Totais:
|
1.965.763,00
|
460.850,00
|
1.504.913,00
|
(documento n.º 5 e 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
No dia 21 de Maio de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRC referentes ao ano de 2022 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
-
No dia 25 de novembro de 2024, o Requerente foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia relativamente a esse projeto, o que não fez – cfr. cópia do projeto de decisão (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A AT mediante ofício datado de 18 de Dezembro de 2024, notificou a Requerente do indeferimento da Reclamação graciosa. (PA, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente não foi notificada da decisão sobre o pedido de reclamação graciosa até ao dia 19 de Dezembro de 2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não são impugnados.
5. Matéria de direito
O Requerente é um fundo de investimento (Organismo de Investimento Colectivo) com sede no Luxemburgo e não constituído ao abrigo da lei portuguesa.
Em 2022, o Requerente recebeu dividendos, pagos em Portugal por sociedades de direito português, relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte.
Em 21 de Maio de 2024, o Requerente apresentou um pedido de reclamação graciosa respeitante às referidas retenções na fonte, cuja decisão não foi notificada até ao dia 19 de Dezembro de 2025, data que a Requerente submeteu o PPA, pelo que se formou indeferimento tácito em 21 Outubro de 2024, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2022, estabelece o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, pelo qual se procedeu, ademais, à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento colectivo (OIC), «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».
No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».
O Requerente não é constituído ao abrigo da lei portuguesa e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.
O Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:
Artigo 63.º
(ex-artigo 56.º TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:
Artigo 65.º
(ex-artigo 58.º TCE)
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.
A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que
O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, de harmonia com a citada jurisprudência do TJUE, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados Membros.
Consequentemente, tem de se concluir que os actos de retenção na fonte, bem como o indeferimento do pedido de reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
O indeferimento do pedido de reclamação graciosa, que manteve os actos de retenção impugnados, enferma do mesmo vício, pelo que também se justifica a sua anulação.
5. Reenvio prejudicial
Não se suscitando ao Tribunal dúvida alguma sobre o alcance das normas a aplicar à situação sub juditio, não se justifica o reenvio prejudicial peticionado, à luz do preceituado no artigo 267.º do TFUE.
6. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede reembolso da quantia de 460.850,00 (quatrocentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta euros) retida na fonte, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data da entrega da prestação tributária.
6.1. Reembolso
Na sequência da anulação das retenções na fonte a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias retidas, o que é consequência da anulação.
No total dos actos de retenção na fonte 460.850,00 (quatrocentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta euros), pelo que é esta a quantia a que a Requerente tem direito.
6.2. Juros indemnizatórios
O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
O prazo da reclamação graciosa de actos de retenção na fonte em sede de IRC é de «dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior» (artigo 137.º, n.º 3, do CIRC).
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de jurisprudência de 22-03-2023, processo n.º 79/22.4BALSB, «em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT».
Pelo que é de concluir que a Requerente tem apenas direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa.
O pedido de reclamação graciosa foi apresentado em 21 de Maio de 2024, pelo que o indeferimento tácito se formou em 21 de Setembro de 2024, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, desde a data em que se formou indeferimento tácito, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
7. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de retenção na fonte de IRC, referente a 2022, no valor de 460.850,00 (quatrocentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta euros)
-
Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 460.850,00 (quatrocentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta euros), indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 21 de Abril de 2025
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa) (presidente),
(Paulo Ferreira Alves), Árbitro Vogal, Relator
(Martins Alfaro), Árbitro Vogal