SUMÁRIO
I. O erro na autoliquidação derivado de erro de direito originado em retenções na fonte efetuadas de acordo com o entendimento da AT publicitado em Circular é enquadrável como erro imputável aos serviços e beneficia do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT.
II. Uma situação de substituição tributária, concretizada através do mecanismo de retenção na fonte aplicado em violação do Direito da União Europeia, em que não há intervenção do Contribuinte, atuando o substituto por imposição legal e no âmbito de uma delegação de poderes que deveria caber à Administração Tributária (AT), configura também erro de direito imputável à AT.
III. É incompatível com o Direito da União Europeia a legislação de um Estado-Membro que sujeite a retenção na fonte, em sede de IRC, os dividendos obtidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) não residente, isentando dessa retenção os mesmos rendimentos obtidos por um OIC residente.
IV. Inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar tal tratamento diferenciado, o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) é discriminatório e comporta uma restrição injustificada à Liberdade de Circulação de Capitais no Espaço da União Europeia proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Senhor Dr. Juiz José Poças Falcão, Presidente, Dra. Filipa Barros e Dra. Sílvia Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., organismo de investimento coletivo (“OIC”), constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, sob supervisão da Commission de Surveillance du Sectour Financier, contribuinte fiscal português n.º ... e contribuinte fiscal luxemburguês n.º..., com sede em ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo representado pela sua entidade gestora B... S.A. com sede em ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante "Requerente"), notificado, a 12.08.2024, através do Ofício n.º..., de 09.08.2024, da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa em referência, veio requerer, em 06.10.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 97.º, n.º 1, alíneas a), e c), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("CIRC"), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), a constituição do Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição da Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.
Assim, no Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) a Requerente peticionou o seguinte:
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a apreciação da ilegalidade e consequente anulação do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado junto do Gabinete da Diretora-Geral da AT; e
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a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IRC reportadas aos exercícios de 2020 e 2021, no valor, respetivamente, de € 36.959,94 e € 45.037,36, a que correspondem as guias de retenção na fonte n.ºs ... e ..., de 22 de junho de 2020 e 19 de maio de 2021;
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a condenação da AT na restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do presente tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no competente prazo. Em 27.11.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em consonância com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 17.12.2024.
Notificada para o efeito por despacho de 19.12.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, em 03.02.2025, defendendo-se por exceção invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria, a inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, e por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido.
A Requerente, devidamente notificada para o efeito, apresentou a resposta às exceções invocadas pela AT, concluindo pela sua improcedência, por requerimento submetido no dia 05.03.2025.
Por despacho de 17.03.2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, notificadas as Partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas no prazo de 15 dias e relegada para a decisão final o conhecimento da matéria de exceção.
Em 09.04.2025 a Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou e desenvolveu a sua posição quanto à matéria de facto e de direito.
A Requerida optou por não apresentar alegações.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
ii. Posição da Requerente
Entre maio de 2020 e abril de 2021 a Requerente auferiu dividendos de fonte portuguesa, distribuídos pela C..., S.A., no valor de € 147.839,76 e de € 180.149,45 respetivamente, resultantes um conjunto de participações detidas na referida sociedade de direito português, cujos rendimentos deles decorrentes foram, num primeiro momento, sujeitos a retenção na fonte com natureza liberatória.
O OIC gerido pela Requerente é residente fiscal no Luxemburgo, aí se encontrando sujeito e não isento, não sendo tributado no Luxemburgo pelos rendimentos auferidos fora daquele território, em consequência, o imposto suportado pelo OIC noutros territórios (incluindo Portugal), em virtude de investimentos aí realizados, não é neutralizado no Luxemburgo, já que não se verifica qualquer situação de dupla tributação que o justifique.
Em defesa da ilegalidade das retenções na fonte de IRC, sustenta a Requerente existir um tratamento discriminatório conferido a OICs não residentes quando comparados com OICs residentes em circunstâncias análogas, uma vez que o n.º 3 do artigo 22.º do EBF desonera de tributação em sede de IRC os Organismos de Investimento Coletivo residentes em Portugal relativamente a um conjunto de rendimentos obtidos em território nacional, incluindo os dividendos auferidos, não sucedendo o mesmo com os OICs não residentes que não beneficiam da aplicação do regime ínsito no artigo 22.º do EBF.
Para a Requerente a diferença de tratamento subjacente à perceção de dividendos por OICs não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal quando comparado com o tratamento conferido a OICs residentes em posição análoga, consubstancia um tratamento discriminatório dos OICs não residentes, com fundamento exclusivo no lugar da sua residência, em clara violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, constante do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
Conclui que, inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório, o artigo 22.º n.ºs 1, 3 e 10 do EBF comporta uma restrição injustificada à livre circulação de capitais violando o artigo 63.º do TFUE e, bem assim o artigo 8.º, n.º 4 da CRP, pugnando pela ilegalidade dos mencionados atos tributários, bem como do ato decisório de indeferimento expresso que sobre eles recaiu, tudo nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Relativamente à incompetência material do Tribunal Arbitral veio a Requerente afastar a(s) tese(s) da Requerida alegando estar hoje totalmente ultrapassada (i) a questão da vinculação da AT à jurisdição arbitral em caso de revisão oficiosa, sendo absolutamente incontroversa a competência do Tribunal Arbitral para conhecer de litígios nestas circunstâncias; bem como (ii) a alegada inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte de imposto levadas a cabo pelo substituto tributário, sendo hoje indiscutível que, na substituição tributária, o substituto tributário exerce verdadeiros poderes públicos no domínio tributário, materialmente equiparados aos cometidos à Autoridade Tributária e, por conseguinte, quando o ato de retenção na fonte padeça de erro de direito o mesmo será imputável aos serviços.
