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SUMÁRIO
A tributação em Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, de encargos com comissões cobradas pela comercialização pelos bancos de unidades de participação nos fundos de pensões abertos geridos pela respetiva entidade gestora é ilegal por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade (Presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dr. Augusto Vieira (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 29 de Outubro de 2024, acordam no seguinte:
RELATÓRIO
1.Em 21.08.2024, A..., S.A., número de identificação de pessoa colectiva ..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, (“A...”) na qualidade de sociedade gestora (e representante fiscal) dos seguintes fundos de pensões abertos (“Requerentes”):
(1)D...– Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...;
(2)E...– Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...;
(3)F...– Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...;
(4)G...– Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
(5)H...– Plano de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
(6)I...– Plano de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
(7)J... Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
(8)K... Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal ...;
(9)L...– Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
(10)M... Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
perante a formação de indeferimento tácito da revisão oficiosa deduzida pelos Requerentes contra os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) realizados no período compreendido entre Dezembro de 2019 e Novembro de 2021, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral com vista à declaração da ilegalidade desses actos tributários de liquidação relativos:
i.às comissões de comercialização cobradas à A... pela B..., e
ii.ao redébito dessas comissões aos Requerentes por via das comissões de gestão por estes suportadas, efectuadas nos termos da Verba 22.2, da Tabela Geral do IS (“TGIS”) e nos termos da Verba 17.3.4 da TGIS, respectivamente, as quais foram cobradas pela B..., enquanto entidade mediadora de fundo de pensões, e, bem assim, pela própria A... .
2.Terminam os Requerentes o seu pedido de pronúncia arbitral pedindo que seja:
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“Determinada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo dos REQUERENTES respeitantes ao período compreendido entre dezembro de 2019 e novembro de 2021”; e
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“Determinado o reembolso do montante de € 214.165,31 a título de Imposto do Selo pago em excesso no período compreendido entre dezembro de 2019 e novembro de 2021, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios”.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD no dia 22.08.2024 e automaticamente notificado à Requerida.
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Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 09.10.2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em 24.10.2024, a A..., enquanto sociedade gestora dos Requerentes, juntou ao processo um pedido de modificação do objecto do pedido de pronúncia arbitral, acompanhado de uma decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”) de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa (cuja presunção de indeferimento tácito motivou a apresentação do pedido), referindo que:
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Em 22.01.2024, apresentou pedido de revisão oficiosa contra os actos tributários de liquidação de Imposto de Selo, relativos aos períodos compreendidos entre Dezembro de 2019 e Novembro de 2021;
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Em 23.05.2024, formou-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (“LGT”);
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Em 21.08.2024, apresentou, neste seguimento, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem a estes autos;
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Em 11.09.2024, foi notificada da decisão final de indeferimento da revisão oficiosa emitida pela Requerida.
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A A..., enquanto sociedade gestora dos Requerentes, terminou o seu pedido solicitando a admissão da modificação do objecto do processo e o prosseguimento do processo quanto ao acto imediato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, nos termos e fundamentos peticionados, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado e fundado, com as demais consequências legais.
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O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 29.10.2024, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
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Em 29.10.2024, foi a Requerida notificada para contestar.
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Em 04.12.2024, a Requerida apresentou a Resposta e o processo administrativo, defendendo-se por impugnação e aduzindo duas excepções, a saber: a incompetência do tribunal por inidoneidade do meio processual e a inimpugnabilidade dos actos tributários.
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Em 13.12.2024, foi proferido despacho arbitral a conceder prazo aos Requerentes para, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida na sua Resposta.
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Em 07.01.2025, os Requerentes apresentaram requerimento para responder à matéria de excepção de incompetência invocada pela Requerida, enunciando os motivos pelos quais consideravam que não se verificava nem a excepção de incompetência do tribunal por inidoneidade do meio processual, nem a excepção de inimpugnabilidade dos actos tributários, pelo que as mesmas não poderiam proceder.
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Em 07.01.2025, vieram os Requerentes ao “abrigo do disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi o artigo 2.º, alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, requerer ... a junção aos autos de Decisão Arbitral superveniente, porquanto esta versa sobre a mesma questão essencial de direito”, requerendo a junção da “Decisão Arbitral de 26 de outubro de 2024, prolatada no âmbito do processo n.º 393/2024‐T, a qual deverá ser tida em conta para a boa decisão da causa”.
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Por despacho arbitral de 23.01.2025, foi:
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admitida a junção do documento apresentado pelos Requerentes com o requerimento datado de 07.01.2025;
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conferido prazo de vista à Requerida de 10 dias sobre o referido documento;
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dispensada a reunião de partes a que alude o artigo 18.º, do RJAT; e
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conferido prazo de 15 dias para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas.
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Em 30.01.2025, a Requerida exerceu o direito ao contraditório face à junção da decisão arbitral atrás referida, referindo que:
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“não pode concordar com a mesma, porquanto esta não procedeu à correta interpretação das normais legais aplicáveis ao caso”;
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“[d]e resto, os motivos nos quais radicam a sua discordância face ao entendimento prolatado na supra referida decisão arbitral, encontram-se já expressos na resposta arbitral submetida, para qual desde já se remete”;
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“Mais se acrescenta que conforme é consabido, no direito fiscal vigora a proibição da analogia, pelo que, a tentativa de colação da decisão a proferir à decisão supra referida não pode proceder”;
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“Desde logo porque, apesar dos fundamentos serem parcialmente os mesmos, os decisores são diferentes, assim como os factos a serem dados como assentes também o poderão ser”;
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“A este respeito importa salientar que a Requerida não ignora a existência desta decisão (…) Pura e simplesmente, não a acompanha. (…) E como em Portugal não vigora o regime do precedente, não deve ficar o tribunal arbitral adstrito àquela decisão”; e
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“Por último, de ressalvar ainda que além da questão objeto de pronúncia na predita decisão arbitral, nos presentes autos foram suscitadas ainda duas expções dilatórias, designadamente a exceção da incompetência material por inidoneidade do meio processual e a exceção da inimpugnabilidade dos atos tributários, o que só por si, sempre deverá contribuir para uma decisão divergente da decisão arbitral junta aos presentes autos, implicando nomeadamente a absolvição da Requerida da instância”.
