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SUMÁRIO:
Se é verdade que é sobre a AT que incide o ónus de suscitar de forma fundamentada os pressupostos que a levaram a efetuar correções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação dos factos relevantes, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, também é verdade que, cumprido que foi pela AT este ónus, o de fundamentar as razões que a levam a não considerar a retificação – (em 2023-08-25), de modo a fazer constar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda – se transferiu para os Requerentes, nos termos do artigo 74.º da LGT e do artigo 128.º do CIRS, o dever de as comprovar e de demonstrar as suas reais intenções.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Hélder Faustino
e Marisa Isabel Almeida Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., Unipessoal, Lda., sociedade unipessoal por quotas, pessoa coletiva número..., com sede em ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), por referência aos artigos 99.º, n.º 1, alínea a) e 102.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pelo Serviço de Finanças Braga-1 no âmbito do processo n.º ...2024... (“Decisão Impugnada”), e, em consequência, a anulação da subjacente liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (“IMT”) emitida no processo n.º 2022/... por alegada caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT, no valor de € 67.926,95, acrescida de juros compensatórios, no valor de € 1.637,69 (doravante, “Liquidação de IMT”),
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 5 de setembro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 23 de outubro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 13 de novembro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 18 de dezembro de 2024.
Depois de dois despachos e necessidade de acordo entre as partes, designou-se o dia 3 de fevereiro de 2025, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD como data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
Ambas as partes apresentaram alegações.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste, na compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, estando registada sob o código de Classificação de Atividades Económicas (“CAE”) 68100-R3 (cf. certidão permanente junta como Doc. n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
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Em 29 de dezembro 2022, no âmbito do respetivo giro comercial, a Requerente adquiriu para revenda a fração autónoma designada pela letra A, no rés do chão, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.os ..., ... e ..., União das Freguesias de ... (... e...), concelho de Braga, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o n.º..., da extinta freguesia de Braga (...), inscrito na matriz sob o artigo ... (“Imóvel”) – cf. caderneta predial e cópia de escritura de compra e venda, juntas como Docs. n.os 4 e 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Na referida escritura de compra e venda do Imóvel já junta como Doc. n.º 5, a Requerente declarou que a respetiva compra se “destina a revenda” e beneficiou da respetiva isenção de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código do IMT, tendo sido arquivado “Extrato da liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, com o número..., de 28-12-2022 emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira , do qual consta encontrar-se a aquisição titulada pela presente escritura, isenta do dito imposto nos termos do artigo 7.º do CIMT” – cf. Doc. n.º 5 junto.
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Posteriormente, e concretizado o propósito da respetiva aquisição, no dia 22 de março de 2023, a Requerente revendeu o Imóvel à sociedade comercial B..., S.A., pessoa coletiva n.º ... (doravante, “B...”) – cf. cópia da escritura de compra e venda, junta como Doc. n.º 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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No âmbito da referida transação, a B... procedeu à liquidação e pagamento tanto do IMT como do Imposto de Selo devidos, tendo a respetiva documentação de liquidação e cobrança sido arquivada no contexto da escritura pública celebrada já junta como Doc. n.º 6 e que tem o valor de documento autêntico, nos termos do artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil[1]:
“ARQUIVO ainda:
Extrato da declaração para liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, e respetivo comprovativo de cobrança, com o número..., de hoje, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira; e
Extrato da declaração para liquidação do imposto do selo previsto no N.º 1.1. da TGIS e respetivo comprovativo de cobrança, com o número..., também de hoje, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”
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Sucede, porém, que na escritura em causa (aqui junta como Doc. n.º 6) ficou a constar que a B... destinaria o Imóvel a revenda…
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o que ocorreu por mero lapso de escrita não atempadamente detetado, nem pela Requerente, nem pela B..., nem mesmo pelo próprio notário.
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Com efeito, assim que se aperceberam do lapso referido – o que apenas ocorreu quando a Requerente foi notificada do Ofício n.º ..., de 28 de julho de 2023, emitido pelo Serviço de Finanças Braga-... (doravante, “Ofício ...” aqui junto como Doc. n.º 7 que dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) – a Requerente e a B... procederam de imediato à retificação da escritura (cf. Doc. n.º 8 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
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Com efeito, apenas com a notificação do Ofício ... aqui junto como Doc. n.º 7 – que consubstanciava o projeto de decisão da Liquidação de IMT – é que a Requerente se apercebeu do lapso que constava da escritura, já que nesse Ofício a AT vem alegar a “caducidade da isenção de IMT, concedida nos termos do artigo 7.º do Código, aquando da aquisição por escritura de 2022.12.29”, nos termos artigo 11.º, n.º 5, do Código do IMT, por o Imóvel ter sido alegadamente revendido novamente para revenda.