II.b Posição da Requerida
A Requerida começa por invocar a incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral porquanto a Requerente - na qualidade de substituído tributário – pede ao Tribunal que aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado o procedimento de reclamação graciosa necessária nos termos do artigo 132.º n.º 3 do CPPT, situação que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.
Para a AT o procedimento de revisão oficiosa não substitui a reclamação graciosa, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, assim, tendo a Requerente deixado precludir o prazo ali previsto, a situação está fora da vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, conforme resulta do n.º 1 do artigo 2º do RJAT que exceciona as “(…)pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento Tributário.”, estando inconstitucionalmente vedada a interpretação de tal preceito que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.
Acrescenta a AT que o Tribunal Arbitral sempre seria materialmente incompetente para conhecer de (i)legalidade das retenções na fonte face à revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT que estabelecia a presunção de imputabilidade aos serviços dos erros na autoliquidação. Desde a revogação desta norma o pedido de revisão dos atos por iniciativa do sujeito passivo, terá de ser apresentado no prazo de reclamação administrativa (2 anos), sendo o prazo de quatro anos aplicável quando a iniciativa da revisão do ato tributário cabe à AT e somente nos casos de erro imputável aos serviços. Ora, como no caso dos autos o erro na liquidação não é imputável à AT, preclude o direito de o Contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação.
Adicionalmente, defende a AT que, no presente caso, a Requerente vem atacar um ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de natureza silente, na medida em que ficcionou a existência de um indeferimento tácito pela passagem do tempo e, por conseguinte, a reação contra o despacho de indeferimento tácito não pode ser feita pela via da impugnação judicial, estando vedado ao Tribunal Arbitral apreciar os pressupostos da admissibilidade da revisão oficiosa. (ponto 31 da resposta). Com efeito, a Requerente não recorreu em tempo à reclamação graciosa prevista no referido artigo n.º 132º do CPPT, apresentando-se na qualidade de substituto tributário, a solicitar que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas.
Ora, prossegue a AT, tratando-se de um indeferimento tácito, a AT nunca tomou posição expressa sobre a existência de erro imputável aos serviços (ponto 19 e 33 da resposta) sendo certo que compulsado o pedido de revisão oficiosa não se retira do mesmo que tenha sido invocado erro imputável aos serviços.
Deste modo, a Requerida conclui pela procedência das exceções dilatórias invocadas ou, caso assim não se entenda, pela improcedência dos pedidos. A este respeito alega, em suma, que a situação dos residentes e dos não residentes não é por regra comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis, ou de uma mesma regra a situações distintas. Neste sentido, defende que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo 22.º do EBF não contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade bem como as relativas à livre circulação de capitais, porquanto tal análise se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no número 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em sede de imposto de selo.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
A apreciação das exceções invocadas pela Requerida, na Resposta que ofereceu, será efetuada na sequência da fixação da matéria de facto.
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Decisão da matéria de facto
IV.1 Factos provados
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A Requerente é um OIC, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC – cfr. documentos n.ºs 3 e n.º 4;
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A Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro em transposição da Diretiva 2009/65/CE.
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A Requerente é administrada pela sociedade B..., S.A., entidade com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em ..., nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CDT Portugal/Luxemburgo") – cfr. cópia de certificado de residência fiscal, junta como documento n.º 5.
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O OIC não tem personalidade jurídica, atuando a sociedade gestora em seu nome e por sua conta. – cfr. documento n.º 4;
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Em maio de 2020, a Requerente auferiu dividendos distribuídos pela C..., S.A., sociedade comercial com residência fiscal em território português, no montante de € 147.839,76, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante de € 36.959,94 – cfr. documento n.º 6;
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Em abril de 2021, a Requerente auferiu dividendos distribuídos pela C..., S.A., sociedade comercial com residência fiscal em território português, no montante de € 180.149,45, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, no montante de € 45.037,36 – cfr. documento n.º 7;
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As retenções na fonte de IRC em causa – montante total de € 81.997,30 – foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ... e..., respetivamente de 22 de Junho de 2020 e 19 de Maio de 2021, em conformidade com declaração do D..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, – cfr. documentos n.ºs 6 e 7.
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A Requerente é residente para efeitos fiscais no Luxemburgo, aí se encontrando sujeito e não isento ao imposto sobre o rendimento de sociedades em vigor naquele Estado, não tendo obtido qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte suportadas em Portugal. – cfr. cópia de declaração emitida pela entidade gestora da Requerente, junta como documento n.º 8.