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Em 14.02.2025, a Requerida apresentou as suas alegações, reiterando o que já havia referido na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
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Em 19.02.2025, os Requerentes apresentaram as suas alegações, reafirmando tudo o que foi referido em sede de pedido de pronúncia arbitral e resposta às excepções e juntando ainda uma nova decisão arbitral proferida no processo n.º 389/2024-T, de 11.11.2024, que versa sobre um caso idêntico.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
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DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES
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Os Requerentes invocaram, em resumo, em sede do pedido de pronúncia arbitral o seguinte:
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Foi indevidamente liquidado IS sobre as comissões de comercialização cobradas à A... e, por conseguinte, aos Requerentes por via da comissão de gestão por estes suportada;
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Não é de “admitir a sujeição a Imposto do Selo daquelas comissões por não se encontrar em conformidade com as disposições da Diretiva n.º 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais e, consequentemente, em conformidade com o Direito da União Europeia cuja aplicação na ordem interna está constitucionalmente consagrada nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa ("CRP")”;
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“dispõem a alínea a) e c) do artigo 1.º da Diretiva que a mesma “regula a aplicação de impostos indiretos sobre (…) [e]ntradas de capital em sociedades de capitais [e sobre a] (…) [e]missão de determinados títulos e obrigações”, tendo o legislador clarificado o conceito de sociedade de capitais, dispondo o n.º 1 do artigo 2.º da Diretiva que “entende-se por sociedade de capitais:
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Qualquer sociedade que assuma uma das formas enunciadas no anexo I;
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Qualquer sociedade, associação ou pessoa colectiva cujas partes representativas do capital social ou do ativo sejam suscetíveis de ser negociadas em bolsa;
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Qualquer sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos, cujos membros tenham o direito de ceder sem autorização prévia as respetivas partes sociais a terceiros, só sendo responsáveis pelas dívidas da sociedade, associação ou pessoa colectiva até ao limite da respectiva participação”;
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“o normativo previsto no n.º 2 daquele artigo clarifica que, para efeitos da Diretiva, “é equiparada às sociedades de capitais qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos”, mormente os fundos de investimento e fundos de pensões, pois em ambos conforme “decisão proferida pelo TJUE, no âmbito do Processo n.º C-656/21 (…) preconiza o entendimento de que “em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão”;
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“os membros destes agrupamentos de pessoas, desta feita, os participantes dos fundos de pensões, entram com capitais para o património do fundo ao celebrar um contrato de adesão com o mesmo, o qual, consequentemente, implica subscrição das unidades de participação (operação com carácter oneroso para o participante) (…) pelo que o fim lucrativo da subscrição das unidades de participação dos fundos de pensões é incontestável”;
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Mesmo que assim não fosse, os fundos de pensões associados a planos de contribuição definida, como é o caso dos Requerentes, sempre devem ser considerados fundos comuns de investimento, conforme decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do Processo n.º C-464/12;
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Quanto à “proibição de tributação em sede de Imposto do Selo das comissões de comercialização, nos termos da Diretiva n.º 2008/7/CE” refere que “a alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva cumpre precisamente esse desígnio ao estabelecer que “[o]s Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: a) [a] criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu (…)”;
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“as comissões de comercialização em apreço, estando inequivocamente enquadradas na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não poderão ser sujeitas a Imposto do Selo, porquanto respeitam à remuneração pelo exercício da atividade de comercialização das unidades de participação dos fundos de pensões”; e
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No âmbito do CAAD, veio “o Tribunal Arbitral, no âmbito do Processo n.º 88/2021-T, confirmar o entendimento do TJUE nesta matéria (atendendo ao primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional que decorre do n.º 4 do artigo 8.º da CRP e, bem assim, ao carácter vinculativo da jurisprudência do TJUE face aos Tribunais nacionais, estando em causa questões de Direito da União Europeia), ao afirmar que “aplicando a jurisprudência do TJUE, conclui-se que as liquidações impugnadas são ilegais, por a verba 17.3.4 da TGIS ser ilegal, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Directiva 200/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, interpretada como prevendo a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões cobradas pelos bancos”.
