Consultar versão completa em PDF
DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO: I—O art. 22.º, n.º 4, al. f), do Código Fiscal do Investimento deve ser interpretado no sentido de que apenas se refere aos postos de trabalho diretamente criados pelo investimento relevante, não estabelecendo qualquer requisito de ‘criação líquida de emprego’ como condição para usufruir do correspondente benefício fiscal.
II—Nos termos do art. 74.º, n.º 1, da LGT é sobre os sujeitos passivos que recai o ónus da prova em relação aos factos constitutivos do direito a usufruir de um benefício fiscal; porém, resultando da declaração Modelo 22 tempestivamente apresentada pelo sujeito passivo que este declarou satisfazer todos os requisitos exigíveis para usufruir do benefício fiscal correspondente ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, tal declaração presume-se verdadeira (art. 75.º, n.º 1, da LGT) e o referido ónus satisfeito: em tal caso é à AT que cabe a demonstração da falta de verificação de qualquer um dos mencionados requisitos.
— I —
(relatório)
A..., LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., em Viseu (doravante “a requerente”), veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade parcial da Liquidação n.º 2023-... referente ao IRC relativo ao ano de 2019 (doravante “a Liquidação Impugnada” ou “o ato impugnado”), bem como do ato expresso de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra este ato tributário.
Para tanto alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial que opera na indústria transformadora de madeiras, comércio de embalagens e paletes e sistemas de embalagem e paletização, sendo de qualificar como uma média empresa; que por forma a desenvolver a sua atividade investiu, em 2019, EUR 817.885,06 na aquisição de uma nova linha de montagem automatizada para pregagem de paletes, sendo tal investimento enquadrável, para efeitos do regime fiscal de apoio ao investimento (“RFAI”) na tipologia de aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, investimento que ficou disponível para uso ainda nesse ano de 2019; que entregou a declaração modelo 22 referente ao ano de 2019, apurando nesta autoliquidação, após aplicação da dedução à coleta a título de RFAI e demais quantias a acrescer e a deduzir à coleta, um montante total de imposto a reembolsar de EUR 64.175,13; que foi objeto de uma ação de inspeção tributária a coberto da ordem de serviço n.º OI2023... relativa ao IRC de 2019, em resultado da qual foram proposta correções de natureza meramente aritmética ao seu IRC autoliquidado no montante total de EUR 204.471,27 por, no entendimento da AT, a requerente não ter demonstrado o cumprimento do requisito relativo à criação e manutenção de postos de trabalho previsto no art. 22.º, n.º 4, al. f), do Código Fiscal do Investimento (CFI), na medida em que não teria logrado demonstrar a criação de qualquer novo posto de trabalho em virtude e por causa do investimento realizado e que a criação de postos de trabalho, tal como prevista no referido normativo legal, deveria entender-se por “criação líquida de postos de trabalho;” que foi notificada da Liquidação Impugnada da qual resultava um montante total a pagar de EUR 140.670,90, montante a cujo pagamento procedeu; que o referido ato de liquidação padece de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito, na medida em que, em virtude e por causa do investimento realizado, procedeu à contratação de diversos trabalhadores, como tentou procurar demonstrar no decurso dos procedimentos inspetivo e de reclamação graciosa sub judice, e que o conceito de criação de postos de trabalho, previsto no cit. art. 22.º, n.º 4, al. f), do CFI, não exige um aumento líquido do total dos postos de trabalho nos quadros do sujeito passivo; finalmente, que a Liquidação Impugnada é ilegal, devendo assim ser anulada.
Concluiu peticionando a declaração de ilegalidade e anulação da Liquidação Impugnada, bem como a condenação da requerida na restituição do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Juntou documentos e procuração forense, declarando não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 204.471,27 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.
*
Constituído o Tribunal Arbitral, nos termos legais e regulamentares aplicáveis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.
Devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por impugnação, sustentando, em síntese, que na declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2019 a requerente apurou uma coleta total de EUR 248.965,22 à qual deduziu benefícios fiscais no montante de EUR 124.482,61 resultantes do RFAI; que, porém, a requerente nunca comprovou, como lhe competia, que o investimento era indutor da criação de postos de trabalho, ou seja, qual a conexão entre o investimento e os postos de trabalho criados; que, e nos termos do previsto na alínea f) do n.º 4 do art.º 22º do CFI, no exercício de 2019, dado que foi este o ano em que a maquina entrou em funcionamento, deveria estar cumprida a condição relativa à obrigação da criação de postos de trabalho, para efeitos do RFAI; que, além do mais, houve uma diminuição dos trabalhadores da empresa durante o período correspondente ao investimento realizado; finalmente, que, de acordo com o entendimento sancionado por despachos de 22-08-2019 e de 25-06-2023 da Subdiretora-Geral da AT no Ofício Circulado n.º 20259, para que um investimento seja elegível para efeitos do benefício fiscal do RFAI torna-se necessário que se verifique um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efetiva criação de emprego.
Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e a cópia eletrónica do processo administrativo.
*
Seguidamente, e na sequência de despacho, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT e, na sequência de auscultação prévia das partes, determinada a desnecessidade da produção da prova testemunha requerida. Foram as partes também convidadas a produzir alegações escritas sobre a matéria de facto e de direito, apenas a requerente vindo a proceder à apresentação destas, nas quais manteve no essencial as posições já anteriormente sufragadas no seu articulado. Procedeu ainda ao pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.
— II —
(saneamento)
Ambas as partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.
***
Nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende [al. a)]; e quando se impugne a fixação da matéria coletável, o valor contestado [al. b)].
Ora, o valor que a requerente atribuiu à presente arbitragem, tendo presente o regime legal aplicável, foi de EUR 204.471,27, montante que não foi objeto de impugnação por parte da requerida e que, de resto, corresponde ao valor decorrente do referido preceito legal, na medida em que, por intermédio da Liquidação Impugnada, a AT procedeu simultaneamente à liquidação adicional de imposto a pagar e à redução do crédito fiscal reportável aos períodos tributários subsequentes.
Fixa-se assim à presente arbitragem o valor de EUR 204.417,27.
***
Fixado que está o valor da causa e uma vez que o requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Coletivo de competência funcional [art. 5.º, n.º 3, al. a) do RJAT]. É também competente em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 4.º, n.º 1, in fine, do RJAT e art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2011).
Há também que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.
***
Devidamente saneados os presentes autos, resulta assim que a única questão de que importa nestes conhecer é então:
— ilegalidade da Liquidação Impugnada em resultado de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito.
— III—
(fundamentação de facto)
FACTOS PROVADOS:
Com relevância para o conhecimento da questão decidenda nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
-
A requerente é uma sociedade comercial que opera na indústria transformadora de madeiras, comércio de embalagens e paletes e sistemas de embalagem e paletização, sob o CAE principal 16240 – fabricação de embalagens de madeira [doc. n.º 2 junto com o p.p.a.].
-
A requerente encontra-se certificada pelo IAPMEI como sendo uma média empresa [doc. n.º 3 junto com o p.p.a.].
-
Por forma a desenvolver a sua atividade a requerente investiu, em 2019, na aquisição de uma nova linha de montagem automatizada para pregagem de paletes por EUR 800.000,00, a que acresceu o custo do transporte e seguro no montante de EUR 12.705,00 e a aquisição de componentes elétricos para instalação por EUR 4.355,06, perfazendo, assim, um investimento total de EUR 817.885,06 [doc. n.º 4 junto com o p.p.a.].
-
Em 10-09-2019 a requerente celebrou contrato de trabalho a termo certo com B... [doc. n.º 9 junto com o p.p.a.].
-
Em 03.07.2020 a requerente submeteu eletronicamente a declaração Modelo 22 referente ao IRC relativo ao exercício de 2019, na qual apurou uma coleta total de IRC de EUR 248.965,22 (cfr. campo 378 do Quadro 10) a que deduziu a título de RFAI o montante de EUR 124.482,61 (campo 355 do Quadro 10), resultando da mesma, após consideração dos pagamentos por conta (campo 360), derrama municipal (campo 364) e tributações autónomas (campo 365), um montante total de imposto a recuperar no valor de EUR 64.175,13 e transitando para os períodos ficais sucessivos um crédito fiscal referente a RFAI no valor de EUR 79.998,66 [doc. n.º 5 junto com p.p.a.]