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Ora, tal lapso de escrita – referência ao destino de revenda por parte da B...– deveu-se apenas e somente ao facto de a minuta da escritura de compra e venda do Imóvel já junta como Doc. n.º 5 ter sido usada como minuta para a escritura de compra e venda junta como Doc. n.º 6.
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Sendo certo que, em nenhuma circunstância, quer a Requerente, quer a B... haviam transmitido ao Cartório Notarial que fizesse constar a menção de que a B... destinaria o Imóvel a revenda, tendo, aliás, a liquidação e pagamento pela B... do IMT e Imposto do Selo sido sempre ponto assente entre as partes contratantes e pressuposto do negócio de compra e venda.
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Tanto assim foi que, quando alertada pela Requerente para a existência do referido lapso de escrita, a B..., não só corroborou não pretender destinar o Imóvel a revenda, como informou a Requerente de que não havia empreendido qualquer ação para recuperar o IMT pago, nem tinha qualquer intenção de vir a fazê-lo, tendo-se prontificado de imediato a comparecer em ato notarial retificativo, por forma a fazer corresponder a vontade declarada à vontade real das partes outorgantes.
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Assim, e forma a ultrapassar este lapso, em 25 de agosto de 2023, a Requerente e a B..., na pessoa dos seus procuradores, compareceram no Cartório Notarial do Dr. C... para outorgar o ato notarial de retificação da escritura pública junta como Doc. n.º 6, por forma a remover a menção de que o Imóvel adquirido se destinaria a revenda, fazendo corresponder a vontade declarada das partes à sua vontade real (cf. Doc. n.º 8 junto).
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Nessa retificação, as partes deixaram claro que:
“[…] o segundo outorgante, em nome da sociedade B..., S.A. […] declarou que a fração autónoma para ela adquirida se destinava a revenda, tendo […] procedido à liquidação e ao pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), aquando da aquisição da referida fração autónoma […].
[…]
Acontece, porém, que a fração autónoma objeto da dita venda havia sido adquirida pela sociedade A..., Unipessoal, Lda., beneficiando já da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, […], pelo que, nos termos do artigo 11.º, número 5, daquele código, caducaria o benefício concedido pela lei a esta sociedade, o que não era intenção das partes ora contratantes.
Assim, pela presente escritura, procedem à retificação daqueloutra de vinte e dois de março de dois mil e vinte e três, no sentido de eliminar a declaração de que a fração autónoma que constitui objeto da aquisição se destina a revenda, por forma a fazer corresponder a vontade declarada à vontade real das partes.” (destaques e sublinhados nossos).
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Posteriormente, em 25 de agosto de 2023, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, no âmbito do qual explicou à AT que a menção ao destino de “revenda” referido na escritura pública constante do Doc. n.º 6 se tratava de um mero lapso de escrita, já corrigido mediante escritura de retificação - cf. Doc. n.º 9 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):
“5. Sucede que, por lapso, ficou a constar da escritura de 22.03.2023 que a B... destinaria o Imóvel, por essa via, adquirido a revenda – o que não tinha nem tem correspondência com a vontade e/ou intenção das partes,
6. Lapso esse que se atribui ao facto de a minuta da escritura da venda à B... ter na sua base a escritura da primeira venda, ou seja, a escritura de 29.12.2022.
7. A B..., a par da Requerente, era conhecedora de que a Requerente tinha beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT, ficando claro entre as partes ser pressuposto do negócio que a aludida isenção não caducasse.
8. Nesses termos, a B... procedeu à emissão e pagamento das guias relativas ao IMT (e do IS) devido, aquando da aquisição do Imóvel, por meio da escritura de 22.03.2023,
9. Tendo sido sempre assente entre a A... e a B... que a venda do Imóvel pela primeira à segunda não estaria a coberto de qualquer isenção de IMT,
10. Tanto assim que a B... não empreendeu qualquer ação nem tenciona praticar qualquer ato para recuperação do IMT pago aquando da aquisição do Imóvel. (destaques nossos)”
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Com efeito, no contexto do exercício do direito de audição prévia, a Requerente informou a AT que, no dia 25 de agosto de 2023, a Requerente e a B... haviam procedido à retificação da escritura de compra e venda celebrada no dia 22 de março de 2023 eliminando a declaração de que o Imóvel objeto de aquisição pela B... se destinaria a revenda, “por forma a fazer valer a real vontade das Partes”, (cf. Doc. n.º 9 já junto).