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Os Requerentes invocaram, ainda, em resumo, em sede de resposta às excepções aduzidas pela Requerida, o seguinte:
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“se a AT apreciou se havia erro imputável aos serviços”, apreciou a legalidade da liquidação (vide, a título de exemplo, os Acórdãos do STA relativos aos Processos n.º 01958/13, n.º 0129/18.9BEAVR e 0608/13.4BEALM 0245/18 e as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos Processos n.º 167/2022-T, n.º 457/2022-T, n.º 92/2021-T e 678/2021-T)”;
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“é irrelevante o teor da decisão da AT no precedente procedimento administrativo, designadamente, é irrelevante se indeferiu a pretensão dirigida a um ato de liquidação, por alegada intempestividade da mesma”;
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“O que releva para que o meio próprio de reação à rejeição liminar seja a arbitragem tributária, é que a pretensão do contribuinte se dirija, e se continue a dirigir agora, a um ato de liquidação, tal como sucede no caso em apreço”;
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“o erro imputável aos serviços, enquanto fundamento da revisão oficiosa prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, recorta‐se em torno de uma errónea cristalização, no ato praticado, não só das circunstâncias de facto que o mesmo pressupõe (erro de facto), mas igualmente da efetiva aplicabilidade das disposições normativas invocadas (erro de direito)”;
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“Deste modo, e nos termos do entendimento preconizado pelo STA no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 026487, de 12 de dezembro de 2001, “não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro”; e
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“não há, in casu, intempestividade alguma do precedente pedido de revisão oficiosa, pelo que as liquidações controvertidas seriam, e são, inquestionavelmente, impugnáveis”
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DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
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A Requerida invocou, em resumo, em sede de Resposta, o seguinte:
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“o objeto mediato dos presentes autos assenta na decisão de REJEIÇÃO LIMINAR e o consequente ARQUIVAMENTO do (…) procedimento de revisão oficiosa, por intempestividade”;
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“rejeitada a apreciação da legalidade daqueles atos tributários de liquidação postos em crise com fundamento em intempestividade”, pelo que “não se pode deixar de considerar que, uma vez que foi rejeitada a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IS, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT”;
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“E assim o sendo, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele”;
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“nessa medida, nessa parte, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o presente pedido de pronúncia arbitral”;
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“Consubstanciando, portanto, uma exceção dilatória que se traduz na incompetência do tribunal quanto às liquidações de IS aqui em questão, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição, nessa parte, da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”;
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“os atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo foram praticados entre os meses dezembro de 2019 e novembro de 2021, e o pedido de revisão oficiosa só foi apresentado em 22.01.2024, fica afastado o recurso ao meio de defesa previsto no artigo 131.º do CPPT, restando apenas o recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º da LGT”;
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Pelo que face ao “fim da ficção legal consagrada no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, inexiste qualquer erro imputável aos serviços e, por outro lado, a AT não teve qualquer intervenção nas liquidações de imposto realizadas pelo REQUERENTE de acordo com o quadro legal vigente, apesar de aquele vir defender o seu contrário”;
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“tendo os atos de autoliquidação do Imposto do Selo ocorrido após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, a decisão da revisão oficiosa n.º ...2024... não podia ser outra que não aquela que comportou a rejeição liminar do pedido formulado naqueles autos, por se encontrar esgotado o prazo vertido no artigo 78.º da LGT para o efeito”;
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“Significa isto que, no que concerne às autoliquidações de Imposto do Selo aqui sindicadas, atacadas pela revisão oficiosa supramencionada, não podia ser tomada decisão que não fosse a de rejeitar liminarmente o pedido por intempestividade do mesmo, uma vez que não aproveitam do prazo de quatro anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nem o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, relativamente ao qual era condição a interposição de reclamação graciosa, e para a qual se encontravam excedidos os respetivos prazos para o efeito”;
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“o tribunal arbitral é materialmente incompetente para a apreciação de pedidos que derivem de procedimentos tributários considerados intempestivos”;
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“E consequentemente, uma vez que pedido de revisão se verifica claramente intempestivo, afigura-se-nos que, o presente pedido de pronúncia arbitral é, também ele, intempestivo, uma vez que a tempestividade deste depende da tempestividade do pedido de revisão”;
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“aquilo que os Requerentes apelidam de faturas – documentos n.ºs 1 e 2 –mais não são do que simples comunicações do A... dirigidas ao departamento de contabilidade seu banco, neste caso o C..., a ordenar que procedam ao pagamento das comissões devidas”;
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No documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral só existem comunicações “segundo as quais o A... instrui o departamento de contabilidade do C... a pagar ao B...”, não sendo possível “aferir nem perceber com absoluta certeza do que estamos concretamente a falar”;
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Não se sabe qual “o serviço de mediação que está na origem da cobrança desta comissão dita de comercialização”;
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“nos termos do “Contrato de Mediação de Fundos de Pensões” resulta claro que um dos serviços incluídos na comissão é a transferência de unidades de participações entre fundos de pensões, incidindo a mesma, numa determinada percentagem sobre o valor transferido”;
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Pelo que “nas comissões cobradas pelo B... ao A... podem estar incluídos serviços de mediação que nada têm a ver com a atividade de comercialização de novas unidades de participação propriamente dita”;
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“tal contraprestação poderá não ter exclusivamente a ver com comissões resultantes da prestação de serviços de comercialização destinados à subscrição de novas unidades de participação dos fundos de pensões geridos pelo A...”;
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Concluindo que “fica, assim, demonstrado que tal contraprestação poderá não ter exclusivamente a ver com comissões resultantes da prestação de serviços de comercialização destinados à subscrição de novas unidades de participação dos fundos de pensões geridos pelo A...”;
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Posto que “não há evidência clara e concreta de que o Imposto do Selo mencionado como liquidado sobre aquelas comissões respeite exclusivamente e na sua totalidade a “comissões de comercialização” resultantes da subscrição de novas unidades de participação de fundos comuns de investimento, pois só estes, repete-se, numa interpretação conforme à alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, podem ficar excluídos da tributação de Imposto do Selo, conforme se extrai da jurisprudência que emana do Acórdão C-656/21 do TJUE”;
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“o Imposto do Selo liquidado, globalmente, sobre “comissões de gestão” de fundos não se enquadra na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não sendo incompatível com ela, conforme resulta do Acórdão C-656/21”;
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“A incompatibilidade só existe nas situações em comprovadamente haja o redébito das comissões de comercialização nas comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos comuns de investimento por si geridos, mas apenas na parte correspondente ao redébito do exato valor dessas mesmas comissões de comercialização, mantendo-se a tributação quando ao restante valor da comissão de gestão”;
