Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 985/2024-T
Data da decisão: 2025-04-16  IVA  
Valor do pedido: € 47.806,39
Tema: IVA, TAXA REDUZIDA. SUMOS. SMOTHIES
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SUMÁRIO

Os “smoothies” produzidos pela Requerente são considerados sumos à luz da legislação vigente, sendo de rejeitar, em absoluto, a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira, de que não se enquadram na verba 1.11, da Lista I do Código do IVA.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.RELATÓRIO

 

1. A... contribuinte fiscal nº..., com sede em ...,  ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) apresentou em 2024-08-22, pedido de constituição arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1  do artigo 2º e alínea a) dos nºs 1 e 2 e do artigo 10, nºs  1 e 2 todos do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT) e da Portaria  nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT ou Requerida) com vista à anulação parcial dos actos de liquidação das demonstrações de acerto de contas, das demonstrações de liquidação de juros e dos actos de demonstração de liquidação adicional de IVA, todos com referência ao exercício fiscal de 2021, identificadas como segue: liquidações adicionais de IVA n.ºs ... (janeiro de 2021), ... (fevereiro de 2021), ...(março de 2021), ... (abril de 2021), ... (maio de 2021), ... (junho de 2021), ... (julho de 2021), ... (agosto de 2021), ... (setembro de 2021), ... (outubro de 2021), ... (novembro de 2021) e ... (dezembro de 2021), as demonstrações de liquidação de IVA n.ºs 2024 ... (janeiro de 2021), 2024 ...(fevereiro de 2021), 2024 ... (março de 2021), 2024 ... (abril de 2021), 2024 ... (maio de 2021), 2024 ... (junho de 2021), 2024 ... (julho de 2021), 2024 ... (agosto de 2021), 2024 ... (setembro de 2021), 2024 ... (outubro de 2021), 2024 ...(novembro de 2021) e 2024... (dezembro de 2021), os atos de demonstração de acerto de contas n.ºs 2024 ... (janeiro de 2021), 2024 ... (fevereiro de 2021), 2024 ... (março de 2021), 2024 ... (abril de 2021), 2024 ... (maio de 2021), 2024... (junho de 2021), 2024 ... (julho de 2021), 2024 ... (agosto de 2021), 2024 ..., 2024 ...(setembro de 2021), 2024 ... (outubro de 2021), 2024 ... (novembro de 2021) e 2024 ... (dezembro de 2021), e, ainda, a demonstração de liquidação de juros n.º 2024 ... (setembro de 2021).

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 2024-08-26 e notificado à AT nesse mesmo dia.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquela Conselho a aceitação do encargo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 2024-10-11 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pelo Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro,

 

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2024-10-29 em consonância com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6.Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral dessa mesma data, a Requerida apresentou a sua resposta, bem como o processo administrativo anexo em 2024-12-03.

 

7. A Requerente veio, em 2024-12-18, requerer que fosse dispensada a audição das testemunhas bem como as declarações de parte do representante da Requerente, sugerindo o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo nº 763/2024-T, proferido sob a égide do CAAD, em 2024-11-18.

 

8. Notificada para se pronunciar sobre a pretensão da Requerente, e no exercício do contraditório, veio a AT afirmar nada ter a opor.

 

9.Em 2025-04-01, os serviços administrativos do CAAD, procederam à integração nos presentes autos, da acta  de inquirição e respectiva gravação dos depoimentos relativos ao processo nº 763/2024-T.

 

10.A Requerente apresentou em 2025-01-24 alegações escritas, onde, fundamentalmente reitera e densifica o constante das suas peças processuais.

 

11. A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou alegações.

 

II-SANEAMENTO

 

a.O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído, e é competente em razão da matéria, face ao disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a), 5º, nº 3 alínea a) e artigo 6º, nº 3º, alínea a) todos, do RJAT,

 

b.O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado dentro do prazo de noventa dias, previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT,

 

c. É legitima a cumulação de pedidos face ao disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT.

