Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1347/2024-T
Data da decisão: 2025-04-14  IRC  
Valor do pedido: € 16.244,03
Tema: IRC – Organismos de Investimento Coletivo Não Residentes – Retenção na Fonte – Violação do Direito da União Europeia.
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SUMÁRIO:

 

I – O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.[1]

II – A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.

III – A liberdade de circulação de capitais refere-se quer a Estados-Membros, quer a países terceiros.

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Susana Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 25.02.2025, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), constituído e a operar ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal português..., com sede em ..., Estados Unidos da América, representado pela sua entidade gestora B..., (“o Requerente”), veio, em 16.12.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2022, consubstanciado na guia n.º..., do período de abril de 2022, que incidiu sobre os dividendos auferidos em território nacional, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., que teve como objeto o dito ato, e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. Subsidiariamente, o Requerente peticiona o reenvio prejudicial dos presentes autos ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”), caso o Tribunal Arbitral entenda existirem dúvidas quanto à solução a dar à questão de fundo: “É incompatível com os artigos 63.º e 65.º do TFUE a disposição de direito nacional em causa nos presentes autos (cf. artigo 22.º, n.º 3, do EBF) que prevê um tratamento fiscal diferenciado para os dividendos distribuídos por uma sociedade residente nesse mesmo Estado-membro em função da residência do Organismo de Investimento Coletivo (OIC) que os aufere, excluindo de tributação os dividendos pagos por uma sociedade residente nesse Estado-membro a um OIC residente, mas sujeitando a tributação os mesmos dividendos quando pagos a um OIC não residente?
  3. O Requerente juntou 3 (três) documentos.
  4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 17.12.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  5. O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  6. A 05.02.2025 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 25.02.2025.
  8. Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 25.02.2025 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 
  9. No dia 11.03.2025, a Requerida apresentou a sua resposta – na qual se defendeu por impugnação –, e juntou aos autos o PA.
  10. Em 12.03.2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias; (iii) notificou o Requerente para, em idêntico prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iv) indicou o prazo para proferir a decisão final arbitral.
  11. Em 01.04.2025, a Requerida apresentou as suas alegações finais.
  12. O Requerente não apresentou alegações finais.