-
Na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2023..., a requerida instaurou, no confronto da requerente, uma ação inspetiva externa referente ao IRC de 2019, que teve o seu início em 28-06-2023 e a sua conclusão a 13-11-2023 [fls. 5 e 187 do PA].
-
Em 14-11-2023 a inspetora tributária C... elaborou o relatório definitivo relativo à ação inspetiva referida em G., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual resulta inter alia [fls. 209-211 do PA]:
[…]
-
Sobre o relatório referido em G. recaiu, em data não concretamente apurada, o despacho de concordância do Chefe de Divisão do teor seguinte:
-
Em 22-11-2023 a AT proferiu a Liquidação Impugnada (Liquidação de IRC n.º 2023-...) da qual resultava um montante total de IRC a pagar de EUR 76.495,77 com base na seguinte fundamentação [fls. 289 do PA]:
-
Depois de efetuada a compensação do ato de liquidação referido em I. com o precedente ato de autoliquidação para o mesmo imposto e período tributário, a AT emitiu a Nota de Cobrança n.º 2023-... da qual resultava, para a requerente, um saldo devedor total de EUR 140.670,90 [fls. 288 do PA].
-
Em 27-11-2023 a requerente colocou a pagamento a nota de cobrança referida em J. através do sistema de pagamentos por referência bancária [fls. 294 do PA].
-
Mediante requerimento expedido sob registo postal em 07-03-2024, a requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação referido em I. [fls. 279-295 do PA].
-
Por despacho de 08-05-2024 do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viseu, exarado sobre uma informação dos serviços datada de 06-05-2024, foi indeferida a reclamação graciosa referida em L. [fls. 312-322 do PA].
-
O despacho referido em M. foi notificado à requerente, através do sistema ViaCTT, mediante comunicação depositada na caixa postal eletrónica do destinatário em 10-05-2024 [fls. 323 do PA].
-
Em 02-09-2024 foi apresentado o pedido que deu origem ao presente processo.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Da factualidade alegada, ou daquela que cumprisse ao Tribunal conhecer oficiosamente, inexistem quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa, segundo as diversas soluções plausíveis da questão de direito, que devam considerar-se como não provados.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Os factos dados como provados nos diversos pontos o probatório resultam demonstrados pela prova documental junta pela requerente e aquela constante do Processo Administrativo instrutor (identificado como “PA”) junto pela requerida. Em qualquer dos casos, o suporte documental que concretamente serviu de motivação ao juízo probatório relativo a cada um dos referidos factos consta das correspondentes folhas ou documentos mencionados especificadamente em cada um dos pontos do probatório.
— IV—
(fundamentação de direito)
DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO,
Conforme resulta do saneamento dos autos, a única questão decidenda nesta arbitragem é a da ilegalidade da Liquidação Impugnada em consequência de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito.
Com efeito, para a requerida, conforme resulta do relatório definitivo da ação inspetiva para cuja motivação se remete na fundamentação da Liquidação Impugnada e cujo teor foi integralmente dado por reproduzido no ponto G. do probatório, a AT rejeitou o crédito fiscal associado ao RFAI apurado pela requerente na sua autoliquidação de IRC com base em dois grandes argumentos: por um lado, a interpretação do requisito previsto no art. 22.º, n.º 4, al. f), do CFI segundo o qual a aplicação do benefício fiscal ora em causa exige que resulte do investimento realizado a criação líquida de postos de trabalho face ao quadro de pessoal histórico do sujeito passivo; por outro lado, a afirmação, como pressuposto factual da decisão tomada, de que o investimento concretamente realizado pela requerente não teria dado causa à criação de qualquer posto de trabalho.
Contra esta decisão insurge-se a requerente invocando que a interpretação sufragada pela AT não é correta e vem ao arrepio daquela que considera ser a jurisprudência dominante. Quanto ao mais, invoca que o investimento que realizou gerou diversos postos de trabalho, que identificou quer no procedimento inspetivo sub judice, quer na presente arbitragem.