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“o que se verifica é que estes documentos não permitem aferir nem perceber com absoluta certeza do que estamos concretamente a falar”;
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“Ou seja, não permitem comprovar que as comissões de gestão cobradas pelo A... aos fundos de pensões por si geridos incluam a parte correspondente às comissões de comercialização”;
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Pois que “para além de não existirem quaisquer faturas, os “Memo” dirigidos pelo A... ao C..., não fazem qualquer referência ou autonomização da alegada comissão de comercialização”;
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“nenhum dos fundos peticionários geridos pela A... está abrangido pela Diretiva 2009/65/CE, isto é, não são considerados fundos comuns de investimento ou OICVM ( «”UCITS”» no acrónimo inglês)”;
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“Pese embora os Requerentes façam um esforço nesse sentido, isto é, procurando equiparar, para efeitos da exclusão de imposto, os fundos de pensões geridos pela A... a fundos comuns de investimento abrangidos pelo âmbito da Diretiva 2009/65/CE, convocando para tal o Acórdão C464/12, que, diga-se desde já, consideramos inaplicável à situação sob judice, uma vez que a matéria em causa nele abordada respeita a IVA e não a Imposto do Selo”;
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“A verdade é que a jurisprudência que resulta do Acórdão C-656/21 é lapidar, só protegendo da tributação do Imposto do Selo as comissões de comercialização e de gestão, sendo que, estas últimas apenas ficam excluídas de tributação quando incluam no seu seio a parte correspondente ao valor daquelas, desde que tenham sido cobradas para efeitos de comercialização de novas unidades de participação de “fundos comuns de investimento” abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65/EU, ou seja, OICVM”;
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E isto porque “uma das principais caraterísticas dos fundos comuns de investimento e que verdadeiramente os distingue dos outros fundos de investimento, ainda que abertos, é o facto do participante poder resgatar a qualquer momento as suas unidades de participação”;
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“Acontece que, face à natureza e finalidade dos fundos de pensões, esta situação não é possível, estando o reembolso do mesmo condicionado à verificação de determinadas ocorrências na vida do beneficiário”;
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Só os fundos OICVM são abrangidos pela Directiva 2008/7/CE, sendo que para que “um fundo possa ser considerado OICVM, de acordo com o Considerando da Diretiva 2009/65/CE, "os instrumentos financeiros elegíveis para constituírem activos da carteira de investimento dos OICVM deverão ser enumerados na presente directiva";
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“na interpretação acolhida pelo TJUE no Acórdão C-656/21, abrange apenas os OICVM, que são os abrangidos pela Diretiva 2009/65/CE”; e
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Em resumo, os obstáculos que obstam a que os Requerentes sejam considerados “fundos comuns de investimento” são:
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“o facto de nos fundos comuns de investimento abrangidos pela Diretiva 2009/65 os resgates das unidades de participação poderem acontecer a qualquer momento e sem qualquer limitação, o que não é possível nos fundos de pensões”;
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“o facto das políticas e regras de investimento destes dois tipos de fundos serem completamente diferenciadas entre si, sendo que as referentes aos OICVM estão expressa e taxativamente estabelecidas no artigo 50.º da Diretiva 2009/65/CE”.
SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar o pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos do previsto nos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e dos artigos 1.º, 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo arbitral não enferma de nulidades.
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Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as duas excepções enunciadas pela Requerida na sua Resposta.
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Incompetência material do Tribunal Arbitral por inidoneidade do meio processual
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Em relação à questão da competência material dos tribunais arbitrais constituídos no seio do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico, tanto na Jurisprudência como na Doutrina, que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do CAAD, na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
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Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614) e doutrina (cfr. Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a Requerida se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
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Conforme explicitado acima, a Requerente sustenta que a Requerida, no âmbito da apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado por aquela, ao apreciar se havia um “erro imputável aos serviços”, pronunciou-se sobre a legalidade dos actos de liquidação entretanto controvertidos e aqui sindicados.
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O Tribunal acolhe a construção da Requerente acima enunciada e que vai no sentido de que ainda que a Requerida não tivesse apreciado (não concedendo) a legalidade dos actos de liquidação de IS aqui sindicados, na decisão que pôs termo ao pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, ou seja, caso a decisão proferida no procedimento de revisão fosse, tão-só, no sentido de não verificação dos pressupostos legalmente exigíveis para a sua apresentação, concretamente pela não verificação de um erro imputável aos serviços, não podia deixar tal decisão de comportar, por si só, a apreciação da legalidade daqueles actos de liquidação.
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Este entendimento tem respaldo na Decisão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2023, prolatada no processo n.º 167/2022-T, onde expressamente se explicita o entendimento traçado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 14 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01958/13 que vai naquele sentido, entendimento em relação ao qual o Tribunal não vê razões para dele divergir.
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Isto dito, conclui este tribunal no sentido de que – na apreciação do pedido de revisão oficiosa, mesmo que a Requerida se houvesse limitado a analisar os aspectos processuais, ou seja, mesmo que não houvesse também entrado na apreciação da legalidade das liquidações ali controvertidas e aqui sindicadas e, nesse sentido, no mérito da questão apresentada – considera que a acção arbitral constitui meio processual idóneo de reacção, conforme confirmado pelas decisões jurisprudenciais do STA e do CAAD acima melhor identificadas, não procedendo a excepção invocada pela Requerida.
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Da inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação de IS
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A impugnabilidade dos actos tributários referentes às liquidações de IS que aqui se encontram em causa está dependente da tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa que sobre eles versou.
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Só a eventual extemporaneidade de tal pedido terá como consequência a formação de caso decidido ou resolvido e tal traduzir-se-á em que os actos de tributários postos em crise deixarão de poder ser contestados judicialmente.
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Assim, para apreciar a impugnabilidade dos actos postos em crise, é necessário analisar se estavam ou não preenchidos os pressupostos de que dependia a procedência do pedido de revisão oficiosa.
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O mesmo é dizer que é necessário analisar se esses actos estavam ou não viciados por erro imputável aos serviços e se foi respeitado o prazo de impulsionar a revisão nos quatro anos após a liquidação do IS.
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Decorre dos articulados apresentados pelos Requerentes que a mesmos invocam que, estando em causa uma liquidação de IS decorrente da aplicação de normas nacionais violadoras do Direito da União Europeia, um erro incidente sobre essas liquidações será imputável aos serviços da Requerida.
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Por seu turno, a Requerida, nos articulados apresentados, nega a existência de qualquer erro que lhe seja imputável, nomeadamente por não ter tido qualquer intervenção nas liquidações de IS realizadas pelos Requerentes.
