Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 490/2014-T
Data da decisão: 2015-03-13  Selo  
Valor do pedido: € 61.265,76
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; Afectação habitacional; Terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.      A contribuinte "A – Empreendimentos Imobiliários, S.A.", NIPC …, apresentou, no dia 15 de Julho de 2014, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 5º e 6.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT").

2.      A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade de diversas liquidações de Imposto do Selo ("IS") (verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ["TGIS"]) referentes ao ano de 2013 e todas com a data de 17 de Março de 2014: numa primeira prestação com data limite de pagamento no final de Abril de 2014, notas nº 2014 …, no valor de €4.371,44, nº 2014 …, no valor de €3.512,98, nº 2014 …, no valor de €4.750,74, nº 2014 …, no valor de €3.926,44 e nº 2014 …, no valor de €3.860,34, tudo perfazendo o total de €20.421,94; numa segunda prestação com data limite de pagamento no final de Julho de 2014, notas nº 2014 …, no valor de €4.371,43, nº 2014 …, no valor de €3.512,96, nº 2014 …, no valor de €4.750,73, nº 2014 …, no valor de €3.926,43 e nº 2014 …, no valor de €3.860,33, tudo perfazendo o total de €20.421,88.

3.      No momento da apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a Requerente aguardava a notificação para pagamento de terceira prestação, que conjuntamente com as anteriores perfaria um montante global de €61.265,76.

4.      A Requerente pede, através da cumulação de pedidos, o decretamento da anulação de todas essas liquidações, por violação do art. 1º do Código do IS ("CIS") e da verba 28.1 da TGIS, e por inconstitucionalidade da interpretação dada a estas normas.

5.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18 de Julho de 2014.

6.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

7.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 17 de Setembro de 2014; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

8.      Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 24 de Setembro de 2014, para apresentar resposta.

9.      A AT apresentou a sua resposta em 22 de Outubro de 2014, e nela alega, em síntese, a total improcedência do pedido do Requerente, pedindo a absolvição de todos os pedidos.

10.  Conjuntamente com a resposta, e na mesma data, a AT apresentou um requerimento solicitando a dispensa da reunião prevista no art. 18º do RJAT, por entender não existirem obstáculos ao conhecimento do mérito da causa, e por tratar-se, nesta, de uma questão estritamente jurídica, não carecida de prova testemunhal.

11.  O Despacho Arbitral de 5 de Fevereiro de 2015 determinou a dispensa da reunião referida no art. 18º do RJAT; e fixou a data de 16 de Março de 2015 para a prolação da decisão final.

12.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

13.  As Partes encontram-se devidamente representadas.

14.  O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados

 

a)       A Requerente recebeu, em Abril, Julho e Novembro de 2014, notas de pagamento de IS referentes ao ano de 2013, perfazendo, no somatório das 3 prestações, um montante total de €61.265,76.

b)       A Requerente é a titular dos prédios objecto da liquidação de IS, e que são terrenos para construção, estando assim identificados no Registo (artigos …, …, …, …, e … da matriz predial urbana, n.ºs … a … da Conservatória do Registo Predial da Maia).

c)       Os prédios não têm qualquer edificação no seu solo, não obstante existir, relativamente a eles, um alvará de loteamento emitido a favor da Requerente.

d)       Todas as liquidações assentam na verba nº 28.1 da TGIS, anexa ao CIS, alterada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, que prevê uma taxa adicional de 1% sobre prédios com afectação habitacional com valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

a)      A prova apresentada é de base documental e foi incorporada no processo.

b)      Nenhuma matéria provada nos autos viu a sua autenticidade ou correspondência com os factos serem questionadas.

c)      Não há factos não provados que tenham interesse para a decisão da causa.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

a)      A Requerente começa por invocar um vício de forma nos documentos que lhe foram apresentados para pagamento do IS: a falta de referência ao número da liquidação que se encontra subjacente aos diversos documentos que consubstanciam as 3 prestações em que é fraccionado o pagamento do IS corresponderia a um vício, o de ausência da fundamentação legal exigida – o que equivaleria a dizer, ausência de fundamentação expressa, implicando ilegalidade para os efeitos do art. 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

b)      A Requerente concentra a sua argumentação em erros de Direito que, no seu entender, inquinariam as liquidações em apreço, e que vão da ilegalidade até à inconstitucionalidade da interpretação da verba nº 28.1 da TGIS subscrita pela AT.

c)      A Requerente reconstitui esquematicamente o processo legislativo que conduziu à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro e ao regime estatuído na verba nº 28.1 da TGIS, com o objectivo de demonstrar que a mens legislatoris foi exclusivamente a de agravar a tributação dos prédios de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário fosse superior a um milhão de euros, no pressuposto de que tais prédios revelariam uma capacidade contributiva especialmente elevada – porque, ficava subentendido, tinha-se em vista, com este "adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI")", tributar as casas de luxo, as habitações usufruídas por quem tivesse um milhão de euros para investir na respectiva aquisição.

d)     Sendo assim, alega a Requerente, buscando apoio na doutrina e até em decisões judiciais e arbitrais, a intenção legislativa, apurável em interpretação teleológica das normas aplicáveis, mormente o art. 6º, 3 do Código do IMI, deixaria de fora a tributação de meros terrenos "para construção", já que nestes não se manifestaria ainda, em termos actuais e efectivos a "afectação habitacional" – ou poderia nunca se manifestar, ficando apenas no plano potencial ou meramente virtual, ou derivando para uma utilização comercial –.

e)      Não havendo nada edificado nos prédios objecto da liquidação em apreço, não há, conclui-se, qualquer coeficiente de afectação a ser levado em conta – mais especificamente, qualquer coeficiente que, na intenção do legislador, espelhasse um valor de mercado correspondente ao escopo da tributação (a oneração da capacidade contributiva associável à "habitação de luxo").

f)       A Requerente acrescenta que a insistência da AT na aplicação, nesses termos, do regime estatuído na verba nº 28.1 da TGIS constituirá não somente uma ilegalidade, mas ainda uma violação do princípio da separação dos poderes, buscando tornar exigível uma tributação que o poder legislativo nem sequer autorizou.

g)      Acessoriamente, a Requerente assinala ainda que a aplicação do IS à situação em apreço desvirtua o quadro legal pertinente, já que estamos, com o IS, seja perante um "imposto sobre operações", e aqui se trata de incidir sobre um contexto puramente "estático"; seja perante uma tributação residual, de sobreposição, que incide sobre manifestações de capacidade contributiva não abarcadas por outros tributos, e aqui a tributação cabe já inteiramente ao IMI.

h)      Daí decorre, no entender da Requerente, uma duplicação de tributos e uma violação dos princípios da legalidade e da igualdade, que convocam por sua vez o valor da inconstitucionalidade.

i)        Por fim, a Requerente rejeita qualquer implicação em termos de retroactividade que pudesse querer associar-se à alteração à verba 28.1 da TGIS a que procedeu o art. 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro – pois, não se tratando de norma interpretativa, apenas disporá para situações futuras, e nomeadamente para as dos anos de 2014 e seguintes – não a do ano de 2013 a que se reportam as liquidações em apreço.

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Em resposta, a AT sustenta que nenhuma razão assiste à Requerente, e que, pelo contrário, a fundamentação das liquidações assenta na correcta interpretação e aplicação do quadro normativo pertinente.

b)      A Requerida defende que a redacção da verba nº 28.1 da TGIS é inequívoca no seu sentido e alcance, seja na generalidade com que abarca a titularidade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros, seja na remissão que faz para os conceitos e critérios do CIMI.

c)      Sendo que, assim, as liquidações impugnadas assentam na correcta interpretação da verba nº 28.1 da TGIS, não consubstanciando qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.

d)     A Requerida chama a atenção para o facto de tal remissão deixar claro que os terrenos para construção são integrados na categoria "prédios urbanos" (art. 6º, 1 CIMI), e que o respectivo valor patrimonial não pode deixar de ser aferido tendo-se em conta a sua afectação, habitacional ou não-habitacional (nos termos do art. 45º, 2, e para os efeitos do art. 41º, ambos do CIMI).

e)      Por outras palavras, a "afectação habitacional" não seria uma característica a ser considerada autonomamente, mas um elemento ínsito na própria qualificação do imóvel, algo já espelhado no cômputo do seu valor patrimonial tributário (como resultaria do disposto no art. 45º do CIMI). Essa "afectação" estaria, pois, determinada em momento prévio ao daquele em que outras normas (como o art. 77º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, por exemplo, ou os Planos Directores Municipais) especificam as utilizações concretas dos prédios.

f)       Em conclusão, a AT insiste que tal regime da verba nº 28.1 da TGIS não viola qualquer princípio ou norma constitucionais, e nomeadamente não viola a igualdade: dado que discrimina apenas o que é diferente, fazendo-o por aplicação de critérios gerais e abstractos.

 

III.C. Questões a decidir

Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, cumpre referir que o Código do Imposto do Selo não prevê regras e procedimentos próprios de liquidação do imposto devido pela verba 28 da TGIS, tendo o legislador optado por efectuar uma remissão directa para as regras e procedimentos de liquidação previstos no CIMI. Isso mesmo resulta do n.º 7 do art. 23.º do Código do Imposto do Selo.

Nessa medida, serão aplicáveis nesta sede os arts. 113.º e seguintes do CIMI, com as necessárias adaptações. De acordo com estas regras, o imposto da verba 28 da TGIS é liquidado anualmente, durante os meses de Fevereiro e Março, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem da matriz a 31 de Dezembro do ano anterior. À Autoridade Tributária é apenas exigido que envie ao sujeito passivo a competente nota de cobrança – e não nota de liquidação - até ao final do mês anterior ao do pagamento, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente e respectivo valor patrimonial tributário, nos termos do art. 119.º do CIMI. Caso o sujeito passivo não receba o documento em causa, deverá solicitar uma segunda via do mesmo.

É hoje, pois, comummente aceite e reconhecido que a liquidação do IMI efectuada dentro do prazo normal não carece de notificação, bastando o envio ao sujeito passivo da nota de cobrança.

Assim, considerando que os documentos de cobrança remetidos à Requerente contêm os elementos legalmente exigidos no art. 119.º do CIMI, não procede a alegação da sua incompletude.

Acresce que o dever de fundamentação geral a que a Requerente se refere, previsto nos arts. 77.º da LGT em concretização do princípio do normativo constitucional do art. 268.º,n.º 3, da CRP, obriga a que os actos tributários contenham sempre, ainda que de forma sumária, “(…) as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” – n.º 2 do art. 77.º da LGT.

Ora, os documentos de cobrança juntos aos autos – ainda que não sendo verdadeiros actos de liquidação e cumprindo com os requisitos formais previstos no art. 119.º do CIMI – contêm a fundamentação legalmente exigida pelo que não padecem de vício de falta de fundamentação. Nesta matéria, não proceder, assim, a alegação da Requerente.

 

Em segundo lugar, e porque tal foi suscitado, também, pela Requerente, cumpre decidir qual a redacção da verba 28.1 da TGIS aplicável ao imposto do ano de 2013: a versão original, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ou a redacção resultante da alteração introduzida pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, concluímos que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto (o que seria o presente caso). Esta posição é a única consentânea com o princípio da irretroactividade da lei fiscal previsto no n.º 3 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa.

Assim sendo, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2013, a liquidar em 2014, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redacção original da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, como pretende a Requerente.

 

Posto isto, cumpre então decidir sobre a determinação da base de incidência verba 28.1 da TGIS, em especial no que se refere à integração dos terrenos para construção no conceito de “prédio urbano com afectação habitacional”.

Ora, sobre esta questão existem já numerosas decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária bem como do Supremo Tribunal Administrativo. Havendo identidade da questão de facto e identidade da matéria de direito, aqui se reproduz o decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/4/2014, proc. n.º 01870/13, cuja jurisprudência acolhemos e cuja fundamentação subscrevemos integralmente na seguinte parte:

O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos. Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo nº 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro” (negrito nosso).

Face a tudo o que vem exposto, conclui-se pelo provimento da petição da Requerente pelo que se declara a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas por violação da verba 28.1 da TGIS.

Concluindo-se pela anulação das liquidações identificadas com estes fundamentos fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação dos vícios de dupla tributação e inconstitucionalidade alegados pela Requerente.

 

IV. Decisão

Em face de tudo quanto antecede, decide-se declarar a ilegalidade das liquidações objecto destes autos, por carência de base legal e violação, nos termos expostos, da verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro e, em consequência, julgando procedente o pedido com esse fundamento, decide anular os aptos de liquidação objecto dos autos.

 

 

V. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 61.265,76.

 

 

VI. Custas

 

Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 13 de Março de 2015

 

Os Árbitros

 

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

Fernando Borges Araújo

 

 

 

 

 

Maria Forte Vaz