Vêm, assim, assacados à Liquidação Impugnada dois vícios potencialmente geradores da sua invalidade: um vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito e outro decorrente de erro nos pressupostos de facto.
Importa, então, conhecer de cada um deles.
Quanto ao erro nos pressupostos de direito adere-se aquela que é, com efeito, a jurisprudência dominante, senão mesmo unânime, nesta jurisdição arbitral. Como se decidiu na Decisão CAAD 29-01-2025 (P.º 696/2024-T), “[o] requisito de manutenção de postos de trabalho, previsto no artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do Código Fiscal do Investimento, apenas se refere aos postos de trabalho diretamente criados pelo investimento relevante, não ao número total de trabalhadores da empresa.”
Também na Decisão CAAD 11-20-2024 (P.º 652/2024-T) se sumariou que “[n]ão é condição de acesso ao benefício fiscal RFAI a exigência de uma situação de ‘criação líquida de emprego’ pelo sujeito passivo investidor”, porquanto “o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção” (Decisão CAAD 09-03-2020, P.º 307/2019-T).
Ou ainda como se sumariou na Decisão CAAD 17-05-2023 (P.º 149/2022-T): “Para acederem aos benefícios fiscais associados ao RFAI, aos sujeitos passivos cumpre provar que criaram postos de trabalho na sequência e em conexão com um investimento elegível para efeitos do RFAI [...] Neste âmbito, a ‘criação de postos de trabalho’ refere-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, o sujeito passivo ter verificado um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.”
Entendimento jurisprudencial que, de resto, tem vindo a ser sucessivamente reiterado em vários outros arestos da jurisdição arbitral tributária, designadamente, e sem grandes preocupações de exaustividade, na Decisão CAAD 22-01-2025 (P.º 897/2024-T), Decisão CAAD 19-11-2024 (P.º 860/2024-T) e Decisão CAAD 25-11-2024 (P.º 802/2024-T).
Como se deixou dito na cit. Decisão CAAD 22-01-2025 (realce no original):
Na verdade, na alínea f) do n.º 4 do artigo 21.º do CFI não se faz referência a aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento, mas apenas a «criação de postos de trabalho» e sua manutenção, o que constitui um elemento interpretativo de acentuada relevância no âmbito de benefícios fiscais, pois, como é jurisprudência pacífica, as normas sobre benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus termos, sem ampliações ou restrições, com primazia do elemento literal, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas, sem prejuízo da aplicação da regras gerais de interpretação e princípios jurídicos, designadamente em situações em que a redacção das normas seja imprecisa..
Isto é, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos restritivos do campo de aplicação do benefício fiscal para que não há qualquer suporte textual, designadamente o de ser condição do RFAI a criação líquida de postos de trabalho.
Por outro lado, se é certo que o n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, refere que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período», também o é que ele é apenas aplicável «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados», como nele se refere expressamente, o que não sucede no caso, pois está-se perante benefício fiscal em que os custos elegíveis se baseiam em investimento em activos fixos tangíveis e intangíveis (artigo 21.º, n.º 2, do CFI) e não nos custos salariais.
Na verdade, aquele artigo 14.º do RGIC prevê, no seu n.º 4, como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos» [alínea a)], e «custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos» [alínea b)],ou «uma combinação» desses custos [alínea c)] e o seu n.º 9, em que se alude ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» só se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Esta expressa referência no n.º 9 do artigo 14.º do RGIC à alínea b) do n.º 4, e não também à sua alínea a) ou à sua alínea c), constitui uma manifestação de vontade legislativa expressiva de que aquele aumento líquido do número de trabalhadores apenas é exigido nos casos de auxílios calculados com base em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
[…]
Assim, é errado o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira ao transpor para este benefício fiscal enquadrável na alínea a) do n.º 4 do artigo 14.º do RGIC, (como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos») o regime previsto no seu n.º 9 quanto ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» que só se se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».