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No entanto, o exercício do direito de audição prévia por parte da Requerente revelou-se infrutífero, uma vez que, na sequência da mesma, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 17 de outubro de 2023, do Serviço de Finanças de Braga-..., da decisão final da AT no sentido já prescrito no projeto de decisão com a desvalorização dos efeitos da escritura de retificação (cf. Doc. n.º 10, que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), fundamentada nos termos seguintes:
“A retificação da escritura de compra e venda realizada pelas partes, em 2023/08/25, não tem aqui a virtualidade de impedir a aludida caducidade da isenção, não implicando, necessariamente, que não haja lugar à tributação dos efeitos económicos do negócio jurídico inicial, designadamente, à liquidação de IMT.
Assim sendo, devem ser tributados os efeitos económicos de um negócio jurídico que se tenham efetivamente produzido, conquanto essa tributação exija que esses efeitos sejam subsumíveis à previsão de uma norma de incidência.
Deste modo, tendo a sociedade revendido o prédio em questão, novamente para revenda, caducou a isenção de que esta beneficiou na aquisição realizada em 2022/12/29, não podendo esta valer-se da retificação da escritura, realizada em 2023/08/25, para afastar os efeitos de um negócio que já produziu os seus efeitos económicos.
Deste modo, mantém-se a notificação constante do ofício n.º..., de 2023.07.28, deste Serviço (SF Braga ...).”
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Em consequência, no dia 27 de novembro de 2023, a Requerente foi notificada da Liquidação de IMT, (através do Ofício n.º ... de 23 de novembro de 2023), e da qual resultou que o montante a pagar a de € 67.936,96 a título de IMT, acrescido de juros compensatórios no valor de € 1.637,69 (i.e., no valor total de € 69.564,64) – cf. cópia da Liquidação de IMT já junta como Doc. n.º 2.
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Apesar de não concordar com a Liquidação de IMT – que considera ilegal, como adiante se demonstrará – no dia 5 de dezembro de 2023, a Requerente procedeu ao pagamento da mesma, no valor total de € 69.564,64 – cf. guia e cópia de comprovativo de pagamento, juntas como Doc. n.º 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Contudo, não se conformando com a Liquidação de IMT, a Requerente decidiu contestar a legalidade da mesma por via administrativa, tendo apresentado reclamação graciosa da Liquidação de IMT no dia 5 de fevereiro de 2024 – cf. Doc. n.º 12 que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Em 18 de abril de 2024, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) – cf. Doc. n.º 13 que ora se junta dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Com efeito, no referido projeto de decisão a AT conclui que:
“O documento dito de retificação da escritura não constitui por si mesmo fundamento bastante para o deferimento da reclamação, pelo facto da dita escritura de retificação não preencher os requisitos previstos no artigo 249.º do Código Civil. Em conformidade com o artigo 249.º do Código Civil, tal possibilidade de retificação aplica-se apenas aos casos em que o erro é patente ou ostensivo.
Deste modo, mostra-se assertiva a referencia feita na decisão recorrida ao encadear de atos descritos no probatório, às condições em que os mesmos foram realizados, ao total domínio da situação por parte dos intervenientes em relação a tal matéria, de modo que a retificação da escritura, não equivale a simples “erro material”, estando em causa, assim, a eliminação da declaração das partes na parte relacionada com a finalidade da aquisição, não tem como efeito a invalidade da liquidação, até porque, como se disse, uma coisa são os efeitos jurídicos que se produzem entre as partes do negocio e outra são as relações jurídico-tributarias estabelecidas entre um dos contraentes e a AT, ainda que tendo origem naquele negocio ou nos efeitos económicos do mesmo.”
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Não tendo exercido o seu direito de audição prévia, no dia 28 de maio de 2023, a Requerente foi notificada da decisão em crise nos presentes autos (Decisão Impugnada), através da qual foi indeferida a reclamação graciosa, tornando definitivo o projeto de decisão que havia sido notificado à Requerente em 18 de abril de 2024 (cf. Doc. n.º 1 junto).
