Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1011/2024-T
Data da decisão: 2025-05-03  Selo  
Valor do pedido: € 20.557,59
Tema: IS – Inexistência o facto tributário suscetível de ser tributado em sede de Imposto do Selo (IS).
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SUMÁRIO:

  1. A realidade fática expressa no probatório indica que não ocorreu qualquer aquisição do prédio urbano através de usucapião, o qual integrava já, desde 2001, a esfera jurídica dos Requerentes;
  2. Nestes termos, inexiste facto tributário suscetível de ser tributado em sede do IS na esfera dos Requerentes, nos termos do disposto no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do Código do IS e na verba 1.2 da Tabela Geral do IS.”, ainda que erradamente declarado.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

A..., com o NIF n.º..., e mulher, B..., com o NIF n.º ..., casados, entre si, sob o regime da comunhão geral de bens e residentes na ..., ..., ..., ..., Açores vêm, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, al. c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, deduzir pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) para declaração da ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo (doravante IS) número..., no valor de € 20.557,59 (vinte mil quinhentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), relativo ao ano de 2023, com fundamento em errónea qualificação dos factos tributários que serviram de base à liquidação de IS e ausência da fundamentação legalmente devida, nos termos e para os efeitos do art.º 99.º, al. a) e c) do CPPT. 

É igualmente peticionado o reembolso do valor pago, acompanhado dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor sobre o pagamento efetuado, até efetivo e integral pagamento por parte da Autoridade Tributária.  

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) em 02-09-2024.

Os Requerentes optaram por não designar Árbitro.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi a Árbitra designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, comunicando a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 21-10-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da Árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído em 11-11-2024.

Na mesma data, foi proferido despacho arbitral notificado às partes, em 12-11-2024, ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou em 16-12-2024, tendo juntado o Processo Administrativo (doravante PA), na mesma data.

Por despacho de 20-01-2025, devidamente fundamentado, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e a possibilidade de as partes apresentarem alegações escritas.

 

II. Síntese da posição das Partes:

  1. Dos Requerentes

Os argumentos apresentados no PPA, sublinham o seguinte:

Em 2023, “(…) houve apenas a constituição, por escritura de justificação, de 2 frações independentes que já existiam à data da aquisição por usucapião, logo não foi adquirido um novo imóvel ou parte dele, mas sim foi criado um ónus (Propriedade Horizontal) sobre o prédio adquirido onerosamente pelos Requerentes”.

Segundo os Requerentes “também se poderá dizer que o que (…) usucapiu foi uma benfeitoria jurídica (melhoria ao prédio) através da constituição da Propriedade Horizontal”. 

Consideram que “(…) a incidência objetiva do Imposto de Selo não existe, visto que o ato notarial foi o da constituição da propriedade horizontal (que para além de um ónus, pode ser também considerada uma benfeitoria) e não a aquisição de um imóvel.”    

Invocam o disposto no Ac. TCA - 915/12.3BELRS, nos termos do qual “O imposto do selo incide sobre transmissões gratuitas de bens imóveis, nelas se incluindo, à luz do Código do Imposto do Selo, as que têm lugar através da aquisição por usucapião e só incide sobre a transmissão do bem que, ab initio, não se encontrava no património do adquirente.” 

E bem assim, o entendimento de que a Autoridade Tributária não valorou corretamente o facto de que os Requerentes já terem adquirido o prédio em causa, a título oneroso, sobre o qual retrataram a constituição da propriedade horizontal, por usucapião, nos termos do artigo 1417.º CC.  

Ora, vêm recordar os Requerentes que as normas de incidência tributária têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes das mesmas estar formuladas de modo preciso e determinado, o que não se verificou no caso em concreto, na sua ótica, e bem assim, que a fundamentação dos atos tributários encontra-se prevista no artigo 77.º, da LGT, representando, outrossim, uma imposição constitucional regulada no artigo 268.º, n.º 3, a qual garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.  

Nos termos do artigo 77.º, nº 2, da LGT: “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.” 

De acordo com os Requerentes “(…) só pode admitir-se que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao  texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram (in Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 1242/06.0BESNT, 08-10-2020)”.