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Os dividendos recebidos de participações sociais como as detidas pela Requerente em Portugal, em 2020 e 2021, não são incluídos na base tributável do imposto luxemburguês sobre as sociedades, não fazendo o Luxemburgo uso da faculdade reservada pelo artigo 10.º n.º 1 da CDT Portugal/ Luxemburgo – cfr. Prospeto página 14, capítulo 13, junto como documento n.º 4.
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Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 07.03.2024, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas – cfr. documento n.º 1.
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Em sede de Pedido de Revisão Oficiosa, a Requerente defendeu que os rendimentos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") – cfr. documento n.º 1.
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O Pedido de Revisão Oficiosa correu os seus termos perante a AT sob o n.º ...2024... . – cfr. Processo Administrativo.
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No dia 07.06.2024, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia relativamente a esse projeto – cfr. Cópia do projeto de indeferimento, junto como documento n.º 9.
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Em 12.08.2024, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento expresso do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2024... . – cfr. documento n.º 2.
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No âmbito da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa a AT sustentou em síntese que os dividendos de fonte portuguesa auferidos pela Requerente em 2020 e 2021 não podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, na medida em que a Requerente é um OIC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal – cfr. documento n.º 2.
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Perante o indeferimento expresso do Pedido de Revisão Oficiosa, a Requerente apresentou no CAAD, em 06.10.2024, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
IV.2 Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação das exceções e do mérito da causa foram considerados provados.
IV.3 Motivação da Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a sua convicção relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, do processo administrativo junto, os quais não foram impugnados, bem assim como da posição assumida pelas partes nas respetivas peças processuais.
Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
V. OBJETO DOS AUTOS
A questão de direito a decidir respeita à compatibilidade com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado instituído pelo artigo 22.º do EBF, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, que isenta de IRC os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, e sujeita a retenção na fonte liberatória à taxa de 25% os mesmos rendimentos quando recebidos por OIC constituídos noutro Estado-Membro, in casu, no Luxemburgo.
Esta matéria da tributação, em sede de IRC, dos OIC constituídos e a operar noutro Estado Membro tem sido objeto de profusa jurisprudência nacional e comunitária que, com as devidas adaptações, se tem pronunciado pela ilegalidade das liquidações com fundamento na desconformidade com o Direito da União Europeia, decisões que se seguirão de perto em obediência ao princípio geral consagrado no nº 3 do artigo 8.º do Código Civil.
No entanto, tendo a Requerida suscitado exceções dilatórias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais questões e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, conhecerá dos vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação das referidas autoliquidações (cf. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).
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MATÉRIA DE DIREITO
Tendo em conta a posição das partes, a matéria de facto dada como assente, as exceções a decidir, são as seguintes:
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Da incompetência do Tribunal Arbitral por não ter sido deduzida, em prazo, reclamação graciosa dos atos de liquidação de imposto (inimpugnabilidade dos atos de liquidação);
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Da incompetência por intempestividade do pedido de revisão oficiosa;
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Incompetência material do Tribunal por inidoneidade do meio processual.
VI.I – Sobre a incompetência material
A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que, independentemente da ordem de arguição das questões prévias, impõe-se a apreciação daquela previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Importa, para este efeito, ter presente o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, que é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreendendo, exclusivamente, a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Este recorte da jurisdição arbitral em razão da matéria corresponde, de um modo geral, às pretensões que são sindicáveis nos Tribunais Tributários por via da impugnação judicial, conforme resulta do disposto no artigo 97.º, n.º 1 do CPPT.
Acrescenta o artigo 4.º do RJAT que a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. E aqueles serviços e organismos vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos casos que tenham por objeto a apreciação das referidas pretensões, de valor não superior a € 10.000.000,00, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, o que abrange de forma inequívoca o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
VI.I.a Da (in)competência do Tribunal Arbitral para conhecer da impugnação direta dos atos de liquidação
O primeiro fundamento invocado pela AT para sustentar a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer diretamente da legalidade do ato tributário respeita ao facto de não ter existido recurso prévio à reclamação graciosa, cujo pedido deveria ter sido apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para pagamento do imposto.
O recurso à via administrativa é exigido como condição de impugnabilidade contenciosa dos atos de retenção na fonte e de autoliquidação nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e da remissão por esta operada para o artigo 131.º do CPPT, que dispõe que “a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa”.
Tal alegação é, todavia, improcedente, pois o pedido de revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, entendimento reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.
É verdade que os artigos 131.º e 132.º do CPPT, para os quais a Portaria n.º 112-A/2011 remete, fazem referência à “reclamação graciosa”, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte ou nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência portuguesas[1] veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.
Como referido por Carla Castelo Trindade[2], “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP. E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.”
Não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.
Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretandas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se neste sentido às decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 245/2013-T e 678/2021T.
De igual modo, o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”) pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, cujo excerto se transcreve de seguida:
“O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”.