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Feito que está o enquadramento factual, importa reforçar que – tal como acima se demonstrou e como também se sustentará aquando da produção da prova testemunhal – a B... nunca teve intenção de destinar o Imóvel a revenda, nem de beneficiar de qualquer isenção de IMT e/ou ter a possibilidade de recuperar o IMT pago no ato de aquisição.
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A não ser assim, a B... (i) não teria procedido à liquidação e pagamento do IMT na aquisição, ou (ii) teria, entretanto, diligenciado no sentido de recuperar o IMT pago no ato de aquisição, e/ou (iii) não teria prontamente comparecido na outorga do ato notarial de retificação.
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Atenta, pois, contra as mais elementares regras de experiência comum e de interpretação jurídica entender-se que, por um lado, uma parte pretendeu alcançar um determinado fim (i.e., destinar o Imóvel a revenda para beneficiar de isenção de IMT / recuperar o IMT pago) e, por outro lado, não só nada tenha feito para o alcançar (não ter encetado qualquer ação para recuperar o IMT pago), como tenha comparecido num ato notarial retificativo para eliminar a menção de que destinava o Imóvel a revenda, por forma a fazer corresponder a vontade declarada à vontade real das partes.
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Do acima exposto decorre, com clareza, que o Imóvel não foi revendido novamente para revenda e que a referência a revenda na escritura de venda junta como Doc. n.º 6 se trata de um verdadeiro lapso de escrita que não tem correspondência com a vontade real das partes.
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Em face do exposto, a Requerente entende que deve a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pelo Serviço de Finanças Braga ... (i.e. a Decisão Impugnada) ser considerada ilegal e anulada de forma imediata, porquanto a mesma assentou em falsos pressupostos de facto e de direito, como de seguida se demonstrará, sendo em consequência anulada a Liquidação de IMT e ordenada a restituição à Requerente dos montantes indevidamente pagos (€ 69.564,64), acrescidos de juros indemnizatórios.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
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Alega a requerente que a menção a “revenda” na escritura pública tratou-se de um mero lapso de escrita, pois as partes nunca pretenderam que constasse da escritura pública celebrada com a B... a menção de que o negócio de compra e venda do imóvel se destinava a revenda, e sempre foi vontade das partes a manutenção da situação de isenção de IMT da Requerente, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1, do CIMT.
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Salienta que a B... procedeu à liquidação e pagamento do IMT na aquisição não diligenciou no sentido de recuperar o IMT pago no ato de aquisição, e compareceu prontamente comparecido na outorga do ato notarial de retificação.
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A Requerente refere que, tendo sido liquidados e pagos os impostos devidos por esta transmissão (sem o benefício da isenção de IMT da aquisição de prédios para revenda) e tendo, em 2023-08-25, sido outorgado o ato notarial de retificação da escritura pública, por forma a remover a menção de que o imóvel adquirido se destinaria a revenda, (o que fez corresponder a vontade declarada das partes à sua vontade real), não se pode considerar que tenha ocorrido a caducidade da isenção, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, que originou a liquidação contestada.
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Donde, no seu entender, os atos impugnados são ilegais por violação do artigo 7.º, n.º 1 e na errada aplicação do artigo 11.º, n.º 5, ambos do Código do IMT, por não verificação os pressupostos de caducidade da isenção de IMT, uma vez que o imóvel não foi revendido para revenda.
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No caso em análise, quando a Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano inscrito sob o artigo..., na matriz predial urbana da União das freguesias de ... (... e...), no concelho de Braga, em 2022-12-29, esta aquisição beneficiou da isenção de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código do IMT – isenção pela aquisição de prédios para revenda.
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Esta isenção foi inscrita, pela Requerente, na declaração Modelo 1 do IMT a que foi atribuído o registo n.º 2022/..., daí que, tenha sido emitido o Documento Único de Cobrança (DUC) n.º..., utilizado na escritura de compra e venda, a zeros.
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Em 2023-03-22, no decurso do prazo de 3 anos previsto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, na redação em vigor à data dos factos, a referida fração autónoma foi revendida à sociedade B..., S.A., com o NIPC... .
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Contudo, nesta escritura de compra e venda da referida fração autónoma, ficou a constar que esta aquisição também se destinava a revenda, o que fez operar a caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
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Isto porque, a isenção fiscal prevista no artigo 7 do CIMT, da qual a Requerente beneficiou, está condicionada ao cumprimento de um conjunto de pressupostos por parte daquela, nomeadamente, a sujeição a um dever de diligência especial, na medida em que participou nos dois contratos de compra e venda, o primeiro de compra e o segundo de venda, pelo que lhe cabia assegurar a manutenção das condições materiais e procedimentais fixadas na lei para beneficiar da isenção na compra do imóvel e não serem preenchidos os requisitos que conduzem à caducidade dessa isenção, uma vez que, a escritura pública de compra e venda foi lida aos outorgantes, tendo-lhes sido explicado o seu conteúdo.