Analisando a liquidação, afirmam os Requerentes que se confirma que a mesma não faz referência a qualquer preceito legal, nem contempla fundamentação de direito. 

Por outro lado, defendem os Requerentes que não existe previsão legal, no caso, com violação do princípio da tipicidade afetando-se por esta via a validade do ato, e do princípio de reserva de lei, consagrado no art.º 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 

A este propósito, convocam o acórdão do STA no processo n.º 01319/12, de 13-03-2013, onde se pode ler que “O facto tributável, como ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação”. 

E o acórdão do STA, de 13-01-2010, proferido no processo com o n.º 1124/09 segundo o qual “o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266”.  

Pelos motivos expostos, concluem os Requerentes que deverá ser declarada a nulidade da liquidação, ora em causa, face: 

a) À violação do princípio fundamental da fundamentação dos atos jurídicos tributários, por violação do artigo 77.º, n.º 2 LGT e do artigo 268.º, n.º 3 da CRP; 

b) À violação do princípio da tipicidade, e princípio de reserva de lei, consagrado no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, por falta de previsão legal da norma objetiva para efeitos de tributação. 

Devendo os Requerentes, em consequência, ver-lhe restituído o valor pago indevidamente, no valor de 20.557,59€ (vinte mil  quinhentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

  1. Da Requerida

Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:

Segundo a Requerida, em momento algum a Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral.

Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação do ato, refere a AT o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 77.º, n.ºs. 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT). O artigo 268.º, n.º 3, da CRP estabelece que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. O artigo 77.º, n.º 1, da LGT prevê que a “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”. Por sua vez, o artigo 77.º, n.º 2, da LGT dispõe que, mesmo quando efetuada de forma sumária, a fundamentação dos atos tributários deve “conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

Salienta ainda a Requerida que na anotação ao artigo 77.º da LGT, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, afirmam o seguinte: “Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objetivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (in Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).

Do quadro legal e doutrinal apontado, retira a AT que o objetivo desta exigência legal e constitucional de fundamentação, é o de proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, de forma a serem claramente identificadas as razões que o levaram a chegar àquela conclusão. 

Da análise à demonstração da liquidação remetida à Requerente, conclui a Requerida que os fundamentos do ato tributário estavam expressa e suficientemente plasmados naquela, “(…) permitindo ao sujeito passivo apreender, de forma clara, suficiente e congruente, tanto o processo lógico que conduziu ao apuramento da matéria tributável e do tributo, bem como as operações de qualificação e quantificação do facto tributário. Com efeito, o documento de cobrança aqui em análise, referente à participação ..., contém: 

1. a identificação do imposto em causa (Imposto do Selo relativo à transmissão gratuita – Aquisição por usucapião);

2. o montante devido (€ 23.766,00);

 3. a identificação do facto tributário (Aquisição por usucapião);

4. a identificação da verba em causa (Verba 1 - € 237.660,00);

5. a matéria coletável (€ 237.660,00);

6. as possibilidades de pagamento do imposto (Modalidade 1 – Pronto pagamento, no montante de € 20.557,59 usufruindo do desconto previsto no art.º 45.º do CIS; ou Modalidade 2 – Pagamento em prestações, nos termos do art.º 45.º do CIS);

7. o prazo para efetuar o pagamento a pronto (2024-05-31)”. 

Ou seja, de acordo com o entendimento da Requerida, na demonstração da liquidação estavam presentes todos os elementos que permitiam aos Requerentes analisarem e, eventualmente, oporem-se ou questionarem os seus fundamentos e contabilização. 

Ainda segundo a Requerida, os Requerentes poderiam sempre ter lançado mão do mecanismo ínsito no art.º 37.º do CPPT, de acordo com o qual “Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.” O que não sucedeu.

Resulta assim demonstrado, nas palavras da AT, que os Requerentes entenderam perfeitamente o sentido e alcance da liquidação sobre a qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz no seu pedido de pronúncia arbitral. Pelo que não pode deixar de concluir, em linha com a mais avisada jurisprudência, que: “Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”, in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013. Afirma ficar também demonstrado que a fundamentação é clara, suficiente e congruente, pelo menos a ponto de ser percetível à luz do homem médio e, mais importante, percetível à leitura dos Requerentes. 