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A este propósito, no que tange à querela acerca da existência (ou não) de erro imputável aos serviços da Requerida, subscreve-se, com as devidas adaptações, o entendimento professado pelo STA, no acórdão de 02.10.2024, no processo n.º 01917/21.4BELRS (Relator João Sérgio Ribeiro), no qual se enuncia o seguinte:
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“(…) a revisão oficiosa, apesar de dever ser efetuada pela Administração Tributária, pode resultar da iniciativa desta ou do sujeito passivo. (…). A AT, por seu lado, pode fazer a revisão no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”;
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“O procedimento de revisão dos atos tributários caracteriza-se, sobretudo, por nele ser a entidade que os praticou que eventualmente os vai rever. Podendo fazê-lo por iniciativa própria, no prazo de 4 anos, após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, ou por iniciativa do sujeito passivo que terá, tal como decorre da jurisprudência deste STA, um prazo de 4 anos para requerer, também com fundamento em erro imputável aos serviços, a revisão do ato. (…). Pois, uma coisa é o prazo que AT tem para rever o ato, outra, distinta, é o prazo que o sujeito passivo tem para requerer a revisão que, a ser feita, terá sempre como executante a AT, no prazo de 4 anos”;
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“O procedimento de revisão tem, como o próprio nome indica, o propósito de que seja revisto o ato tributário com o objetivo de reforçar as garantias dos contribuintes e, no respeito pela verdade material, permitir que, detetando a AT algum erro, ou sendo alertada para alguma ilegalidade por parte do sujeito, faça as correções que são devidas O objetivo último do procedimento de revisão é, por conseguinte, que seja feita a correção de qualquer erro, incluindo uma qualquer ilegalidade, sempre, no interesse do sujeito passivo, sendo este, aliás, o espírito do procedimento”;
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“(…) decorre da lei e da jurisprudência que no âmbito do procedimento de revisão, tanto a AT como o sujeito passivo poderão ter a iniciativa da revisão no prazo de 4 anos quando se verifique um erro imputável aos serviços, valendo esta última condição para os dois. Isto é, o fundamento tem de ser sempre um erro imputável aos serviços quer para AT quer para o sujeito passivo.”; e
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“(…) no quadro do artigo 78.º da LGT, está, neste momento, consolidada a possibilidade de o sujeito passivo poder, ainda, solicitar a revisão num período de 4 anos quando se verifique um erro imputável aos serviços. Conceito este que, pela sua abrangência, contempla vícios de facto e de direito o que, em última análise, permitirá abranger ilegalidades que, por essa via, poderão ser suscitadas, já não somente no período e 2 anos, mas num período de 4, pelo facto de serem suscetíveis de ser reconduzidas a um erro de direito imputável aos serviços” (com negritos nossos).
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Acresce que, conforme é enunciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 133/2021, de 31.03.2022 (remetendo para jurisprudência proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul), “constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada”.
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Nesta linha de entendimento, resultando inequívoco que tais actos tributários padecem de um erro de Direito e que, por conseguinte, o mesmo será imputável à Requerida, então efectivamente assistia aos Requerentes o direito de, num prazo de 4 anos, recorrer ao disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, para solicitar àquela a revisão oficiosa daqueles actos.
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Feito este ponto, importa sublinhar que contestando os Requerentes actos de liquidação de IS referentes ao período compreendido entre Dezembro de 2019 e Novembro de 2021, por referência ao período de Dezembro de 2019 (e apenas em relação a este), o pedido de revisão oficiosa apresentado pelos Requerentes é, efectivamente, intempestivo.
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Com efeito, por referência àquele período e tendo em conta que as regras relativas ao prazo para o pagamento do imposto devido ao erário público determinam que o mesmo deveria ocorrer até ao 20 de Janeiro de 2020, na data em que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pelos Requerentes (22 de Janeiro de 2024), a totalidade do prazo de 4 anos que os Requerentes dispunham para intentar tal pedido já havia decorrido.
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Em função do acima exposto, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa apresentado pelos Requerentes:
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deve ser considerado tempestivo relativamente às liquidações de IS referentes ao período de Janeiro de 2020 a Novembro de 2021 e, como tal, a excepção de inimpugnabilidade, que na verdade é de caducidade do Direito de acção arguida pela Requerida terá de ser julgada improcedente, podendo o Tribunal conhecer, nesta parte, o pedido de pronúncia arbitral; e
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deve ser considerado intempestivo relativamente à liquidação de IS referente ao período de Dezembro de 2019 (que gerou IS no montante de € 371,61), caso em que a excepção de caducidade do Direito de acção procede, resultando a consequente absolvição da instância da Requerida no que a esta parte do pedido de pronúncia arbitral diz respeito.
A.Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT” – e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil – “CPC” – aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
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Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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É pacífico na doutrina e jurisprudência que “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cfr. Jorge Lopes De Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado”, II volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05.03.2020, no processo n.º 19/17.2BCLSB).
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Na impugnação da Requerida, a mesma considerou que, da documentação junta no pedido de pronúncia arbitral, não resulta absoluta certeza quanto aos factos que os Requerentes pretendem provar.
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A este propósito cumpre referir que este Tribunal segue o referencial da prova aqui aplicável que resulta v.g. do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 171/10.8TBSAT.CI, de 10 de Setembro de 2013, disponível in www.dgsi.pt: “No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis.
A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto.
A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto.
As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida.
Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica, mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela”.