 

d. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, e estão regularmente representadas, em consonância com o disposto nos artigos 4º e 10º, ambos do RJAT, e nos artigos 1º e 3º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março.

 

e. O processo não enferma de nulidades.

 

f. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se.

 

g. Com data de 2025-03-31 foi proferido despacho arbitral, onde para além do mais se determinou, e para o que aqui releva, o seguinte: “Verificando-se a coincidência da identidade das testemunhas arroladas, bem como da matéria de facto subjacente, não vê este tribunal qualquer obstáculo a que não seja, nos presente autos, aproveitada a prova produzida no âmbito do referido processo arbitral tributário nº 763/2024-T”.

 

h. Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

 

III-FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

 

Como acabado de se afirmar, por despacho arbitral proferido em 2025-03-31 determinou-se, (com a obvia anuência das partes) ao abrigo do disposto no artigo 547º do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do nº 2 do artigo 29º do RJAT o aproveitamento da prova testemunhal produzida nos autos de arbitragem tributária, que correram termos sob a égide do CAAD, com o  número 763/2024-T de 2024-11-18 (JORGE LOPES DE SOUSA, JOSÉ JOAQUIM MONTEIRO SAMPAIO E NORA, A. SÉRGIO DE MATOS).

 

A Razão do despacho em causa, prende-se com a total coincidência da identidade das testemunhas arroladas, da matéria de facto e de direito, e bem assim como as declarações de parte do representante da Requerente, a que acresce ainda, e em substancial extensão, a identidade (quase total) do Relatório da Inspecção Tributária subjacente neste e no referido processo 763/2024-T.

 

De igual modo, por razões de economia processual, e fundamentalmente tendo em vista a uniformidade da jurisprudência (artigo 8º, nº 3º do Código Civil) seguir-se-á nesta sede data venia, a remissão substancial (com as eventuais e necessárias adaptações) do referido acórdão arbitral, sem prejuízo da não utilização de aspas para delimitação/identificação das transcrições, para facilidade de leitura.

 

A.1. Factos dados como provados

 

A. Requerente é uma cooperativa de horto fruticultores ;

 

B.A Requerente tem por objeto principal o comércio por grosso de frutas e produtos hortícolas exceto batata, dedicando-se, ainda à produção, concentração, conservação, embalamento, transformação e comercialização dos produtos produzidos nas explorações dos seus associados, quaisquer que sejam os meios e as tecnologias dos seus associados, quaisquer que, sejam os meios e as tecnologias utilizadas;

 

C. No domínio da actividade desenvolvia ao abrigo do CAE 10320 “ fabricação de sumos de frutos e de produtos hortículas “ a Requerente utiliza frutas da produção dos seus membros e, quando necessário, matéria prima que adquire a entidades terceiras;

 

D. Em 2021 a Requerente produziu entre outros, os seguintes produtos;

. Smoothie Banana Espinafre e Hortelã,

. Smoothie OCenoura,

. Smoothie Frutos Vermelhos,

. Smoothie Morango e Banaa,

-Smoothie Pêra Gengibre;

 

 

E. Na produção dos diversos sumos, a Requerente utiliza três processos produtivos distintos, mas complementares ; (i) prensa; (ii) extractora a frio; extractora de citrinos;

 

F. No método de produção com base em triturados / prensa, as frutas, após serem lavadas e escolhidos, são cortadas e misturadas num sem-fim elevatório, passando essa mistura pelo triturador da prensa, que visa reduzir os produtos a pequenos pedaços, constituindo-se um mistura sólida-líquida;

 

G.O produto da trituração é prensado, separando-se a parte sólida (subproduto para alimentação animal) da parte líquida, que é enviado para o tanque de mistura e homogeneização;

 