Relativamente à alegada errónea qualificação dos factos tributários que presidiram à liquidação, afirma a AT que logram em erro os Requerentes quando afirmam ao longo do seu PPA que a escritura de justificação notarial por eles celebrada visou apenas, e tão só, a constituição de propriedade horizontal. 

Acrescentando:“E isto não é de somenos importância, porquanto os Requerentes fundamentam a falta de previsão legal, isto é, de incidência objetiva, no pressuposto de que apenas estaríamos perante a constituição, por escritura de usucapião, de duas frações independentes que já existiam à data da aquisição por usucapião, argumentando, como tal, que não foi adquirido um novo imóvel ou parte dele, mas sim foi criado um ónus (Propriedade Horizontal) sobre o prédio anteriormente adquirido onerosamente. Ora, a AT rejeita categoricamente aquele entendimento, sublinhando que “Do teor da referida escritura de justificação notarial resulta de forma explicita, e não nos escusamos de novamente transcrever as declarações constantes daquele documento, atenta a sua pertinência que: “… aquelas posses em nome próprio, pacífica, contínua e pública, por mais de vinte anos, conduziu à aquisição pelo casal representado pelo primeiro outorgante da moradia correspondente à fração “A”, e à aquisição pelo segundo outorgante e pelo seu representado, em partes iguais, da moradia correspondente à fração “B”, por usucapião, e, simultaneamente, à constituição no edifício, na sua globalidade, do regime da propriedade horizontal, pelo mesmo facto jurídico Usucapião, com as duas frações autónomas descritas e individualizadas no documento complementar desta escritura” Ou seja, na opinião da Requerida, resulta de forma cristalina daquela escritura que os Requerentes adquiriram por usucapião a moradia correspondente à fração “A”, e, simultaneamente, à constituição no edifício, na sua globalidade, do regime da propriedade horizontal.

Ou seja, na interpretação da Requerida, previamente à celebração daquela escritura, os Requerentes eram comproprietários sem determinação de parte ou direito do prédio aqui em causa. Com a celebração da referida escritura pública de justificação por usucapião procederam à divisão de coisa comum, tornando-se proprietários plenos do prédio correspondente à fração “A”, anteriormente inscrito na matriz predial sob o n.º..., e após a justificação inscrito sob o n.º... . Razão pela qual, esta escritura pública de justificação por usucapião foi o facto jurídico relevante que originou a liquidação ora impugnada.

Estando estabelecido o facto jurídico aqui em causa, na ótica da AT, este tem guarida legal. Desenvolve a este respeito a Requerida “O artigo 1.º, do CIS, sob a epígrafe “incidência objetiva”, estipula que o IS recai sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.   A tabela Geral do IS prevê, no seu n.º 1.2, como factos incidentes de IS as “aquisições gratuitas de bens, incluindo por usucapião”. Por sua vez, no artigo 2.º n.º 2 do mesmo diploma legal, no que respeita à “incidência subjetiva” do imposto do selo, estipula que são sujeitos passivos do imposto “nas transmissões gratuitas” as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: “a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários”.

No que respeita ao encargo do imposto, encontra-se legalmente estabelecido que este constitui um encargo a suportar nas situações referidas no mencionado artigo 1.º pelo “titular do interesse económico” e que este é, nas transmissões por morte, a herança e os legatários; nas restantes transmissões gratuitas ou no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens (artigo 3.º do CIS). Ainda com relevo para a questão preceitua o artigo 5.º, alínea r) do Código em referência, que nas aquisições por usucapião a obrigação tributária se considera constituída na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial, na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial. Do supra exposto resulta que o facto tributário aqui em crise – usucapião, encontra substrato legal não padecendo de qualquer ilegalidade.

Concluindo que “(…) uma vez que não se verifica qualquer ilegalidade do ato de liquidação nem fundamento legal que sustente a pretensão dos Requerentes improcede, em consequência, o pedido de reembolso das quantias pagas pelos Requerentes, bem como o pedido de juros indemnizatórios”. 