Portanto: o art. 22.º, n.º 4, al. f), do CFI deve ser interpretado no sentido de que apenas se refere aos postos de trabalho diretamente criados pelo investimento relevante, não estabelecendo qualquer requisito de ‘criação líquida de emprego’ como condição para usufruir do correspondente benefício fiscal. Ora, tendo a AT erigido como causa do seu agir administrativo uma interpretação do preceituado no art. 22.º, n.º 4, al. f), do CFI que, como se demonstrou, é errónea e carece de adequado suporte hermenêutico, não há como deixar de concluir pela verificação do assacado vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito.
*
Finalmente, adiante-se seguidamente que procede igualmente o vício decorrente de erro nos pressupostos de facto.
Com efeito, na fundamentação da Liquidação Impugnada (apurada, como se viu, por remissão para o teor do relatório definitivo da ação inspetiva) a AT concluiu que “conforme resulta dos factos verificados e de toda a análise descrita em pontos anteriores, a [requerente] não comprovou os postos de trabalho criados estritamente em razão do investimento relevante para efeitos de RFAI nem comprovou a contratação de qualquer trabalhador para operar com o equipamento.”
Já nesta instância arbitral a requerida reincidiu na argumentação de que seria sobre requerente que incumbiria a prova da demonstração do requisito de criação e manutenção de postos de trabalho, enquanto condição necessária para usufruir do benefício fiscal resultante do RFAI, pelo que “[seria] necessário que a [r]equerente apresentasse prova positiva e concludente para a averiguação dos referidos pressupostos.” Mais acrescentou que o contrato de trabalho referido em D. do probatório não seria suficiente para satisfazer esse ónus na medida em que, por um lado, tal contrato se referiria a um operário indiferenciado sugerindo “que o trabalhador foi contratado para desempenhar tarefas diversas, sem especificar claramente o vinculo entre a contratação e a função precisa para o novo projeto” e, por outro lado, “pese embora este trabalhador tenha vindo a operar na mencionada máquina, a contração não foi diretamente determinada pelo investimento” já que “[a]quando da contratação, a implementação da nova linha de montagem ainda não se encontrava na empresa”, concluindo por fim que “é importante ressaltar que não foram apresentadas outras provas além do contrato de trabalho que possam refutar a linha de raciocino aqui exposta.”
Ora, da matéria de facto dada como provada resulta que a requerida realizou o investimento relevante para efeitos de RFAI no exercício de 2019 (facto C. do probatório) e que, nesse mesmo exercício, procedeu à contratação de um novo trabalhador (facto D. do probatório). Está ainda provado que na declaração Modelo 22 relativa ao ano de 2019, que tempestivamente apresentou em 03-07-2020[1], a requerente declarou preencher todos os requisitos para usufruir do benefício fiscal associado ao RFAI e, ao proceder à autoliquidação do IRC por si devido, aplicou um crédito fiscal decorrente desse mesmo benefício fiscal (facto E. do probatório).
Ora, é inquestionável que, como muito bem se salientou na Decisão CAAD 17-05-2023 (P.º 149/2022-T), de acordo com o disposto no art. 74.º, n.º 1, da LGT é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a usufruir de um determinado benefício fiscal. Porém, essa regra de direito probatório material tem de ser concatenada com a presunção probatória prevista no n.º 1 do art. 75.º do mesmo diploma: a presunção de veracidade das declarações fiscais apresentadas pelos contribuintes nos termos previstos na lei. Ora, como resulta do art. 350.º, n.º 1, do CC, “[q]uem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz,” sem prejuízo da ilisão da presunção mediante demonstração e prova de facto contrário àquele presumido (n.º 2).
Por conseguinte, resultando da declaração Modelo 22 tempestivamente apresentada pela requerente que esta declarou satisfazer todos os requisitos exigíveis para usufruir do benefício fiscal resultante do RFAI, tal declaração presume-se verdadeira e, desse modo, foi satisfeito o ónus previsto no art. 74.º, n.º 1, da LGT. Em tal caso é, assim, à AT que cabe a demonstração da falta de verificação de qualquer um dos requisitos necessários à fruição do mencionado benefício fiscal, o que ela sempre poderia fazer através da realização de qualquer meio de prova admitido em direito (art. 72.º da LGT), designadamente, e a título de mera enunciação exemplificativa, tomando declarações ao próprio trabalhador para apurar em concreto quais as exatas funções por si desempenhadas na estrutura empresarial da requerente ou realizando inspeção ocular nas instalações desta de modo a verificar a atividade por ele efetivamente prosseguida (art. 50.º do CPPT; art. 29.º, n.º 1, do RCPITA). O que se afigura como de rejeitar é que, na ação inspetiva, a AT tivesse pretendido operar, na prática, a inversão do ónus da prova, exigindo do sujeito passivo a demonstração de factos de que não lhe incumbia fazer a demonstração e, do mesmo passo, exonerando-se assim, ela própria, de demonstrar os factos que lhe incumbia provar.