H.Com recurso à extractora e desarejador, após a seleção das matérias primas frescas, que são lavadas e trituradas, produz-se o sumo, que é separado mecanicamente da parte sólida e do ar, de forma a minimizar os processos de oxidação responsáveis pela deterioração da qualidade do sum, que, que é entretanto, enviado para o tanque de mistura e homogeneização;

 

I. No tanque de mistura e homogeneização, os sumos obtidos pelos processos descritos são misturados, resultando desta mistura o sumo final;

 

J. O resultado da mistura homogeneizada (o sumo final) é introduzido em embalagens, que são cheias, capsuladas, e estabilizadas a frio por (“HPP (High Pressure Product”;

 

K. Os processos produtivos utilizados pela Requerente não consistem em bater fruta;

 

L. O “Smoothie banana espinafre e hortelã” é composto por maça (46%), polpa de banana (30%), puré de maça (10%), ananás (5%), espinafre (5%), hortelã (2%), limão (2%) e antioxidante (acido ascórbico);

 

M. O denominado “smoothie banana espinafre e hortelã” é um sumo;

 

N. “Smoothie Cenoura” e o “Smoothie Sonatural Cenoura” são compostos por maça (60%), cenoura (20%), banana (10%)), manga (10%) e antioxidante (ácido ascórbico);

 

O. Os denominados “Smoothie Cenoura” e “Smoothie Sonatural Cenoura” são sumos;

 

P. O “Smoothie Frutos Vermelhos “como o “Smoothie Sonarural Frutos Vermelhos” contêm maça (82%), polpa de banana (8%), framboesa (6%), mirtilo ((4%) e antioxidante (ácido ascórdico);

 

Q. Uma avaliação sensorial dos produtos por provadores peritos, concluiu  que tanto o denominado “Smoothie Frutos Vermelhos” como o “Smoothie Sonatural Frutos Vermelhos” são sumos;

 

R. O “Smoothie morango e banana” é composto por morando (46%), maça (39%), banana (15%) e antioxidante (ácido ascórbico);

 

S.O denominado “Smoothie morango e banana “é um sumo;

 

T. O “Smoothie pêra gengibre é composto por pêra (55%), maça (40%), gengibre (5%) e antioxidante (ácido ascórbico);

 

U. Uma avaliação sensorial do produto por provadores peritos concluiu que o denominado “Smoothie pêra gengibre” é um sumo;

 

V. Por razões comerciais e a pedido dos seus clientes, a Requerente produzia sumos que, no momento do embalamento e rotulagem, tanto recebiam a designação “sumo “como “smoothie”, não obstante terem a mesma composição, terem sido produzidps com a mesmo maquinaria e segundo as mesmas técnicas;

 

X. Há produtos no mercado com a designação de “smoothie” que incluem lacticínios sendo batidos, mas isso não sucede com os comercializados pela Requerente com designação de “smoothies” que têm composição e processo de fabrico, totalmente idênticos aos produtos com os mesmos componentes que a Requerente comercializa com a designação de”sumos”.

 

 Y. Os produtos que a Requerente comercializa com a designação de “smoothies”, não são” batidos”, pois estes têm incorporação de ar, o que não sucede com os da Requerente, pois a incorporação de ar teria como consequência que rebentassem com a sujeição a pressão extremamente alta que integra o seu processo de fabrico.

 

(cfr., depoimentos das testemunhas, declarações de parte, constantes do processo nº 763/2024-T e documentos juntos pela Requerente nos presentes autos)

 

Z. A Requerente foi objecto de uma ação inspectiva, a coberto da Ordem de Serviço nº OI2022... de carácter parcial, relativa ao IVA do exercício fiscal de 2021;

 

A.A. No Relatório da Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, é, para além do mais, referido o seguinte, que importa salientar:

 

V2. Liquidação de IVA inferior à devida

(…)

2.         Examinadas as DP’s de IVA do SP, referentes ao ano em causa, verifica-se que as mesmas apresentam no seu conjunto, relativamente ao Campo 1, base tributável à taxa reduzida, o valor de € 10.420.514,04 (Anexo 2).