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de retenção na fonte de IRC aqui em crise, invoca o Requerente, de entre o mais, o seguinte:
  1. O tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a residência tributária destes, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a qual é proibida pelo artigo 63.º do TFUE;
  2. Neste mesmo sentido, pronunciou-se recentemente o Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C-545/19;
  3. De facto, tendo sido chamado a pronunciar-se sobre a compatibilidade do regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), com o artigo 63.º do TFUE, o TJUE respondeu que “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”;
  4. Importa, assim, demonstrar que o regime que exclui de tributação os dividendos auferidos por “(…) fundos de investimento mobiliário (…) que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (…)” (cf. artigo 22.º do EBF) e por isso residentes em território nacional, mas que sujeita a retenção na fonte os dividendos auferidos por fundos que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes, colide com o princípio da não discriminação em razão da residência e consubstancia uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE;
  5.  De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), o Direito Comunitário é aplicável na ordem interna nos termos do Direito da União Europeia, isto é, por força do primado da legislação comunitária sobre o Direito interno, conforme se infere igualmente do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da CRP e do artigo 1.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”);
  6. É, pois, tendo presente o primado das normas de Direito Comunitário que caberá analisar o regime que sujeita os dividendos distribuídos por sociedades sedeadas em território nacional a um tratamento fiscal diferente em razão da residência do fundo de investimento, cumprindo para o efeito verificar: (i) Se a situação em análise cai no âmbito de aplicação do TFUE; (ii) Se o artigo 22.º, n.ºs 1 e 3 do EBF consubstancia uma discriminação em razão da residência e, por via disso, se constitui uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE; e (iii) Em caso afirmativo, se existe um motivo justificativo para a restrição ao exercício dessa liberdade fundamental;
  7. A situação em presença supera o referido teste de que depende a aplicação do TFUE e a proteção das liberdades fundamentais, em concreto da livre circulação de capitais: Em primeiro lugar, o Requerente é detentor de uma das capacidades, qual seja, a de investidor; Em segundo lugar, estamos na presença de uma situação claramente detentora de um elemento transfronteiriço, em que o Requerente, residente nos EUA– país terceiro –, investe em Portugal mediante aquisição de ações de sociedades com sede em território nacional (Cfr. European Tax Law, Wolters Kluwer, 2012, p. 26);
  8.  A jurisprudência do TJUE tem vindo constantemente a opor-se a restrições à circulação de capitais no âmbito das relações entre Estados-membros e países terceiros, assim admitindo, no que ora releva, a aplicação de uma das liberdades fundamentais consagradas no TFUE nas relações com países terceiros (Cfr., entre outros, acórdão Sanz de Lera, processos apensos C-163/94, C-165/94 e C-250/94, de 15.12.1994, acórdão FII Group Litigation, processo C-446/04, de 12.12.2006 e acórdão Emerging Markets Series, processo C-190/12, de 10.04.2014);
  9. A situação sob análise é, assim, enquadrável no seio do TFUE, impondo, por conseguinte, a proteção das liberdades fundamentais nele plasmadas, em concreto da livre circulação de capitais;
  10. A legislação nacional de um Estado-membro que faça depender uma exclusão de tributação dos dividendos recebidos da localização geográfica da residência do fundo de investimento que aufere os dividendos, não pode deixar de consubstanciar uma clara afronta ao princípio da não discriminação em razão da residência, colidindo com a livre circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;
  11. O TFUE não define o conceito de discriminação, no entanto, no contexto do Direito Comunitário, a discriminação implica um efetivo tratamento diferenciado por um Estado membro de uma operação ou situação transnacional, por comparação com uma situação interna, que partilhe com aquela uma identidade quanto aos seus aspetos essenciais;
  12. Para aferir da existência de um tratamento discriminatório é conveniente ponderar quatro elementos que, de acordo com a doutrina, compõem o conceito de discriminação, quais sejam: (i) a existência de duas situações (ii) sujeitas a um tratamento diferenciado, (iii) apesar de comparáveis, (iv) e de que resulta um tratamento desvantajoso para uma das situações (cf., neste sentido, NIELS BAMMENS, The Principle of Non-Discrimination in International and European Tax Law, IBFD Doctoral Series, 2012, p. 9);
  13. Decorre do acima exposto a verificação do elemento (i) supra, pois sob análise estão duas situações, a saber: a tributação de dividendos de origem nacional auferidos pelo Requerente, fundo de investimento não residente, por um lado, e a tributação de dividendos de origem nacional (quando) auferidos por um fundo de investimento residente em Portugal, por outro lado;
  14. O elemento (ii) supra também se encontra verificado na medida em que a lei nacional impõe às situações acima identificadas um tratamento diferenciado em matéria de tributação de dividendos;
  15. Efetivamente, no que respeita à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em território nacional a fundos de investimento, a legislação interna prevê dois regimes de tributação distintos cuja aplicação depende da qualidade de residente (ou não) do fundo de investimento que os aufere;
  16. Para que se possa concluir com certeza pela existência de um tratamento discriminatório e por conseguinte por uma restrição à livre circulação de capitais, impõe-se, antes de mais, aferir da verificação do elemento (iii) supra, ou seja, se as situações acima identificadas, sujeitas a um tratamento fiscal diferenciado, são objetivamente comparáveis[2];
  17. De acordo com a jurisprudência do TJUE a partir do momento em que determinado Estado-membro sujeita a imposto os dividendos auferidos, nesse Estado-membro, por um investidor não residente, a situação deste torna-se comparável à de um investidor residente (cf. neste sentido, designadamente, acórdão Aberdeen Property Fininvest Alpha Oy, processo C- 303/07, de 18.06.2009);
  18. No que concerne ao elemento comparabilidade, refere-se na decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2019-T, de 23.07.2019, a qual se debruçou sobre a disciplina legal vertida no artigo 22.º do EBF, que “(…) os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em que Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem nas empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas.[3];
  19. Por outro lado, “A circunstância de os fundos de investimento não residentes não fazerem parte do quadro regulamentar uniforme da União criado pela diretiva OICVM que regula as modalidades da criação e funcionamento dos fundos de investimento na União, conforme transposta para o direito interno pela Lei polaca sobre os fundos de investimento, não basta por si só para demonstrar que as situações dos referidos fundos são diferentes. Com efeito, na medida em que a diretiva OICVM não se aplica aos fundos de investimento estabelecidos em países terceiros, uma vez que se encontram fora do âmbito de aplicação do direito da União, exigir que estes últimos sejam regulamentados de forma idêntica relativamente aos fundos de investimento residentes privaria a liberdade de circulação de capitais de todo o efeito útil.” (cf. processo C-190/12, de 10.04.2014);
  20. Para concluir pela existência de um tratamento discriminatório resta averiguar se também o elemento (iv) supra se encontra verificado, ou seja, se a legislação nacional em apreço traduz um tratamento desvantajoso dos fundos de investimento não residentes, como é o caso do Requerente;
  21.  De facto, a carga fiscal aplicada aos dividendos auferidos por um fundo de investimento não residente, não é idêntica à aplicada aos dividendos (da mesma origem) auferidos por um fundo de investimento residente;
