Sumário
I – A fase inicial de criação e design das peças de vestuário e a fase final de controlo de qualidade, que poderá implicar a realização de acabamentos ou novos trabalhos de confeção, integra o processo produtivo e insere-se na atividade económica de transformação, constituindo uma aplicação relevante para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), independentemente de o fabrico das peças ser subcontratado a terceiros.
II- O requisito de atribuição do benefício RFAI a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal de Investimento (CFI) não pressupõe a criação líquida de postos de trabalho, mas a criação de postos de trabalho e a sua manutenção pelo período legalmente previsto.
III - A aquisição de software de logística, que confere ao adquirente o direito de uso, constitui despesas com transferência de tecnologia e encontram-se abrangidas pela norma do artigo 22.º, n.º 2, alínea b), do CFI.
Decisão Arbitral
Acordam em tribunal arbitral
I - Relatório
1. A..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ... –..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do atos de liquidação adicional de IRC n.º 2024 ... e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, relativos ao exercício de 2020, com um montante a pagar de € 428.446,81, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A B... é uma empresa do setor da indústria da moda e vestuário que se dedica à conceção, desenvolvimento, produção e comercialização de artigos têxteis, explorando, em especial, a marca própria “C...”.
A atividade de produção e exploração de uma marca própria no setor da moda e vestuário, como é o caso da B..., comporta uma fase inicial da produção e uma componente de criação e design.
Esta fase inicial da produção é assegurada pelo departamento de desenvolvimento da B... nas suas instalações da ..., sendo este departamento constituído por uma equipa multidisciplinar que inclui, entre outros, head designers, designers, gestores de produtos e modelistas.
No ciclo de produção, a peça de vestuário é concebida nas instalações da B...e fabricada estritamente de acordo com os materiais, os tipos de costura, o corte e as demais especificações detalhadamente definidas pela B..., em conformidade com as respetivas fichas técnicas.
O acompanhamento do fabrico é controlado diretamente pela B..., cujos colaboradores se deslocam às instalações das entidades subcontratadas por forma a assegurar que a confeção está de acordo com os critérios estabelecidos, regressando depois as peças às instalações da B..., sitas na ..., para aí ser realizado um controlo de qualidade por técnicos especializados.
Para efeito de reforçar a sua capacidade tecnológica e de modernizar e otimizar o processo produtivo, a B... investiu, nos anos de 2019 e 2020, na aquisição de um sistema de automatização, que veio permitir que a receção das peças oriundas das entidades subcontratadas e a ulterior saída do produto final seja feita de forma automatizada e eficiente.
Em consideração da sua forma de organização, a B... encontra-se enquadrada nos CAE 47711 – Comércio a Retalho de Vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados, 14131 – Confeção de outro vestuário exterior em série, e 46421 – Comércio por grosso de vestuário e acessórios.
No âmbito de um procedimento de inspeção tributária incidente sobre a sociedade B..., S.A., que integra o Grupo Fiscal D..., a Requerente, enquanto sociedade dominante, foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que determinou, por referência ao exercício de 2020, uma correção relativa ao benefício fiscal RFAI, por desconsideração de aplicações relevantes no total de € 1.713.787,25, por suposto incumprimento dos requisitos de elegibilidade, e de que resultou um montante a pagar de € 428.446,81.
O RIT fundamenta a desconsideração do investimento realizado por entender que a atividade efetivamente exercida pela B... é uma atividade de “comércio por grosso e por retalho de vestuário”, que não pode ser considerada uma atividade transformadora.
Conforme consta da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas, nas notas explicativas do CAE 10, “as indústrias transformadoras caracterizam-se, em termos genéricos, como atividades que transformam, por qualquer processo (químico, mecânico, etc.), matérias-primas provenientes de várias atividades económicas (inclui materiais usados e desperdícios) em novos produtos”, sendo que, segundo a Classificação Internacional Tipo de Todos os Ramos de Atividade Económica (ISIC), o conceito de indústria transformadora é aplicável mesmo a uma empresa que subcontrata todo o processo de fabrico, mas detém o controlo do processo de produção e fornece inputs críticos de propriedade industrial.
Assim sendo, a B... desenvolve uma atividade de produção de artigos de vestuário, e ainda que subcontrate a entidades terceiras algumas das fases desse processo de produção, procede à transformação de matérias-primas em novos produtos e exerce, por conseguinte, uma atividade de indústria transformadora, e não uma atividade de comércio ou de compra e venda de produtos acabados. Sendo que a saída do produto final das instalações de uma empresa é uma fase do processo produtivo, indissociável da produção dos bens.