Ao que fica dito não se contraponha, como faz a requerida no seu articulado de resposta, que a circunstância da contratação do trabalhador em causa ter antecedido em algumas semanas a realização do investimento inviabilizaria o estabelecimento de um nexo de causalidade entre aquela e esta operação pois, como alega a requerente e é, de resto, conforme às regras da experiência e às boas práticas da gestão empresarial, a contratação de um trabalhador para operar um novo equipamento normalmente antecede a aquisição e instalação desse equipamento por forma a permitir, precisamente, a realização da necessária formação dentro de timings que consintam que, logo aquando da sua chegada, o novo equipamento possa prontamente começar a ser utilizado.
Por conseguinte, não há como não concluir que a requerida não logrou demonstrar, seja na ação inspetiva sub judice seja no decurso da presente arbitragem, que a contratação do referido B... (facto D. do probatório) não foi causalmente motivada pelo investimento realizado. Dito de outro modo: nesta arbitragem não ficou probatoriamente demonstrado o pressuposto factual que a requerida erigiu como causa do seu agir administrativo, pelo que procede igualmente o vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de facto assacado à Liquidação Impugnada.
*
Isto visto, é jurisprudência bem consolidada dos tribunais da jurisdição fiscal que a fundamentação a posteriori é absolutamente irrelevante no que concerne à apreciação da legalidade dos atos tributários. Como se decidiu no Ac. STA 28-10-2020 (Proc.º 2887/13.8BEPRT, in www.dgsi.pt), “[n]o contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” Por conseguinte, na apreciação da validade de atos tributários os tribunais têm de conter-se na formulação de um juízo acerca da legalidade do ato impugnado exclusivamente em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, sendo-lhes defeso valorar razões de facto ou de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam invocados a posteriori pela administração tributária, quer estas pudessem ser identificadas pelo próprio tribunal à luz da prova produzida em juízo. Por conseguinte, neste passo a apreciação deste Tribunal Arbitral terá de incidir apenas sobre a pretensão de invalidação do ato de liquidação sub judice e cingir-se à apreciação do quadro contextual da fundamentação e do conteúdo decisório do ato impugnado, mas já não ao reexame de toda a relação material controvertida nem à descoberta de outras motivações alternativas que pudessem fundamentar a decisão de exação proferida pela AT, com o mesmo ou diferente conteúdo.
Nestes termos, na procedência de ambos os vícios assacados à Liquidação Impugnada, há assim que determinar a respetiva anulação, como se decidirá a final.
***
Julgada ilegal e anulada a Liquidações Impugnada a título principal, ter-se-á de anular também o ato de liquidação de juros compensatórios impugnado a título acessório na presente arbitragem, na medida em que tal ato tem como pressuposto necessário o retardamento na liquidação de tributos, (art. 35.º, n.º 1, da LGT) ou seja, apenas é possível liquidar juros daquela natureza na sequência de, e com base em, prolação de atos de liquidação da dívida de imposto principal válidos e legais.
DOS PEDIDOS ACESSÓRIOS,
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, caracterizado por pronúncias constitutivas (arts. 99.º e 124.º do CPPT), nele podem ainda extrair-se efeitos condenatórios no confronto da administração tributária, como resulta patente do facto de nesse meio processual poder haver lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Acresce que de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão,” preceitos legais aplicáveis à arbitragem tributária por força da expressa remissão, a título de direito subsidiário, do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c), do RJAT.