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

V.1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. No dia 13-12-2001, por escritura pública de compra e venda celebrada no Primeiro Cartório Notarial de ..., os Requerentes adquiriam metade indivisa do prédio urbano designado por “...”, sito em ..., freguesia da ..., concelho de Loulé, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º..., composto por duas  moradias, uma inscrita na respetiva matriz predial da freguesia de ..., concelho de Loulé sob o artigo..., e a outra inscrita da na respetiva matriz predial da freguesia de ..., concelho de Loulé sob o artigo ... - conforme os documentos 2 e 3 juntos pelos Requerentes.
  2. Com base naquela escritura, foi inscrita na matriz a seu favor a titularidade de metade indivisa de cada um dos prédios urbanos inscritos na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Loulé sob o artigo ... e ... .
  3. Desde a data da respetiva escritura de compra e venda, o casal A...  e B..., tomou posse e passou a utilizar, em nome próprio, a moradia correspondente à fração “A”, coincidente com o edifício inscrito na matriz sob o artigo ... . 
  4. Há mais de vinte anos que possuem, sem interrupção, nem ocultação, na convicção de serem os únicos e possuidores da fração “A”, correspondente à moradia que haviam adquirido onerosamente há mais de 20 anos, exercendo essa posse de boa-fé, ininterrupta e ostensivamente, com conhecimento da generalidade das pessoas e sem oposição nem violência de quem quer que seja. 
  5. A confirmar, nomeadamente o uso independente autónomo e fracionado das moradias, por parte dos seus proprietários e a configuração das moradias, àquela data, foi proferida decisão pelo Tribunal Arbitral – “Centro de Arbitragem de Loulé”, em 17-06-2002, no âmbito do processo ordinário intentado pelos ora Requerentes, com o n.º 24/02, em que “Termos em que decido julgar a ação procedente e provada e condenar autores e ré a) reconhecer que aqueles são donos e legítimos possuidores de: prédio urbano – habitação de rés-do-chão com 1 divisão, casa de banho, garagem; 1.º andar com divisão, cozinha, hall e terraço; 2.º andar com 1 divisão, casa de banho e terraço – área coberta 196,82 m2 – área descoberta 26,58 m2 -, compreendendo um logradouro, com área de 289,60 m2, situado em ..., freguesia de ..., concelho de loulé (…)”,conforme documento, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. (cfr. doc. 8). 
  6. Na mesma ação arbitral também se refere entre os artigos 14.º e 16.º o seguinte:

A ré vem-se escusando a formalizar a divisão presentemente sufragada pelo decurso do lapso temporal de mais de 19 anos, e que excede o de 15 exigido no artigo 1296.º do Código Civil, uma vez que Autores e ré agiram de boa-fé(…)

E a falta de formalização de tal situação de facto só gera incómodos e transtornos por fazer refletir sobre ambos a conduta de cada um, eventualmente controversa.(…)

Nada obsta a que tal se proceda por carência de lei ou regulamento que prevaleça sobre a usucapião”.

  1. Os Requerentes são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “A”, que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, designado por Lote ..., sito em ..., freguesia da ..., concelho de Loulé (cfr. doc. 8, sentença arbitral).
  2. Em 2023-08-24, no Cartório Notarial de Tavira, a cargo do Notário C..., os Requerentes outorgaram escritura pública de Justificação, sobre as moradias autónomas e independentes (cfr. doc. 5, junto pelos Requerentes).
  3. De acordo com o teor da Certidão de Registo (cfr. doc. 6 junto pelos Requerentes) resulta da Apresentação n.º ..., de 11-09-2023: “Constituição da Propriedade Horizontal Registado no Sistema em: 2023/11/09; Aquisição Registado no Sistema em: 2023/11/09. CAUSA : Usucapião.
  4. O prédio urbano encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz em nome dos Requerentes, anteriormente sob o artigo ... e atualmente, sob o art.º ..., da freguesia de ..., concelho de Loulé.  
  5. Os Requerentes apresentaram, nos termos do n.º 3 do artigo 26.º do CIS a respetiva participação de transmissões gratuitas - participação n.º ... (cfr. doc. 7) onde no campo do documento denominado “Origem do Facto Tributário” os Requerentes indicam expressamente a “Justificação notarial de aquisição por usucapião” (negrito nosso).
  6. Em 20-02-2024 foi promovida a consequente liquidação no montante de € 23.766,00, com data limite de pagamento em 31-05-2024, a qual obteve desconto por ter sido paga a pronto pagamento. 