Acresce que, a par do investimento relativo ao mecanismo de automatização, um dos investimentos desconsiderados respeitam ao software de logística adquirido à E...S.L., no montante total de € 579.850,00, entendendo a Autoridade Tributária que esse investimento não se qualifica como “despesa com transferência de tecnologia” e que, como tal, não tem enquadramento no n.º 2 do artigo 22.º do CFI.
Nos termos dessa disposição, consideram-se como aplicações relevantes para efeitos de RFAI, os investimentos em “Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente”, não se reconduzindo às situações de aquisição da propriedade sobre direitos de propriedade intelectual ou industrial.
Sendo forçoso concluir que o investimento realizado em software consubstancia uma despesa com transferência de tecnologia, abrangida, para efeitos do benefício fiscal, pela alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI.
A Autoridade Tributária desconsidera a dotação de RFAI do período de 2020 ainda com base num argumento adicional, fundado no alegado incumprimento do requisito relativo à “criação líquida de postos de trabalho”, exigindo, para além da criação de postos de trabalho associados ao investimento, que o número total de trabalhadores com contrato de trabalho sem termo e, ainda, de todos os restantes trabalhadores, no final do período de investimento (e nos anos subsequentes) seja superior à respetiva média nos 12 meses que precederam o início do investimento.
No entanto, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI refere-se à “criação de postos de trabalho” e não à criação líquida de emprego, e o inciso “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho" constante desse preceito deve ser entendido como correspondendo à criação de empregos diretamente associados ao investimento realizado.
No exercício de 2020, o investimento relevante realizado pela B... permitiu a criação de 2 novos postos de trabalho, pelo que o investimento é elegível para o benefício fiscal, na medida que dele resultou, de forma causalmente adequada, a criação de postos de trabalho.
Requer, em consequência, a declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação de IRC e a devolução da quantia indevidamente paga a esse título, acrescida de juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o investimento realizado serviu essencialmente para apoio logístico à atividade de comércio, nomeadamente a receção, controlo, armazenamento e expedição das peças de vestuário, constatando-se que a Requerente não desenvolve uma atividade de confeção que possa caracterizar-se como correspondendo à transformação de matéria-prima num produto novo, uma vez que essa atividade se encontra a cargo das empresas subcontratadas.
E, por outro lado, a empresa não tem capacidade produtiva, na medida em que não dispõe de meios de produção, como sejam as instalações fabris ou máquinas que permitissem desenvolver o processo produtivo.
O sistema de automatização, destinado à receção, armazenamento e expedição das peças de vestuário pretendia potenciar a eficiência do processo logístico, de modo a assegurar um melhor controlo dos artigos recebidos dos prestadores de serviços ou fornecedores e permitir uma redução dos prazos de entrega aos clientes, mas não contribuiu para o aumento da capacidade produtiva da empresa, especificamente no que se refere à atividade secundária de confeção de vestuário que poderia ser elegível para efeitos de RFAI.
Quanto ao requisito do aumento dos postos de trabalho, a B... não demonstrou a relação de causalidade entre o investimento relevante e a criação dos postos de trabalho, concretizada através da contratação de dois trabalhadores.
E atento o ofício circulado n.º 20259, de 28 de junho de 2023, a criação de postos de trabalho, deve obedecer não só às condições específicas previstas na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, mas também às condições gerais previstas no RGIC, entre elas, a verificação, em termos líquidos, de um aumento efetivo do número de postos de trabalho.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 10 de dezembro de 2024, a Requerente foi notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 87.º, n.º 2, do CPTA, para corrigir a petição inicial, juntando no final do articulado os documentos que se encontram insertos na petição, para efeito de poderem ser considerados como prova documental.
Por requerimento de 17 de dezembro de 2024, a Requerente veio dizer que, na resposta da Autoridade Tributária, foi invocado um fundamento novo, não constante de Relatório de Inspeção Tributária, ao consignar que “ficou por demonstrar por parte da B... o pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício de RFAI, que se refere ao nexo de causalidade entre a realização de investimentos com relevância elegíveis para o benefício do RFAI e a criação dos postos de trabalho”.
Por requerimento da mesma data, a Requerente veio apresentar petição inicial corrigida, juntando separadamente os documentos que constituem os meios de prova dos factos alegados,
Por despacho arbitral de 17 de dezembro de 2024, a Autoridade Tributária foi notificada para se pronunciar, em aplicação do disposto no artigo 87.º, n.º 4, do CPTA, sobre a correção da petição inicial.
Na sequência do referido despacho, a Requerida, pelo requerimento de 13 de janeiro de 2025, alega que não foi invocado, na resposta, um qualquer novo fundamento, e impugna a autenticidade e a validade dos documentos juntos com a petição inicial corrigida, como também a relação entre os registos fotográficos e os factos descritos.
Por despacho arbitral de 21 de janeiro seguinte, a Requerente foi notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 445.º, n.º 2, do CPC, para requerer prova quanto à genuinidade dos documentos.
Por requerimento de 5 de fevereiro de 2025, a Requerente veio requerer, para convencer da genuinidade dos documentos, a inquirição quanto a essa matéria das três testemunhas já arroladas e aditou, para esse efeito, uma nova testemunha.
Por despacho arbitral de 6 de fevereiro, foi agendada para o dia 13 de março de 2025, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal, para efeito do disposto no artigo 445.º, n.º 2, do CPC e da matéria de facto atinente ao fundo da causa.
As partes apresentaram alegações em 31 de março e 22 de abril de 2025, mantendo as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28 de outubro de 2024.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, nem foram suscitadas exceções.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente, enquanto sociedade dominante de um grupo tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), foi notificada da liquidação adicional de IRC, na sequência das correções tributárias realizadas na esfera individual da sociedade dominada B..., S.A., no âmbito do procedimento de inspeção tributária credenciado pela ordem de serviço OI2023... (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao pedido arbitral).
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A correção, no montante de € 428.446,81 e relativa ao exercício de 2020, foi determinada por não ter sido aceite o benefício fiscal relativo ao RFAI, por incumprimento dos requisitos para a elegibilidade de aplicações que totalizam o valor de € 1.713.787,25 (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral).
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A correção aos valores declarados pela sociedade dominada B..., S.A. originou uma correção de igual valor na Declaração Modelo 22 do Grupo Fiscal, no âmbito procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço OI2024..., que incidiu sobre a Requerente, enquanto sociedade dominante (documento n.º 5 junto ao pedido arbitral).
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A B... é uma empresa do setor da indústria da moda e vestuário que explora, em especial, a marca própria “C...”.
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A fase inicial da produção das peças de vestuário, correspondendo à atividade de criação e design, é assegurada pelo departamento de desenvolvimento do produto, nas instalações da ... da B..., que é constituído por uma equipa multidisciplinar que inclui, entre outros elementos, head designers, designers, gestores de produtos e modelistas (documento n.º 14 junto ao pedido arbitral e prova testemunhal).
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No processo de desenvolvimento do produto são definidos os cortes, as formas, as cores ou as texturas que irão caracterizar os produtos, incluindo a definição da matriz do produto, a seleção das matérias-primas e os testes de lavagens e tingimentos (documentos n.os 15, 16 e 17 juntos ao pedido arbitral e prova testemunhal).
G)Segue-se a elaboração de moldes e a produção de amostras, o desenho de croquis, a criação das fichas técnicas da peça, a criação da tabela de medidas e os ajustes necessários até à aprovação final (documentos n.ºs 18 e 19 juntos ao pedido arbitral e prova testemunhal).
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Nas instalações da B... estão armazenados os tecidos e o painel de linhas para costura e existem máquinas de lavagem e secagem para validação das características técnicas das peças, e são efetuadas a aprovação das cores, a produção de amostras, as provas de vestibilidade para validação ou criação da tabela de medidas (documentos n.os 15, 16, 17, 18, 19 e 20 juntos ao pedido arbitral e prova testemunhal).
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O fabrico das peças de vestuário é subcontratado a terceiras entidades.
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Nas instalações da B... são realizados os acabamentos finais e retrabalhos específicos nas peças de vestuário e há ainda um controlo de qualidade do produto antes da sua colocação à venda no mercado (documentos n.ºs 21, 22, e 23 juntos ao pedido arbitral e prova testemunhal).
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A B... investiu, nos anos de 2019 e 2020, na aquisição de um sistema de automatização, que consiste numa infraestrutura intralogística, com as seguintes componentes principais: sistema de transportadores; distribuidor; minicargas e construção em aço; máquinas de handling (documentos n.ºs 24, 25 e 26 juntos ao pedido arbitral).
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O investimento permitiu aumentar a capacidade produtiva da empresa (prova testemunhal).
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Em resultado do investimento foram criados dois novos postos de trabalho (RIT, págs. 23/24, e prova testemunhal).
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A B... encontra-se enquadrada, de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, nos seguintes tipos: CAE 47711 - Comércio a Retalho de Vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados; CAE 14131 - Confeção de outro vestuário exterior em série; CAE 46421 - Comércio por grosso de vestuário e acessórios.
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No início da ação inspetiva, a B... apresentou um relatório, intitulado “Enquadramento da Empresa no RFAI 2019”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do CFI, em que descreve o investimento como um investimento inicial de “aumento da capacidade logística destinada ao fornecimento de novos artigos de vestuário no mercado”, do tipo “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”, e motivado pela pretensão da empresa em alcançar os seguintes propósitos: a) “reforçar a capacidade instalada na empresa, medida em termos de Valor Bruto da Produção, tendo em vista o contínuo crescimento da atividade produtiva da B..., permitindo um aumento da eficiência da sua operação, por via da alteração da sua infraestrutura tecnológica”; (b) “aumentar a eficiência e produtividade global da Empresa, as quais constituem fatores chave que contribuem para manter um posicionamento de destaque e fortalecer a presença e competitividade da B... no mercado nacional e internacional”.
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B... celebrou com a sociedade E... S.L. um contrato de aquisição de software de logística, no montante total de € 579.850,00, que constituiu o documento n.º 13 junto ao pedido arbitral e que se dá como reproduzido.
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O software de logística era necessário para o funcionamento e controlo do sistema de autonomização, a que se refere a antecedente alínea K) (documento n.º 13 junto ao pedido arbitral).
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Nos termos do contrato, a E... S.L. mantém os direitos exclusivos sobre todo o software, documentos, informações e itens, especialmente direitos de autor, direitos sobre invenções e propriedade técnica (documento n.º 13 junto ao pedido arbitral).
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Por efeito do contrato, a B... detém o direito de utilizar o software de acordo com as disposições contratuais, o que inclui guardar e carregar, visualizar e executar o software de forma permanente ou temporária (documento n.º 13 junto ao pedido arbitral).
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No Relatório de Inspeção Tributária elaborado no âmbito do procedimento a que se refere a antecedente alínea C), que aqui se dá como reproduzido, extraem-se as seguintes conclusões:
V.1.4. Conclusão
Pelo que ficou exposto:
1.º - não foi demonstrado pela empresa de que forma a automatização do armazenamento contribuiu para o aumento da capacidade produtiva da empresa, no que em concreto diz respeito à atividade de Confeção de outro vestuário exterior em série, a única que seria elegível;
2.º - de facto, não obstante a atividade secundária - código CAE 14131 - ter previsão legal na Portaria n.º 282/2014 e não estar excluída do âmbito setorial do RFAI, atenta a atividade efetivamente exercida pela sociedade (comércio por grosso e por retalho de vestuário), não se afigura que a mesma possa ser considerada uma atividade transformadora; acresce que a natureza do investimento responde especificamente às necessidades inerentes às atividades de comércio, e em nada se relaciona com a declarada atividade secundária de confeção de vestuário;
3.º - será de excluir, do âmbito das aplicações relevantes em sede de RFAI, os gastos com a licença/instalação do software, uma vez que, tal como o equipamento logístico subjacente, relacionam-se com a atividade de comércio, e, por outro lado, não se qualificam como "despesas com transferência de tecnologia";
4.º - verificamos que o número global de trabalhadores da empresa, no final do período de tributação de 2020, é inferior à média dos 12 meses precedentes ao início do investimento, não ocorrendo um aumento do número de trabalhadores do estabelecimento (nível de empregabilidade) e não sendo assim cumprida a 2.a condição geral relacionada com a criação de postos de trabalho. Ou seja, o investimento não contribuiu para a pretendida diminuição do nível do desemprego" — ponto 19. do Ofício Circulado n.0 20259 de 2023-06-28.
Assim, decorrente dos motivos expostos, as aplicações relevantes a desconsiderar para efeitos de elegibilidade na atribuição do benefício fiscal, no ano de 2020, totalizam o valor de 1.713.787,25€.
Por conseguinte, o benefício fiscal RFAI que se reporta ao ano de 2020 não aceite por falta de elegibilidade das aplicações relevantes, ascende a 428.446,81€, correspondente à aplicação da taxa de 25%, legalmente prevista na subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 do art, 23.º do CFI, ao valor das aplicações a desconsiderar.
Desta forma, será corrigida a dotação total gerada em 2020 de 428.446,81€ declarada no campo 714 do Q074 do anexo D da Modelo 22, sendo igualmente expurgado esse valor do montante deduzido no período, com reflexos no campo 715 do referido Q074. Desta forma, será efetuada uma correção ao campo 355 do Q 10 por esse montante.
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A Requerente procedeceu ao pagamento do imposto devido no dia 17 de maio e 2024 (documento n.º 6 junto ao pedido arbitral)
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O pedido arbitral deu entrada em 19 de agosto de 2024.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e ainda na prova testemunhal produzida presencialmente em audiência.
A Requerida impugna a autenticidade e a validade dos documentos juntos à petição inicial corrigida, que correspondem aos documentos já anexados ao primeiro articulado, com o aditamento de dois novos documentos (documentos n.ºs 25 e 26), bem como a relação entre os registos fotográficos e os factos descritos, alegando que se desconhecem os espaços a que respeitam as fotografias e que as imagens podem não representar a realidade, não sendo possível estabelecer uma relação direta com os factos descritos.
Em primeiro lugar, não há qualquer evidência de que as reproduções mecânicas não tenham correspondência com a realidade, face ao enquadramento efetuado, na petição inicial, relativamente aos factos alegados. Sendo que a Autoridade Tributária não revela qualquer indício de que os documentos sejam falsos, limitando-se a aventar a mera possibilidade, sem qualquer fundamento, de os registos fotográficos não respeitarem às instalações da B... ou terem sido obtidos em data posterior àquela a que se refere a correção tributária.
Em todo o caso, a prova testemunhal produzida em audiência é muito elucidativa quanto a essa questão.
A testemunha F..., diretora de produto da B..., declarou que a empresa dispõe de um departamento de produto, constituído por designers e técnicos modelistas, que intervêm na criação da peça de vestuário a confecionar, considerando a tendência da moda atual e definindo, na ficha técnica, a textura, a paleta de cores, a tabela de medidas e os acessórios a utilizar. E acrescentou que a empresa executa os moldes, as amostras e os modelos de prova e armazenam as matérias-primas. As entidades subcontratadas para a confeção das peças de vestuário limitam-se a executar o protótipo fornecido pela B..., sendo que, após a receção do produto final, a empresa verifica, através do serviço de lavandaria, se a peça de vestuário se encontra tingida adequadamente e efectua o controlo de qualidade.
A mesma testemunha confirmou a veracidade dos documentos n.ºs 14, 15, 19, 20, 21 e 23 juntos ao pedido arbitral, que respeitam a procedimentos de produção que descreveu minuciosamente, no seu depoimento.
A testemunha G..., responsável financeiro da empresa, igualmente confirmou a genuinidade das fotografias que constam dos documentos n.ºs 14 a 24 juntos ao pedido arbitral, declarou que as fotografias respeitam a equipamentos ou matérias-primas que se encontram nas instalações da B... e pôde identificar, através delas, as diversas fases do processo produtivo que decorre na empresa.
Também a testemunha H..., responsável pelo supply chain da B..., atestou que os mecanismos registados no documento n.º 24 junto ao pedido arbitral se encontram na empresa, e representam um tipo de automatismos que permite efetuar o controlo de qualidade, na fase de receção dos produtos vindos das entidades subcontratadas, permitindo verificar, de forma mais ágil, se a peça de vestuário tem as medições e configuração adequadas ou se se torna necessário efetuar um trabalho extra de confeção ou lavandaria para poderem ser enviados para os pontos de venda.
Não pode subsistir qualquer dúvida, face à prova testemunhal produzida, que as fotografias que constituem os documentos n.ºs 14 a 26 juntos ao pedido arbitral, são genuínas, e permitem comprovar que a B... intervém no processo produtivo das peças de vestuário da marca própria numa fase inicial de criação e numa fase final de controlo de qualidade.
De resto, como refere a testemunha G..., uma das inspetoras que elaborou o Relatório de Inspeção Tributária visitou as instalações da empresa e, no Relatório, não se põe em causa que foi realizado um investimento com a aquisição de um sistema de automatização, que poderia conduzir a um melhor controlo dos artigos recebidos dos prestadores de serviços e a uma redução dos prazos de entrega aos clientes. Simplesmente se entende, no Relatório, que o investimento não originou um aumento da capacidade do estabelecimento já existente, na medida em que se trata de um investimento relacionado com a atividade de comércio (documento n.º 5 junto ao pedido arbitral, pág. 15).
A prova testemunhal evidencia também que as peças de vestuário que a B... coloca no mercado não existiriam se não fossem criadas através do processo produtivo de criação e design desenvolvido pela empresa (F...), e sendo esse um processo de especificação e acompanhamento, integra o sector têxtil, na modalidade de indústria de transformação (G...). Permitindo concluir também que a aquisição do sistema de automatização, a que se refere a alínea K) da matéria de facto, permitiu aumentar a capacidade produtiva da empresa (F..., H... e G...).
Matéria de direito
Regime Fiscal de Apoio ao Financiamento (RFAI)
5. A Autoridade Tributária considerou não elegível, para efeito do Regime Fiscal de Apoio ao Financiamento (RFAI), o investimento num sistema de autonomização, declarado pela B..., sociedade dominada pela Requerente, relativamente ao período de tributação de 2020, por considerar que ele, embora possa potenciar a eficiência do processo logístico da empresa, constitui um investimento relacionado com a atividade de comércio, não se traduzindo no aumento da capacidade produtiva da empresa, nomeadamente na atividade secundária “Confeção de outro vestuário exterior”, encontrando-se excluída, como tal, do âmbito de aplicação do benefício fiscal do artigo 2.º, n.º 2, do Código Fiscal de Investimento (CFI).
A Requerente contrapõe que a atividade da B... envolve uma fase inicial de criação e design das peças de vestuário da sua marca própria e uma fase final de controlo de qualidade, que integram o processo produtivo dos artigos colocados à venda, e que o investimento realizado se destinou a reforçar a sua capacidade tecnológica e modernizar o processo produtivo e se enquadra no âmbito da referida disposição do CFI, para efeito da concessão do benefício fiscal.
É esta a questão que cabe primeiramente analisar, interessando começar por efetuar o necessário enquadramento jurídico da questão.
O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020, e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.
Referindo-se ao âmbito objetivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
Quanto às condições objectivas de elegibilidade, o artigo 4.º, na parte que interessa considerar, ostenta a seguinte redação:
1 - Podem ter acesso a benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo os projetos de investimento inicial, cuja realização não se tenha iniciado antes da candidatura prevista no artigo 15.º que demonstrem ter viabilidade técnica, económica e financeira, proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e que preencham, pelo menos, uma das seguintes condições:
a) Sejam relevantes para o desenvolvimento estratégico da economia nacional;
b) Sejam relevantes para a redução das assimetrias regionais;
c) Contribuam para impulsionar a inovação tecnológica e a investigação científica nacional, para a melhoria do ambiente ou para o reforço da competitividade e da eficiência produtiva.
2 - Consideram-se projetos de investimento inicial os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo global de produção de um estabelecimento existente.
[…].
O CFI estabelece igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, apresenta a seguinte redação:
Artigo 1.º
Enquadramento comunitário
Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.
Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
c) Alojamento - divisão 55;
d) Restauração e similares - divisão 56;
e) Atividades de edição - divisão 58;
f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;
i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.
O regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respetivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013, e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.
O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como atividade económica elegível, à indústria transformadora. Por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar.
Para densificar o que se entende por “indústrias transformadoras”, cabe considerar as definições que constam do Anexo ao Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, que estabelece a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE - Rev. 3), que constitui o quadro comum de classificação de atividades económicas a adoptar a nível nacional.
Na secção C, correspondente às indústrias transformadoras, surge na divisão 47, grupo 477, classe 4771, a designação “Comércio a retalho de vestuário, em estabelecimentos especializados”. Na divisão 14, grupo 141, classe 1413, subclasse 14131, aparece a designação de “Confeção de outro vestuário exterior”. E na divisão 46, grupo 464, classe 4642, subclasse 46421, encontra-se a designação “Comércio por grosso de vestuário e acessórios”.
Como resulta da matéria de facto dada como assente, a B... está enquadrada no CAE 47711, Comércio a Retalho de Vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados, no CAE 14131, Confeção de outro vestuário exterior em série, e no CAE 46421 - Comércio por grosso de vestuário e acessórios (alínea N) da matéria de facto).
E nada permite considerar, por conseguinte, que a B... não preenche o requisito constante do artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 282/2014, quanto ao âmbito sectorial do benefício fiscal, visto que se enquadra no CAE 14131 (Confeção de outro vestuário exterior) e os outros CAE em que se encontra inscrita igualmente respeitam à indústria transformadora.
Dito isto, cabe referir - como ficou demonstrado – que a B..., no setor da indústria da moda e vestuário, explora uma a marca própria (C...) e intervêm, no processo produtivo, numa fase inicial de criação e design, que é assegurada pelo departamento de desenvolvimento do produto, nas suas instalações na ..., que envolve a seleção das matérias-primas e a definição da matriz do produto, e uma fase final de controlo de qualidade, que poderá implicar a realização de acabamentos finais ou novos trabalhos de confeção (alíneas D), E), F) e G) da matéria de facto).
Para além disso, e para esse efeito, a B... armazena, nas suas instalações, os tecidos e o painel de linhas para costura que serão utilizados na confeção das peças de vestuário, produz amostras e modelos, efetua provas e possui máquinas de lavagem e secagem para validação das características técnicas das peças (alíneas H) e J) da matéria de facto).
A B... investiu, nos anos de 2019 e 2020, na aquisição de um sistema de automatização, que consiste numa infraestrutura intralogística, que inclui um sistema de transportadores, de distribuição e de máquinas de handling (alínea K) da matéria de facto).
E para efeito do cumprimento da obrigação acessória a que se refere o artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do CFI, em vista à obtenção do benefício fiscal, apresentou um relatório referente ao enquadramento da empresa no RFAI 2019, que descreve o investimento como um investimento inicial de “aumento da capacidade logística destinada ao fornecimento de novos artigos de vestuário no mercado”, do tipo “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”, e motivado pelos propósitos de reforçar a capacidade instalada na empresa, aumentar a eficiência e fortalecer a sua competitividade (alínea O) da matéria de facto).
Como é de concluir, o investimento satisfaz todas as condições de elegibilidade a que referem os artigos 2.º, n.º 2, alínea a), 4.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, n.ºs 1 e 2, e 25.º, n.ºs 1 e 2, do CFI. Isso na medida em que a B... executa uma atividade de transformação de matérias-primas, seja por via do desenvolvimento criativo do produto, que envolve diversos processos criativos e técnicos, que conduzem à especificação, desenho e prototipagem da peça de vestuário, seja através de um controlo de qualidade que se destina a garantir que as especificações originais e os processos de fabrico foram cumpridos, e que pode implicar a realização de acabamentos finais e retrabalhos específicos nas peças de vestuário, seja ainda por efeito da fase final de receção, armazenamento e expedição.
Todas essas atividades, sem as quais o produto não existiria com as características com que é colocado à venda (cfr. motivação da matéria de facto), integram a indústria transformadora, independentemente de o fabrico das peças de vestuário ser subcontratado a terceiras entidades.
A Autoridade Tributária, na ação inspetiva, sem pôr em causa a realização do investimento e a sua potencialidade para aumentar a eficiência do processo logístico da empresa, acaba por corrigir a dotação gerada em 2020 a título de benefício fiscal inscrita na declaração Modelo 22, e expurgar o montante deduzido nesse período, limitando-se a considerar que se trata de um investimento relacionado com a atividade de comércio, CAE 4711e 46421, que não se traduziu num aumento da capacidade produtiva da empresa.
No entanto, como se deixou esclarecido, a atividade da B... não se circunscreve ao comércio, mas enquadra-se na transformação de matérias-primas, e, por outro lado, os serviços inspetivos ignoram que os CAE 4711 e 46421 a que fazem alusão, tal como o CAE 14131, que a B... igualmente possui, não respeitam à atividade de comércio, mas à atividade de transformação.
Por outro lado, como se encontra amplamente provado, o automatismo adquirido permitiu aumentar a capacidade produtiva da empresa, na medida em que contribui para uma maior eficiência das operações logísticas (alínea L) da matéria de facto e motivação da matéria de facto). E no próprio Relatório de Inspeção se reconhece que os ativos adquiridos pretendem potenciar a eficiência do processo logístico da empresa, considerando-se apenas que não implicam um aumento da capacidade produtiva, com base no erróneo entendimento de que a atividade desenvolvida pela B... se relaciona com a área do comércio, e não com a área da indústria transformadora (RIT, pág. 15).
Como é de concluir, a correção tributária é ilegal por indevida qualificação da atividade desenvolvida pela B... .
Criação de postos de trabalho
6. Outra questão em discussão é a de saber se a B... cumpriu a condição da “criação de postos de trabalho”, nos termos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
A Autoridade Tributária considera que o número global de trabalhadores da empresa, no final do período de tributação de 2020, é inferior à média dos 12 meses precedentes ao início do investimento, não ocorrendo um aumento do número de trabalhadores do estabelecimento e não sendo assim cumprida a segunda condição geral relacionada com a criação de postos de trabalho.
Em contrário, a Requerente alega que a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI refere-se à “criação de postos de trabalho” e não à criação líquida de emprego, e o inciso “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho" constante desse preceito deve ser entendido como correspondendo à criação de empregos diretamente associados ao investimento realizado.
No exercício de 2020, o investimento relevante realizado pela B... permitiu a criação de dois novos postos de trabalho, pelo que o investimento é elegível para o benefício fiscal, na medida que dele resultou, de forma causalmente adequada, a criação de postos de trabalho.
Analisando a questão, podem beneficiar dos incentivos fiscais do RFAI os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as condições enunciadas do n.º 4 do artigo 22.º do CFI e, em particular, segundo a alínea f) desse número, quando “efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)” [três anos para as PME e cinco nos restantes casos].
Do ponto de vista meramente textual, é, portanto, exigida a (i) criação de postos de trabalho, (ii) proporcionada pelo investimento e (iii) a sua manutenção por cinco anos (quando não se trate de PME).
Assim sendo, o emprego diretamente criado por um projeto de investimento é aquele ligado à atividade relacionada com o investimento, incluindo o emprego criado na sequência do aumento da taxa de utilização da capacidade criada pelo investimento.
Os custos de emprego não são elegíveis no âmbito do RFAI. Ou seja, a criação de postos de trabalho proporcionado por investimento relevante é uma condição de candidatura e não de elegibilidade de custos.
Daqui resulta que estamos a falar da criação de emprego em resultado do investimento relevante, devendo ambos ser mantidos pelo mesmo prazo.
Relativamente à condição da criação de emprego no RFAI, no sentido de a aferição dever ser feita se relacionada com o investimento e não de forma líquida na entidade, importa ter presente a decisão arbitral proferida no processo nº 307/2019, em que se conclui do seguinte modo (em idêntico sentido, a decisão proferida no Processo n.º 561/2022-T):
Nessa perspetiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção.
Não é, por conseguinte, exigível a criação líquida de postos de trabalho, uma vez que a criação de postos de trabalho, no âmbito do RFAI, está especificamente associado à criação de, pelo menos, um posto de trabalho, que deverá ser mantido pelo período legalmente previsto.
Em conclusão, considera-se demonstrado que a Requerente cumpriu a condição prevista na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Decreto-Lei nº 162/2014, dado que o investimento relevante proporcionou a criação de postos de trabalho e a sua manutenção.
Despesas com transferência de tecnologia
7. No Relatório de Inspeção Tributária refere-se ainda, como fundamento adicional para a correção tributária, que será de excluir, do âmbito das aplicações relevantes em sede de RFAI, os gastos com a licença/instalação do software, uma vez que, tal como o equipamento logístico subjacente, relacionam-se com a atividade de comércio, e, por outro lado, não se qualificam como "despesas com transferência de tecnologia".
Para efeitos de aplicação do RFAI, o artigo 22.º, n.º 2, alínea b), do CFI dispõe que se consideram como aplicações relevantes os investimentos em “ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente”.
Uma vez que não estamos no domínio de uma atividade de comércio, mas de indústria transformadora, por identidade de razão com o que já anteriormente se expôs relativamente à elegibilidade do investimento relativo ao sistema de autonomização (cfr. supra ponto 5.), o primeiro argumento da Autoridade Tributária é infundado por errada qualificação da atividade exercida pela B... .
Quanto à qualificação do investimento agora em análise como despesa com transferência de tecnologia cabe referir o seguinte.
A B... celebrou um contrato com a sociedade E... S.L., que constitui o documento n.º 13 junto ao pedido arbitral, para aquisição de software de logística relativo ao mecanismo de automatização, no montante total de € 579.850,00.
Como resulta da matéria de facto dada como assente, o software de logística é complementar do sistema de autonomização.
E, por outro lado, nos termos do contrato, a entidade fornecedora mantém os direitos exclusivos sobre todo o software, incluindo direitos de autor, direitos sobre invenções e propriedade técnica, enquanto a B..., como adquirente, detém o direito de utilizar o software, o que corresponde a um mero direito de uso.
A Autoridade Tributária para desconsiderar a despesa parar efeito do RFAI, limita-se a dizer, no Relatório de Inspeção, que o investimento em software não se qualifica como “transferência de tecnologia”, na medida em que esse tipo de despesas está associado às situações de aquisição da propriedade sobre direitos de propriedade intelectual ou propriedade industrial (RIT, págs. 18/19).
No entanto, como se deixou esclarecido, a norma do artigo 22.º, n.º 2, alínea b), do CFI indica como despesas com transferência de tecnologia, a título exemplificativo, os direitos de patentes, licenças, know-how ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
A licença confere ao titular o direito de uso ou de exploração da propriedade intelectual ou industrial de um terceiro, e não a aquisição do próprio direito de propriedade intelectual ou industrial, sendo que os direitos de propriedade, nos termos do contrato, continuam a pertencer à E... S.L. E, por conseguinte, a aquisição de uma licença não tem subjacente a transmissão de propriedade intelectual ou industrial.
Face do exposto, não pode deixar de concluir-se que o investimento realizado em software, no montante de € 579.850,00, consubstancia uma despesa com transferência de tecnologia, abrangida pela disposição da alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI.
Assim sendo, o pedido arbitral mostra-se ser procedente também neste ponto.
Reembolso do imposto devido e juros indemnizatórios
8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2024 ... e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, relativos ao exercício de 2020, com um montante a pagar de € 428.446,81;
-
Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 461.929,02, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00 que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 7 de maio de 2025
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
(relator)
O Árbitro vogal
Luciano dos Santos Carvalho
O Árbitro vogal
José Joaquim Sampaio e Nora