B.Factos dados como provados
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Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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A A... é uma sociedade que tem por objecto social o exercício da actividade das sociedades gestoras de fundos de pensões, que procede à gestão de fundo de pensões, como é o caso dos Requerentes, no âmbito da sua actuação e integração na área de negócio do grupo de gestão de activos do N... Portugal;
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Enquanto sociedade gestora de fundos de pensões para clientes dos segmentos de retalho, banca privada, empresas e institucionais, a A... encontra-se autorizada pela Autoridade Supervisora de Seguros e Fundos de Pensões (“ASF”) para exercer a sua actividade no mercado nacional;
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A A... é a sociedade gestora dos seguintes fundos de pensões abertos:
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D...– Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...;
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E...– Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...;
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F...– Fundo de Pensões Aberto, com o número de identificação fiscal...;
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G...– Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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H...– Plano de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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I...– Plano de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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J...– Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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K...– Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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L...– Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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M...- Fundo de Pensões Aberto Poupança Reforma, com o número de identificação fiscal...;
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No período compreendido entre Dezembro de 2019 e Novembro de 2021, foram cobradas pela B..., enquanto entidade mediadora de fundo de pensões, à A..., enquanto sociedade gestora dos Requerentes, comissões de comercialização;
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No período compreendido entre Dezembro de 2019 e Novembro de 2021, a A... procedeu ao redébito das comissões de comercialização referidas no parágrafo anterior aos Requerentes por si geridos, por via das comissões de gestão por estes suportadas;
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Sobre as comissões acima enunciadas nos parágrafos d) e e) incidiu IS, liquidado à taxa de 2% nos termos da Verba 22.2, da TGIS, e à taxa de 4% nos termos da Verba 17.3.4, da TGIS, respectivamente;
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As comissões de gestão incorporam a componente de comissão de comercialização das unidades de participação dos respectivos fundos de pensões;
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Em 18.10.2018, foi celebrado entre a A... e a B..., entidade residente para efeitos fiscais em Espanha, um contrato de mediação de fundos de pensões nos termos do qual a entidade de direito espanhol se comprometeu a desenvolver a actividade de mediação em relação aos Requerentes geridos pela A..., através da rede de distribuição da sucursal em Portugal do Banco C..., S.A. (“C...”);
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A B... dedica-se à prestação de serviços de mediação como operador de banca-seguros da rede de distribuição do C..., encontrando-se registada no Registo Administrativo Especial de Mediadores de Seguros junto da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones e igualmente autorizada pela ASF para a prossecução da actividade de mediação de fundo de pensões no território português, ao abrigo da Lei n.º 7/2019, de 16 de Janeiro, o qual transpôs a Directiva n.º 2016/97, de 20 de Janeiro de 2016 e revogou o Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho;
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Nos termos do referido contrato, os produtos de pensões desenvolvidos pela A... são posteriormente distribuídos pela B..., mediante o pagamento de uma remuneração inerente à subcontratação da actividade de comercialização das unidades de participação dos referidos fundos de pensões;
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Em 13.05.2019, as partes celebraram um aditamento ao contrato de mediação de fundos de pensões, com vista ao alargamento do seu âmbito, nomeadamente, à inclusão de três novos produtos e um novo serviço, passando o contrato em apreço a prever o exercício da actividade de mediação, por parte da B..., em relação aos Requerentes;
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Em 27.05.2020, foi celebrado um segundo aditamento ao contrato procedendo à revisão das condições de pricing estabelecidos no contrato de mediação de fundo de pensões, o qual reflectiu uma subida substancial da remuneração a ser paga à B... pela prossecução da sua actividade, pelo que a B... cobra à A... uma remuneração inerente à subcontratação da actividade de comercialização, a qual se denomina de comissão de comercialização, sendo, por sua vez, redebitada nomeadamente sob um ponto de vista económico, aos Requerentes, via comissão de gestão, que incorpora aquela comissão de comercialização suportada pela A...;
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As comissões de comercialização cobradas pela B... à A..., sobre as quais tem incidido IS, foram objecto de tributação, em IS, no contexto das comissões de gestão cobradas pela A... aos Requerentes por si geridos;
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A comissão de gestão cobrada pela A... aos Requerentes por si geridos integra, nestes casos, também a remuneração inerente à subcontratação da actividade de comercialização, verificando-se a repartição daquela comissão entre a A... e a B..., sendo que os valores de IS que incidiram sobre as comissões de comercialização cobradas pela B... foram pela A... i) liquidados e ii) comunicados segundo a Verba 17.3.4, da TGIS;
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A A... submeteu guias de retenção na fonte, referentes ao período de 2019 e 2020, bem como Declarações Mensais de IS (“DMIS”) referente ao período de 2021, nos termos das quais houve lugar à liquidação de IS sobre as referidas comissões de comercialização, no montante total de € 214.165,31, assim discriminado:
2 400 706,3148 014,1396 028,25144 042,3esesComissões
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Em 22.01.2024, os Requerentes entregaram um pedido de revisão de actos tributários, quer correu sob o n.º de procedimento ...2024..., junto da Unidade dos Grandes Contribuintes da Requerida, na qual aqueles peticionaram o reembolso do IS liquidado no valor total de € 214.165,31;
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Em 21.08.2024, os Requerentes entregaram no CAAD o pedido de pronúncia arbitral;
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Em 11.09.2024, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, a Requerida, através do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de subdelegação de competências, proferiu o seguinte despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa de actos tributários: “Concordando com o teor da informação, determino a Rejeição Liminar e consequente Arquivamento do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais, disso se notificando o Requerente para os termos e efeitos do disposto nos art-s 35.º a 41.º do CPPT”;
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A decisão da Requerida referida no parágrafo anterior apresenta a seguinte fundamentação:
“IV.3. Da Tempestividade
25. A Requerente apresentou a revisão oficiosa, em 22.01.2024, junto da administração tributária, e dado que os atos tributários de Imposto do Selo, referentes à verba 17.3.4 e 22 da TGIS, ora contestados, foram emitidos entre dezembro de 2019 e novembro de 2021 , verifica-se que o pedido é intempestivo, atendendo a que se refere a atos tributários de liquidação de IS, praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016, situação que não preenche os pressupostos contidos na 2ª parte e lª parte do n.º 1 do artigo 78º da LGT .
26. Nem preenche os pressupostos do n.º 4 e 5 do artº 78.º da LG T, ao qual consagra que o «dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.»
27. Ao abrigo deste regime o dirigente máximo serviço, pode autorizar, no prazo previsto de 3 anos, a contar da liquidação, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, conceito que é densificado no número seguinte (nº 5) do 78º da LGT, onde se consagra que «apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional ».
28. A situação em apreço não comporta qualquer "erro imputável aos serviços" e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do nº 1 do artº 78º da LGT, ademais quando, consabido, o nº 2 do artº 78º da LGT se encontra revogado.