  22. Este tratamento discriminatório constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo supra citado artigo 63.º do TFUE;
  23. Por conseguinte, tem o TJUE defendido que a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, do TFUE, não pode ser interpretada no sentido de permitir que uma regulamentação que distinga entre os contribuintes em função do lugar onde residem ou do Estado-membro onde investem, seja considerada compatível com o TFUE (cfr. acórdão Emerging Markets Series, processo C-190/12, de 10.04.2014 e acórdão Pensioenfonds Metaal en Techniek, processo C-252/14, de 02.06.2016);
  24. No caso sob análise, não se verifica qualquer uma das situações previstas no artigo 65.º, n.º 1 do TFUE;
  25.  No que concerne à alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, como decorre de todo o exposto supra quanto à comparabilidade, a situação do Requerente é objetivamente comparável à de um fundo de investimento residente. Com efeito, como concluiu o TJUE no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN o tratamento conferido em sede de Imposto do Selo e a sujeição a tributação autónoma não colocam os fundos de investimentos residentes numa situação objetivamente diferente dos fundos de investimento não residentes (cfr. parágrafos 53 a 58 do acórdão);
  26. Relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode considerar que a restrição à livre circulação de capitais resultante da legislação nacional esteja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, caso em que, além do mais, deveria não apenas ser adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue, mas também não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objetivo, respeitando um princípio de proporcionalidade;
  27.  Não se pode justificar a restrição em causa pelo risco de evasão fiscal uma vez que decorre de jurisprudência constante que esse fundamento não justifica, por si só, uma restrição fiscal à livre circulação de capitais, se não for invocada em ligação com um objetivo específico de luta contra expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é de eludir o imposto normalmente devido;
  28. Por outro lado, também não estão presentes quaisquer razões relacionadas com a preservação da coerência do sistema fiscal. Com efeito, basta recordar que, conforme o TJUE decidiu nos acórdãos Aberdeen Property Fininvest Alpha Oy (processo C- 303/07, de 18.06.2009) e acórdão Santander Asset Management SGIIC SA (processo C-338/11 a C-347/11, de 10.05.2012), para que um Estado membro possa invocar a necessidade de preservar a coerência do seu sistema fiscal é necessário que exista um nexo direto (por estar em causa o mesmo contribuinte ou a mesma tributação) entre a isenção de tributação concedida e uma concreta oneração fiscal;
  29. No caso em apreço é evidente a inexistência do referido nexo direto entre a exclusão de tributação da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional recebidos por um fundo de investimento residente e a tributação na esfera dos detentores de unidades de participação desse fundo, quando da “redistribuição” desses mesmos dividendos;
  30. Nem se invoque como razão imperiosa de interesse geral a necessidade de evitar a perda de receitas fiscais pois, a este respeito, importa recordar a jurisprudência constante do TJUE segundo a qual “(…) a redução de receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral, suscetível de ser invocada para justificar uma medida, em princípio, incompatível com uma liberdade fundamental.” (cf. acórdão Emerging Markets Series, processo C-190/12, de 10.04.2014);
  31.  Aqui chegados, em face de todo o exposto e atenta a doutrina e jurisprudência supra, deve o ato tributário em apreço ser anulado, nos termos peticionados.
  1. Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
  1. O regime estabelecido nos n.ºs 3, 6 e 10, do artigo 22.º, do EBF, não é aplicável ao Requerente – pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação norte-americana –, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1, do artigo 22.º, do EBF;
  2. De notar que o legislador prevê no n.º 10, do artigo 22.º, do EBF, uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional (n.º 1);
  3. Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável;
  4. Evidenciando-se que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu;
  5. E, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1, do artigo 22.º, do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal;
  6. Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC;
  7. Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo, tendo sido aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
  8. Esta reforma na tributação veio apenas incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, como é o caso dos presentes autos;
  9. Refira-se também que estas entidades estão sujeitas a tributação autónoma nos termos previstos no artigo 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), conforme estipulado no n.º 8, do artigo 22.º, do EBF;
  10.  Concretamente, está prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11, do artigo 88.º, do CIRC e do n.º 8, do artigo 22.º, do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período;
  11. Ou seja, a sujeição a Imposto do Selo, a par da tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 11, do CIRC (ex vi do artigo 22.º, n.º 8, do EBF), serão então a contrapartida da não sujeição a IRC dos lucros distribuídos, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF;
  12. Ora, a Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que imediatamente a subordinam e vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada. Como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição (concretizado no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”)), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias, ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT. A Administração Tributária tem que aplicar o disposto nos códigos fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com o artigo 2.º, alínea b), da LGT, in casu, as normas constantes do CIRC e do EBF acima citadas;
  13. Na verdade, tem antes a administração tributária que considerar que, no processo de elaboração das normas em questão, o legislador doméstico terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional quer internacional, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à administração tributária a sindicância das normas no que concerne à adequação relativamente ao Direito da União Europeia;
  14. Não competindo à Autoridade Tributária e Aduaneira avaliar a conformidade das normas internas com as dos tratados da União (nem com as orientações interpretativas do TJUE), não pode, assim, no âmbito da sua atividade, deixar de aplicar uma norma legal com o fundamento da sua desconformidade com os referidos tratados;
  15. Nos termos supra expostos, deve o PPA ser julgado improcedente com as devidas e legais consequências.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano (Cfr. Documento n.º 1 da reclamação graciosa que integra o PA).
  2. O Requerente reúne capital de investidores que, por seu turno, investe em ações e instrumentos financeiros com vista a obtenção de ganhos elevados, tendo em conta a valorização do capital (Cfr. Documento n.º 1 da reclamação graciosa que integra o PA).
  3. Os riscos do investimento são partilhados pelos investidores (Cfr. Documento n.º 1 da reclamação graciosa que integra o PA).
  4. A gestão do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora,B... LLC, sociedade de direito americano, com sede em ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal norte-americano ... (Cfr. Documento n.º 1 da reclamação graciosa que integra o PA).
  5. No ano de 2022 o Requerente era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América (Cfr. Documento n.º 2 da reclamação graciosa que integra o PA).
  6. O Requerente investiu em participações sociais de uma sociedade com sede em Portugal, tendo em 2022, auferido dividendos da sua participação no capital social daquela sociedade (Cfr. Documento n.º 3 da reclamação graciosa que integra o PA).
  7. Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15% (Cfr. artigo 94.º do Código do IRC e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América), como melhor se discrimina na tabela infra:

 

 

C...

 

  1. O Requerente não deduziu nos Estados Unidos da América, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, conforme se extrai da cópia da declaração de rendimentos referente ao exercício de 2021[4] (Schedule J), cujo quadro relevante se reproduz infra:

 

 

(Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).

  1. Conforme se extrai da primeira página da declaração de rendimentos, o Requerente é qualificado para efeitos fiscais pelo direito norte-americano como Regulated Investment Company (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
  2. De acordo com o subcapítulo M do Internal Revenue Code[5] a tributação dos ganhos obtidos pelos Regulated Investment Company ocorre na esfera dos participantes.
  3. Assim e em face ao regime legal e fiscal a que se encontra sujeito no Estado da residência, o Requerente não pode deduzir um eventual crédito por imposto suportado no estrangeiro, razão pela qual o imposto suportado em Portugal não foi recuperado no Estado de residência (Cfr. Documento n.º 4 da reclamação graciosa que integra o PA).
  4. Em 15.04.2024, o Requerente deduziu reclamação graciosa, a qual foi autuada com o n.º ...2024... (Cfr. PA).
  5. Em 29.07.2024, o Requerente foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa (Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).
  6. Em 16.09.2024, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (Cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA).
  7. Por não se conformar com esta decisão, o Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 16.12.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil ( “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1.  O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