3.         O montante acima referenciado reflete o facto de mais de 91,7% do volume de negócios, excluindo transmissões intracomunitárias de bens e Exportações, da A... se encontrar sujeito à aplicação de IVA à taxa de 6%.

4.         Todavia concorrem, erradamente como adiante se demonstrará, para a formação desses mais de 91,7% do volume de negócios em território nacional do SP o quantitativo das vendas dos diversos produtos "Smoothie” que são transmitidos pela A... com IVA à taxa de 6%.

5.         É factual que ocorreu transmissões dos seguintes seis (6) produtos "Smoothie’s”, no ano de 2021 à taxa de 6% (Faturas exemplificativas em Anexo 3): Smoothie Banana, Espinafre e Hortelã 250ml; Smoothie Cenoura 250ml; Smoothie Frutos Vermelhos 250ml; Smoothie Manga e Chia 250ml; Smoothie Morango e Banana 250ml e Smoothie Pera Gengibre 250ml; (Tipos/variedades de Smoothies comercializados pelo SP em Anexo 4).

Ora, atenta a análise e conferência dos elementos remetidos pelo SP, conjugada com o exame dos elementos declarados à AT pelo SP, foram detetadas irregularidades materialmente relevantes, no período de 2021, referentes à liquidação de IVA à taxa reduzida de 6%, uma vez que pela Lei os produtos em causa (Smoothies de diversas variedades) não são possíveis de enquadrar na Lista I anexa ao Código do IVA, e como tal devem ser tributados pela taxa normal de IVA, ou seja 23%.”

 

 

As correções promovidas pelos SIT, estribaram-se na seguinte fundamentação de facto e de direito:

 

V2. Liquidação de IVA inferior à devida

 

1. Determina a alínea g) do n.º 1 do artigo 29.º do código do IVA que os sujeitos passivos de imposto devem «Dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto;». Mais, estabelece o n.º 1 do artigo 44.º do mesmo Decreto-Lei que «A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto».

(…)

6.         Informação obtida em fontes abertas, proveniente de uma entidade parceira da A..., define relativamente ao smoothie «A diferença entre os smoothies e os sumos de fruta, é que o  sumo  de  fruta é só espremer, o smoothie é triturar com tudo», «A  característica particular do smoothie é a textura aveludada, que deriva da fruta ser batida, não contem leite, nada, é apenas fruta batida» https://www.hipersuper.pt/2008/01/25/miguel-rita-director- de-marketing-da-gl/

7.         No mesmo sentido, o documento da Comissão Europeia, referente aos frutos vermelhos, frutos do bosque e cerejas, em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/ALL/?uri=CELEX:52006SC0838 esclarece que : (…) Smoothies are blends of pressed fruits (purees) with fruit juices, usually without sugar added (…) [que em tradução livre resulta no seguinte: «Smoothies são misturas de frutas prensadas (purés) com sumos de frutas, geralmente sem adição de açúcar»].

8.         Estabelece o Decreto-Lei n.º 225/2003 de 24 de setembro [DL 225], na alínea a) do n.º 1 do seu anexo I que “«Sumo de frutos» designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido a partir da parte comestível de uma ou mais espécies de frutos sãos e maduros, frescos ou conservados por refrigeração ou congelação, com a cor, o aroma e o gosto característicos dos sumos dos frutos de que provém (…)”.

9.         Decreta ainda, o já referido diploma, na alínea a) do n.º 4 do seu anexo I que “«Néctar de frutos»:

a) Designa o produto fermentescível, mas não  fermentado, obtido por adição de água e de açúcares    e ou mel aos produtos definidos nos n.ºs 1, 2 e 3 [Sumo de frutos, Sumo de frutos à base de concentrado, Sumo de frutos concentrado, Sumo de frutos desidratado /em pó], a polmes de frutos ou a uma mistura destes produtos (…)”.