De referir ainda que o problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário e não da competência do tribunal, pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia. Este requisito configura o pressuposto processual da impugnabilidade do ato (in casu, dos atos de liquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT[3]. Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer[4].
Em qualquer caso, independentemente da qualificação jurídica como incompetência do Tribunal ou como inimpugnabilidade do ato, a exceção suscitada pela Requerida é improcedente, pois não corresponde à melhor interpretação das normas aplicadas, que é a de que se encontram abrangidas pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria de Vinculação as pretensões que se prendam com a ilegalidade de atos de autoliquidação e/ou de retenção na fonte que sejam precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.
VI.I b Da incompetência por intempestividade do pedido de revisão oficiosa
Veio ainda a Requerida escorar a incompetência do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio em apreço nos presentes autos com fundamento na circunstância de os atos tributários em referência serem retenções na fonte, que não foram efetuadas pela AT, o que afasta a verificação de erro imputável aos serviços circunstância que, por seu turno, obsta à sindicância da respetiva legalidade no prazo de quatro anos pela via da revisão oficiosa.
Sustenta a Requerida que, revogado o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de imputabilidade “aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. Artigo 12.º do Código Civil), o Contribuinte tem o prazo de dois anos para apresentar o pedido de revisão com fundamento em qualquer ilegalidade, sendo o prazo de quatro anos apenas para os casos de erro imputável aos serviços, cabendo a iniciativa à AT, mais alega que no caso de autoliquidação, passou a ser exigida ao Contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.
Nestas circunstâncias, pede-se ao Tribunal que verifique os pressupostos de aplicação do mecanismo de revisão oficiosa, não tendo o Tribunal competência, na perspetiva da Requerida, para aferir da verificação destes pressupostos.
Na verdade, ao invés da posição vertida pela AT nos seus articulados, a ratio da alteração legislativa não foi a de afastar a imputabilidade aos serviços relativamente a todos os erros praticados nas autoliquidações, nem deixar desprotegidos os sujeitos passivos contra erros cometidos na liquidação de impostos por retenção na fonte, ou seja, no exercício de uma função tributária para a qual não têm especial formação.
A revogação, pela Lei do Orçamento de Estado de 2016 (v. artigo 215.º, n.º 1, alínea h) da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), do n.º 2 do artigo 78.º da LGT não implica a impossibilidade de enquadramento das autoliquidações no regime de “erro imputável aos serviços” ao contrário do que defende a AT. Muito menos das retenções na fonte, que nem sequer estavam previstas nessa norma. Em ambos os casos podem continuar a ser subsumidas a “erro imputável aos serviços” na medida em que não derivem de um erro da responsabilidade do sujeito passivo.
Com efeito, a noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS). O erro de direito pode, assim, resultar da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito europeu.
Não temos dúvidas da aplicabilidade do artigo 78.º, n.º 1 da LGT a atos de autoliquidação, apesar da revogação do n.º 2 deste preceito, que estabelecia uma presunção de “erro imputável aos serviços” para essas situações [de autoliquidação]. Este entendimento deriva da equiparação entre a autoliquidação, em que o contribuinte atua no lugar dos serviços da AT, e a liquidação administrativa. Como assinala Paulo Marques[5] , na autoliquidação a lei institui “uma delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes e a forçosa consideração do seu exercício como um verdadeiro acto tributário, credor da presunção legal da verdade declarativa a favor do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT). A escolha sobre a forma concreta de liquidação de imposto depende assim da vontade do Estado-legislador. Pelo que lançando mão de uma justificada e pertinente interpretação sistemática, em conformidade com o princípio da coerência e unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), podemos concluir que o contribuinte não está impedido de deduzir o pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) em relação à autoliquidação, apesar de já não beneficiar actualmente da ficção legal de «erro imputável aos serviços». Ou, dito de outro modo, pela eliminação do n.º 2, do artigo 78.º, da LGT, não nos parece arredada a autoliquidação do objecto do procedimento de revisão.
A revogação do mencionado preceito legal apenas colocou termo, expressamente, à determinação legal que considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, para efeitos de revisão oficiosa, introduzindo-se agora uma maior paridade entre o contribuinte e o fisco. Mas nada nos leva a entender que deva existir um desequilíbrio garantístico entre a liquidação efectuada pelo próprio contribuinte e a liquidação administrativa. Ambas poderão assim ser sindicadas mediante a revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) […]”[6].
Neste contexto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[7] tem entendido o conceito de erro imputável aos serviços de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração tributária.
Neste sentido se pronunciou, a propósito de atos de retenção na fonte, por Acórdão de 9 de novembro de 2022, proferido no processo n.º 087/22.5BEAVR, de que se transcreve o ilustrativo sumário:
“I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.
II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].
V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.
VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).
VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”.
Na situação vertente, estamos perante a impugnação de liquidações de IRC, apresentadas por uma entidade não residente, sem estabelecimento estável em Portugal, que têm subjacentes atos anteriores, de retenção na fonte com natureza liberatória, por parte dos pagadores dos rendimentos, em relação aos quais a Requerente nada contribuiu.