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No entanto, só após a notificação – através do ofício n.º ..., datado de 2023-07-28, do SF de Braga ... –, do projeto de decisão de liquidação de IMT, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, é que a Requerente procede à sua retificação (em 2023-08-25), de modo a fazer constar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda.
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Em anexo ao mencionado projeto de decisão de liquidação de IMT, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, foi remetida a demonstração da liquidação de IMT, no valor de € 67.926,95, acrescido de juros compensatórios contados desde 2023-04-21 (30 dias após a data da caducidade, nos termos do artigo 34.º do CIMT), até à data da liquidação (2023-11-27), no valor de € 1.637,69.
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A Requerente foi notificada da decisão final proferida relativamente o projeto de decisão de liquidação de IMT, que o mantinha integralmente, através do ofício n.º..., de 2023-10-17.
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E através do ofício n.º ..., de 2023-11-23, rececionado em 2023-12-05, foi emitida a nota de cobrança 2023/..., no valor global de € 69.564,64, que compreendia o valor do imposto € 67.926,95 – e dos juros compensatórios – € 1.637,69, tendo esta sido paga pela Requerente, nesse mesmo dia.
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Por discordar do projeto de liquidação de IMT de que foi notificada, a Requerente vem apresentar reclamação graciosa da liquidação de IMT, em 2024-02-05, o que origina a instauração do processo n.º ...2024... .
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Daqui se retira que, não procede o argumento da requerente de que, por ter sido liquidado e pago o IMT referente à aquisição, por parte da B..., S.A., não era intenção desta beneficiar da isenção de IMT do artigo 7.º do CIMT, uma vez que, dentro do prazo de três anos previsto do n.º 4 do artigo 7.º do Código do IMT (na redação em vigor à data dos factos), ainda em curso, esta poderá vendê-lo sem ser para revenda e solicitar a anulação e restituição do mesmo.
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Além do mais, importa destacar que, as evidências do cumprimento dos requisitos da isenção do artigo 7.º do CIMT, compreendem:
• O registo contabilístico do bem imóvel e a sua permanência numa conta (da classe 3) de inventários,
• O fim da revenda vir expressamente indicado na escritura de aquisição, e
• A adquirente estar coletada para a revenda de imóveis, através do respetivo CAE (068100 – compra e venda de bens imobiliários), uma vez que, são estes os indicadores de revenda.
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Ora, a B..., S.A. reunia todos estes requisitos para beneficiar da isenção do artigo 7.º do CIMT, tal como demonstrou no requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Funchal ..., em 2023-03-29, em que solicitou a suspensão do início de tributação do IMI, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos (cf. Documento 1 que se junta em anexo).
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Neste requerimento de suspensão do início de tributação do IMI, correspondente ao Processo n.º ..., comprova-se que, a B..., S.A. registou contabilisticamente o bem imóvel adquirido numa conta (da classe 3) de inventários, nomeadamente na conta 3212 – mercadorias – imóveis (cf. Documento denominado ..._ PEDIDO ISENÇÃO IMI). (negrito nosso)
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E, ainda, apresentou como documento comprovativo do requerimento da suspensão do início de tributação do IMI, a escritura de compra e venda celebrada em 2023-03-22, que indicava expressamente como finalidade da aquisição a revenda do imóvel.
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Como tal, apesar da requerente alegar que não era intenção da B... S.A. beneficiar da isenção de IMT do artigo 7.º do CIMT, o certo é que esta foi a intenção que ficou a constar da escritura de compra e venda celebrada em 2023-03-22,
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E foi igualmente declarado para efeitos de suspensão do início de tributação do IMI, em 2024-03-29.
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Com efeito, verifica-se que a B... S.A., encontra-se a beneficiar da suspensão do início da tributação, para o prédio em causa, em sede de IMI, nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI, na sequência do deferimento do pedido efetuado por aquela, conforme consta do Processo n.º ...(cf. Documento denominado ... PEDIDO ISENÇÃO IMI).