10.       Também é determinado pelo n.º 2 do Anexo II, Definições das matérias-primas, do DL 225, que “«Polme de frutos» [é] o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido por peneiração da parte comestível de frutos inteiros ou descascados, sem eliminação do sumo»”.

11.       De acordo com as fichas técnicas fornecidas (ver Anexo 5) os seis "Smoothies” têm as duas seguintes descrições: «As frutas e vegetais frescos são previamente escolhidos, lavados, selecionados, triturados, o resultado da trituração é o sumo» ou «Os frutos frescos são previamente escolhidos, lavados, selecionados, triturados, o resultado da trituraçã/extração é o sumo, a polpa encontra-se acepticamente selada».

12.       Por seu lado a formulação quantitativa, de cada um dos seis “Smoothies” aqui considerados, encontra-se também descrita nas fichas técnicas em Anexo 5.

13.       A   única   verba   da   lista   I,  Bens   e   serviços   sujeitos       a taxa reduzida (disponível em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/codigos_tributarios/civa_rep/Pages/c-iva listas.aspx), anexa ao código do IVA, onde se refere sumos e néctares é a verba 1.11 que identifica «Sumos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico», enquanto Bens sujeitos a taxa reduzida».

14.       No entanto, de acordo com o estipulado pelo Decreto-Lei n.º 225/2003, já se demonstrou que os Smoothies em causa, não colhem cabimento nas designações de «sumos de frutos» e «néctares de frutos».

15.       Dito de forma simplificada um Smoothie é apenas fruta batida (a que se junta apenas um antioxidante) e, pelas definições legais acima descritas, deduz-se, com um elevado grau de certeza, que um Smoothie não é nem um sumo nem um néctar.

16.       Relativamente há possibilidade dos Smoothies poderem ser considerados bebidas, dentro do enquadramento na verba 1.11, ocorre a exigência legal que as mesmas não possuam teor alcoólico e contenham como principal elemento na sua composição: cereais; amêndoa; caju e avelã e o facto de serem comercializadas como «bebida de cereal» ou «bebida» dos referidos frutos de casca rija.

17.       Como já se verificou, pela sua composição (ver Anexo 5), os Smothies, mistura líquida bebível  para consumo humano, também não podem ser incluídos dentro do conceito de «bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico».

18.       O Código do IVA no n.º 1 do artigo 18.º estatui que «As taxas do imposto são as seguintes: Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%; b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%; c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%».

19.       Também o mesmo artigo, na alínea b) do seu n.º 4 obriga que «Nas transmissões de bens constituídos pelo agrupamento de várias mercadorias, formando um produto comercial distinto, aplicam-se as seguintes taxas: b) Quando as mercadorias que compõem a unidade de venda sofram alterações da sua natureza e qualidade ou percam a sua individualidade, a taxa aplicável ao conjunto é a que, como tal, lhe corresponder».

20.       Já se verificou que os produtos em causa não encontram cabimento na verba 1.11 da lista I anexa ao CIVA, compulsando as restantes verbas das listas I e II não se vislumbra nenhuma onde os mesmos se possam enquadrar.

21.       É jurisprudência assente (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 06-18-2014, Processo n.º 1689/13) que a Lista I anexa ao CIVA prevê, de forma taxativa, os produtos que beneficiam da taxa reduzida, não sendo passível de interpretação extensiva (tendo em consideração a Diretiva Comunitária).

22.       A Lista I visa estabelecer um elenco restrito e exato dos bens e serviços que se encontram sujeitos à tributação à taxa reduzida de IVA, de acordo com o exposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA. Esta delimitação precisa assume particular relevância porquanto configura uma exceção à regra geral da tributação à taxa normal de IVA.