Sobre esta questão veja-se ainda a decisão arbitral proferida a 21 de março de 2022, no âmbito do processo n.º 133/2021-T, a qual se suporta, designadamente, nos acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito dos processos n.ºs 1349/10.0BELRS e 325/05.3BEALM, e pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 00412/12.7BEPRT[8]:
“Como vem sendo entendido pacificamente pela jurisprudência dos tribunais superiores, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta ativa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efetuada. A ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim “aos serviços”, devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto. A revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, em que se considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, não tem qualquer relevo nesta matéria, desde logo porque a retenção na fonte não é uma autoliquidação. Por outro lado, dessa revogação apenas resulta que não se ficciona erro imputável aos serviços no caso de a liquidação ser feita pelo próprio contribuinte que suporta o imposto, mas não que se tenha de afastar a imputação do erro aos serviços quando há lugar a autoliquidação, o que pode suceder manifestamente nos casos em que foram seguidas orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira, como de resto, se prevê no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, para efeitos de responsabilidade por juros indemnizatórios”
Esta posição justifica-se porque, como assinala Ana Paula Dourado:
“No nosso ordenamento, a substituição tributária é efetivada, fundamentalmente, através do dever de retenção na fonte do tributo (…). O fisco recorre a uma entidade privada, devedora de rendimentos e com contabilidade organizada (de modo a permitir o controlo das retenções e entrega do imposto retido por parte do fisco), para o auxiliar a liquidar e cobrar receitas fiscais (…). Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional.[9]”
Verificando-se na substituição tributária esta delegação do exercício de uma atividade administrativa numa entidade privada, a atuação do substituto tributário pode ser comparada à de um agente administrativo, exercendo funções jurídico-públicas com o fito de assegurar a realização do interesse público.
Precisamente concluindo que os substitutos tributários exercem verdadeiros poderes públicos no domínio tributário, Lima Guerreiro sustenta que “a aplicação da Lei Geral Tributária estende-se à liquidação e cobrança dos tributos efetuada por entidades privadas (…). Entendemos assim que a referência no número 3 do presente artigo (1.º da LGT) a entidades públicas é insuscetível de fundamentar a não aplicação da Lei Geral Tributária a tributos liquidados e cobrados por entidades de direito privado, mas exercendo poderes públicos por delegação legal” [10]
Em face do exposto, exercendo o substituto tributário verdadeiros poderes públicos no domínio tributário, materialmente idênticos aos cometidos à AT quando, sob as vestes jurídico públicas procede à liquidação e cobrança do imposto, devem aqueles estar sujeitos ao mesmo tratamento jurídico, beneficiando do prazo de 4 anos para pedir a revisão oficiosa.
Salienta-se que, in casu, em que a retenção na fonte tem caráter liberatório e os atos impugnados são as demonstrações de liquidação de IRC por retenção na fonte, o erro de direito encontra-se originariamente refletido nos atos de retenção na fonte efetuados pelo substituto tributário, no exercício de poderes públicos no domínio tributário, sem qualquer intervenção da Requerente. O erro limita-se a persistir após a entrega das retenções na fonte de IRC sobre os dividendos auferidos em Portugal, por circunstâncias não imputáveis à Requerente, uma vez que a não sujeição a retenção na fonte dos valores em causa não seria uma opção.
Acresce referir que o erro seria imputável aos serviços da AT por ter resultado da aplicação do entendimento preconizado por esta e divulgado/publicitado pela Circular n.º 6/2015, de 17 de junho, que estipula a diferença de tratamento entre organismos de investimento coletivo residentes e não residentes cuja conformidade ao Direito Europeu é sindicada nestes autos.
Assim sendo, não resultando dos autos que o(s) ato(s) de retenção na fonte e de autoliquidação de imposto tenham tido origem em erro, de direito ou de facto, da Requerente, não podem os mesmos deixar de ser imputáveis à Administração Tributária, pelo que a sua revisão cabe na previsão do artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, com a consequente aplicação do prazo de quatro anos aí previsto. Assim, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, podia a Requerente pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.
Por tudo quanto acima se expendeu, respeitando as liquidações de IRC por retenção na fonte liberatória a 14.05.2020, e 26.04.2021, e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 07.03.2024, ainda não se encontrava nesta data esgotado o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º n.º 1 da LGT, falecendo a exceção invocada pela Requerente, pelo que o pedido de revisão oficiosa é tempestivo e o presente Tribunal é materialmente competente para conhecer da(s) (i)legalidade(s) da(s) liquidações.
VI.I c Da Incompetência do Tribunal Arbitral por inidoneidade do meio processual
A este propósito sustenta a AT que tratando-se o ato de indeferimento do pedido de revisão um ato silente, tendo-se presumido o indeferimento pelo decurso do prazo legal, o Tribunal Arbitral teria que se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do pedido de revisão, mormente, sobre a tempestividade do mesmo e não sobre a legalidade da liquidação, matéria que está fora da competência dos tribunais arbitrais. Acrescenta ainda que, e fazendo referência ao Acórdão do STA de 06/11/08 proferido no processo n.º 0357/08, que face a uma decisão de indeferimento tácito o meio de reação pode ser ou a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, uma vez que não houve uma pronúncia sobre a legalidade do ato de liquidação.