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Daqui se retira que, a B..., S.A. requereu a suspensão do início de tributação do IMI para o prédio em questão e colocou-o no inventário (conta 3212 – mercadorias – imóveis) porque pretendia proceder à sua venda, o que demonstra que o objetivo desta, com a sua aquisição, era efetivamente a revenda.
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Os elementos constantes do Processo ... demonstram, de forma clara e inequívoca, que a intenção da adquirente do imóvel sempre foi, desde o início, a revenda deste, ao contrário do que pretende fazer crer com a escritura de retificação.
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Nestes termos, tendo sido intenção da B..., S.A. proceder à revenda do imóvel, conforme se depreende do facto de ter inscrito esta mesma intenção na escritura de compra e venda celebrada entre esta e a Requerente, e ter solicitado a suspensão do início de tributação do IMI, ao abrigo da al. e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos,
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Resulta claro que o prédio adquirido para revenda foi revendido novamente para revenda, pelo que, ocorreu a caducidade da isenção de IMT de que a Requerente beneficiou na aquisição da fração autónoma do prédio em questão, celebrada em 2022-12-29, nos temos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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A Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano inscrito sob o artigo..., na matriz predial urbana da União das freguesias de... (... e...), no concelho de Braga, em 2022-12-29, esta aquisição beneficiou da isenção de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código do IMT – isenção pela aquisição de prédios para revenda.
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Esta isenção foi inscrita, pela Requerente, na declaração Modelo 1 do IMT a que foi atribuído o registo n.º 2022/..., daí que, tenha sido emitido o Documento Único de Cobrança (DUC) n.º..., utilizado na escritura de compra e venda, a zeros.
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Em 2023-03-22, no decurso do prazo de 3 anos previsto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, na redação em vigor à data dos factos, a referida fração autónoma foi revendida à sociedade B..., S.A., com o NIPC... .
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Contudo, nesta escritura de compra e venda da referida fração autónoma, ficou a constar que esta aquisição também se destinava a revenda, o que fez operar a caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
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Isto porque, a isenção fiscal prevista no artigo 7 do CIMT, da qual a Requerente beneficiou, está condicionada ao cumprimento de um conjunto de pressupostos por parte daquela, nomeadamente, a sujeição a um dever de diligência especial, na medida em que participou nos dois contratos de compra e venda, o primeiro de compra e o segundo de venda, pelo que lhe cabia assegurar a manutenção das condições materiais e procedimentais fixadas na lei para beneficiar da isenção na compra do imóvel e não serem preenchidos os requisitos que conduzem à caducidade dessa isenção, uma vez que, a escritura pública de compra e venda foi lida aos outorgantes, tendo-lhes sido explicado o seu conteúdo.
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No entanto, só após a notificação - através do ofício n.º ..., datado de 2023-07-28, do SF de Braga ... -, do projeto de decisão de liquidação de IMT, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, é que a Requerente procede à sua retificação (em 2023-08-25), de modo a fazer constar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda.
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Em anexo ao mencionado projeto de decisão de liquidação de IMT, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, foi remetida a demonstração da liquidação de IMT, no valor de € 67.926,95, acrescido de juros compensatórios contados desde 2023-04-21 (30 dias após a data da caducidade, nos termos do artigo 34.º do CIMT), até à data da liquidação (2023-11-27), no valor de € 1.637,69.
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A Requerente foi notificada da decisão final proferida relativamente o projeto de decisão de liquidação de IMT, que o mantinha integralmente, através do ofício n.º ..., de 2023-10-17.
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E através do ofício n.º..., de 2023-11-23, rececionado em 2023-12-05, foi emitida a nota de cobrança 2023/..., no valor global de € 69.564,64, que compreendia o valor do imposto € 67.926,95 - e dos juros compensatórios - € 1.637,69, tendo esta sido paga pela requerente, nesse mesmo dia.
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Por discordar do projeto de liquidação de IMT de que foi notificada, a Requerente vem apresentar reclamação graciosa da liquidação de IMT, em 2024-02-05, o que origina a instauração do processo n.º ...2024... .
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Verifica-se que a B... S.A., encontra-se a beneficiar da suspensão do início da tributação, para o prédio em causa, em sede de IMI, nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 1 al. e) do CIMI, na sequência do deferimento do pedido efetuado por aquela, conforme consta do Processo n.º ... (cf. Documento denominado ..._ PEDIDO ISENÇÃO IMI).
