Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1018/2024-T
Data da decisão: 2025-05-09  Selo  
Valor do pedido: € 44.127,56
Tema: Imposto do Selo - Artigo 4.º, n.º 1 do Código (IS); Territorialidade; Cash pooling.
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SUMÁRIO:

  1. A sujeição a imposto do selo do crédito utilizado encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade. Quando esteja em causa a concessão de crédito no quadro de uma relação de Cash Pooling, apenas será tributada a utilização de fundos consumada em território nacional,
  2. Por “utilização” do crédito deve entender-se a transferência (e receção) dos fundos para a esfera da entidade mutuária, daqui resultando uma disponibilidade financeira para utilização, o que ocorre quando se materializa uma manifestação de riqueza na esfera do beneficiário.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 13 de novembro de 2024, decide no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

A..., LDA., pessoa coletiva com o número..., e sede na Rua ..., n.º ..., ...-..., em ... (doravante “Requerente”), vem, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), com vista à pronúncia deste Tribunal sobre os atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo (doravante "IS"), referentes à Verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS ("Operações Financeiras"), respeitante ao período de janeiro a maio de 2022, num total de € 44.127,56 (quarenta e quatro mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), identificados com os n.ºs: ..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.501,21 (quatro mil, quinhentos e um euros e vinte e um cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.409,26 (quatro mil, quatrocentos e nove euros e vinte e seis cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 17.786,37 (dezassete mil, setecentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 9.724,39 (nove mil, setecentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos), 124643, do qual resultou um valor a pagar de € 7.706,33 (sete mil, setecentos e seis euros e trinta e três cêntimos), relativamente aos quais foi apresentada reclamação graciosa (procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024...), a qual foi objeto de decisão de indeferimento.

  1. Do Pedido

A Requerente concretiza a final o seu pedido: Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser admitido e julgado procedente, e, consequentemente: a. anulados os atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo, identificados com os n.os..., ..., ..., ... e  ..., referentes ao período de tributação de janeiro a maio de 2022, no valor total de' € 44.127,56 (quarenta e quatro mil, cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos) , da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, "AT"); b. anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024...);e c. condenada a AT no pagamento de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.»

  1. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 04.09.2024 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a Árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 23.10.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 13.11.2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio

Por despacho arbitral de 13.11.2024, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada em 14.11.2024 para apresentar a sua Resposta.

A 18.12.2024 a AT juntou aos autos o respetivo processo administrativo e apresentou a sua Resposta, em defesa da legalidade dos atos impugnados, concluindo pela improcedência do pedido arbitral.

Por despacho de 06.01.2025 proferido pelo presente Tribunal Arbitral, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, determinando-se o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, apresentarem alegações finais escritas, formulando expressamente as respetivas conclusões.

Foram apresentadas alegações pelas Partes: em 24.01.2025 a Requerida e a Requerente em 27.01.2025, tendo sido junto aos autos o Documento 1 (correspondente ao extrato da conta bancária relativa ao Cash Pooling, no qual se encontram plasmados os movimentos financeiros efetuados entre a Requerente e a B..., sediada em França).

Em 13.03.2025 a AT requereu ao Tribunal a junção aos autos da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 1032/2024-T, sobre o qual a Requerente apresentou em 26.03.2025 a respetiva exposição.