23.       Esta restrição, a Lista I está organizada em verbas específicas, cada uma correspondendo a um grupo de bens e serviços, codificadas e classificadas de acordo com critérios específicos, como tipo de produto, categoria ou finalidade, está em consonância com o princípio da legalidade tributária, que impõe a estrita observância da lei na definição dos factos tributários e das demais normas que regem a tributação.

24.       Sendo sabido que a Lista I não pode ser estendida além dos limites rigorosos da própria letra, consequentemente, o produto que não seja contemplado de forma inequívoca na referida Lista não pode beneficiar da taxa reduzida.

25.       No que ao caso importa, é de evidenciar também que, em 2020-04-21, o SP solicitou Pedido de Informação Vinculativa cujo teor se prende com: «(…) a taxa do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a aplicar na transmissão de "smoothie pera e gengibre" e de "smoothie manga e chia"», e a respetiva decisão da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, datada de 2020-06- 30 (após analisados os elementos disponibilizados pela requerente, designadamente as fichas técnicas e os rótulos das embalagens dos produtos), que estabelece «(…) as bebidas denominadas Smoothie "Pera gengibre" e, Smoothie "Manga Chia" não reúnem condições de enquadramento na verba 1.11 da Lista I nem em qualquer outra das diferentes verbas das listas anexas ao CIVA, pelo que as suas transmissões são passíveis de imposto pela aplicação da taxa normal (23%)» (Anexo 6).

26.       Logo somos levados a concluir, no que respeita aos produtos denominados “Smoothie’s”, que não se afigura que os mesmos se enquadrem na citada verba ou em qualquer outra das verbas das diferentes Listas anexas ao CIVA. Daí que, os mesmos devem ser tributados em sede de IVA à taxa normal (23%), a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.

 

B.B. Em resultado da açcão inspectiva, a AT emitiu os actos de liquidação adicional de IVA, as demonstrações de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros constantes no Ponto 1 do Relatório.

 

C.C. Em 2024-07-09 a Requerente pagou o imposto que era devido, em consequência da emissão e notificação dos actos acima referidos, no valor de 10.841,66 €.

 

D.D.com data de 2024-08-22 a Requerente dirigiu ao CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia que deu origem aos presentes autos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão da causa inexistem factos que tenham sido considerados como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Os factos antecedentes foram dados como provados com base nos                    documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo, para além das declarações de parte e depoimento das testemunhas que aparentaram depor com isenção e revelaram conhecimento directo dos factos dados como provados, com base nas suas afirmações. (cfr., depoimentos e declarações de parte, produzidas no âmbito do processo nº 763/2024-T, de 2024-11-18, integradas nos presentes autos.)

 

IV.O DIREITO

 

No artigo 18º, nº 4 do CIVA estabelece-se a taxa de 6% “para as importações, transmissões de bens e prestação de serviços constante da lista 1 anexa a este diploma”.

Por seu turno, a verba 1.11 da lista I anexa ao IVA estabelece como bens sujeitos à taxa de 6%:

“1.11- Sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico”.

 

A Requerente aplicou esta taxa a bens que produz e comercializa com a designação de “smoothies”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na inspecção a que procedeu, entendeu que esta taxa reduzida não podia ser aplicada para as bebidas que a Requerente designa como “smothies” não poderem ser consideradas sumos de frutos ou produtos hortícolas, para efeitos daquela verba 1.11, com a seguinte fundamentação essencial;

14.( de acordo com o estipulado pelo Decreto-Lei n.º 225/2003, já se demonstrou que os Smoothies em causa, não colhem cabimento nas designações de «sumos de frutos» e «néctares de frutos».

15.       Dito de forma simplificada um Smoothie é apenas fruta batida (a que se junta apenas um antioxidante) e, pelas definições legais acima descritas, deduz-se, com um elevado grau de certeza, que um Smoothie não é nem um sumo nem um néctar.

16.       Relativamente há possibilidade dos Smoothies poderem ser considerados bebidas, dentro do enquadramento na verba 1.11, ocorre a exigência legal que as mesmas não possuam teor alcoólico e contenham como principal elemento na sua composição: cereais; amêndoa; caju e avelã e o facto de serem comercializadas como «bebida de cereal» ou «bebida» dos referidos frutos de casca rija.

17.       Como já se verificou, pela sua composição (ver Anexo 5), os Smothies, mistura líquida bebível  para consumo humano, também não podem ser incluídos dentro do conceito de «bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico».

 

BB.A Requerente aceita as correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira referentes ao “smoothie de manga e chia” as quais ascendem ao valor de 17.573,09 € (cfr. artigo 16 do pedido de pronúncia arbitral), pelo que o montante das correções em discussão nos presentes autos se cifra em 47.806,39 €.

Quanto a estas correções, a Requerente defende que, com exceção das referidas bebidas que produz e comercializa com a designação “smoothie de manga e chia”, todas as que comercializa são sumos de frutos e produtos hortícolas e que não se trata de fruta batida.

A prova produzida, tanto de natureza técnica que consta dos documentos, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, como testemunhal e por declarações de parte corrobora manifestamente a posição da Requerente, pois apurou-se que não qualquer diferença entre cada um dos produtos que comercializa com as designações de “sumo” e “smoothie”, sendo a diversificação das designações atribuída por estratégia comercial.

Da prova produzida resulta também que a fruta não é batida, nem os produtos da Requerente incluem lacticínios para formarem “batidos”, e a incorporação de ar que é própria “batidos” é incompatível com o processo de fabrico utilizado pela Requerente que inclui sujeição a pressão extremamente alta.

Pelo exposto, conclui-se que todos os produtos relativamente aos quais foram feitas correções, com exceção dos designados “smoothie de manga e chia”, são sumos de fruta e produtos hortícolas, e, como tal, é aplicada à sua comercialização a taxa de IVA reduzida prevista na verba 1.11 da lista I anexo ao CIVA.

Consequentemente, as correções efetuadas, com exceção da relativa aos designados “smoothie de manga e chia”, enfermam de vícios de violação da lei, por erros sobre os pressupostos de facto, que afetam as liquidações, demonstrações de liquidações e demonstrações de acerto de contas que naquelas se basearam, pelo que se justifica a sua anulação parcial, nos termos do artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT.

 

 

V.JUROS INDEMNIZATÓRIOS

De acordo com o disposto na alínea  b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando ao actos e operações necessários para o efeito ”o que está em sintonias com o preceituado no nº 1 do artigo 100º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT],que estabelece, que a “administração tributária está obrigada , em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo para a execução da decisão.”

 

Embora o artigo 2º, nº1, alíneas a) e b) utiliza a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa  (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá  entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como principal directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

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Foram conhecidas e apreciadas as questões consideradas relevantes, tendo em vista a pretensão da Requerente, submetidos à apreciação deste tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, cuja apreciação seria inútil (cfr., artigo 608º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT”

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VI. DECISÃO 

Face ao que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

1.Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as legais consequências,

2.Anular parcialmente as liquidações identificadas em 1 do Relatório,

3.Condenar a AT ao reembolso das importâncias pagas pela Requerente,

4.Condenar a AT ao pagamento dos juros indemnizatórios, que se mostrem devidos,

5.Condenar a AT ao pagamento das custas processuais.

 

VI.VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 20 de Junho, 97º -A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 47.806,39 € (quarenta e sete mil, oitocentos e seis euros e trinta e nove cêntimos”.

 

VII.CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1, 22º, nº 4 do RJAT e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o valor das custas em 2.142,00 € (dois mil, cento e quarenta e dois euros).

 

NOTIFIQUE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 21º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redação da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

 

Dezasseis de Abril de dois mil e vinte e cinco

 

O árbitro

 

(j. coutinho pires)