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Daqui se retira que, a B..., S.A. requereu a suspensão do início de tributação do IMI para o prédio em questão e colocou-o no inventário (conta 3212 – mercadorias – imóveis) porque pretendia proceder à sua venda, o que demonstra que o objetivo desta, com a sua aquisição, era efetivamente a revenda.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e a audiência realizada, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
Nos termos do artigo 7.º do CIMT:
1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda.
2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.
3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação.
Por outro lado, nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do CIMT (caducidade das isenções), “a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”
O regime descrito já se encontrava previsto com idênticos contornos no artigo 11.º, ponto 3.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (“Código da Sisa”), segundo o qual: “Ficam isentas de sisa: (…) 3.º As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”. Previa também o Código da Sisa (artigo 16.º, ponto 1.º) a isenção caducava logo que se verificasse que “aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente (…)”.
Posto o direito, cumpre encarar agora os factos que relevam para a apreciação da questão da qualificação da operação realizada, que são os seguintes:
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A Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano inscrito sob o artigo..., na matriz predial urbana da União das freguesias de ... (... e...), no concelho de Braga, em 2022-12-29, esta aquisição beneficiou da isenção de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código do IMT – isenção pela aquisição de prédios para revenda.
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Esta isenção foi inscrita, pela Requerente, na declaração Modelo 1 do IMT a que foi atribuído o registo n.º 2022/..., daí que, tenha sido emitido o Documento Único de Cobrança (DUC) n.º..., utilizado na escritura de compra e venda, a zeros.
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Em 2023-03-22, no decurso do prazo de 3 anos previsto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, na redação em vigor à data dos factos, a referida fração autónoma foi revendida à sociedade B..., S.A., com o NIPC... .
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Contudo, nesta escritura de compra e venda da referida fração autónoma, ficou a constar que esta aquisição também se destinava a revenda, o que fez operar a caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
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Isto porque, a isenção fiscal prevista no artigo 7 do CIMT, da qual a Requerente beneficiou, está condicionada ao cumprimento de um conjunto de pressupostos por parte daquela, nomeadamente, a sujeição a um dever de diligência especial, na medida em que participou nos dois contratos de compra e venda, o primeiro de compra e o segundo de venda, pelo que lhe cabia assegurar a manutenção das condições materiais e procedimentais fixadas na lei para beneficiar da isenção na compra do imóvel e não serem preenchidos os requisitos que conduzem à caducidade dessa isenção, uma vez que, a escritura pública de compra e venda foi lida aos outorgantes, tendo-lhes sido explicado o seu conteúdo.
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No entanto, só após a notificação - através do ofício n.º..., datado de 2023-07-28, do SF de Braga ... -, do projeto de decisão de liquidação de IMT, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, é que a Requerente procede à sua retificação (em 2023-08-25), de modo a fazer constar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda.
Ponto particularmente importante na apreciação da matéria que nos ocupa é a questão do ónus da prova.
Pretendendo o Requerente prevalecer-se de uma norma de isenção – que o isenta do pagamento de um tributo (o IMT), pelas razões expostas:
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Na escritura de compra e venda da referida fração autónoma, ficou a constar que esta aquisição também se destinava a revenda, o que fez operar a caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
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No entanto, só após a notificação - através do ofício n.º ..., datado de 2023-07-28, do SF de Braga ... -, do projeto de decisão de liquidação de IMT, por caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, é que a Requerente procede à sua retificação (em 2023-08-25), de modo a fazer constar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda.
Além disso, apurou que não é na Requerente, mas na B..., S.A. que estariam reunidos todos estes requisitos para beneficiar da isenção do artigo 7.º do CIMT, tal como demonstrou no requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Funchal ..., em 2023-03-29, em que solicitou a suspensão do início de tributação do IMI, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos (cf. Documento 1 que se junta em anexo).
Neste requerimento de suspensão do início de tributação do IMI, correspondente ao Processo n.º ..., comprova-se que, a B..., S.A. registou contabilisticamente o bem imóvel adquirido numa conta (da classe 3) de inventários, nomeadamente na conta 3212 – mercadorias – imóveis (cf. Documento denominado ..._ PEDIDO ISENÇÃO IMI).
E, ainda, apresentou como documento comprovativo do requerimento da suspensão do início de tributação do IMI, a escritura de compra e venda celebrada em 2023-03-22, que indicava expressamente como finalidade da aquisição a revenda do imóvel.
