Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 484/2014-T
Data da decisão: 2014-10-24  Selo  
Valor do pedido: € 14.426,99
Tema: IS - Verbas 28 e 28-1 da TGIS; Prédio urbano em propriedade vertical.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

AS PARTES

 

Requerente: A, LDA., sociedade por quotas NIPC PT …, com sede na … Lisboa.

 

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

 

DECISÃO

 

  1. RELATÓRIO

 

a)      Em 11-07-2014, A, LDA., sociedade por quotas NIPC PT …, entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

b)      O pedido está assinado por advogados em representação da Requerente.

 

O PEDIDO

 

c)      A Requerente peticiona a anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo (IS) da verba 28 da TGIS, constantes dos seguintes documentos:

 

Com fundamento na verba 28.1 da TGIS – Ano de 2013

 

 

referentes ao ano de 2013, geradores de uma colecta global de 14 426,99 euros, com referência ao prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mais concretamente sobre os andares destinados a habitação que o integram, a saber:

ü  Prédio urbano sito em Lisboa, na …, nº 79, 79A, 79B e 79C, actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, sob os artigos …-1D, ...-1E, ...- 2D, ...-2E, ...-3D, ...-3E, ...- 4D, ...- 4E, ...-5D, ...-5E, ...- 6D, ...- 6E, ...-7D, ...-7E, ...-8D, ...-8E.

d)     Invoca, em resumo, que os actos de liquidação são ilegais por violação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS na medida em que a AT somou os valores patrimoniais dos andares em propriedade total e nenhum deles por si só tem um VPT igual ou superior a 1 000 000,00 de euros, propugnando no sentido de que deve ser o VPT de cada andar e não a sua soma a relevar para efeitos de tributação.

e)      E que a norma de incidência, na interpretação levada à prática pela AT, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade inscrito no artigo 13º-1 e 104º-3 da Lei Fundamental.

f)       Invoca ainda, subsidiariamente, outra desconformidade dos actos de liquidação, mormente por não identificarem o autor do acto, não conterem assinatura e não aludirem ao uso de competências próprias ou delegadas.

g)      Peticiona em termos gerais a anulação dos actos tributários identificados em c), restituição dos valores pagos (pelo menos a primeira prestação das colectas liquidadas com referência a cada andar) e ainda os juros indemnizatórios.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

h)      O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16.07.2014.

i)        Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 29.08.2014.

j)        Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 15.09.2014, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.

k)      Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 15.09.2014 que aqui se dá por reproduzida (considerando-se que a data colocada no 4º parágrafo deste documento, de 15.07.2014, constitui lapso manifesto).

l)        Em 15.09.2014 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT.

m)    Uma vez que se levantam neste processo questões em tudo idênticas às já levantadas em muitos outros processos já decididos no CAAD, o TAS no despacho referido no inciso anterior convidou as partes a pronunciarem-se sobre a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e bem assim de alegações.

n)      Por requerimento de 14.10.2014 a AT veio referir que não se opunha à não realização da reunião de partes e bem assim à não produção de alegações.

o)      Por despacho de 15.10.2014 ordenou-se a notificação à Requerente do requerimento contendo a posição da AT e agendou-se o dia 31.10.2014 como data para a prolacção da decisão final, caso a Requerente nada viesse a obstar sobre o convite do Tribunal e sobre a proposta da Requerida.

p)      Pelo que, tendo ambas as partes prescindido, expressa ou tacitamente, da realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e da produção de alegações complementares, não se realizaram estes actos processuais.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

q)      Legitimidade, capacidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas.

r)       Contraditório - a AT foi notificada nos termos do inciso l). Todos os despachos produzidos no processo e todos os documentos juntos foram notificados à respectiva contraparte.

s)       Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Quanto à eventual ilegalidade dos actos de liquidação por desconformidade com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

t)       Entende a Requerente que o valor patrimonial tributário (VPT) relevante no caso em discussão, posto que se trata de um prédio em propriedade total que integra andares ou divisões com utilização independente, todos com afectação habitacional, não é a soma de todos esses andares ou divisões, mas o VPT de cada um.

u)      Subsidiariamente invoca outra desconformidade legal dos actos de liquidação, aduzindo que não identificam o autor do acto, não contêm assinatura e não aludem ao uso de competências próprias ou delegadas.

v)      Propugna no sentido de que a base de incidência do imposto do selo da verba 28.1 da TGIS deverá ser a mesma do IMI, uma vez que a lei determina a aplicação subsidiária do Código do IMI no que diz respeito às matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo.