29. Outrossim, na hipótese de se considerar o presente pedido de revisão oficiosa tempestivo, estaríamos não menos do que a proceder a uma errónea interpretação do regime legal da revisão oficiosa dos atos tributários previsto no artº 78º da LCT, sob pena de subverter a letra e o espírito desta norma legal, e, bem como, os prazos fixados pelo legislador fiscal para efeitos de reclamação graciosa e de impugnação, indo muito para além daquilo que o princípio do acesso à justiça e o princípio da tutela jurisdicional pretendem, afinal, zelar.
Senão vejamos,
30. A existência de limites temporais cumpre a função de conferir segurança às relações jurídico-tributárias, consubstanciadas nos atos praticados pelas partes intervenientes, sob pena de nunca se vislumbrar um fim certo e definitivo para as situações em causa especialmente quando o tributo já foi pago.
31. Esse é um corolário do princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos atos de liquidação de tributos, pois a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do ato tributário como meio de impugnação indireta de atos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os atos da Administração Tributária praticados em violação de lei, mormente naqueles casos em que o tributo não tenha sido pago, em que a revisão se pode fazer a todo o tempo.
E,
32. De modo algum está em causa a limitação ou até o impedimento do exercício de garantias dos contribuintes, o que, consabido, seria mais que manifestamente inconstitucional, mormente face ao consagrado nos artºs 20º , 266.º e 268º, todos da nossa Lei Fundamental.
Aliás,
33. Pelo contrário, os meios para reagir continuam disponíveis para os próprios interessados, sem prejuízo da menção de que aqueles devem é, no entanto, ser exercidos dentro dos prazos legais o que, na verdade, não sucede no caso em apreço uma vez que se esgotou o prazo de uso do meio idóneo para reagir contra um ato de "autoliquidação" nos termos e com os fundamentos alegados pela Contribuinte, aqui Requerente.
34. Contudo, conjugado os prazos legais referidos, no que toca ao imposto do selo de dezembro de 2019 a novembro de 2021, resulta que a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo que dispunha para o efeito, constituindo-se como intempestiva esta e todas as contestadas.
Portanto,
35. É nosso entender que, face à situação subjuditio, não tem acolhimento legal a invocação do mecanismo previsto no atual artº 78.º da LGT, por não preencher os seus pressupostos.
36. Pelo que, no caso em apreço, o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa dos atos tributários contestados é, com efeito, intempestivo, dado ter sido apresentado em 22.01.2024, em consonância com o estabelecido no mencionado artº 78.º da LCT vigente, conjugado com o artigo 131º do CPPT, pelo que resulta que, a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo de 2 anos de que dispunha para o efeito.
37. Aqui chegados, a nossa conclusão não pode ser outra que não aquela que comporte a rejeição liminar por intempestividade do pedido de revisão ora formulado nos autos pela Contribuinte, ora Requerente, uma vez que o pedido se encontra insindicável por se encontrar esgotado o prazo vertido no art. 78º da LCT para o efeito.
(…)
71. Concluímos que o caso em apreço não estamos perante qualquer tipo de erro imputável aos serviços e desse modo, as liquidações de imposto do selo impugnadas, tendo tido por base aquela disposição da TGIS, não enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.
(…)
Vl. DA CONCLUSÃO E DA DECISÃO
Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido de Revisão Oficiosa formulado nos presentes autos seja rejeitado liminarmente, por intempestividade do meio processual promovendo-se, em consequência, o arquivamento do mesmo.
Mais se propõe que, em caso de concordância superior, se promova a notificação da entidade Requerente, de acordo com as normas insertas nos art.ºs 35º a 41º , todos do CPPT, com todas as consequências legais”;
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Em 11.09.2024, a decisão final de rejeição liminar do procedimento de revisão oficiosa foi notificada aos Requerentes; e
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Em 23.10.2024, os Requerentes apresentaram, em face da notificação da decisão final de rejeição liminar do procedimento de revisão oficiosa, um pedido de “modificação do objecto ... e, consequentemente, o prosseguimento dos autos contra o ato imediato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, nos termos e fundamentos peticionados, devendo o Pedido de Pronúncia Arbitral ser julgado procedente, por provado e fundado, com as demais consequências legais”.
C.Factos dados como não provados
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Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
DO DIREITO
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Quanto ao mérito
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Conforme prescreve o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (“Directiva”), “Os Estados Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: (…) a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu”.
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Ora, enuncia o TJUE, no seu acórdão IM Gestão de Ativos, proferido em 22.12.2022, no processo n.º C656/21, que este artigo da Directiva deve ser interpretado no sentido de se opor a que haja lugar à incidência de IS:
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Quer “sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas”; e
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Quer “sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização”.
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Esta posição perfilhada pelo TJUE, a propósito dos fundos de investimento, é extensível a outro tipo de fundos, como é o caso dos fundos de pensões.
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Desde logo porque é isso que decorre da jurisprudência professada pelo TJUE, no acórdão Amro Aandelen Fonds, de 12.11.1978, no processo n.º C-112/86, no qual se equiparou um “agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo” a uma “sociedade de capitais” e, como tal, enquadrável no âmbito de aplicação subjectiva daquela Directiva.
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Por outro lado, atenta à legislação nacional (v.g., a Lei n.º 27/2020, de 23 de Julho, e o Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro) que rege os fundos de pensões, decorre que os mesmos correspondem a um “património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões (….)”, em que as respectivas contribuições (no caso de serem de contribuição definida) “são previamente definidas e os benefícios são os determinados em função do montante das contribuições entregues e dos respectivos rendimentos acumulados”.
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Sendo as correspondentes unidades de participação destes fundos susceptíveis de serem comercializadas junto do público, não haverá dúvidas que actos associados à respectiva emissão, comercialização e subscrição correspondem a actos de “reunião de capitais” abrangidos pelo âmbito objectivo daquela Directiva.
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É também esta a linha que vem sendo adoptada na jurisprudência arbitral, aqui destacando-se a decisão arbitral proferida no processo n.º 393/2024-T, de 26.10.2024, no qual se enuncia que a:
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“Jurisprudência firmada para os “fundos comuns de investimento” é perfeitamente transponível para o caso dos autos (fundos de pensões abertos) incorrendo a Requerida em erro de direito quando defende não existir paralelismo entre “uma comissão de comercialização, que representa a remuneração pelo exercício de uma atividade de intermediação financeira, e operações de entradas de capital numa sociedade de capitais, de reestruturação ou emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva”;
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“Com efeito, como vimos, o TJUE defende uma interpretação ampla dos normativos da Diretiva aplicáveis, quer quanto ao conceito das reuniões de capital, quer no que concerne ao conceito de “sociedade de capitais””;
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“O n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva abrange qualquer forma de tributação indireta da criação, emissão colocação em circulação ou negociação de valores mobiliários ou títulos em geral sejam valores mobiliários representativos de dívida, como no caso das obrigações e títulos aparentados, ou participações num património coletivo e outras situações semelhantes como seja o caso de novas subscrições de Unidades de Participação em patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, como é o caso dos fundos de pensões abertos. O fundamental está na atividade de intermediação financeira, que se traduz em dar a conhecer, por terceiro, junto do público a existência de instrumentos de investimento, de modo a promover a subscrição de unidades de participação em fundos (comuns de investimento ou outros), não fazendo o TJUE qualquer distinção. Com efeito, segundo o TJUE essa constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos. Acresce que, segundo o TJUE para efeitos da aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, é indiferente que a entidade gestora tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros especializados, como são os bancos, em vez de as efetuar directamente”;
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“Em consequência, a atividade dos bancos ou de outras entidades financeiras que tem por fim a subscrição de novas unidades de participação nos fundos de pensões em causa por parte de investidores potenciais não pode deixar de cair no âmbito do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE e, por conseguinte, estar sujeita à proibição de qualquer forma de tributação indirecta”; e
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“Termos em que as liquidações impugnadas relativas ao Imposto do Selo sobre as comissões de comercialização em causa enfermam de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação, o mesmo valendo para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quando as manteve na ordem jurídica”.
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Complementando esta mesma ideia, a decisão arbitral proferida no processo n.º 389/2024-T, de 11.11.2024, acrescenta que:
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“considerou o TJUE que “o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa”; e
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“Tanto o Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro (artigo 11.º), como a Lei n.º 27/2020, de 23 de julho (artigo 4.º, alínea d)), qualificam os fundos de pensões como sendo um “património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde (…)”, cujas unidades de participação são comercializadas junto do público (artigos 12.º, do Decreto-Lei n.º 12/2006 e 48.º, da Lei n.º 27/2020), constituindo a respetiva emissão e subscrição atos de “reunião de capitais””.
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Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado pelos Requerentes, no que tange à declaração de ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação de IS realizados no período compreendido entre Dezembro de 2019 e Novembro de 2021, e consequentemente da ilegalidade parcial também da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa de actos tributários que correu termos sob o n.º ...2024... .
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Do pedido de reembolso das quantias pagas e de juros indemnizatórios
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Os Requerentes pediram que seja “determinado o reembolso do montante de € 214.165,31 a título de Imposto do Selo pago em excesso no período compreendido entre dezembro de 2019 e novembro de 2021, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios”.
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Como se referiu acima, na parte das comissões relativas ao mês de Dezembro de 2019 (que gerou um IS no montante de € 371,61) o pedido de pronúncia arbitral improcede, dada a procedência da excepção de caducidade invocada pela Requerida.
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O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, estatui que em caso de procedência da decisão arbitral que a Requerida deve: “(…) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
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No caso concreto, na sequência da ilegalidade parcial dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e 100.º, da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
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Assim é de concluir que o valor a que os Requerentes têm direito a ser reembolsados ascende ao montante de € 213.793,70, o qual corresponde à diferença entre o total de IS liquidado durante o período de Dezembro de 2019 e Novembro de 2021 (€ 214.165,31) e o montante de IS liquidado no período de Dezembro de 2019 (€ 371,61), o qual, em face da procedência da excepção de caducidade invocada pela Requerida, não é passível de ser reembolsado aos primeiros.
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Por fim, cumpre apreciar o pedido formulado pela Requerente de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
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Não é aplicável ao presente caso a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas sim a regra prevista na alínea c) do n.º 3 daquela norma que versa em especifico sobre os casos de revisão oficiosa e que determina que “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.
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Este entendimento é, de resto, conforme com a jurisprudência uniformizada pelo STA, designadamente no acórdão proferido no processo n.º 51/19.1BALSB, em 11 de Dezembro de 2019, que tem o seguinte sumário:
“Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.o, n.o 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].”
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Em face do exposto, deve a Requerente ser reembolsada do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, contados apenas a partir do decurso de um ano após a apresentação daquele pedido, o que deverá ser apurado em sede de execução de julgados.
DA DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente a excepção de caducidade do Direito de acção, por ocorrer intempestividade na apresentação da revisão oficiosa de actos tributários, na parte do IS liquidado no montante de € 371,61 sobre as comissões alusivas ao mês de Dezembro de 2019, absolvendo-se da instância, nesta parte, a Requerida;
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Julgar improcedente as excepções de incompetência do Tribunal arbitral por inidoneidade do meio processual e a de inimpugnabilidade dos actos de liquidação de IS, no remanescente.
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Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes e, em consequência, declarar a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IS, referentes aos períodos de tributação de Janeiro de 2020 a Novembro de 2021, e em consequência, declarar a ilegalidade também parcial da decisão de rejeição liminar do pedido de revisão de actos tributários;
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Julgar procedente o pedido dos Requerentes de reembolso de IS indevidamente liquidado e pago, no montante de € 213.793,70, e condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva, a partir do dia 23 de Janeiro de 2025, sobre a importância a reembolsar, até à data da emissão da correspondente nota de crédito;
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Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do processo, na medida do decaimento.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 214.165,31 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida na proporção de 99,83% = € 4.276,57 e pela Requerente na proporção de 0,17% = € 7,43, face aos decaimentos, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Lisboa, 21 de Abril de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Árbitra Presidente)
Paulo Ferreira Alves
(Árbitro Adjunto)
Augusto Vieira
(Árbitro Adjunto e relator)
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