Ora, conforme resulta do probatório, contrariamente ao pressuposto alegado e assumido pela AT na resposta, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente consubstanciou-se num ato de indeferimento expresso e, por conseguinte, num verdeiro e pleno ato tributário, nos termos e para os efeitos do artigo 57.º n.º 1 e 5 da LGT, refletindo, nessa medida, a posição da AT sobre a pretensão do contribuinte.
Assim, não tem qualquer aderência à realidade o alegado pela AT nesta matéria.
Sem embargo, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo pronuncia-se no sentido, que aqui se acompanha, de que sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vício que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão, nos termos que a seguir se transcrevem:
“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação[11].
(…).
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação.”.
Assim sendo, tendo a Requerente impugnado as liquidações de IRC por retenção na fonte a título liberatório, aos anos de 2020 e 2021, o que está em causa é a apreciação da legalidade desses atos, para o que não só este Tribunal tem competência (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT) como, por conseguinte, a impugnação judicial é o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Neste sentido, vide as decisões proferidas nos processos 707/2019/, 485/2020T, 718/2020-T e 832/2022-T cujo sentido se acompanha.
Em síntese, na situação sub judice a pretensão deduzida pela Requerente é a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de tributos, pois são expressamente impugnadas as liquidações de retenção na fonte de IRC, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados à decisão administrativa.
Atendendo ao acima expendido, necessariamente se conclui, com o apoio da jurisprudência reiterada, quer dos tribunais arbitrais quer dos tribunais superiores, que os pedidos de apreciação da legalidade dos atos de liquidação relativos a retenção na fonte liberatória de IRC, ainda que precedidos de decisão de indeferimento (expresso ou tácito) de pedido de revisão oficiosa enquadram-se no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, improcedendo a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
VI.I d Dos restantes Pressupostos Processuais
As Partes estão devidamente representadas e gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
A ação é tempestiva, por ter sido deduzida dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT.
O processo não enferma de nulidades.
VI.II Quanto à legalidade dos atos tributários impugnados
A Requerente pede que se aprecie legalidade da tributação dos dividendos obtidos em Portugal, os quais foram sujeitos, em sede de IRC, a retenção na fonte de natureza liberatória, à taxa de 25%, quando comparada com a ausência de tributação dos mesmos rendimentos auferidos por um OIC residente em Portugal, decorrente da isenção estabelecida no n.º 3 do artigo 22.º do EBF.
Considerando a matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.
Como vimos, no caso em apreço a Requerente alega que sofreu retenções na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, as quais ocorreram no estrito cumprimento dos dispositivos legais mencionados, muito embora tais atos tributários de retenção na fonte se reputem de ilegais pela sua desconformidade com o Direito Europeu, o que implica, desde logo, a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
Ora, no âmbito do regime acolhido pelo artigo 22.º do EBF, constata-se existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE.
Esta diferença de tratamento fiscal encontra-se vertida na Circular da AT n.º 6/2015, de 17 de junho de 2015, de que se transcreve o seguinte excerto:
“Âmbito de aplicação
-
O regime de tributação dos OIC estabelecido no artigo 22.º do EBF é aplicável aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015 por fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
Determinação do lucro tributável
2. Nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, o apuramento do lucro tributável dos OIC corresponde ao resultado líquido do período, apurado segundo as normas contabilísticas aplicáveis a essas entidades.
3. Contudo, o n.º 3 do mesmo artigo exclui da determinação do lucro tributável dos OIC os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, referidos, respetivamente, nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
4. Esta exclusão abrange todos os rendimentos, realizados ou potenciais, que tenham a natureza de rendimentos de capitais, prediais ou mais-valias, incluindo, nomeadamente, as menos-valias realizadas ou potenciais, os rendimentos vencidos e ainda não recebidos, os rendimentos e gastos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros e imóveis que integrem o património do fundo, bem como os ganhos ou perdas associados a variações cambiais, os quais consubstanciam, por natureza, rendimentos daquelas categorias e, de acordo com o normativo contabilístico aplicável aos OIC, devem ser contabilizados conjuntamente com os ativos que lhes deram origem. (…) Os rendimentos obtidos pelas entidades abrangidas por este regime estão dispensados de retenção na fonte, não estando, igualmente, estas entidades obrigadas a efetuar pagamentos por conta nem pagamentos especiais por conta.”
Aqui chegados, caberá então determinar em que medida é que o tratamento fiscal diferenciado dos dividendos auferidos por OIC’s não residentes em Portugal constitui uma restrição contrária à liberdade de circulação de capitais ínsita no artigo 63.º do TFUE, como consequência de um tratamento discriminatório.