  1. Por fim, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

  1. Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições das Partes constantes das suas peças processuais, as questões que cumpre apreciar são, no fundo, as seguintes:
  1. Saber se o Tribunal Arbitral deve suspender a presente instância arbitral e sujeitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (Cfr. artigo 267.º, do TFUE), a seguinte questão: “É incompatível com os artigos 63.º e 65.º do TFUE a disposição de direito nacional em causa nos presentes autos (cf. artigo 22.º, n.º 3, do EBF) que prevê um tratamento fiscal diferenciado para os dividendos distribuídos por uma sociedade residente nesse mesmo Estado-membro em função da residência do Organismo de Investimento Coletivo (OIC) que os aufere, excluindo de tributação os dividendos pagos por uma sociedade residente nesse Estado-membro a um OIC residente, mas sujeitando a tributação os mesmos dividendos quando pagos a um OIC não residente?”;
  2. Caso se dê resposta negativa à questão anterior, determinar se a legislação portuguesa (na redação em vigor à data dos factos tributários), ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um OIC, que se constitua e opere de acordo com a legislação nacional e, por isso, residente em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte (em sede de IRC), os dividendos distribuídos por essa mesma sociedade a um OIC que não tenha sido constituído nem opere de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes em Portugal, configura uma violação à livre circulação de capitais, consagrada pelo artigo 63.º, do TFUE;
  3. Se, e em que termos, tem o Requerente direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

IV.1.1 DO REENVIO PREJUDICIAL

  1. À luz do artigo 19.º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do Direito da União e sobre a validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
  2. Os Tribunais Arbitrais integram o conjunto de tribunais nacionais como expressamente resulta do previsto no artigo 209.º, da CRP. Assim, e no desempenho ativo da sua função arbitral, atendendo à natureza excecional do recurso da decisão dos tribunais arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, que “(...) nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3, do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  3. Neste sentido, é manifesto que em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de direito europeu o tribunal arbitral pode recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial.
  4. Todavia, “conforme resulta do Acórdão do TJUE, de 06.10.1982, caso Cilfit, processo n.º 283/81, não é necessário proceder a essa consulta quando existe um procedente na jurisprudência europeia, ou quando, não obstante as questões em apreço não serem estritamente idênticas a um precedente na jurisprudência europeia, a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão obvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro).”   
  5. Acresce que, tal como referido pelo TJUE, “compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdãos de 10.07.2018, processo C-25/17, e de 02.10.2018, processo C-207/16).
  6. Dito isto, considera este Tribunal Arbitral que a interpretação a dar à questão colocada pelo Requerente é clara em função da jurisprudência do TJUE e dos Tribunais Arbitrais, não havendo necessidade de efetuar o reenvio prejudicial para o TJUE.

IV.1.2 DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 63.º do TFUE

  1. À data dos factos tributários aqui sindicados, os OIC eram regulados pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“RGOIC”), aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro[6] – que transpôs parcialmente para a ordem jurídica a Diretiva n.º 2011/61/UE, do Parlamento e do Conselho de 8 de junho de 2011, relativa ao gestores de fundo de investimento alternativo, e a Diretiva n.º 2013/14/UE, do Parlamento e do Conselho de 21 de maio de 2013, referente aos gestores de fundos de investimento alternativo no que diz respeito à dependência excessiva relativamente às notações de risco –, tendo em 01.07.2015 entrado em vigor o novo regime de tributação dos OIC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro –.  
  2. O RGOIC determinava que se entendia por OIC as “(...) instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes (...)” – Cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea aa), do RGOIC –.
  3. De acordo com o artigo 22.º, n.º s 1 e 2, do EBF, na redação em vigor à data dos factos, “(...) os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (...)” são tributados em IRC, correspondendo o lucro tributável ao “(...) resultado líquido do exercício apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis (...)”.
  4.  Por sua vez, o n.º 3, do aludido preceito normativo refere que “para efeitos do lucro tributável não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime claramente mais favorável (..)” (negrito e sublinhado nosso).
  5. Resulta da leitura do citado artigo – 22.º, do EBF –, que o regime aí previsto, designadamente, a exclusão de tributação dos rendimentos previstos no n.º 3 (rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias), só é aplicável quando auferidos por fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
  6. No caso concreto, o Requerente é constituído e opera ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América e não da lei nacional e, por isso, o artigo 22.º, do EBF, afasta a aplicação daquele regime ao Sujeito Passivo.
  7. É, precisamente, quanto a este entendimento que se insurge o Requerente, porquanto, defende, em síntese, que do regime previsto no artigo 22.º, do EBF, resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º, do TFUE, que estatui o seguinte:

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

  1. Contudo, o artigo 65.º, do TFUE restringe a aplicação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais, consagrado no artigo supra transcrito, estipulando o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

  1.  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
  2. Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.º s 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.         

  1. Ora, a questão da (in)compatibilidade do regime estabelecido no artigo 22.º, do EBF, com o Direito da União Europeia, nomeadamente, o artigo 63.º, do TFUE, não é nova, tendo sido apreciada, como bem refere o Requerente, no Acórdão do TJUE de 17.03.2022, proferido no processo n.º C-545/19 (AllianzGL-Fonds AEVN), o qual versou sobre uma situação factual idêntica à dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo, em que se concluiu que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

  1. Para além de que o TJUE refuta especificadamente as objeções do Governo Português, as quais coincidem, no essencial, com os fundamentos invocados pela AT na sua resposta:

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável aos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º s 44, 45 e jurisprudência referida).

(...)

49 Resulta da jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita a imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

(...)

52 (...), a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).  

53 (...), importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

(...)

55 (...), mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

(...)

65 (...), a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes, mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.

(...)

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

(...)

71(...), há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

(...)

74 (...), há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

(...)

78 (...), há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o beneficio fiscal em causa e a compensação desse beneficio por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plano f British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

79 (...), no presente processo, (...), a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).   

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

(...)

 

  1. Saliente-se, ainda, que é “irrelevante o facto de o acórdão do TJUE no qual, desde logo por obrigação legal, nos louvamos, ter versado sobre uma situação de um OIC de direito luxemburguês, com residência fiscal nesse país e, no caso sub judice, estar em causa um OIC de direito americano, com residência nos EUA. Como consta do excerto atrás transcrito, o TJUE foi claro em afirmar estar em causa uma ofensa à liberdade de circulação de capitais. Ora o artigo 63.º, n.º 1 do TFUE é claro em proibir “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.[7]
  2. Conforme tem sido pacificamente entendido e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º, do TFUE, a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia[8].
  3. A supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4, do artigo 8.º, da CRP, em que se prevê que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanada das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
  4. Saliente-se, ainda, que o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Acórdão de 28.09.2023, processo n.º 093/19).
  5. Não esquecendo que tal entendimento também já vinha, e vem, a ser seguido pela nossa jurisprudência arbitral.
  6. Dito tudo isto, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º, do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário constituídas segundo a legislação nacional, excluindo os(as) constituídos(as) segundo legislações de outros Estados-Membros e Países Terceiros.
  7. Face ao exposto, conclui-se que o ato de retenção na fonte aqui sindicado enferma de vício de violação de lei, devendo o mesmo ser anulado.

IV.1.3 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Peticiona, ainda, o Requerente que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
  2. Determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários”, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (Cfr. n.º 5, do artigo 24.º, do RJAT).
  3. De igual modo, o n.º 1, do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
  4. O restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral não enfermasse de ilegalidade, obriga, por um lado, à restituição do imposto pago indevidamente pelo Requerente, no valor total de €16.244,03 (dezasseis mil duzentos e quarenta e quatro euros e três cêntimos), e, por outro lado, ao pagamento de juros indemnizatórios.
  5. Entende a Requerida que a serem devidos juros indemnizatórios ao Requerente o seu termo de contagem inicia-se a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral, nos termos da alínea d), n.º 3, do artigo 43.º, da LGT. 
  6. Contudo, não lhe assiste razão.

Vejamos, 

  1. O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo Acórdão de 18.04.2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.º s 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jullich e o., C-113/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdão, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jullich e o., n.º 66).