  1. POSIÇÃO DAS PARTES

II.1. PEDIDO DA REQUERENTE

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de IS, o seguinte:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. 29320 - R3).
  2. À data dos factos, a Requerente era detida pela B... S.A., sedeada em França (99,99%); e pela C..., S.A., também sedeada em França (0,01%).
  3. São aqui controvertidas operações financeiras celebradas entre entidades do Grupo D..., no âmbito do contrato de cash pooling do Grupo.
  4. O contrato inicial foi celebrado em 23.02.2000, ("Convention d'Omnium" entre a sociedade C... e as entidades aderentes do grupo), o qual seria otimizado através de um acordo de celebrado com a instituição financeira E... S.A., (serviço de centralização da gestão de tesouraria do Grupo que procurava nivelar os saldos das diferentes contas), ao qual a Requerente aderiu em 20.07.2010.
  5. Em 30.12.2010, a Requerente, a C... e a B... celebram um contrato de cessão de posição contratual/cedência de crédito, nos termos do qual a Requerente e a B... concluíram, em 01.01.2011, um contrato de crédito, no qual a Requerente concede um empréstimo à B... na modalidade de crédito rotativo de um ano, no montante máximo de € 65.000.000,00, e o pagamento de juros, à taxa média da Euribor a 1 mês, arredondada para 1/16 de 1% adicionada de uma margem de 0,5% ao ano, calculados no fim de cada mês com base na utilização mensal de crédito. A C... transferiu para a B... os direitos e obrigações resultantes da "Convention d'Omnium".
  6. O contrato foi objeto de várias alterações posteriores. De forma a concretizar a adesão da Requerente ao contrato de cash pooling do Grupo, foi ainda necessário introduzir alterações ao "E...  Cash Centralisation Agreement".
  7. No âmbito da execução dos diferentes contratos enunciados, os excedentes de tesouraria gerados pelas diferentes entidades do Grupo D... eram transferidos para a conta da Requerente, a qual, por sua vez, os transferia para a B..., a qual recebia e utilizava os mesmos em França.
  8. Nesse âmbito, a Requerente foi objeto de quatro ações inspetivas de âmbito geral, desencadeada pelas Ordens de Serviço N.º 012016..., de 18.04.2016, N.º 012017..., de 11.09.2017, N.º 012018..., de 02.03.2018, e N.º 012019..., de 31.01.2019, que incidiram sobre os exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017, e as quais originaram correções em sede de IS.
  9. Não podendo a Requerente, concordar com as correções efetuadas pela AT acima referidas, e, não obstante ter pago, dentro do prazo concedido para o efeito, o imposto e os juros apurados, contestou os referidos atos tributários, com fundamento na sua ilegalidade.
  10. De modo a evitar futuras ações inspetivas, a Requerente procedeu às autoliquidações de IS ora em apreço, referentes aos períodos de janeiro a maio de 2022, relativas às operações financeiras acima identificadas.
  11. Em 19.02.2024, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa necessária, nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tendo sido notificada, em 16.04.2024, do respetivo projeto de indeferimento.
  12. Tendo exposto os argumentos utilizados pela AT, alega a Requerente que, nas operações de crédito, a obrigação tributária (i.e., o facto tributário) só nasce quando elas são realizadas. E elas só são realizadas quando o crédito é utilizado, não quando o contrato é assinado. é a utilização do crédito, e não a sua contratualização, que relevam enquanto facto tributário no Código do IS, pois é nessa utilização, e não na contratualização da operação que a possibilita, que se encontra uma possível manifestação de capacidade contributiva.
  13. Atendendo a este facto, importa, desde logo, aferir onde se devem considerar localizadas as operações. Estabelece a lei a incidência do IS "sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional", pelo que importa apurar o que se entende por factos ocorridos em território nacional. Entende que a Requerente que a utilização de fundos ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital mutuado, i.e., no local em que a obrigação do mutuante de entregar o capital ao mutuário é cumprida.
  14. Exceto quando as partes convencionem em sentido contrário, o crédito é utilizado no domicílio do mutuário, pois é ele que é credor do direito a receber os fundos mutuados - e é ele quem beneficia do acréscimo de liquidez relevante que permite "sustentar" o ímpeto tributário do Estado em sede de IS. É, pois, necessário que a utilização de fundos se verifique em território nacional, isto é, que a receção do capital se realize numa conta bancária, ou noutro local convencionado pelas partes. em território português, para que se possa considerar que o facto tributário ocorreu em território nacional.
  15. Sendo este critério muito formal e rígido, tornar-se-ia fácil contorná-lo, bastando para tal assegurar que a utilização de fundos ocorresse sempre fora do território nacional. Daí que as regras de incidência do Código do IS, como de resto se verifica nos impostos sobre o rendimento, sejam completadas por regras de extensão da territorialidade. Compreendendo-se assim o sentido da alteração da alínea b), do n.º 2, do artigo 4.º do Código do IS, efetuada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2002), incluindo a situação mais comum em que o facto tributário é a utilização de crédito ocorrida em território nacional. A Requerente conclui que, não se nega que a lei permite a tributação da utilização de crédito por entidades não residentes em território nacional desde que ocorrida em território nacional. Mas já se nega que permita a tributação da utilização de crédito por entidades não residentes, quando essa utilização ocorra fora do território nacional.
  16. Afasta assim a interpretação no sentido de que se encontra sujeita a IS qualquer operação de crédito em que uma das partes seja entidade domiciliada em território português, independentemente da sua posição de mutuante ou mutuário. Em suma, não tendo a utilização do crédito ocorrido em Portugal, não se pode considerar que a operação de crédito se encontra sujeita a IS.
  17. É convicção da Requerente que as operações aqui em causa não estão abrangidas pelas normas de incidência do artigo 4.º do Código do IS, porquanto o único elemento de conexão que apresenta com o território português é a residência do concedente do crédito. Com efeito, o beneficiário do alegado crédito é residente fora de Portugal, a concessão do crédito ocorre fora de Portugal, os fundos mutuados encontram-se fora de Portugal e são utilizados por esse beneficiário igualmente fora de Portugal.
  18. Estamos então perante operações que ocorreram fora do território português - cfr. Decisão Arbitral no processo n.º 61/2019-T em que figurava como parte a aqui Requerente, tendo, naquele processo, sido decidido que sendo "a entidade financiadora (mutuante) (...) a Requerente e a entidade financiada (...) uma entidade com sede em França e gestora dos excedentes de tesouraria das demais empresas do Grupo D..., a B... que, sendo estrangeira, não está obrigada a IS à luz do direito português. Logo, não sujeita a imposto do selo."
  19. Por cautela de patrocínio, a Requerente alega ainda que, haveria sempre que concluir que estas duas operações de crédito estariam isentas de tributação, atento o disposto nas alíneas g) e h), do n.º 1, do artigo 7.º, do Código do IS, o n.º 2, do artigo 7.º, do Código do IS (na redação à data dos factos), o qual estabelecia que "O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional".
  20. Ou seja, o n.º 2 do artigo 7.º do Código do IS, na redação supra citada, previa a exclusão da isenção de imposto do selo nos financiamentos intragrupo, nos casos em que o mutuário (devedor) fosse residente na União Europeia e o mutuante (credor) residente em Portugal, o que considera inadmissível, por ser manifestamente restritivo da liberdade de circulação de capitais, assim como discriminatório.
  21. Conclui que estamos perante uma restrição da liberdade de circulação de capitais e uma discriminação arbitrária entre residentes e não residentes, não se encontrando qualquer razão de interesse público que possa justificar tal tratamento discriminatório, sendo assim ilegal pela sua incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE. Tal entendimento levaria à alteração imposta pela Lei n.º 12/2022 de 27 de junho, ajustando a redação da norma (em vigor à data dos factos), por forma a torná-la compatível com o Direito Europeu.
  22. Tendo sido suscitado pela AT que o benefício fiscal apenas pode ser concedido, se tais fundos não tiverem sido previamente obtidos pela entidade centralizadora, por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras, ou vice-versa, o que compete provar à Reclamante, nos termos do artigo 74.º da LGT, acrescenta a AT que apenas as transferências diárias de excedentes de liquidez apurados pelas empresas participantes do contrato poderão aproveitar da isenção.
  23. Entende a Requerente que, encontrando-se na posição de credora e sediada em Portugal, não lhe é exigível que demonstre se as operações em análise têm ou não por base, excedentes de liquidez do grupo. Neste sentido pronunciou-se, igualmente, o CAAD, na decisão proferida no âmbito do processo n.º 504/2023-T (no qual a A... era, igualmente, Requerente),
  24. A Requerente não se socorreu de financiamento externo para, posteriormente, remeter esses montantes para o mutuário (in casu, B...). Os valores remetidos resultam antes de excedentes do grupo. O E... atua apenas como instituição financeira na qual está sedeada a conta agregadora dos saldos, não tendo esta instituição qualquer intervenção em matéria de definição e/ou canalização dos fluxos, pelo que não se compreende a alusão feita pela AT a esta instituição em particular.
  25. A Requerente esclarece que os financiamentos concedidos pelo IAPMEI e pelo Banco Santander não relevam para o caso: o IPAMEI não possui a natureza de entidade financeira, tendo incentivo que se destina a ser utilizado na execução de um projeto de investimento devidamente aprovado por esta entidade; No que se refere ao financiamento obtido junto do Banco Santander, o mesmo foi obtido ao abrigo da Linha de Apoio à Economia Covid-19 - Empresas Exportadoras da Indústria e Turismo. Este financiamento é absolutamente excecional - tanto assim é que é gerido pelo Banco de Fomento - em nada se confunde com os excedentes remetidos ao abrigo do contrato de cashpooling, o qual tem uma natureza e funcionamento totalmente distintos.
  26. Salienta ainda que (a Requerente) centraliza os saldos (positivos ou negativos) das entidades sedeadas em Portugal: F... Lda.; G... Unipessoal Lda.; H... Lda.; e I... Unipessoal Lda. Neste sentido, alega, fundamentando, que nenhuma das referidas entidades recorreu a financiamento bancário para, por sua vez, remeter esses valores para a Requerente no âmbito do cashpooling.
  27. Socorre-se ainda das decisões já proferidas por tribunais a funcionar no CAAD, nas quais figurou como autora a aqui Requerente: Processo n.º 61/2019-T (exercício de 2018 (janeiro e fevereiro); Processo n.º 277/2020-T (exercício de 2018 (março a dezembro) foi, entretanto, consagrada pelo legislador português, na atual redação do artigo 7.º, n.º 2 do CIS, introduzida pela Lei n.º 12/2022, de 27 de janeiro); Processo n.º 279/2020-T , no qual, sem compreender, obteve uma decisão contrária à anterior. Tendo sido apresentado respetivo recurso por oposição de decisões arbitrais para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), este Tribunal decidiu submeter à apreciação do TJUE a questão prejudicial acima enunciada; e (ii) suspender a instância de recurso em 20 de junho de 2024, veio o TJUE proferir o Acórdão enunciado supra, no âmbito do processo n.º e- 420/23, nos termos do qual acolheu o entendimento que tem vindo a ser reiterado pela ora Requerente.
  28. Não obstante o reenvio prejudicial da questão para o TJUE e a suspensão da instância de recurso, decididos no âmbito do aludido Acórdão, cumpre salientar que foi entretanto revisto o normativo legal em questão (conforme supra referido), através da alteração introduzida pela Lei n.º 12/2022, de 27 de dezembro, aprovou o Orçamento de Estado para 2022, a qual veio pôr cobro ao tratamento fiscal discriminatório dos devedores residentes na União Europeia e à restrição injustificada da liberdade de movimentos de capitais, passando a isentar de imposto do selo todos os financiamentos intragrupo de curto prazo, com exceção daquelas situações em que um dos intervenientes seja residente num país terceiro e/ou num Estado em relação ao qual não vigore uma convenção para evitar a dupla tributação acordada com Portugal.
  29. Socorre-se das decisões já proferidas por tribunais a funcionar no CAAD, nas quais figurou como autora a aqui Requerente: Processo n.º 57/2021-T (exercício de 2015); Processo n.º 280/2020-T (exercício de 2019), tendo sido aqui apresentada fundamentação distinta, entendendo que, no caso, não é necessário, sequer, aplicar as normas relativas à isenção, dado que não a situação sub iudice cairá fora do âmbito da territorialidade do imposto em causa. Concluindo que, "No caso, e como resulta provado, o crédito concedido pela Requerente e sujeito a IS foi encaminhado para uma conta bancária, e utilizado, em França, pelo que tal utilização não cai no âmbito territorial do imposto em causa, tal como resulta do art.º 4.º, n.º 1, do CIS. Face ao exposto, deverá proceder integralmente o pedido arbitral, anulando-se os actos tributários objecto da presente acção arbitral, e ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pelas partes".
  30. Pede ainda o reconhecimento do direito a receber juros indemnizatórios, por considerar mostrar-se verificado o preenchimento dos pressupostos necessários ao efeito: erro imputável aos serviços no apuramento do imposto devido; que do referido erro resulte o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido; e que o erro dos serviços, seja analisado em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