Como tal, apesar da requerente alegar que não era intenção da B... S.A. beneficiar da isenção de IMT do artigo 7.º do CIMT, o certo é que esta foi a intenção que ficou a constar da escritura de compra e venda celebrada em 2023-03-22, e foi igualmente declarado para efeitos de suspensão do início de tributação do IMI, em 2024-03-29.
Ou seja, interessa então apurar se os comportamentos adoptados depois da inspeção permitem uma valoração favorável à Requerente, no sentido da inexistência da a caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
A AT e os Requerentes têm, relativamente a esta, posições antagónicas, pelo que se impõe questionar quem está onerado com a prova dos requisitos legais. Sendo estes, repete-se, por um lado os motivos que levam a AT a colocar em causa a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos sujeitos passivos e, por outro, a comprovação da real intenção da Requerente no momento da celebração da escritura.
Se é verdade que é sobre a Administração Fiscal que incide o ónus de suscitar de forma fundamentada os pressupostos que a levaram a efetuar correções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação dos factos relevantes, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, também é verdade que, cumprido que foi pela AT este ónus, o de fundamentar as razões que a levam a não considerar a retificação – (em 2023-08-25), de modo a fazer constar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda – se transferiu para os Requerentes, nos termos do artigo 74.º da LGT e do artigo 128.º do CIRS, o dever de as comprovar e de demonstrar as suas reais intenções.
Os Requerentes – mostrando, aliás, que bem compreenderam a fundamentação das correções que, primeiro, se projetavam e que, depois, foram efetuadas pela AT – procuraram, é verdade, cumprir esse ónus, “retificando” a escritura de alienação do imóvel.
Tudo, por forma a procurarem demonstrar que a sociedade adquirente não tinha intenção de destinar o referido prédio a revenda.
Procuraram, portanto, por essa forma, comprovar que o Imóvel não foi revendido novamente para revenda e que a referência a revenda na escritura de venda junta como Doc. n.º 6 se trata de um verdadeiro lapso de escrita que não tem correspondência com a vontade real das partes.
Acontece que os Requerentes, onerados que estavam – e que sabiam estar – com a prova de que tinham realizado, e confrontados com a desconfiança da AT, motivada pela forma como as faturas e até a escritura foram “retificadas”, podiam e deviam ter juntado ou requerido outros meios de prova, tendo em conta aliás que na B..., S.A. que estariam reunidos todos estes requisitos para beneficiar da isenção do artigo 7.º do CIMT, tal como demonstrou no requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Funchal..., em 2023-03-29, em que solicitou a suspensão do início de tributação do IMI, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos.
Acresce a isto que nesse requerimento de suspensão do início de tributação do IMI, correspondente ao Processo n.º..., comprovou-se que, a B..., S.A. registou contabilisticamente o bem imóvel adquirido numa conta (da classe 3) de inventários, nomeadamente na conta 3212 – mercadorias – imóveis (cf. Documento denominado ..._ PEDIDO ISENÇÃO IMI).
Tiveram essa oportunidade no processo de divergências, antes da liquidação corretiva, o que não o fizeram.
Também neste processo arbitral, onde são admitidos meios de prova mais amplos, nada foi pedido pela Requerente com o objetivo de cumprirem o ónus que sobre ela incidia.
A Requerente, contudo, na audiência realizada e na prova produzida limitou-se a repetir os argumentos já invocados, sede após sede, sem mais elementos novos que permitissem concluir que fosse um lapso de escrita.
Ademais, gerou-se na convicção deste Tribunal que a referida aquisição foi financiada e que não ficou claro quem definiria se o imóvel seria para revenda ou não, se seria a entidade financiadora, se o adquirente final.
Entende, pois, o Tribunal que a Requerente não logrou demonstrar que o Imóvel não foi revendido novamente para revenda e que a referência a revenda na escritura de venda junta como Doc. n.º 6 se trata de um verdadeiro lapso de escrita que não tem correspondência com a vontade real das partes. Não o tendo feito, dever-se-á considerar que, pelo decurso daquele prazo de 3 anos, caducou a isenção de que beneficiou, nada havendo a censurar, do ponto de vista da legalidade, ao ato tributário contra o qual se insurge.
Quanto aos juros indemnizatórios, face ao que antecede, não se verificam os pressupostos legais de que depende a sua atribuição.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências;
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Condenar a Requerente ao pagamento das custas.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 69.564,64, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de abril de 2025
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Hélder Faustino)
(Marisa Isabel Almeida Araújo)
[1] Nos termos do artigo 363.º, n.º 2 do Código Civil são autênticos “os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares”.
[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
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