 

V. 2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

V. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

VI. DO DIREITO

VI.1. A questão a decidir:

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, as questões a apreciar prendem-se, em suma, com a eventual violação do dever de fundamentação, e de norma de incidência invocadas pelos Requerentes e negadas pela Requerida.

VI.2. Ordem de conhecimento dos vícios:

Os Requerentes fundamentam o pedido de anulação contenciosa no vício de falta de fundamentação legalmente exigida, violando assim o disposto no n.º 3, do artigo 268.º da CRP, e o artigo 77.º da LGT, alegando que a liquidação padece também do vício de violação do princípio da tipicidade, corolário do princípio da legalidade e princípio de reserva de lei, consagrado no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) – por falta de previsão legal da norma objetiva para efeitos de tributação –, o que segundo os Requerentes determinará a anulação do ato de liquidação em análise.

Conforme dispõe o artigo 124.º do CPPT, na sentença a proferir no processo de impugnação (igualmente aplicável no âmbito dos processos arbitrais ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), o Tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelos Requerentes, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).

No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato tributário.
Por outro lado, os Requerentes não indicam uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário dos vícios de violação de lei por serem estes que conferem mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de falta de fundamentação – a proceder – não impediria que a AT produzisse, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido após inclusão da devida fundamentação. Nestes termos, procede-se ao conhecimento do mérito da causa começando por apreciar, por esta ordem, os alegados:

a) Errónea qualificação dos factos tributários que serviram de base à liquidação de IS;

b) Vício de falta de fundamentação do ato de liquidação.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

a) Errónea qualificação dos factos tributários que serviram de base à liquidação de IS

A escritura de justificação notarial para efeitos de registo, hoje regulada nos artigos 89.º a 101.º do Código do Notariado, é, como se sabe, um título de natureza excecional, cujo aparecimento resultou da necessidade de colmatar a falta ou insuficiência dos títulos normais.

Com base no pressuposto de que o interessado não dispõe de documento bastante para comprovar o seu direito registando, a lei permite que o mesmo recorra ao aludido tipo de escritura quando tenha em vista: obter a primeira inscrição, ou seja, estabelecer o trato sucessivo, estando em causa prédios omissos ou descritos conquanto, neste caso, sem inscrição de aquisição ou equivalente; e reatar ou estabelecer um novo trato sucessivo, tratando-se de prédios descritos com inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse, com vista ao suprimento da ausência de intervenção do respetivo titular, imposta pela regra do n.º 2 do artigo 34.º do Código do Registo Predial (cfr. art.º 116.º do Código do Registo Predial). 

Entre os factos jurídicos que podem constituir causas idóneas - por causa entende-se o facto jurídico donde provém o direito que se invoca - para fundamentar a justificação notarial conta-se a compra e venda, a sucessão por morte e a doação, além de outras formas de aquisição originária, como a acessão e a usucapião. 

Quanto à usucapião alegada como causa, e de acordo com a noção legal deste instituto, contida no artigo 1287.º do Código Civil (CC) - “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por um certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição legal em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião.” –, diversos são os pressupostos em que o mesmo repousa, ainda que todos eles se mostrem determinados e condicionados por aquele que é o decisivo e sem a ocorrência do qual não pode, em absoluto, acontecer a existência da usucapião: a posse[1]

Muito embora a usucapião, seja definida e regulamentada como uma forma de aquisição originária (cfr. o referido artigo 1287.º e seguintes do CC), a verdade é que para efeitos fiscais é considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão.

Efetuados estes considerandos iniciais, vejamos de seguida se, atenta a factualidade constante no probatório, a tributação no caso concreto resulta da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais legalmente previstos e descritos abstratamente, encontrando-nos perante uma aquisição de prédio por usucapião suscetível de integrar o facto tributário liquidado.

Impõe-se igualmente interpretar o contexto em que foram produzidas algumas das declarações expressas constantes da escritura de justificação notarial, invocadas pela Requerida como justificantes da improcedência do PPA, em conjugação com o erro declarativo perpetrado pelos Requerentes a que faremos referência, e daí retirar as necessárias conclusões, mais adiante.

Conforme dispõe o artigo 1.º, do CIS, sob a epígrafe “incidência objetiva”(…) o IS recai sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. A tabela Geral do IS prevê, no seu n.º 1.2, como factos incidentes de IS as “aquisições gratuitas de bens, incluindo por usucapião”.

A aquisição por usucapião é, como vimos, considerada uma transmissão gratuita e, como tal, sujeita a imposto por aplicação da verba 1.2 da Tabela Geral do CIS, nos termos do art.º 1º, nº 3, alínea a) do CIS.

No que respeita à incidência subjetiva, dispõe o artigo 2.º, n.º 2, alínea b) do CIS que é sujeito passivo deste imposto a pessoa singular para quem se transmitem os bens, assim sendo, os beneficiários dos mesmos.

Quanto à territorialidade, nas transmissões gratuitas, prevê o artigo 4.º, n.º 3 do CIS que, o imposto é devido sempre que os bens estejam situados em território nacional. Consideram-se domiciliadas em território nacional, nestas transmissões, as pessoas que preenchem os requisitos do artigo 16.º do CIRS, por força do artigo 4.º, n.ºs 4 e 5 do CIS. Para este efeito, são considerados bens situados em território nacional os direitos sobre bens móveis e imóveis que aí estão situados, ou seja, importa a sua localização física.

Ademais, dispõe a alínea r) do artigo 5.º do CIS, a obrigação tributária considera-se constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial. Ou seja, a obrigação tributária nasce no momento da ocorrência dos factos.

Compete aos serviços centrais da AT a liquidação do imposto neste tipo específico de transmissões, nos termos do artigo 25.º, n.º1 CIS.

Por seu turno, é legalmente admissível a adquisição da propriedade horizontal por usucapião desde que cumpridos todos os requisitos legais, incluindo a posse, a continuidade, a publicidade e, em alguns casos, a boa-fé.

No que se refere à escritura de justificação notarial celebrada, no caso concreto, vem aí a escrever-se que "(...) nenhuma das escrituras de compra e venda aí referidas constitui título suficiente para se proceder ao registo da propriedade horizontal (sublinhado nosso) porquanto nenhuma escritura de constituição desse regime foi outorgada - servindo exclusivamente como título para justificar o início da posse invocada, mais precisamente a posse sobre cada uma das frações individualmente consideradas".

Recordemos, a este propósito, o que invocam os Requerentes no PPA: “(…) não foi adquirido um novo imóvel ou parte dele, mas sim foi criado um ónus (Propriedade Horizontal) sobre o prédio adquirido onerosamente pelos Requerentes.

(…) a Autoridade Tributária não valorou corretamente o facto de que os Requerentes já terem adquirido o prédio em causa, a título oneroso, sobre o qual retrataram a constituição da propriedade horizontal, por usucapião, nos termos do artigo 1417.º CC.”  

Na verdade, é-nos dado a observar pelas Certidões Permanentes exibidas na íntegra pelos Requerentes, a existência de trato sucessivo indicativo da aquisição do prédio, a título oneroso, em momento anterior ao da outorga da escritura de justificação notarial[2].

Ora, para que se verifique o facto tributário legalmente previsto artigo 1.º do CIS, é imperativo que tenha existido, de facto, uma transmissão gratuita de bens, o que como resulta do probatório não se verifica. Com efeito, a propriedade do prédio em análise havia sido transmitida por força do contrato de compra e venda formalizado por escritura pública celebrada no Primeiro Cartório Notarial de ..., em 2001.

Foram, é certo, os Requerentes que declararam a realidade fática mediante a apresentação da participação de transmissões gratuitas identificando, expressamente, no campo correspondente a “Origem do facto tributário”.

Não ocorrendo qualquer aquisição por usucapião, como vimos, aquela participação de transmissões gratuitas padece de vício por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.

Tendo mais tarde consciência da ocorrência daquele erro declarativo, podem os Requerentes reagir através dos meios que lei lhes confere, no sentido de corrigir a desconformidade entretanto detetada.

Atente-se, ainda, ao teor do douto acórdão do TCA - 915/12.3BELRS, nos termos do qual “O imposto do selo incide sobre transmissões gratuitas de bens imóveis, nelas se incluindo, à luz do Código do Imposto do Selo, as que têm lugar através da aquisição por usucapião e só incide sobre a transmissão do bem que, ab initio, não se encontrava no património do adquirente.” 

Ao considerar na Resposta apresentada em sede de processo arbitral que “(…) resulta de forma cristalina daquela escritura que os Requerentes adquiriram por usucapião a moradia correspondente à fração “A” e, simultaneamente, à constituição no edifício, na sua globalidade, do regime da propriedade horizontal (…)”, a AT ignora olimpicamente a existência de escritura de compra e venda celebrada no Primeiro Cartório Notarial de ..., constante dos documentos juntos aos autos, que comprova a aquisição onerosa de prédio urbano designado por “...”, sito em ..., e composto por duas moradias, o qual integrava o património dos Requerentes, desde 2001, ainda que em regime de compropriedade, como refere, de resto, a Requerida.

Em suma: não estamos perante uma aquisição por usucapião que legitime a tributação em sede de IS. Pelo que a liquidação impugnada tem subjacente uma realidade de facto que não se subsume no facto tributário que originou a tributação, padecendo a mesma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e devendo como tal ser anulada.

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral, nos termos descritos, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigurando necessário conhecer da segunda questão suscitada pelos Requerentes.

 

VII. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Conforme resultou provado, os Requerentes apresentaram, nos termos do n.º 3 do artigo 26.º do CIS a respetiva participação de transmissões gratuitas - participação n.º ... (cfr. doc. 7) onde no campo do documento denominado “Origem do Facto Tributário” os Requerentes indicam expressamente a “Justificação notarial de aquisição por usucapião”.

Havendo erro declarativo por parte dos Requerentes apenas percecionado por estes após a liquidação do imposto.

Não se verificando erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não são devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT. 

 

 

VIII. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, e anular o ato tributário impugnado;
  2. Condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago;
  3. Condenar a Requerida nas custas judiciais.

 

IX. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 20.557,59 (vinte mil quinhentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;

 

X. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 03 de maio de 2025

 

A Árbitra

 

 

(Alexandra Iglésias)

 

 

Texto elaborado em computador. A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 

 



[1] Segundo a doutrina e jurisprudência nacionais, confluem na posse, caracterizando-a, dois elementos: o objetivo, o denominado “corpus”, que corresponde à atuação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor, à apreensão ou controlo material de uma coisa corpórea (ainda que, em casos de posse derivada, a lei pressuponha o “corpus”, independentemente da apreensão material da coisa); e o subjetivo, o chamado  “animus” que é havido como a intenção, por parte do detentor, do poder de facto sobre a coisa, de exercer, como seu titular, um direito real sobre ela. Mas para que esta posse conduza à aquisição do direito por parte do possuidor, é ainda indispensável que a mesma reúna outras características, tais como: que seja  pública – exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (artigo 1262.º do Código Civil) - e pacífica - adquirida sem violência (artigo1261.º, n,º 1 do Código Civil); que respeite a direitos suscetíveis de ser adquiridos por tal via – somente os direitos reais de gozo e, mesmo assim, nem todos, uma vez que a lei (art.º 1293.º do Código Civil) afasta as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e habitação; e que se mantenha pelos prazos legalmente fixados, os quais variam em função da boa ou má fé do possuidor, da existência ou inexistência de título de aquisição e seu registo, ou do registo de mera posse (artigos 1294.º a 1296.º do Código Civil. Características que encontramos presentes no caso em análise.

[2] A certidão de registo predial é um documento autêntico porque é emitida por uma entidade oficial, comprova a situação jurídica de um imóvel e possui força probatória. De referir que a certidão passada por conservador do registo predial só é documento autêntico, isto é, revestido de força probatória plena, em relação aos elementos que transcreve dos livros da conservatória, mas não prova a veracidade dos factos que, nos termos do artigo 371.º do Código Civil, não tenham sido praticados pelo oficial público ou que não sejam atestados com base nas perceções da entidade documentadora.(sublinhado nosso).