Por outro lado, face ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, fica a administração tributária requerida vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”
Donde, nada obsta a que também no processo arbitral tributário possa haver lugar à condenação da administração tributária requerida na restituição aos requerentes das quantias por eles pagas em consequência de atos tributários que venham, nessa sede arbitral, a ser anulados ou declarados nulos. De resto, tal constitui uma prática jurisdicional difusa nos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD.
Pelo que, estando provado que a requerente procedeu ao pagamento da obrigação tributária liquidada pela Liquidação Impugnada (facto K. do probatório), na procedência da impugnação deste ato tributário, terá também de proceder a pretensão de condenação da AT a restituir à requerente a quantia de imposto por ela indevidamente paga ao abrigo do ato de liquidação que, a final, se irá anular.
***
Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão da qual não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários estaduais, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando todos os atos e operações necessários para o efeito, norma esta que não pode ser desligada do que se dispõe no art. 100.º da LGT, nos termos do qual a plena reconstituição da situação atual hipotética compreende “o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” Especificamente no que concerne à obrigação de juros indemnizatórios dispõe-se no art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” De realçar que o erro que se exige nesta norma não corresponde a um erro psicológico ou volitivo e a sua verificação tão-pouco reclama um juízo de culpa por banda da administração ou dos seus agentes: o erro de que se cuida neste preceito legal é o erro material ou objetivo que integra o vício de violação de lei, entendido como a desconformidade entre os pressupostos factuais invocados como motivação ou causa do ato concreto, ou a sua inexistência, e a previsão normativa em que se fundou o agir administrativo (erro nos pressupostos de facto) ou a divergência entre o conteúdo ou o objeto do ato e o bloco de juridicidade que lhe é aplicável (erro nos pressupostos de direito).
Dúvidas não podem existir de que a pretensão relativa a juros indemnizatórios tem também cabimento no meio processual arbitral. Na realidade, dispõe-se no art. 24.º, n.º 5, do RJAT que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Tal normativo, conjugado com a circunstância de o processo arbitral ser uma alternativa à impugnação judicial, deve ser entendido como permitindo a condenação da administração fiscal no pagamento de juros indemnizatórios no quadro do processo arbitral tributário.
Aplicando este enquadramento jurídico ao caso sub judice, e tendo ficado provado que a requerente procedeu ao pagamento da obrigação tributária correspondente ao ato de liquidação anulado nos presentes autos (facto K. do probatório) e que este, por seu turno, está ferido de vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito e de facto — circunstância que permite imputar a ilegalidade de que a liquidação padece diretamente à conduta da requerida, por se tratar de ato proferido pelos seus órgãos —, tanto basta para que se possa concluir também pelo preenchimento dos pressupostos do direito à perceção de juros indemnizatórios.
Tem assim também de proceder o pedido acessório de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS,
Vencida na presente arbitragem, é a requerida responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.
Assim, tendo em conta o valor de EUR 204.471,27 atribuído ao presente processo arbitral em sede de saneamento, por aplicação da l. 12 da Tabela I anexa ao mencionado Regulamento, há que fixar a taxa de arbitragem deste processo em EUR 4.284,00, em cujo pagamento se condenará a final a requerida.
— V—
(dispositivo)
Assim, pelos fundamentos expostos, acordam os árbitros que compõem o presente Tribunal Arbitral em julgar a presente arbitragem procedente e, consequentemente:
-
Declarar ilegal e anular a Liquidação de IRC n.º 2023-..., bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios;
-
Condenar a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à requerente as quantias por ela indevidamente pagas ao abrigo e por causa dos atos de liquidação anulados nos termos da alínea antecedente; e
-
Condenar a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo, fixando o valor total da taxa de arbitragem em EUR 4.284,00.
Notifiquem-se as partes.
Registe-se e deposite-se.
CAAD, 2 de maio de 2025.
O Tribunal Arbitral Colegial,
Fernando Araújo
(Presidente)
Fernando dos Santos Cardoso
Gustavo Gramaxo Rozeira
(Relator)
[1] De realçar que, por força do Despacho n.º 104/2020-XXII do SEAF, o termo do prazo para a apresentação da referida declaração relativa ao ano de 2019 tinha sido prorrogado até 31-07-2020.