 

Quanto à eventual inconstitucionalidade da norma ínsita na verba 28.1 da TGIS, na leitura implícita levada à prática pela AT

 

w)    A Requerente considera que as liquidações de IS, na interpretação implícita levada à prática pela AT, das verbas 28 e 28.1 da TGIS, (em que se adicionam os VPT dos andares para apurar o limiar de tributação de 1 000 000,00 de euros) estão em desconformidade com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º-1 e 104º-3 da Constituição Portuguesa.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto à eventual ilegalidade dos actos de liquidação por desconformidade com a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

x)      A AT propugna no sentido de que “muito embora a liquidação de IS, nas condições previstas na verba 28.1 da TGIS se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações”.

y)      Como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, pois muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente”,

z)      Para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme artigo 2º-4 do CIMI”

 

Quanto à eventual inconstitucionalidade da norma ínsita na verba 28.1 da TGIS, na leitura implícita levada à prática pela AT

 

aa)   Não existe violação do princípio da igualdade porque não existe discriminação entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

bb)  Posto que a verba 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta aos casos nela previstos.

cc)   A diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

dd) Trata-se de realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.

ee)   Propugnando pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma. Falta depois a “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão (e uma estatuição), a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (propriedade de prédios urbanos … com afectação habitacional … cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI), comporta ou não o entendimento de que quanto aos prédios “com afectação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa, deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal.

 

No fundo o que estará em causa é a adopção de uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o nº 7 do artigo 23º do CIS refere quanto à determinação da matéria colectável e sequente operação de liquidação do imposto:

 

“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

Como já temos referido noutras decisões, quanto à interpretação das normas tributárias existe uma regra, ainda que possa considerar-se residual, muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. Trata-se de um critério a usar em sede de hermenêutica de interpretação das normas.

 

Não defendemos uma “interpretação económica” de normas de direito tributário.

 

Mas afigura-se-nos que também aqui se poderá fazer apelo à análise da “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, tendo em vista resolver a questão que se coloca.

 

Estamos assim, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na previsão da norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS e neste caso o que deve ter-se por aceitável ao nível das “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, seguindo o comando do nº 7 do artigo 23º do CIS.

 

A questão da conformidade da previsão da norma de incidência, face ao texto constitucional, só se colocará se o intérprete chegar à conclusão que determinada e inequívoca leitura da lei – aplicada correctamente a um caso concreto - fere um ou vários princípios constitucionais com tal intensidade que a opção legislativa adoptada não podia tê-lo sido, tendo ainda em atenção que a AT não pode com base em eventuais inconstitucionalidades de normas, não declaradas pelos tribunais, deixar de aplicar a lei, na acepção que entender mais assertiva.

 

Afigura-se-nos que a questão fulcral a que TAS deverá responder é a seguinte:

 

1)      As verbas 28 e 28-1 da TGIS enquanto normas de incidência tributária, tal como se encontram redigidas – na sua previsão - (propriedade de prédios urbanos … com afectação habitacional … cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI), comportam ou não o entendimento de que quanto aos prédios “com afectação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa, deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal?

 

Da resposta que se der a esta questão resultará a procedência ou improcedência do pedido, sendo que, se a resposta for em sentido não conforme ao doutamente defendido pela AT, não será necessário o TAS pronunciar-se sobre os restantes fundamentos invocados pela Requerente no pedido de pronúncia, com eventual reflexo na validade dos actos de liquidação ora em causa.