23 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v. neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

  1. Todavia, como se refere no n.º 23 supra transcrito, cabe a cada Estado-Membro estabelecer as condições em que tais juros devem ser pagos, designadamente, a respetiva taxa e o modo de cálculo.
  2. O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estipula que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (negrito e sublinhado nosso)
  3. À luz da esmagadora maioria da jurisprudência[9], não sendo os erros que afetam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Administração Fiscal.
  4. E, o facto de se tratar de atos de retenção na fonte, não praticados diretamente pela Administração Fiscal, não afasta essa imputabilidade, porquanto, a ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços»[10], devendo entender-se que se inclui neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Fiscal na liquidação e cobrança do imposto[11].
  5. Neste contexto, saliente-se que o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, precisamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no Acórdão de 29.06.2022, Processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.” (negrito e sublinhado nosso)

 

  1. Neste sentido, tratando-se de jurisprudência uniformizada, e aplicável ao caso dos autos (ao contrário do que entende a Requerida), ela deve ser respeitada.

 

  1. Volvendo ao caso dos autos, a reclamação graciosa foi apresentada em 15.04.2024, tendo operado o indeferimento tácito em 15.08.2024, pelo que, à luz do supra exposto, o Requerente tem direito a juros indemnizatório desde 16.08.2024 (e não desde 15.08.2024 como refere o Requerente).

 

  1. Face ao exposto, deverá proceder o pedido do Requerente, i.e., ser-lhe reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos acima explanados, e ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º, do CPPT.

 

V. DECISÃO

 Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegal e anular o ato tributário de retenção na fonte de IRC aqui impugnado, relativo ao ano de 2022, suportado na Guia n.º ...;
  2. Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2024...;
  3. Condenar a AT a reembolsar ao Requerente o montante de €16.244,03 (dezasseis mil duzentos e quarenta e quatro euros e três cêntimos) e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, contados desde 16.08.2024 (dia seguinte à presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa) até à data do processamento do reembolso (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT). 

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €16.244,03 (dezasseis mil duzentos e quarenta e quatro euros e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 14 de abril de 2025

A Árbitra,

 

Susana Mercês de Carvalho

 



[1] Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C-545/19

[2] Não releva para este efeito a situação fiscal dos detentores das unidades de participação em fundos de investimento, até porque, no caso sob análise, a regulamentação nacional não estabelece qualquer distinção quanto à tributação dos dividendos auferidos pelos fundos de investimento em razão da situação dos detentores das unidades de participação, mas tão somente da residência do fundo de investimento (cf. acórdão Santander Asset Management SGIIC SA, processo C-338/11 a C-347/11, de 10.05.2012).

 

[3] Esta posição tem vindo a ser reiterada pela jurisprudência arbitral, designadamente, pelas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 528/2019-T, n.º 548/2019-T, n.º 926/2019-T, n.º 11/2020-T, n.º 922/2019-T, n.º 68/2020-T, n.º 166/2021-T, n.º 32/2021-T, n.º 215/2021-T, n.º 345/2021-T, n.º 133/2021-T, n.º 214/2021-T, n.º 127/2021-T, n.º 821/2021-T, n.º 593/2021-T, n.º 134/2021-T, n.º 382/2021-T, n.º 368/2021-T e n.º 817/2021-T, n.º 370/2021-T, n.º 623/2021-T, n.º 622/2021-T, n.º 621/2021-T, n.º 734/2021-T e n.º 129/2022-T, n.º 115/2022-T, n.º 620/2021-T, n.º 121/2022-T, n.º 545/2021-T, n.º 624/2021-T, n.º 816/2021-T, n.º 83/2021-T, n.º 746/2021-T, n.º 128/2022-T, n.º 135/2022-T, n.º 116/2022-T, n.º 114/2022-T, n.º 11/2023-T e n.º 12/2023-T entre outras.

 

[4] O exercício de 2021 decorreu entre 01.08.2021 e 31.07.2022.

[6] A qual foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 27/2023 de 28 de Abril – “Regime da Gestão de Ativos” –.

[7] Decisão Arbitral, de 11.06.2024, proferida no processo n.º 60/2024-T.

[8] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25.10.2000, processo n.º 25128; de 07.11.2001, processo n.º 26432; de 07.11.2001, processo n.º 26404.

[9] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 08-03-2004, página 1197; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2593; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2765; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República 16-2-2004, página 77.

[10] Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos atos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do atualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

De resto, há atos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.

[11] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efetivamente, no quadro atual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum do, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação».

ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional».