Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1010/2024-T
Data da decisão: 2025-04-24  IRC  
Valor do pedido: € 94.539,74
Tema: IRC: Benefício fiscal. Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI): Investimento inicial - Diversificação da produção para produtos anteriormente não fabricados.
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SUMÁRIO

A diversificação da produção de um estabelecimento apenas se qualifica, integralmente, como “investimento inicial” para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), quando seja possível identificar, de forma clara e objetiva, novos produtos não anteriormente fabricados no estabelecimento. A mera internalização de processos produtivos anteriormente contratados externamente não constitui, por si só, prova suficiente de diversificação de produtos.

A reutilização de ativos pode, em certos casos, ser admitida no âmbito do RFAI, desde que se insira num projeto que cumpra os critérios definidos para “investimento inicial”, nos termos do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento. No entanto, a necessidade de quantificar o grau de reutilização em projetos que combinam ativos preexistentes com novos ativos evidencia a fraca aderência dessa prática ao conceito de “investimento inicial”, especialmente em contextos de diversificação da produção.

Na ausência de critérios legais específicos, a distinção entre investimentos de mera otimização produtiva e aqueles que configuram efetiva diversificação exige a consideração de fatores objetivos que demonstrem a introdução de novos produtos ou alterações substanciais no processo produtivo, em conformidade com a definição de “investimento inicial” constante do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão Europeia (RGIC).

A fundamentação do ato é juridicamente suficiente quando permite ao seu destinatário reconstruir o raciocínio da autoridade competente e compreender, de forma clara e objetiva, as razões da decisão. No domínio tributário, não se verifica falta de fundamentação quando o sujeito passivo conhece os fundamentos de facto e de direito do ato e pode exercer plenamente o seu direito de defesa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Prof. Doutor Victor Calvete, Prof. Doutor João Zambujal de Oliveira e Dr. Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

I.RELATÓRIO

  1. A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na ..., ...-... ... (Requerente), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto no art.º 2.º, n.º 1, alínea a), e art.º 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos atos de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) e liquidação de juros compensatórios, relativos ao exercício de 2019, bem como a demonstração de acerto de contas n.º ..., com o valor de 94.539,74€.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por AT ou Requerida.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente no dia 2024-09-02, tendo sido aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguindo a sua normal tramitação com a notificação da Requerida, que ocorreu em 2024-09-06.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 2, alínea a) e do art.º 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 2024-10-21, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art.º 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e do art.º 6.º e do art.º 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  5. Em conformidade com o disposto no art.º 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 2024-11-11.
  6. Em 2024-11-13 foi emitido Despacho a notificar a Requerida para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 17.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), sendo aplicável o disposto no seu n.º 2. 
  7. A Requerida, devidamente notificada, apresentou a sua resposta em 2024-12-18, defendendo-se por impugnação e juntando o Processo Administrativo (PA).
  8. Na sua resposta em 2024-12-18, a AT considerou que a prova testemunhal “não será idónea à prova dos factos controvertidos nos autos, a qual deverá ser de natureza documental” e solicitou que a Requerente esclarecesse o Tribunal “sobre a factualidade que pretende provar com a testemunha arrolada por forma a se avaliar da utilidade de tal diligência”, o que é conforme com a prática arbitral estabelecida e com o seu direito a preparar a inquirição.
  9. O Despacho de 2024-12-20 teve em consideração que no pedido de constituição de Tribunal Arbitral, a Requerente solicitou a audição de duas testemunhas, mas não as identificou nos termos legais nem indicou os pontos da matéria de facto alegada que justificariam o seu depoimento, pelo que fixou um prazo de 10 dias para suprir essas omissões.
  10. No âmbito da resposta ao Despacho de 2024-12-20, a Requerente informou em 2025-01-09 que as duas testemunhas por si arroladas no PPA responderiam sobre toda a matéria de facto da qual tivessem conhecimento direto e que não fosse exclusivamente suscetível de prova documental.
  11. Na sequência do Despacho de 2024-12-20 e da resposta da Requerente pode concluir-se que “como, materialmente, a Requerente nada adiantou ao que já constava do PPA, e como estava devidamente advertida de que o juízo positivo do Tribunal exigiria algo mais, tem de se concluir que a Requerente quis evitar tal juízo – tanto como se nada tivesse respondido no prazo fixado – e, portanto, com a mesma necessária consequência”.
  12. Sendo assim, o Despacho de 2024-12-20 indeferiu o pedido de audição de testemunhas e dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (art.º 19.º do RJAT) e da simplificação e informalidade processuais (art.º 29.º, n.º 2, do RJAT).
  13. Adiantou o referido Despacho que sem prejuízo de a decisão ser proferida até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do art.º 21.º do RJAT, devia a Requerente fazer o pagamento do remanescente da taxa arbitral até ao final do mês de março.
  14. Em 2025-01-21, a Requerente entregou um requerimento reiterando a necessidade de prova testemunhal, em complemento da prova documental. Nesse sentido, requereu a revogação do Despacho de 2025-01-15 e a marcação de data para a inquirição das testemunhas.
  15. Em 2025-02-02, a Requerente submeteu novo requerimento, opondo-se à dispensa da inquirição das testemunhas, por entender que tal dispensa pode violar os seus direitos de defesa. Argumenta que os depoimentos testemunhais são indispensáveis para a descoberta da verdade material e para a prolação de uma decisão justa e fundamentada, reiterando o exposto no requerimento de 2025-01-21.
  16. Tendo em conta que o Tribunal, através do Despacho proferido em 2025-01-15, esgotou o seu poder jurisdicional, havendo por isso caso julgado formal, os requerimentos de 2025-01-21 e de 2025-02-02 carecem de fundamento legal.

A.Posição da Requerente

 

  1. No Relatório de Inspeção Tributária (RIT), a AT considerou que o investimento da Requerente consistiu num ajustamento de suas unidades fabris para a produção de produtos de maiores dimensões e na instalação de um processo de retificação associado a um processo já existente. Dessa forma, conclui que o investimento não se enquadrava no conceito de "investimento inicial" previsto no art.º 22.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento (CFI) e no art.º 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015, tornando-o inelegível ao RFAI.
  2. A AT argumentou que a linha de produção não se destinava exclusivamente à retificação, sendo que, em 2019, apenas 16,95% do produto produzido na linha 2 da UF2 foi retificado. Considerou que a introdução da retificação foi uma modernização e adaptação, sem alteração fundamental do produto final, pavimento ou revestimento.
  3. A Requerente contestou tal conclusão, argumentando que o equipamento de retificação constitui uma unidade autónoma que pode ser usada para terceirização. Além disso, o investimento possibilitou a produção interna de um produto anteriormente subcontratado, cumprindo assim os requisitos legais para enquadramento no RFAI.
  4. A AT fundamentou a sua discordância no fato de que, em 2019, menos de 20% da produção foi retificada. Para ela, apenas investimentos que criassem ativos independentes seriam considerados "investimento inicial". Contudo, a Requerente sustenta que essa interpretação inviabilizaria o RFAI para indústrias estabelecidas, a menos que ocorresse uma transformação total da atividade.
  5. Adicionalmente, a Requerente argumentou que a posição da AT configura um venire contra factum proprium, violando o princípio da boa-fé. Cita um parecer vinculativo da AT (PIV N.º 18588, Despacho de 27 de novembro de 2020), onde um caso que a Requerente considera similar foi considerado elegível para o RFAI.
  6. O art.º 68.º-A, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) obriga a AT a seguir orientações uniformes, garantindo previsibilidade aos contribuintes. A Constituição e a LGT estabelecem princípios de legalidade, igualdade, proporcionalidade e boa-fé, que devem ser respeitados na interpretação tributária.
  7. Sobre o conceito de "investimento inicial", a Requerente salienta que ele deve ser analisado considerando a criação de um novo estabelecimento, aumento de capacidade produtiva, diversificação de produtos ou mudança fundamental do processo produtivo (Decisão Arbitral 574/2020, 25.06.2021). Decisões arbitrais anteriores (546/2020-T, 17.01.2022 e 427/2021-T, 28.09.2021) reforçam que adições parciais de equipamentos que aumentam a capacidade produtiva podem ser elegíveis para o RFAI.
  8. Diante desses argumentos, a Requerente conclui que a interpretação da AT é inadequada e que o seu investimento deveria ser considerado elegível ao RFAI, em conformidade com jurisprudência e entendimentos administrativos anteriores.
  9. A AT concluiu que a Requerente não demonstrou o cumprimento do requisito previsto no art.º 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, que exige que as aplicações relevantes excedam, em pelo menos 200%, o valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados.
  10. Segundo a AT, o investimento de 1.066.670,40€ realizado pela Requerente não ultrapassou o montante mínimo exigido, dado que o valor dos ativos reutilizados ascendeu a 2.154.492,09€. No entanto, a Requerente contesta essa interpretação, argumentando que a metodologia adotada pela AT distorce a análise do investimento.
  11. A Requerente demonstrou que os investimentos elegíveis para o RFAI em 2019 totalizaram 478.770,40€, integrando os equipamentos e operações essenciais ao projeto iniciado em 2018. Para cumprir o art.º 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, aplicou um critério de ponderação baseado nas quantidades totais de produção e na parcela de produto retificado.
  12. O cálculo da Requerente considerou a distribuição do ativo reutilizado entre terrenos, equipamentos e edifícios usados na produção de novos produtos retificados na Linha 2 da UF2. A metodologia seguiu o Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão Europeia, nomeadamente a FAQ 78, que permite a contabilização "pro-rata" dos ativos parcialmente reutilizados.
  13. A aplicação desta metodologia incluiu o cálculo do valor líquido contabilístico do imobilizado afeto ao projeto, com base no exercício fiscal de 2017, bem como a determinação da proporção de utilização dos ativos, aferida pela produção de formatos retificados em 2019.
  14. Assim, a Requerente reafirma que o investimento realizado em 2018 e 2019 superou os 200% do valor contabilístico dos ativos reutilizados em 2017, cumprindo plenamente os critérios do RGIC e do RFAI.

B.Posição da Requerida

 

  1. Relativamente ao incumprimento da Requerente na demonstração do requisito previsto no art.º 22.º, n.º 2 do CFI e do art.º 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, o RFAI, conforme Decreto-Lei n.º 162/2014, de 13 de janeiro, aplica-se a sujeitos passivos de IRC que exerçam atividades nos setores previstos no art.º 2.º, n.º 2. O art.º 23.º do mesmo diploma confere múltiplos benefícios fiscais, incluindo dedução à coleta do IRC.
  2. Nos termos do art.º 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, os benefícios fiscais aplicam-se apenas a "investimentos iniciais", definidos no RGIC como criação de um novo estabelecimento, aumento de capacidade, diversificação da produção ou alteração fundamental do processo produtivo. No caso, a Requerente, cuja atividade principal é a fabricação de ladrilhos e mosaicos, foi alvo de inspeção tributária relativa ao exercício de 2019, na qual se determinou a existência de dedução indevida por não cumprimento da condição de "investimento inicial".
  3. A Requerente adquiriu uma máquina de retificação e adaptou a linha de produção, representando uma modernização e não diversificação, pois o produto final permaneceu essencialmente o mesmo. O RIT concluiu que os investimentos realizados foram de melhoria e adaptação, não se enquadrando como "investimento inicial" nos termos do RGIC.
  4. A Requerente citou decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 546/2020 e 427/2021 para sustentar o seu enquadramento. No entanto, a Requerida considera que tais precedentes não são aplicáveis ao presente caso, uma vez que aqueles envolviam aumento de capacidade produtiva, enquanto, na situação em análise, não houve produção de um novo produto. Ademais, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015, a qualificação como diversificação da produção exige que o investimento supere 200% do valor líquido dos ativos reutilizados.
  5. A Requerente utilizou um fator de ponderação baseado na produção de 2019 para calcular o valor dos ativos reutilizados. No entanto, a AT questionou esse método por falta de fundamentação. A Requerida sustenta que o RGIC não prevê qualquer ajuste ao valor dos ativos reutilizados para efeitos de cumprimento da condição exigida e que a escolha da produção de 2019 como referência não foi devidamente justificada.
  6. Além disso, a Requerida defende que o uso de fatores de ponderação somente é admissível quando expressamente previsto na legislação, o que, em regra, ocorre em investimentos estratégicos, inovadores ou sujeitos a incentivos diferenciados, circunstâncias que não se verificam no presente caso.
  7. A Requerente alegou violação do princípio da boa-fé por discordar da interpretação dada pela AT e referir-se à informação vinculativa PIV n.º 18588. Contudo, conforme o art.º 68.º, n.º 1, da LGT, tais informações baseiam-se na descrição específica dos factos apresentados pelo Requerente. No caso da PIV n.º 18588, analisou-se um aumento de capacidade produtiva, enquanto a Requerente tentou enquadrar o seu investimento como diversificação da produção, sem comprovar a produção de um novo produto.
  8. A AT demonstrou que os ativos reutilizados totalizaram 2.154.492,09€, enquanto o investimento realizado foi de 1.066.670,40€, não superando o limite exigido de 200%. Assim, a Requerida sustenta que a liquidação adicional foi efetuada corretamente, uma vez que o requisito legal não foi cumprido.
  9. A Requerente contestou a fundamentação da AT, alegando falta de prova quanto à impossibilidade de beneficiar da presunção de veracidade do art.º 75.º da LGT. No entanto, a AT identificou que o cálculo adotado pela Requerente carecia de critérios fundamentados, e o ato de liquidação respeitou os requisitos do art.º 77.º da LGT.

 

 

II.SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1 do RJAT.
  2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (art.º 4.º e art.º 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, de acordo com a remissão operada para o art.º 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
  4. Não foram identificadas nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III.MATÉRIA DE FACTO

A.Factos provados

 

  1. A Requerente tem como objeto social a fabricação e comercialização de pavimentos e revestimentos cerâmicos. A sua atividade principal está classificada no Código de Atividade Económica (CAE) 23312: Fabricação de ladrilhos, mosaicos e placas de cerâmica (cf. Parte 6 do PA).
  2. A Requerente opera em duas unidades fabris contíguas: UF1 e UF2, que incluem as seguintes fases de produção: preparação da pasta, prensagem, secagem, vidragem, forno, impressão, retificação, escolha e embalagem (cf. Parte 6 do PA).
  3. Na UF1, a Requerente possui 3 linhas de produção (prensagem, secagem e vidragem), cada uma equipada com impressora digital, que alimentam um forno, além de 3 linhas de escolha e embalagem. Na UF2, operam 2 linhas de produção semelhantes, que alimentam um segundo forno e 3 linhas de escolha e embalagem. A unidade também conta com uma linha de corte e retificação (cf. Parte 6 do PA).
  4. Antes de 2019, a Requerente recorria a fornecedores externos para o acabamento ou produção de produtos retificados. Para aumentar a competitividade, a empresa iniciou um projeto de investimento em 2018, com a aquisição e instalação de uma máquina de retificação na UF2 e a adaptação de uma das linhas de produção (cf. Parte 7 do PA).
  5. O investimento totalizou 1.066.670,40€, sendo 587.900,00€ realizados em 2018 e 478.770,40€ em 2019. Esse investimento incluiu a ampliação da linha de vidragem e da máquina de impressão digital, a aquisição de ferramentas e moldes, um calibrador de grandes formatos, um filtro de despoeiramento e a instalação de quadros elétricos (cf. n.º 28 do PPA).
  6. A nova capacidade instalada permitiu a produção interna de formatos retificados como 90x90, 60x120, 20x120, 60x75, 15x75 e 22,5x90 (cf. n.º 34 do PPA).
  7. Conforme o disposto no n.º 37 do PPA, o catálogo de produtos da Requerente para o ano de 2017/2018 era o seguinte:

 

(cf. Doc. 13 do PPA)

  1. Conforme o disposto no n.º 37 do PPA, o catálogo de produtos da Requerente relativo ao ano de 2020/2021 era o seguinte:

 

(cf. Doc. 14 do PPA)

  1. Em 2019, a Requerente produziu 1.980.715 m² de pavimentos e revestimentos cerâmicos dos quais 92.323,27 m² foram produtos retificados (cf. n.º 156 do PPA).
  2. Relativamente aos formatos referidos no dossier RFAI (cf. n.º 49 da presente Decisão Arbitral), o inventário em 2018-12-31 e em 2019-12-31, bem como a produção e a faturação de produtos ratificados, constam da seguinte tabela:

 

(cf. RIT, Parte 7 do PA).

  1. O projeto de investimento realizado pela Requerente, foi denominado "linha de retificação a seco", conforme indicado no dossier justificativo das despesas incluídas no RFAI, elaborado pela Requerente nos termos do art.º 25.º do CFI e do art.º 130.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC):

 

(cf. Parte 6 do PA).

  1. Conforme o Projeto de RIT, encontra-se discriminado o cálculo do valor líquido dos bens do imobilizado reutilizados, reportado ao ano de 2017, incluindo a ponderação dos fatores decorrentes da análise do impacto da retificação na produção de 2019:

 

(cf. Doc. n.º 12 do PPA)

  1. A Requerente considerou os investimentos realizados como enquadráveis no RFAI e, em 2019, deduziu €119.692,60 à coleta de IRC (cf. Parte 7 do PA).
  2. A Requerente foi sujeita a uma inspeção tributária sobre os benefícios fiscais de 2019 nos termos da Ordem de Serviço n.º OI2023... (cf. Doc. n.º 15 do PPA).
  3. A Requerente foi notificada em 2024-03-10, do projeto de Relatório da Inspeção Tributária, que concluiu que o benefício fiscal não cumpria os requisitos do RGIC, do CFI (art.º 1.º e 22.º a 26.º) e da Portaria n.º 297/2015, de 21/09 (cf. Parte 6 do PA).
  4. Em 2024-03-21, a Requerente exerceu o direito de audição prévia sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, previsto no art.º 60º da LGT e o art.º 60º do RCPITA, alegando que o projeto configurava a introdução de novos produtos. No entanto, não se pronunciou sobre o incumprimento do art.º 3.º, n.º 2, da Portaria 297/2015, de 21/09 (cf. Parte 7 do PA).
  5. Em 2024-04-07, foi notificada do RIT, que reiterou que o projeto não se enquadrava na tipologia de diversificação de produção, cujo teor da resposta da Requerida se dá como reproduzido: “Assim, ficou claro que o projeto de investimento desenvolvido pela A...S.A., não tem enquadramento na tipologia de “diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente”, não constituindo um verdadeiro “investimento inicial” nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do art.º 2.º do RGIC e na alínea d) do n.º 2 da Portaria n.º 297/2015 de 21-09”(cf. Parte 4 do PA);
  6. Adicionalmente, o Relatório Final da Inspeção (cf. Parte 7 do PA) refere que: “o montante de 18.500,00€ referente ao serviço de atualização da máquina Kerajet com o n.º de série 146085, instalada na linha de produção n.º 1 da UF2, foi indevidamente incluído no investimento global considerado elegível pelo SP, pelo que o benefício fiscal correspondente a 4.625,00€ (18.500,00€*25%) constitui, desde logo uma correção técnica à dotação de RFAI gerada neste exercício”.
  7. Relativamente à fundamentação invocada pela Requerida, consta do Relatório da Inspeção Tributária (cf. Parte 7 do PA) o seguinte: “por um lado, a desconsideração do investimento inicial na tipologia de diversificação da produção para produtos não produzidos anteriormente e, por outro lado, o incumprimento da condição imposta no n.º 2 do art.º 3.º da Portaria n.º 297/2015 de 21-09, que consiste na comprovação de que o montante investido nas aplicações relevantes deve exceder, em pelo menos 200%, o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados”.
  8. Como resultado, foram emitidos atos tributários de liquidação de IRC e juros compensatórios, totalizando 94.539,74€, conforme demonstrado no acerto de contas n.º 2024... (cf. Doc. n.º 3 da PPA), atualmente contestados no presente processo arbitral, cuja constituição foi requerida em 2024-08-29 e aceite em 2024-09-02.

B.Factos não provados

 

  1. Não ficou provado que a aquisição do serviço de atualização da largura de impressão da máquina Kerajet (90*90) (ficha de imobilizado 2078), descrita pela fatura n.º 19506006 de 18-06-2019 A, no valor de € 18.500,00, n.º de série 146085, esteja relacionada com o projeto de investimento considerado elegível em sede de RFAI.
  2. Não ficou provado que o investimento realizado pela Requerente se enquadre na 'diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente', tipologia necessária para a sua classificação como um verdadeiro “investimento inicial”, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do art.º 2.º do RGIC e da alínea d) do n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
  3. Não ficou provado que as aplicações relevantes do “investimento inicial”, no montante de 1.066.670,40€, excedem, em pelo menos 200%, o valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados, que ascende a 2.154.492,09€, conforme registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.

C.Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. Nos termos do art.º 596.º, n.º 1, e do art.º 607.º, n.ºs 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, compete ao Tribunal discriminar os factos considerados provados e não provados, conforme dispõe o art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e o art.º 607.º, n.º 3, do CPC.
  2. Foram considerados provados, para efeitos da decisão, os factos acima mencionados, com fundamento na prova documental constante dos autos e nas posições assumidas pelas partes, as quais não foram impugnadas, nos termos do art.º 110.º, n.º 7, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

IV.MATÉRIA DE DIREITO

A.Questões decidendas

 

  1. As questões controvertidas nos presentes autos são as seguintes:
  1. Verificar o cumprimento do requisito do art.º 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2017, de 21 de setembro.
  2. Verificar o cumprimento do requisito do art.º 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
  3. Apurar a existência de vício de fundamentação no Relatório de Inspeção Tributária.

B.Enquadramento jurídico

  1. A análise da primeira questão material controvertida exige a interpretação e aplicação das normas previstas no art.º 22.º do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro; no art.º 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro; e no art.º 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC, aos factos do caso em apreço.
  2. O articulado do CFI relativo ao benefício fiscal RFAI (art.º 22.º a art.º 26.º) não define expressamente o conceito de “investimento inicial”. Essa definição deve ser extraída das disposições do Direito da União Europeia relativas aos Auxílios de Estado, nomeadamente do art.º 107.º e do art.º 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  3. Além disso, a regulamentação desses artigos encontra-se no RGIC e na Comunicação da Comissão Europeia que estabelece as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020” (OAR), publicada no Jornal Oficial da União Europeia C 209, de 23.7.2013.
  4. O ordenamento jurídico nacional também remete para essas disposições, nomeadamente através da Lei de Autorização Legislativa n.º 44/2014, de 11 de julho (art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 2, alínea a), e n.º 3), do CFI (art.º 1.º, n.º 2, e art.º 2.º, n.º 2), bem como dos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
  5. Nos termos do art.º 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC e do art.º 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, um investimento é elegível para o benefício do RFAI apenas se se enquadrar no conceito de "investimento inicial".
  6. Para efeitos de comprovação da elegibilidade ao RFAI, o ónus da demonstração da realização de um "investimento inicial" recai sobre a Requerente, nos termos do art.º 74.º, n.º 1, da LGT e dos artigos 6.º e 7.º da Portaria n.º 297/2015. Impõe-se aferir se tal ónus foi cumprido (v., neste sentido, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 82/2020).
  7. De acordo com a alínea d) do n.º 2 do art.º 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamenta o RFAI, para efeitos do disposto no art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, a diversificação da produção de um estabelecimento, no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, é considerada um investimento inicial. Portanto, é elegível para os benefícios fiscais previstos nesse regime.
  8. Nos termos do art.º 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, conjugado com o art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, os benefícios fiscais previstos para investimentos iniciais aplicam-se à diversificação da produção de um estabelecimento. Isso ocorre sempre que essa diversificação envolva a introdução de produtos que não tenham sido anteriormente fabricados nesse estabelecimento.
  9. O art.º 2.º, parágrafo 49, alínea a), do RGIC, qualifica como investimento inicial, a diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não previamente produzidos nesse estabelecimento, desde que envolva investimentos em ativos corpóreos e/ou incorpóreos que possibilitem essa transformação produtiva.
  10. Também o art.º 3.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que regulamentou o RFAI, menciona as aplicações consideradas relevantes para este benefício fiscal:

 

"Artigo 3.º - Aplicações relevantes

1 — Nos casos em que o investimento inicial respeite a uma alteração fundamental do processo de produção, o montante das aplicações relevantes deve exceder o montante das amortizações e depreciações dos ativos associados à atividade a modernizar contabilizadas nos três períodos de tributação anteriores ao do início da realização do projeto de investimento.

2 — Nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200 % o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento."

  1. Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 22.º do Código Fiscal do Investimento, os ativos relevantes para o investimento inicial devem cumprir os seguintes requisitos:
  1. Ser exclusivamente utilizados no estabelecimento objeto dos benefícios fiscais;
  2. Ser amortizáveis, de acordo com as regras contabilísticas em vigor;
  3. Ser adquiridos a terceiros não relacionados com o adquirente e em condições de mercado;
  4. Permanecerem associados ao investimento beneficiado pelo auxílio por um período mínimo de cinco anos, ou três anos no caso de micro, pequenas e médias empresas (PME).
  1. O RFAI, enquanto auxílio de Estado, deve respeitar as disposições do Direito da União Europeia, nomeadamente:
  1. O RGIC, cujo art.º 14.º, n.º 6, exige que os ativos adquiridos sejam novos, salvo para PME e aquisições de estabelecimentos.
  2. As Orientações sobre Auxílios de Estado a Favor do Investimento Regional (OAR), que no ponto 94 reiteram essa exigência, permitindo exceções apenas para PME ou aquisição de estabelecimentos.
  1. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados (art.º 14.º, n.º 9 do RGIC), devem ser cumpridas as seguintes condições:
  1. O investimento deve resultar num aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em comparação com a média dos 12 meses anteriores;
  2. Eventuais perdas de postos de trabalho durante esse período devem ser deduzidas do total de novos postos criados.
  1. Este enquadramento segue as disposições da alínea a) do parágrafo 49 do art.º 2.º do RGIC. Dessa forma, assegura a conformidade com as regras europeias em matéria de auxílios estatais.
  2. Como no projeto do RIT e no respetivo direito de audição subsistem divergências quanto à verificação das situações que possibilitam a qualificação do investimento realizado como "investimento inicial", impõe-se uma análise concreta da sua ocorrência.

C.Cumprimento do requisito do artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2017, de 21 de setembro.

 

1.Investimentos que não satisfazem as condições de aplicações relevantes

 

  1. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do CFI, consideram-se aplicações relevantes, para efeitos de cálculo dos benefícios fiscais, as despesas associadas aos projetos de investimento e relativas a ativos fixos tangíveis afetos à realização do projeto.
  2. De acordo com o art.º 2.º, n.º 2, al. d), da Portaria n.º 297/2015, os benefícios fiscais previstos são aplicáveis apenas a investimentos que envolvem a diversificação da produção com relação a produtos que não eram fabricados anteriormente no estabelecimento, conforme disposto no art.º 23.º do CFI.
  3. Adicionalmente, nos termos do n.º 3 da Portaria n.º 297/2015, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 22.º do CFI, independentemente da forma que assuma o investimento inicial, apenas se consideram aplicações relevantes os ativos que sejam exclusivamente utilizados no estabelecimento objeto dos benefícios fiscais.
  4. Neste contexto, conforme alegado pelo Requerente no n.º 21 da PPA, a materialização dos investimentos ocorreu por meio da aquisição e instalação de uma máquina de retificação na Unidade de Fabrico 2 (UF2), além da adaptação de uma das linhas de produção.
  5. Segundo o dossier RFAI, os bens com as fichas de imobilizado 2064 e 2077 estão registados na Unidade Fabril 1. No entanto, a Requerida identificou que esses bens estão realmente localizados na UF2, especificamente na linha de produção 2.
  6. Após consulta da fatura n.º 19506006, datada de 18-06-2019, a Requerida constatou que a máquina Kerajet, cujo serviço de atualização foi adquirido por 18.500,00€, refere-se à máquina instalada na linha 1 da UF2. Essa máquina não está relacionada com o projeto de investimento que foi considerado elegível no âmbito do RFAI.
  7. Assim, a Requerida demonstrou à Requerente que a máquina Kerajet não é utilizada no projeto de investimento (ver Projeto de Relatório). Por sua vez, a Requerente, por força do ónus da prova que lhe compete (ver Decisão Arbitral n.º 371/2022-T), não apresentou pressupostos que habilitassem este investimento a ser enquadrado no RFAI.
  8. A aquisição de equipamento fora de uma estratégia global de investimento, sem contribuir para o aumento da capacidade produtiva, pode configurar uma "aquisição isolada", não enquadrável como "investimento inicial" nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do art.º 2.º do RGIC (cf. Decisões Arbitrais n.º 483/2022-T e n.º 796/2023-T).
  9. Nos termos do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 162/2014 e do art.º 2.º, n.º 49 do Regulamento (UE) n.º 651/2014, para ser considerado um investimento inicial, o projeto deve enquadrar-se numa das categorias legalmente previstas, incluindo a diversificação da produção.
  10. O investimento na máquina Kerajet, com a ficha de imobilizado n.º 2078, não se enquadra nesses critérios, não configurando um investimento de diversificação nos termos legais. Assim, não reúne os requisitos necessários para a concessão dos benefícios fiscais no âmbito do RFAI.

 

2.Diversificação da produção para produtos não fabricados anteriormente num determinado estabelecimento

 

  1. A matéria em análise refere-se à qualificação do investimento realizado pela Requerente na denominada “linha de retificação a seco”, no âmbito do RFAI, e sua conformidade com os requisitos legais estabelecidos para efeito de beneficiação fiscal.
  2. A controvérsia decorre da apreciação efetuada pela Requerida, a qual considera que os investimentos em causa não configuram uma efetiva "diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento", nos termos do art.º 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC e do art.º 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
  3. A Requerente sustenta que os investimentos realizados visaram a diversificação da sua gama de produtos, com o objetivo de reforçar a sua competitividade no setor dos revestimentos e pavimentos, nomeadamente através da introdução de “formatos específicos anteriormente não produzidos” (cf. n.º 17 da PPA).
  4. Contudo, nem na PPA nem durante o exercício do direito de audição — após a apresentação do Projeto de RIT (cf. Parte 6 PA) — a Requerente indicou, de forma concreta, quais os produtos que, não sendo anteriormente fabricados, passaram a ser produzidos em decorrência da execução do projeto de investimento.
  5. Nesse sentido, a Requerente alegou, no n.º 34 da PPA, que a diversificação foi concretizada mediante a introdução de novos formatos retificados, discriminados nesse item. Procedeu-se, assim, à análise da gama de produtos fabricados, tendo em conta os artigos disponibilizados antes e depois da realização do projeto de investimento, e avaliando-se as características de formato e retificação, tanto de forma isolada quanto combinada.
  6. Analisou-se ainda se os formatos indicados correspondem efetivamente a formatos finais dos artigos dos produtos ou se constituem apenas etapas de produção otimizadas de outros formatos finais (cf. Anexo 5 do Projeto de RIT – Parte 6 do PA).
  7. No caso concreto, verifica-se que, para os produtos BETON e LIVING, no formato 90x90 retificado, já eram produzidos e comercializados artigos antes do investimento, sendo a retificação efetuada por terceiros. O investimento apenas permitiu a internalização essa etapa do processo produtivo, não representando uma verdadeira inovação em termos de diversificação de produtos (cf. n.º 38 da PPA).
  8. O formato 22,5x90, apontado pela Requerente como novo, deriva diretamente da laminação do formato 90x90, evidenciando a continuidade produtiva. O inventário de 72.462,60 m² deste formato em 31/12/2018 demonstra sua existência prévia ao investimento (cf. n.º 53 da presente Decisão Arbitral).
  9. De igual modo, os formatos 60x120 e 20x120 já integravam produtos como BETON, LIVING, DECK, MAPLE OAK e PAINTWOOD antes da realização do investimento), demonstrando que sua incorporação no processo produtivo não representa uma diversificação significativa da produção (cf. n.º 50 da presente Decisão Arbitral).
  10. Ademais, os registos de produção e de inventário evidenciam a existência dos referidos formatos já antes da realização do investimento, o que põe em causa a alegada inovação produtiva. Aliás, tal circunstância é confirmada no RIT (cf. Parte 7 do PA), onde se comprova que a retificação constitui uma fase adicional do processo produtivo já existente, não determinando uma alteração essencial na natureza dos produtos fabricados.
  11. Nos termos da decisão arbitral do CAAD n.º 422/2022-T, "o simples facto de um produto apresentar um comprimento superior, ainda que resultante de uma nova linha de produção, não implica que se trate de um novo produto, mas sim do mesmo produto com uma diferente dimensão". Assim, não se pode qualificar automaticamente a produção de um formato diferente como um "investimento inicial" nos termos do art.º 23.º do CFI.
  12. De forma similar, a decisão arbitral n.º 546/2020-T concluiu que "a alteração de modelos, dimensões e design de produtos previamente produzidos não consubstancia, por si só, um novo produto", mas apenas uma nova referência de artigo de produto.
  13. No âmbito do processo de inspeção, a prova testemunhal constante do RIT (cf. Anexo 5 da Parte 6 do PA) confirmou que a linha 2 da UF2 fabrica tanto artigos retificados como não retificados, o que indica que os investimentos não se encontram exclusivamente afetos à fabricação de novos artigos de produtos, não sendo, por isso, a característica de retificação um elemento diferenciador da existência de novos produtos.
  14. Posto isto, é possível concluir que a consideração isolada ou combinada das características de formato e retificação não constitui, por si só, um elemento diferenciador na criação de novos produtos, uma vez que alguns dos produtos com essas características, indicadas no n.º 34 da PPA, já faziam parte da gama de produtos anteriormente fabricada.
  15. No mesmo sentido, o facto de alguns artigos dos produtos com os formatos indicados no n.º 34 da PPA apresentarem distorções ao nível do registo de inventário (cf. n.º 53 da presente Decisão Arbitral) confirma que uma parte dos formatos considerados na PPA corresponde a formatos intermédios de outros formatos finais, o que reforça a conclusão sobre a natureza não diferenciadora da característica do formato.
  16. A prova testemunhal constante do Anexo 5 da Parte 6 do PA corrobora essa conclusão: "O formato 15×75 retificado é obtido a partir do 60×75, e o 20×120 retificado é obtido a partir do 60×120. O formato 60×75 é produzido exclusivamente para ser transformado em 15×75 retificado. Já o formato 60×120 retificado pode ser produzido e comercializado diretamente nesse formato."
  17. Portanto, considerando que a Requerente não indicou, de forma clara e verificável, quais os produtos que alegadamente consubstanciam a categorização do investimento em diversificação e não tendo sido comprovada a natureza diferenciadora das características de formato e retificação, conclui-se que não foi demonstrada a diversificação da produção para produtos anteriormente não fabricados nesse estabelecimento, nos termos e para os efeitos do art.º 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC.
  18. Face ao exposto, não logrou a Requerente comprovar que tais ativos se destinam a produtos não anteriormente produzidos, conforme exigido pelo art.º 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC, no âmbito do critério de diversificação.
  19. Assim, conclui-se que o investimento realizado pela Requerente não configura um "investimento inicial", por não se enquadrar em qualquer das situações previstas no art.º 2.º, parágrafo 49, alínea a), do RGIC, nem no art.º 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
  20. Consequentemente, o investimento efetuado pela Requerente, referido como “linha de retificação a seco”, não preenche os requisitos de elegibilidade necessários à fruição do benefício fiscal ao abrigo do RFAI, nem do regime da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR).

3.Sobre cumprimento do requisito do artigo 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

  1. Não se verificando um dos pressupostos essenciais à elegibilidade do investimento para efeitos do RFAI — concretamente, a qualificação do investimento como "investimento inicial" — fica prejudicada a apreciação do requisito previsto no art.º 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, segundo o qual as aplicações relevantes devem exceder, pelo menos, 200% do valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados.
  2. Embora se considere que o requisito constante do art.º 3.º, n.º 2, da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro não se encontra demonstrado no caso em apreço, concede-se o exercício da análise da condição da última parte daquela, conforme apresentado pela Requerente.
  3. Relativamente ao cumprimento da qualificação do investimento como 'investimento inicial' das aplicações relevantes excederem, pelo menos, 200% do valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados, a Requerente utiliza como critério de ponderação das quantidades totais de produtos produzidos durante o ano de 2019, a parcela de produto retificado produzido, e a correspondente imputação do ativo reutilizado - terrenos e equipamentos – para efeitos de produção dos novos produtos retificados na Linha 2 da UF2.
  4. Ainda que inexista respaldo legal expresso — seja no RGIC ou em outro diploma complementar — que fundamente a adoção desse método, a FAQ n.º 78 do GBER não o veda. Pelo contrário, admite implicitamente a sua aplicação ao prever: “Se um ativo (por exemplo, um edifício) for apenas parcialmente reutilizado, o valor contabilístico do ativo pode ser considerado ‘pro-rata’".[1]
  5. Nesse sentido, o método apresentado pelo Requerente encontra-se devidamente detalhado, cumprindo o pressuposto de que o “valor contabilístico é o valor residual desses ativos registado na contabilidade do beneficiário no final do exercício fiscal que precede o início das obras”.[2]
  6. Tal pressuposto é observado mediante a utilização do valor contabilístico dos ativos anteriores ao investimento, o qual é distribuído proporcionalmente com base na produção registada no último ano do investimento, sendo este o primeiro exercício em que a aplicação do referido método se revela tecnicamente viável. 
  7. No mesmo sentido, a Decisão Arbitral n.º 726/2020-T não afasta a admissibilidade da utilização de “taxas de imputação pro-rata e estimativas do peso relativo do volume de vendas dos novos produtos”, como critério auxiliar para efeitos de afetação proporcional de ativos, desde que esteja demonstrada a efetiva criação de novos produtos na sequência do investimento.
  8. Todavia, conforme exposto no n.º 106 da presente Decisão Arbitral, não se demonstrou que a retificação consubstancie, por si só, uma característica diferenciadora suscetível de evidenciar a criação de novos produtos na sequência do investimento, uma vez que tal elemento, considerado isoladamente ou em conjugação com a característica de formato, já se encontrava presente em determinados artigos incluídos em algumas das linhas de produto previamente existentes.
  9. Neste contexto, a utilização de um método em que a característica de retificação constitua critério diferenciador da produção dos novos produtos alegadamente resultantes do investimento, e também da afetação das correspondentes aplicações relevantes, não se afigura tecnicamente adequada, carecendo de adequado fundamento técnico ou económico que a sustente.
  10. Por conseguinte, os valores assim apurados não poderão ser considerados para efeitos de verificação do cumprimento da condição segundo a qual as aplicações relevantes do “investimento inicial” devem exceder, pelo menos, 200% do valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados, conforme previsto no art.º 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

4.Quanto ao alegado vício de fundamentação

  1. A Requerente invoca a existência de um vício de fundamentação, alegando que não foi feita qualquer prova de que os elementos por si apresentados não poderiam beneficiar do princípio da presunção de veracidade, previsto no art.º 75.º da LGT, apesar de o ónus dessa prova recair integralmente sobre os Serviços de Inspeção Tributária (SIT), nos termos do art.º 74.º do mesmo diploma legal.
  2. A Requerida contrapõe que a exigência de fundamentação dos atos tributários, ou dos praticados em matéria tributária que afetem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes, encontra-se consagrada no art.º 77.º da LGT.
  3. A exigência de fundamentação de atos administrativos lesivos consta do n.º 3 do art.º 268.º da CRP, que determina que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
  4. No que concerne aos atos tributários, os n.ºs 1 e 2 do art.º 77.º da Lei Geral Tributária estabelecem que:
  1. A decisão proferida no âmbito do procedimento tributário deve ser fundamentada, mediante uma exposição sucinta das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de pareceres, informações ou propostas anteriores, incluindo os constantes do relatório da inspeção tributária; e
  2. A fundamentação dos atos tributários pode revestir-se de forma sumária, devendo, contudo, conter obrigatoriamente as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações realizadas para apuramento da matéria tributável e do tributo devido.
  1. Nos termos do art.º 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente, nos termos do art.º 2.º, alínea c), da LGT, considera-se existir falta de fundamentação quando sejam adotados fundamentos que, pela sua obscuridade, contradição ou insuficiência, não permitam esclarecer de forma concreta as razões que justificaram a prática do ato.
  2. No caso em apreço, o RIT (cf. Parte 7 do PA) apresenta a exposição das razões de facto e de direito que sustentam a decisão da AT de desconsiderar, para efeitos do RFAI, o investimento realizado pela Requerente na designada “linha de retificação a seco”.
  3. Conforme estabelecido na Decisão Arbitral n.º 144/2023-T, de 11 de setembro de 2023, considera-se suficiente a fundamentação do ato quando esta permite aos seus destinatários a reconstituição do percurso cognitivo e valorativo adotado pela autoridade competente, ou seja, quando um destinatário médio, ao se deparar com o ato em questão, possa compreender de maneira clara e objetiva as razões que embasam a decisão proferida.
  4. A Decisão Arbitral n.º 707/2022-T, de 30 de junho de 2023, reafirma que os atos tributários devem ser devidamente fundamentados, ainda que de forma sucinta, de modo a permitir ao sujeito passivo conhecer as razões de facto e de direito que os sustentam, garantindo, assim, o pleno exercício do seu direito de defesa.
  5. Neste contexto, constata-se que a fundamentação constante no RIT foi suficiente para permitir à Requerente compreender os fundamentos adotados pela AT, como resulta do conteúdo do PPA, no qual impugnou os atos tributários em causa e exerceu efetivamente o seu direito de defesa através da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
  6. Em face do exposto, este Tribunal conclui que não se verifica o vício de falta de fundamentação alegado pela Requerente.

V.DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido; e
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

VI.VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 94.539,74€.

VII.CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 2.754,00€ a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

Lisboa, 24 de abril de 2025

Os Árbitros,

 

 

 

Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente)

 

 

 

Prof. Doutor João Zambujal de Oliveira (Relator)

 

 

Dr. Amândio Silva 



[1]If an asset (e.g., a building) is only partially reused, the book value of the asset can be taken into account 'pro rata'".

[2]book value is the residual value of these assets as entered to the books of the beneficiary in the end of the fiscal year that precedes the start of works”.