II.2. RESPOSTA DA REQUERIDA

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte.

  1. Considera que não assiste qualquer razão à Requerente, pugnando pela manutenção na ordem jurídica das autoliquidações controvertidas, dando como assentes os factos minuciosamente descritos nas informações n.º 132 – ISCPS1/2024 e n.º 176– ISCPS1/2024, informações essas que suportaram o projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada, bem como a decisão final da mesma.
  2. Em concreto, sintetiza que «cabe apreciar se as autoliquidações de Imposto do Selo, resultantes da execução do contrato de cash Pooling, a que a Requerente aderiu:
  1. Não estão sujeitas a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.1.4 da TGIS, porque constituem operações financeiras localizadas fora de Portugal;
  2. Saber se tais operações preenchem os requisitos das isenções do Imposto do Selo previstas nas alíneas g) e e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS;
  3. Que ao interpretar-se o n.º 2 do artigo 7.º do CIS, no sentido de afastar do benefício da isenção a sociedade francesa gestora do cash pooling e beneficiária dos fluxos financeiros transferidos pela Requerente, representa uma violação dos princípios do Direito da União Europeia da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, como se afirma no Acórdão C-420/23 do TJUE.»
  1. Sobre o ponto (i), entende a Requerida que se afigura incontestável que no âmbito da execução do cash pooling denominado “Convention d’Omnium”, houve uma efetiva utilização de crédito pela B..., (sedeada em França), em virtude da sua concessão pela Requerente, que, como tal, tiveram enquadramento no âmbito da incidência objetiva do Imposto do Selo, por força do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.1.4 da TGIS.
    1. Não existem quaisquer dúvidas de que os “empréstimos” em causa foram concedidos em Portugal apesar do destinatário dos mesmos ter residência fora deste território, pelo que, competia à Requerente, enquanto entidade concedente do crédito utilizado e sujeito passivo do imposto, liquidar, cobrar e entregar nos cofres do Estado, o imposto repercutido à sociedade sediada em França, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, da alínea g) do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 9.º, do n.º 1 do artigo 22.º, do n.º 1 do artigo 23.º, dos artigos 41.° e 43.° e do n.º 1 do artigo 44.º, todos do CIS.
    2. Entende assim que não se retira da conjugação das regras de incidência objetiva, previstas na verba 17.1 da TGIS, nem da territorial, previstas no artigo 4.º do CIS, em especial do seu n.º 1, ou até da alínea b) do seu n.º 2, que o legislador tenha alguma vez desejado que os empréstimos concedidos por uma sociedade residente em território nacional em favor de uma sociedade não residente, constituíssem operações financeiras não sujeitas a Imposto do Selo pelo simples facto de esta última ter o seu domicílio fiscal no estrangeiro. Para efeitos de sujeição, não se discrimina nenhuma entidade, uma vez que estas normas de incidência relativas ao Imposto do Selo são aplicadas indistintamente a todas as operações financeiras legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade, território ou tipo societário das entidades nelas envolvidas. Veja-se o Acórdão do STA, proferido em 28.11.2018, no âmbito do processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16, segundo o qual, para efeitos do CIS, o titular do interesse económico, sobre quem recai o encargo do Imposto do Selo, seja o utilizador do crédito, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, o facto tributário é a concessão de crédito, o que decorre do próprio texto daquela alínea ao referir que se considera titular do interesse económico “na concessão do crédito, o utilizador do crédito”, e não “na utilização do crédito, o utilizador do crédito”, como seria adequado se o facto tributário fosse a utilização.
    3. Salienta ainda que a utilização do crédito não pode ser dissociada da sua concessão, nem do local onde o mesmo é concedido, afirmando que o facto tributário a que se referem as verbas que compõem a verba 17.1 da TGIS é constituído pela “utilização de crédito (...) em virtude da concessão de crédito”. Ou seja, o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, sendo esta a operação financeira que é objeto de incidência no âmbito de todas as situações previstas na verba 17 da TGIS.
  2. Sobre o ponto (ii), salienta a Requerida que, estando em discordância com a Requerente, adere sem reservas à decisão proferida no processo CAAD, Processo n.º 279/2020-T.
    1. Referindo-se ao entendimento proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em 20 de junho de 2024, o Acórdão C-420/23, na sequência do pedido de reenvio prejudicial apresentado, por decisão de 24 de maio de 2023, pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo 02/21.3BALSB, cuja Requerente foi a aqui autora, perante uma situação factualmente idêntica à dos presentes autos, alega que, ainda que a mesma seja vinculativa para o intérprete aplicador, conforme decorre do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, há, no entanto, que assinalar que a localização do devedor/mutuário é/era apenas um dos pressupostos cumulativos previstos nas isenções estabelecidas nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, de que depende (ia) o seu reconhecimento. Neste âmbito, argumenta que, em sítio nenhum a Requerente demonstra, como legalmente lhe compete, o seu direito às isenções invocadas, em particular as previstas nas alíneas g) e h).
    2. Afasta, desde, logo a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea i), do Código do IS, dado que empréstimos com caraterísticas de suprimento não configuram situações de cash pooling e quem empresta (a Requerente) não ser a sócia da sociedade Francesa, beneficiária dos mesmos.
    3. Relativamente ao artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do Código do IS, não resulta inequivocamente provado que os empréstimos concedidos pela Requerente tivessem como finalidade e fossem exclusivamente destinados à cobertura de carências de tesouraria da sociedade beneficiária do crédito, isto é, da B..., entidade gestora/mutuária com sede em França. Por seu turno, resulta ainda inequivocamente claro que, a “Convention d’Omnium” não se destina apenas a suprir carências de tesouraria. Também não se encontra preenchido o pressuposto do prazo da operação financeira.
    4. Com respeito ao artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do IS: i) quanto ao prazo da operação financeira, o que se exige é que os capitais sejam emprestados em prazo não superior a 1 ano, independentemente do que figure no contrato (Ou seja, em termos práticos, por cada influxo financeiro terá que existir o correspondente exfluxo, sendo que este deve ser realizado no prazo máximo de um ano), salientando as contínuas renovações sofridas que o “Convention d’Omnium”, sem que tenha sido apresentada prova da sua denúncia por qualquer das partes antes de findo o primeiro ano de contrato (decisão arbitral n.º 581/2021-T e n.º 277/2018-T); ii) uma vez que os pressupostos da isenção são cumulativos, porquanto assim foram configurados pelo legislador, torna-se desnecessário analisar o preenchimento dos restantes pressupostos de que dependeria a aplicabilidade da isenção, nomeadamente os ínsitos no n.º 2 do artigo, interpretado à luz do acórdão C-420/23 do TJUE.
  3. Sobre o ponto (iii), considera que só se estaria perante uma situação suscetível de constituir uma violação da livre circulação de capitais, se o Imposto do Selo devido em Portugal não pudesse ser neutralizado pela sociedade devedora/mutuária Francesa, ao abrigo das leis fiscais do seu país, nomeadamente as que regulam o imposto sobre as sociedades, imposto equivalente ao nosso IRC. No caso concreto, a respetiva prova impendia sobre a Requerente (cf. artigo 74.º, n.º1 da LGT). Não basta assim afirmar de forma abstrata que o n.º 2 do artigo 7.º do CIS constitui uma restrição à livre circulação de capitais, consubstanciada na tributação da entidade devedora/beneficiária do crédito não residente. Neste sentido (ao nível do IRC) vide, entre outros, com as devidas adaptações, o Ac. do STA, de 12-09-2018, processo n.º 0884/17.
  4. Face a todo o exposto, conclui que o Tribunal arbitral deverá decidir no sentido da total improcedência do pedido não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso, nem ao pagamento de juros indemnizatórios. não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

II.3. ALEGAÇÕES FINAIS

  1. As Partes pronunciaram-se no prazo concedido para a apresentação das alegações finais escritas, reiterando os respetivos entendimentos anteriormente expostos.
  2. A Requerente logra ainda provar o fluxo diário dos montantes relativos ao Cash Pooling, evidenciando a transferência diária dos respetivos montantes, anexando documentação interna de natureza contabilística (Documento n.º 1).
  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, n.ºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

Não foram suscitadas exceções, nem se verificam nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

  1. MATÉRIA DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à atividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. 29320 - R3), sendo detida, à data, pela B... S.A., sedeada em França (99,99%); e pela C..., S.A., também sedeada em França (0,01%) - factos não controvertidos.
  2. Em 23.02.2000 foi celebrado o contrato - "Convention d'Omnium" - entre a sociedade C... e as entidades aderentes do grupo – cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 06).
  3. Em 6 de junho de 2009 foi assinado um acordo com a instituição financeira E... S.A. –E... CASH CENTRALISATION AGREEMENT - (serviço de centralização da gestão de tesouraria do Grupo) - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 07), ao qual a Requerente aderiu em 20.07.2010 - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 08).
  4. Em 30.12.2010, a Requerente, a C... e a B... celebram um contrato de cessão de posição contratual/cedência de crédito, referente aos direitos e obrigações resultantes da "Convention d'Omnium" e do contrato de crédito identificado no ponto 5 - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 09).
  5. Em 01.01.2011 a Requerente e a B... assinaram um contrato de crédito, no qual a Requerente concede um empréstimo à B... na modalidade de crédito rotativo de um ano, no montante máximo de € 65.000.000,00, e o pagamento de juros - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 10) – sendo sujeito a alterações:
  1. Assinatura do segundo aditamento ao contrato de crédito assinado em 01.01.2011 entre a Requerente e a B..., celebrado em 01.01.2013, para extensão até 01.01.2015 - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 11).
  2. Em 03.12.2013, assinatura do terceiro aditamento ao contrato de crédito assinado em 01.01.2011 entre a Requerente e a B..., com extensão de vigência em 01.01.2013, aumentando o montante de crédito de 65 M€ para 100 M€ - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 12).
  3. Assinatura do quarto aditamento ao contrato de crédito assinado em 01.01.2011 entre a Requerente e a B..., com extensão de vigência de 01.01.2015 para 01.01.2017 - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 13).
  4. Em 01.10.2014, assinatura do quinto aditamento ao contrato de crédito assinado em 01.01.2011 entre a Requerente e a B..., com extensão de vigência até 01.01.2017 aumentando o montante de crédito de 100 M€ para 200 M€ - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 14).
  1. Assinatura do acordo de adesão da Requerente ao contrato de cash pooling do Grupo assinado com o "E...  Cash Centralisation Agreement" (Appendix 2) - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 15), considerando,
  1. "Appendix 1 - Automated Centralization of Cash Management per hierarchy", celebrado em 23.05.2012 e o "Description of the Hierarchy", no qual é identificada a Master Account no contrato de cash pooling (localizada em França), bem como as lntermediate Accounts, entre elas a da aqui Requerente (localizada em Portugal). - cf. cópia constante do PA-1 (DOCUMENTO 16).
  1. Emissão pela AT das Declarações mensais de Imposto do Selo, referente às operações financeiras controvertidas, e respetivo comprovativo de pagamento pela Requerente:
  1. Identificação da declaração: ..., com a importância a pagar de € 4.501,21 (quatro mil, quinhentos e um euros e vinte e um cêntimos) – cf. cópia se encontra junta aos autos como “DOC.1”e “Docs 1 a 5”.
  2. Identificação da declaração: ..., com a importância a pagar de € 4.409,26 (quatro mil, quatrocentos e nove euros e vinte e seis cêntimos) - cf. cópia se encontra junta aos autos como “DOC.2” e “Docs 1 a 5”.
  3. Identificação da declaração: ..., com a importância a pagar de € 17.786,37 (dezassete mil, setecentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos) - cf. cópia se encontra junta aos autos como “DOC.3” e “Docs 1 a 5”.
  4. Identificação da declaração: ..., com a importância a pagar de € 9.724,39 (nove mil, setecentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos) - cf. cópia se encontra junta aos autos como “DOC.4” e “Docs 1 a 5”.
  5. Identificação da declaração: ..., com a importância a pagar de € 7.706,33 (sete mil, setecentos e seis euros e trinta e três cêntimos) - cf. cópia se encontra junta aos autos como “DOC.5” e “Docs 1 a 5”.
  1. Para evitar outras ações inspetivas, relativamente ao período entre janeiro a maio de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do imposto do Selo no montante total de € € 44.127,56 (quarenta e quatro mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), por aplicação da taxa prevista na Verba 17.1.4 da TGIS (referente aos saldos médios mensais dos depósitos resultantes de excedentes de tesouraria apurados no âmbito do referido contrato de cash pooling).
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa em 20.02.2024 (cf. Comprovativo de Entrega de Documentos), com o registo n.º 2024..., assinada em 13.05.2024) referente ao Ofício n.º..., de 06.05.2024 - – cópia do procedimento constante do PA-1.
  3. Notificação para audição prévia pelo Ofício n.º ...-DJT/2024, de 16.04.2024 (Informação n.º ...-ISCPS1/2024, sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada (...2024...). - cópia do procedimento constante do PA-2.
  4. Notificação do Ofício n.º ...-DJT/2024, de 09.05.2024, contendo a decisão final do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Informação n.º ...-ISCPS1/2024) - cf. cópia junta como Documento n.º 6 (“DOC6 a 19”), cópia do procedimento constante do PA-2.
  5. Pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 02.09.2024 e aceite no dia 04.09.2024.

FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

Motivação da decisão da matéria de facto

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida, da cópia do processo administrativo e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado. A Requerente junta ainda documentação interna de natureza contabilística pela qual logra provar o fluxo diário dos montantes relativos ao Cash Pooling, visando comprovar a transferência diária dos respetivos montantes.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

Consideradas as posições assumidas pelas Partes, assentes nos argumentos apresentados, sobre os atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo (doravante "IS") aqui controvertidos, importa apreciar o respetivo enquadramento em sede do referido IS, considerando a aplicabilidade da Verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS ("Operações Financeiras") aos saldos médios mensais dos depósitos resultantes de excedentes de tesouraria apurados no âmbito de um contrato denominado de cash pooling ao nível do grupo, com base nos instrumentos contratuais identificados nos factos provados.

Em concreto, os atos tributários objeto do presente PA respeitam ao período de janeiro a maio de 2022, num total de € 44.127,56 (quarenta e quatro mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), estando identificados com os n.ºs:..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.501,21 (quatro mil, quinhentos e um euros e vinte e um cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.409,26 (quatro mil, quatrocentos e nove euros e vinte e seis cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 17.786,37 (dezassete mil, setecentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 9.724,39 (nove mil, setecentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos), ..., do qual resultou um valor a pagar de € 7.706,33 (sete mil, setecentos e seis euros e trinta e três cêntimos).

Sobre os referidos atos tributários, apresentou a Requerente respetiva reclamação graciosa (procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024...), a qual foi objeto de decisão de indeferimento, dando origem ao presente pedido de pronúncia arbitral, de anulação desses atos por alegada ilegalidade dos mesmos. A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT.

Alegando a Requerente que no âmbito da execução dos diferentes contratos enunciados, os excedentes de tesouraria gerados pelas diferentes entidades do Grupo D... eram transferidos para a conta da Requerente, a qual, por sua vez, os transferia para a B..., a qual recebia e utilizava os mesmos em França, a AT vem reconhecer que se afigura incontestável que no âmbito da execução do cash pooling denominado “Convention d’Omnium”, houve uma efetiva utilização de crédito pela B..., (sedeada em França), em virtude da sua concessão pela Requerente, que, como tal, tiveram enquadramento no âmbito da incidência objetiva do Imposto do Selo, por força do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.1.4 da TGIS. (cf. Ponto 11 da Resposta).

Da análise aos autos, não é controvertido que as operações em causa (transferências de excedentes de tesouraria) são operações enquadráveis naquela verba 17.1. Verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS.

Com referência ao caso em concreto, permanecem controvertidas duas questões com respeito às operações objeto do presente PA:

  1. Se se encontra preenchida a regra de territorialidade, constante do artigo 4.º do Código do IS;
  2. Caso se encontrem abrangidas no âmbito de incidência do IS, se é aplicável a isenção constante das alíneas g), h) e i) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 7.º do Código do IS;
  3. Do direito a juros indemnizatórios.

Cumpre então analisar.

  1. Sobre a regra da territorialidade em sede de IS

Sobre a matéria em apreço, releva considerar a análise efetuada por diferentes tribunais a funcionar no CAAD, devendo salientar-se as decisões proferidas no âmbito dos Processos em que figurava como autora a aqui Requerente, não sendo uniforme o sentido de decisão e fundamentação das mesmas.

Salientam-se as decisões proferidas nos Processos arbitrais n.º 61/2019, 277/2020-T e 57/2021-T, na qual seria dada procedência integral do pedido arbitral, enquanto, no processo arbitral
n.º 279/2020-T, concluiu-se em sentido oposto.

 

Releva igualmente atender aos entendimentos proferidos pelo STA em 28.11.2018, no âmbito do processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16 e em 14. 03.2018, no âmbito do processo n.º 0800/17.

Em particular, e no que ao presente processo respeita, atentos os termos de execução do quadro contratual identificado, os excedentes de tesouraria gerados pelas diferentes entidades do Grupo D... eram transferidos para a conta da Requerente, a qual, por sua vez, os transferia para a B..., a qual recebia e utilizava os mesmos em França.

Sobre os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria, como o que se discute nos presentes autos, refere-se que os mesmos consubstanciam um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos. Pode ler-se na decisão proferida no Processo n.º 61/2019-T, citado nos autos (cuja autora é aqui Requerente) que: «Designa-se por cash pooling a gestão consolidada da tesouraria de Grupos de Sociedades, assegurada por um dos seus membros ou por terceira empresa designada para o efeito e que é titular de uma conta bancária centralizada, agregando as contas individuais de cada um dos membros do Grupo, de tal modo que, diariamente se opera a consolidação, real ou virtual, dos saldos bancários de cada um dos membros do Grupo, com o consequente apuramento de um saldo único na conta bancária agregada gerida pela citada entidade centralizadora.

Fácil é ver que o cash pooling permite a compensação, real ou virtual, dos saldos credor e devedor das empresas do Grupo e, igualmente, o financiamento.

O modelo de cash pooling constará da convenção de tesouraria celebrada entre os membros do Grupo.»

Conclui ainda o Douto Tribunal que, «Do exposto resulta que as operações de transferência de saldos entre a conta da participante ou aderente e a conta da entidade centralizadora, bem como os movimentos de transferência inversos, da conta agregada a favor da conta bancária devedora consubstanciam financiamentos obtidos/concedidos através da realização de operações de tesouraria, sujeitos ao imposto do selo previsto na citada verba 17.1.4, da TGIS, que recai sobre o saldo devedor da conta apurado no final de cada mês.»

Sendo primeiramente discutida a regra de territorialidade presente no artigo 4.º do Código do IS (“1 - Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.”) – em consonância com a regra geral constante do artigo 13.º, n.º1 (Aplicação da lei tributária no espaço) presente na LGT - «1 - Sem prejuízo de convenções internacionais de que Portugal seja parte e salvo disposição legal em sentido contrário, as normas tributárias aplicam-se aos factos que ocorram no território nacional.»; - resulta do alegado pelas Partes um diferente entendimento referente à interpretação da mesma. [nosso sublinhado]

Em suma, entende a Requerente que o momento da ocorrência do facto tributário é o da sua efetiva "utilização" e, como tal, a "utilização dos fundos ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital mutuado, e a Requerida que, o imposto incide sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, nas quais comummente se incluem a "abertura de crédito, empréstimos, cessão de créditos, factoring, e operações de tesouraria", considerando-se ainda, como nova operação financeira, por exemplo a prorrogação, seja ela automática ou não.

Perante os diferentes entendimentos relativamente à referida norma, sobre os quais se expressa o devido respeito, resulta do normativo identificado uma conexão assente na necessidade de a utilização dos fundos se verificar em território nacional. Nestes termos, «(…) à luz do disposto no artigo 4º, do CIS, só estão sujeitas a imposto do selo os atos e factos previstos na TGIS ocorridos em território nacional, ressalvadas as situações assinaladas pelo CIS e pela TGIS.» (Processo n.º 61/2019-T).

Considerado o entendimento proferido pelo STA (acórdão de 14.03.2018, proferido no processo 0800/17), pode ler-se que, «(…) III - A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito. IV - Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito”.»

Reiterando o respeito por diferentes entendimentos, não deixa de decorrer do referido entendimento que o facto relevante para a determinação da incidência do imposto será a utilização – e não a concessão – do crédito.

Salienta bem o STA no Acórdão de 19.02.2020, no processo n.º 244/12.3BEPRT 0898/17, quando refere que «O imposto de [o] selo é um tributo complexo e heterogéneo, quer pela diversa tipologia de factos tributários sobre que incide (artigo 1.º, n.º 1 do CIS), quer pela diferente estrutura de tributação que pode adoptar, apresentando-se nuns casos como imposto de quota fixa que incide sobre actos e negócios jurídicos e, em outros, como um imposto de quota variável que incide sobre factos tributários mais complexos, como são as operações de crédito aqui em apreço.»

Reconhece este Tribunal que o entendimento da questão não se encontra livre de dúvidas, resultando, no entanto, claro que a determinação de incidência se encontra dependente da utilização do crédito, assentando, desta forma, num critério de natureza substantiva e não meramente formal.

Neste sentido, ficaria estabelecido que o imposto (IS) constitui encargo dos titulares do interesse económico, considerando-se como tal, na concessão do crédito, o utilizador do crédito (cf. artigo 3.º, n.º 3, al. f) do Código do IS).

No caso em análise, a Requerente é a entidade financiadora, resultando não controvertido de que houve uma utilização de crédito pela B... (sedeada em França), em virtude da sua concessão pela Requerente.

Por ser relevante para a presente análise, refere-se o entendimento constante da decisão proferida no Processo n.º 280/2020-T, citado nos autos (cuja autora é aqui Requerente):

«Efectivamente, julga-se que, no caso, não é necessário, sequer, aplicar as normas relativas à isenção, dado que a situação sub iudice cairá fora do âmbito da territorialidade do imposto em causa.

Nesse sentido, de resto, conclui já o TCA-Sul, no seu acórdão de 25-03-2021, proferido no processo 675/03.9BTLRS, único aresto conhecido dos tribunais tributários estaduais que se debruça, especificamente, sobre a questão da territorialidade nas tributação das operações de crédito, e onde se pode ler, para além do mais, que:

“IV. Nos termos das normas supra citadas do anterior CIS o facto tributário que desencadeia a obrigação do pagamento do imposto residia na celebração do negócio jurídico (data da celebração da concessão de crédito/contrato de mútuo), entendida como a obrigação de fornecimento de fundos a outrem (e não a utilização do crédito efectuado tal como definido actualmente na Verba 17.1 da TGIS).

V. A sujeição a imposto de selo do crédito utilizado, no actual CIS, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade.”. [nosso sublinhado]

Mais se explicando, naquele acórdão:

“Preceitua o n.º 1, do artigo 4.º do CIS, com a epígrafe “Territorialidade”:

«1 – Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto de selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.»

De referir que o n.º 2, do artigo 4.º do CIS estabelece várias normas de extensão da incidência territorial, que não importam analisar no caso em apreço, uma vez que mesmo se considerasse a nota promissória uma garantia, a mesma terá que ser considerada meramente acessória do financiamento (cfr. artigo 4.º, n.º 2 do CIS e ponto 10 da TGSI).

Assim, a sujeição a imposto de selo do crédito utilizado, no actual CIS, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade.

Nos termos do artigo 1.º do CIS, para determinar a relevância da tributação, em sede de imposto de selo, em sede das operações financeiras é relevante a “utilização de crédito”, ou seja, o momento em que se utilizam os fundos colocados à disposição de acordo com o contratado, o qual ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital.

No entanto, com o desenvolvimento das novas tecnologias, quando se tratam de operações desmaterializadas, realizadas através do sistema bancário, deve considerar-se cumprida a concessão do crédito quando o montante deste é recebido na conta do beneficiário ou na conta por este indicada, porque até esse momento a prestação pecuniária ainda não está na sua livre disposição, não podendo, por isso, ser utilizada.

No caso em análise, as utilizadoras dos créditos (sociedades brasileiras) são residentes fora do território de Portugal, pelo que, entendemos que nas operações em apreço, em que a utilização do crédito foi efectuada fora do território nacional, por entidades não residentes, não é devido imposto de selo, ao abrigo da regra da territorialidade.”.

Ou seja, em suma, conclui-se, como ali se sumariou, que a sujeição a imposto de selo do crédito utilizado, no actual CIS, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade, sendo que, quando esteja em causa concessão de crédito no quadro de uma relação de Cash Pooling, apenas será tributada a utilização de fundos consumada em território nacional, podendo a AT, conforme já decidido pelo STA no atrás citado Acórdão de 19-02-2020, proferido no processo 02244/12.3BEPRT 0898/17, exigir o imposto devido, incidente sobre o crédito utilizado em Portugal, directamente ao titular do interesse económico, ou seja, ao beneficiário de tal crédito.

No caso, e como resulta provado, o crédito concedido pela Requerente e sujeito a IS foi encaminhado para uma conta bancária, e utilizado, em França, pelo que tal utilização não cai no âmbito territorial do imposto em causa, tal como resulta do art.º 4.º, n.º 1, do CIS.

Procedem, consequentemente, com este fundamento, os pedidos de revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e de anulação das liquidações formulados nos autos.

Entende, assim, este Tribunal que o âmbito territorial de incidência de IS se encontra condicionado pela conexão substantiva que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito. Por outras palavras, o elemento de conexão relevante para a aplicação da soberania tributária portuguesa não poderia deixar de ser o local da prática das operações sujeitas a imposto – neste caso, da utilização da disponibilidade financeira concedida através da estrutura contratual identificada - apenas podendo ser sujeitas a imposto as operações praticadas em local em que se revela viável a imposição da ordem jurídico-tributária portuguesa.

Neste sentido, refere-se, por se concordar, Carlos Baptista Lobo[1], quando conclui a respeito do conceito de ‘utilização’ que «(…) entendemos que o facto tributário relevante ocorre no momento da utilização do crédito, ou seja, no momento em que o mutuário tem as disponibilidades monetárias à sua disposição, creditadas na sua conta bancária. O momento relevante para a determinação da lei aplicável não é o da ocorrência do acto tributário – no sentido de acto de liquidação – mas o da ocorrência do facto tributário, como não poderia deixar de ser.» De igual modo, cita aquele Autor, Alberto Xavier, quando refere que, «quer isto dizer que é o facto tributável e não o acto tributário que fixa o conteúdo da obrigação de imposto; que é, em suma, o momento da realização do facto tributável que define o momento ao qual se há-de referir a aplicação do direito, fixando a norma a aplicar (…) (“Conceito e Natureza do Acto Tributário”, Almedina, 1972, pág. 549)».

Sendo certo que a conclusão do STA tem sido no sentido de considerar que para a determinação do âmbito territorial de incidência do IS, a circunstância que releva é o local em que é concedido o crédito e não, como defende a Requerente, o local onde esse crédito é utilizado, sobreleva atender ao que se entende por utilização no contexto do próprio IS.

Ora, sem que o próprio STA desenvolva a fundamentação a este respeito, e respeitando as decisões de diferentes tribunais a funcionar no CAAD, é entendimento deste Tribunal que por “utilização” do crédito deve entender-se a transferência (e receção) dos fundos para a esfera da entidade mutuária, daqui resultando uma disponibilidade financeira para utilização. O que ocorre quando se materializa uma manifestação de riqueza na esfera do beneficiário. Segue este Tribunal o sentido das decisões prolatadas nos Processos n.º 61/2019e n.º 280/2020-T.

No caso, sendo o crédito concedido pela Requerente e sujeito a IS encaminhado para uma conta bancária, e utilizado, em França, tal utilização não cai no âmbito territorial do imposto em causa, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Código do IS.

Face ao exposto, deverá proceder integralmente o pedido arbitral, anulando-se os atos tributários objeto do presente pedido arbitral.

  1. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pelas partes.
  2. Do direito aos juros indemnizatórios

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Pode ler-se no Acórdão do STA proferido no Processo n.º 0480/12.1BESNT, de 23.06.2021 que. «(…) há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.

No caso, o erro que afeta os atos de liquidação anulados é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo mantido na ordem jurídica os atos tributários ilegais, pelo indeferimento da reclamação graciosa necessária (Acórdão TCA Norte n.º 02408/16.0BEPRT, de 12.01.2023). Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT), e ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data da decisão da reclamação graciosa, até ao seu reembolso (artigo 43.º, n.º 1 e 3 alínea c), da LGT).

  1. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido arbitral e, em consequência:

  1. Anular os seguintes atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo, bem como da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024..., que teve tais atos como objeto:
  1. N.º ..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.501,21 (quatro mil, quinhentos e um euros e vinte e um cêntimos);
  2. N.º..., do qual resultou um valor a pagar de € 4.409,26 (quatro mil, quatrocentos e nove euros e vinte e seis cêntimos);
  3. N.º..., do qual resultou um valor a pagar de € 17.786,37 (dezassete mil, setecentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos);
  4. N.º..., do qual resultou um valor a pagar de € 9.724,39 (nove mil, setecentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos);
  5. N.º ..., do qual resultou um valor a pagar de € 7.706,33 (sete mil, setecentos e seis euros e trinta e três cêntimos).
  1. Condenar a AT no reembolso do imposto indevidamente pago, ora anulado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados.
  2. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), é fixado ao processo o valor de € 44.127,56 (quarenta e quatro mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 09 de maio de 2025

 

A Árbitra do Tribunal Arbitral,

 

Ana Rita Chacim

 

 

 



[1] Carlos Baptista Lobo, Da Tributação dos Montantes Disponibilizados em Sede de Abertura de Crédito em Data Anterior a 1 de Janeiro de 2003. O Regime Fiscal em Imposto do Selo do Crédito Utilizado Pendente", Revista Fisco 105/106, novembro de 2002, pág. 85.