 

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDA-MENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos) e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

 

Factos provados

 

1)      A Requerente, A, LDA., sociedade por quotas NIPC PT …, consta como titular do direito de propriedade plena do prédio urbano em regime de propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mais concretamente sobre os andares destinados a habitação que o integram, a saber: Prédio urbano sito em Lisboa, na …, nº 79, 79A, 79B e 79C, actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, sob os artigos ...-1D, ...-1E, ...- 2D, ...-2E, ...-3D, ...-3E, ...- 4D, ...- 4E, ...-5D, ...-5E, ...- 6D, ...- 6E, ...-7D, ...-7E, ...-8D, ...-8E – Artigos 18º e 162º do pedido de pronúncia, Documentos nº 2 junto com o pedido de pronúncia (caderneta predial urbana), Documento 7 junto com o pedido de pronúncia (notas de liquidação do IS) e artigo 1º da resposta da AT.

2)      A Requerente foi notificada, em data não determinada, das liquidações de Imposto do Selo da verba 28 da TGIS, expressas no inciso c) do Relatório, geradoras de uma colecta global de 14 426,99 euros - Artigos 18º e 162º do pedido de pronúncia, Documento 7 junto com o pedido de pronúncia (notas de liquidação do IS) e artigo 1º da resposta da AT, considerando-se que o valor indicado, por lapso que se configura evidente e notório, quanto à colecta global, não corresponde à soma dos valores expressos nos documentos juntos ao processo.

3)      Os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente objecto de tributação com afectação habitacional, têm VPT compreendidos entre 98 619,25 euros (todos os andares lado esquerdo, salvo o 8º andar) e 79 347,98 euros (cada um dos dois andares do oitavo piso) somando os seus VPT um total de 1 442 703,86 euros – Documento7 junto com o pedido de pronúncia (notas de liquidação do IS) e artigo 1º da resposta da AT.

4)      Na caderneta predial urbana do imóvel referido em 1) consta: “Valor patrimonial total: € 1 801 391,06” – Documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia (caderneta predial urbana).

5)      Nas notas de liquidação consta “Valor Patrimonial do prédio-total sujeito a imposto: 1 442 703,86” euros, o que corresponde à soma do VPT dos andares com afectação habitacional do prédio identificado em 1) – Documento 7 junto com o pedido de pronúncia (notas de liquidação do IS) e artigo 1º da resposta da AT.

6)      Imposto este liquidado com fundamento na verba 28.1 da TGIS com a redacção que lhe foi dada pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro - Documento7 junto com o pedido de pronúncia (notas de liquidação do IS) e artigo 1º da resposta da AT.

7)      A Requerente procedeu ao pagamento do imposto - primeiras prestações – pelos valores indicados em c) do Relatório – Artigo 161º do pedido de pronúncia, Documento 7 junto com o pedido de pronúncia (notas de liquidação do IS), vinhetas apostas no Documento  7 e posição global da AT na resposta.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

***

 

A matéria assente resulta dos documentos juntos pela Requerente, cujos conteúdos e valorações probatórias não mereceram dissonância da AT e de factos admitidos, expressa ou tacitamente, por acordo das partes.

 

                                                                 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

  • As verbas 28 e 28-1 da TGIS enquanto normas de incidência tributária, tal como se encontram redigidas – na sua previsão - (propriedade de prédios urbanos … com afectação habitacional … cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI), comportam ou não o entendimento de que quanto aos prédios “com afectação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa, deve ser a sua soma ou deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal?

 

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento das verbas 28, 28-1 e 28-2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

Com relevância para o caso referem:

 

·         O nº 7 do artigo 23º do CIS quanto à liquidação do imposto: “Tratando -se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

·         O nº 4 do artigo 2º do CIMI: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

·         O nº 3 do artigo 12º do CIMI: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

 

Afigura-se-nos que a resposta à questão colocada neste pedido de pronúncia tem a ver com a leitura que é feita pela AT do nº 7 do artigo 23º do CIS.