Neste contexto, como faz notar a Requerente, o TJUE produziu jurisprudência clara a concluir pela ilegalidade das diferenças desfavoráveis de tratamento, fiscais ou outras, comparativamente com o tratamento de OIC residentes, sendo que, quaisquer dúvidas que, não obstante a referida jurisprudência, pudessem subsistir relativamente à comparabilidade entre os OIC residentes em território nacional e os OIC residentes noutro Estado membro da União Europeia, foram definitivamente superadas por força do Acórdão AllianzGIFonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19)[12], no âmbito do reenvio promovido pelo Tribunal Arbitral Tributário (CAAD) que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
“1) O (artigo 63.° TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o (artigo 56.° TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem‑se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?
2) Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?
3) O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?
4) Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e (OIC) não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?
5) Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?»
“(…)
Tendo o TJUE declarado que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Também o Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão uniformizador no âmbito do processo n.º 93/19.7BALS, publicado na 1ª série do Diário da República, de 26 de fevereiro de 2024, uniformizando a jurisprudência nos seguintes termos:
1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.»
Isto é, em conformidade com a decisão do TJUE, o regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 4 e 87.º n.º 4, do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais.
De salientar que a análise da forma como os proveitos gerados na esfera do OIC são distribuídos e tributados na esfera dos seus investidores é irrelevante para efeitos de apreciação da natureza discriminatória da legislação portuguesa e da factualidade em apreço, dado esta prever um tratamento fiscal autónomo e distinto para os OIC (residentes e não residentes) e os respetivos detentores de participações nos OIC.
Acresce que, tal como concluiu o TJUE, “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc-545/19, parágrafo 57).
Igualmente não se considera que uma tributação autónoma, com natureza anti-abuso, expressa e intencionalmente dirigida a entidades residentes em território português, seja considerada como parte integrante das regras gerais de tributação dos OIC residentes em Portugal.
De notar ainda que, como o TJUE concluiu, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 93)” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 79).
Como conclui, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 81).
Ora, o AllianzGI-Fonds AEVN: i) É um OIC constituído e a operar ao abrigo das Directivas 2009/65/CE e 2011/61/EU, com sede noutro Estado-Membro da União Europeia; ii) Auferiu rendimentos de capitais de fonte portuguesa sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), 3, alínea B), e 87.º, n.º 4, do CIRC, não tendo beneficiado do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF; iii) Não conseguiu obter um crédito de imposto relativo ao imposto suportado em Portugal, na medida em que se encontra isento de imposto sobre as sociedades no seu Estado de residência.
Ademais, como faz notar a Requerente, o tratamento discriminatório ora em análise já foi amplamente analisado, quer pelo TJUE, quer pelos Tribunais nacionais. Tal como faz notar, a jurisprudência arbitral nacional, em concreto, as Decisões Arbitrais n.º 528/2019-T, de 27 de Dezembro de 2019 n.º 548/2019-T, de 26 de Junho de 2020, n.º 11/2020-T, de 6 de Novembro de 2020, n.º 68/2020-T, de 25 de Janeiro de 2021, n.º 926/2019-T, de 19 de Outubro de 2020, n.º 922/2019-T, de 11 de Janeiro de 2012 e n.º 32/2021-T, de 5 de Novembro de 2021, militam nesse sentido, sendo os factos similares. Mas são diversas e múltiplas as Decisões similares, nomeadamente, as exaradas nos Processos n.º 90/2019-T, de 23 de Julho de 2019, n.º 549/2019-T, de 20 de Abril de 2020, n.º 922/2019-T, de 11 de Janeiro de 2021, n.º 32/2021-T, de 5 de Novembro de 2021, n.º 215/2021-T, de 16 de Dezembro de 2021, n.º 133/2021-T, de 21 de Março de 2022, n.º 625/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 675/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 547/2019-T, de 24 de Abril de 2022, n.º 132/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 593/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 821/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 717/2021-T, de 27 de Abril de 2022, n.º 368/2021-T, de 28 de Abril de 2022, n.º 566/2020-T, de 2 de Maio de 2022, n.º 576/2019-T, de 8 de Maio de 2022, n.º 28/2021-T, de 18 de Maio de 2022, n.º 623/2021-T, de 24 de Maio de 2022, n.º 734/2021-T, de 7 de Junho de 2022, n.º 641/2020-T, de 13 de Julho de 2022, n.º.721/2019-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 620/2021-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 121/2022-T, de 15 de Julho de 2022, n.º 99/2019-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 711/2021-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 746/2021-T, de 26 de Setembro de 2022, n.º 640/2020-T, de 3 de Outubro de 2022, n.º 34/2021-T, de 18 de Novembro de 2022, n.º 440/2022-T, de 22 de Novembro de 2022, n.º 45/2022-T, de 23 de Fevereiro de 2023, n.º 505/2022-T, de 9 de Março de 2023, nº 439/2022-T, de 10 de Março de 2023, n.º 661/2022-T, de 14 de Abril de 2023, n.º 660/2022-T, de 16 de Junho de 2023, n.º 765/2022-T, de 21 de Junho de 2023, n.º 801/2022-T, de 3 de Julho de 2023, n.º 638/2023-T, de 19 de Março de 2024, n.º 924/2023-T, de 27 de Maio de 2024, n.º 1003/2023-T, de 6 de Maio de 2024, n.º 66/2024-T, de 13 de Maio de 2024, n.º 818/2023-T, de 24 de Junho de 2024, n.º 367/2024-T, de 5 de Julho de 2024, n.º 480/2024-T, de 8 de Julho de 2024, n.º 381/2024-T, n.º 307/2024-T, de 28 de Julho de 2024, de 6 de Agosto de 2024, n.º 310/2024-T, de 3 de Setembro de 2024, n.º 11/2023-T, de 31 de Agosto de 2023, n.º 712/2024, de 6 de Dezembro de 2024, n.º 861/2024 T, de 23 de Dezembro de 2024, relativos todos eles a casos idênticos ao do ora Requerente.
Destarte, constatando-se, como começámos por enfatizar, que as questões prejudiciais objeto de reenvio para o TJUE no aludido processo são em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, e tendo em vista o princípio do primado do Direito da União Europeia, conclui-se pela total procedência do presente pedido.
Nestes termos, a ilegalidade do regime subjacente aos atos impugnados, por violação do direito da União Europeia, implica a sua anulação por este Tribunal, pelo valor correspondente ao imposto suportado, que não foi restituído à Requerente.
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DIREITO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Peticiona a Requerente que, tendo sido pago, na totalidade, o imposto alegadamente devido, através das retenções na fonte efetuadas, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, maxime, do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o seu direito a juros indemnizatórios, desde o momento em que os atos foram praticados.
Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.
Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:
“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos atos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades suscetíveis de conduzirem à anulação dos atos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPPT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531.). O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do ato: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adotado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se deteta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjetiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efetivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”
Tal como se faz notar no Processo n.º 712/2024, de 6 de Dezembro de 2024, “38. O facto de se tratar de actos de retenção na fonte, não praticados directamente pela AT, não afasta essa imputabilidade, pois, ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços», devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto (cf. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256 e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão)).
39. O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos: “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.”
Igualmente se nos afigura que o pedido de juros indemnizatórios tem por fundamento a norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, tendo o imposto sido indevidamente retido por erro imputável aos serviços, não procedendo o argumento de que não há direito a juros indemnizatórios por ausência de erro imputável aos serviços.
Neste contexto, entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativamente aos atos em causa, por se encontrarem verificados os respetivos requisitos.
O pedido de revisão do ato tributário é equiparado a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT[13].
Não o tendo sido feito, o direito a juros indemnizatórios no caso de pedido de revisão afere-se nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, sendo devidos juros depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte e não desde o desembolso da quantia liquidada, constituindo este o entendimento jurisprudencial corrente (cfr. Entre outros os acórdãos do STA de 18-01-2017, processo n.º 0890/16 e de 10-05-2017, processo n.º 01159/14).
No caso, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC foi apresentado em 07.03.2024, sendo devidos juros a partir de um ano depois da apresentação daquele pedido de revisão, i.e., a partir de 07-03-2025, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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DECISÃO
Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente por provado o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:
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Anular os atos tributários de retenção na fonte impugnados (relativos a 2020 e a 2021) no mencionado valor total de € 81.997,30;
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Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais (alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT) e artigo 100.º da LGT;
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Condenar a Requerida nas custas de processo.
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VALOR DO PROCESSO
Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), que remete expressamente para o artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do CPPT, e tendo em conta o artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, este último aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em € 81.997,30 (oitenta e um mil, novecentos e noventa e sete euros e trinta cêntimos).
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CUSTAS
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.
Lisboa, 16 de abril de 2025
Notifique-se.
Os Árbitros,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Sílvia Oliveira
(Árbitro Vogal)
Filipa Barros
(Árbitro Vogal – Relatora)
[1] Acórdão do STA, de 12-07-2006, Proc. n.º 0402/06.
[2] “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97.
[3] Sobre esta questão vide Vieira de Andrade, “Justiça Administrativa (Lições)”, 9.ª edição, Almedina, 2007, p. 305 e segs.
[4] Vide decisão do processo arbitral n.º 397/2019-T, de 12 de junho de 2020.
[5] V. “A Revisão do Acto Tributário: Requiem pela Autoliquidação?”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do IDEFF, Ano 9, N.º 1, Primavera, pp. 209 a 229.
[6] Idêntica posição adota a decisão do processo arbitral n.º 9/2021-T, de 13 de setembro de 2021, sobre o mesmo problema.
[7] Acórdãos de 28-11-2007 prolatado no processo 0532/07, de 12-12-2002 proferido no processo 26.233 e mais recentemente o acórdão de 09-11-2022 no âmbito do processo 087/33.5 BEAVR.
[8] Consultáveis em www.dgsi.pt
[9]cfr. Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições, Almedina, 5.ª Edição, pp. 94-95.
[10] cfr. Lima Guerreiro, “Lei Geral Tributária Anotada”, Editora Rei dos Livros, 2001, p. 40.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR
[13] Vide acórdão do STA de 12-07-2006, proferido no proc. n.º 402/2006.