 

A AT terá considerado, para proceder à soma dos VPT dos andares ou divisões/partes de prédio urbano, no sentido de determinar se é atingível, por cada prédio urbano, o VPT mínimo de 1 000 000,00 de euros, que os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente não são por definição jurídica formal considerados prédios urbanos.

 

E terá considerado que essa adição de VPT é exigível porque a lei refere que se deve proceder “às necessárias adaptações” das “regras do CIMI” (nº 7 do artigo 23º do CIS).

 

É o que resulta da resposta da AT – vidé artigo 16º.

 

Mas será que esta leitura da lei se configura como a mais assertiva?

 

Na verdade, muito embora as verbas 28 e 28.1 falem em “prédios urbanos” e “por prédio” e o nº 7 do artigo 23º do CIS refira que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano”, o que é aqui relevante é que, ao nível da determinação da matéria colectável elegível e liquidação deste imposto, se apliquem “… com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” como o refere o aludido nº 7 do artigo 23º do CIMI. Mas, obviamente, “adaptações” desde que necessárias.

 

O que aconteceu - quanto aos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente - foi que a AT a “adaptação” relevante que fez, nas operações de liquidação do IS, foi somar os VPT de cada andar ou divisão independente afecta a fins habitacionais (excluindo os VPT dos andares ou divisões destinados a outros fins), criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afectação habitacional.

 

Esta operação do iter tributário (incidência – determinação da matéria colectável – liquidação – pagamento) atentará contra o elemento literal da norma de incidência, a verba 28 da TGIS, que refere que este imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

 

É que a AT, na operação de determinação da matéria colectável e sequente liquidação do IS da verba 28 e 28.1 da TGIS (operação de aplicação de um taxa à matéria colectável), quanto aos prédios urbanos com afectação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não deveria considerar outro valor patrimonial tributário (sobre o qual se faz incidir a taxa ad valorem do imposto) que não fosse o que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer para o IMI, quer para este IS.

 

E pela razão de que os prédios urbanos em propriedade vertical, no seu todo, não têm VPT. A lei determina nestes casos que o VPT seja atribuído a cada andar ou parte do prédio separadamente.

 

A conclusão supra não resultará beliscada pelo facto de nas cadernetas prediais deste tipo de prédios se indicar o “valor patrimonial total” que corresponde à soma dos VPT de todos os andares, independentemente da sua afectação. O que releva para esta tributação não é o “valor patrimonial total” é tão-só o “valor patrimonial tributário” de prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Criar-se uma nova realidade jurídica, tendo em vista encontrar uma nova forma de determinação da matéria colectável (um VPT para os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, de afectação habitacional, cindido do VPT dos demais com fins diferentes) não configura ter suporte legal nas “necessárias adaptações” a que alude o nº 7 do artigo 23º do CIS.

 

Ocorre ainda, percute-se, desconformidade com o elemento literal da parte final da norma de incidência (verba 28 da TGIS) que refere que o imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” e por isso, não deverá incidir sobre a soma de valores patrimoniais tributários de prédios, partes de prédios ou andares, não se vislumbrando suporte legal na operação de adição de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, de afectação habitacional, excluindo os VPT dos demais com fins diferentes, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais.

 

Ou seja, não se configura conforme à lei, a criação de um VPT novo para efeitos de tributação em IS quanto à verba 28 da TGIS, como resulta da aposição em todas as notas de cobrança de “valor patrimonial de prédio – total sujeito a imposto” – inciso 5 da matéria factual assente.

 

O que quer significar que quando no nº 7 do artigo 23º se refere que “…o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, esta expressão “cada prédio urbano” pretenderá abranger, face aos princípios enunciados de interpretação e aplicação das normas, os prédios urbanos em propriedade horizontal e os andares ou partes de prédios urbanos de prédios em propriedade vertical, desde que afectos a fins habitacionais, mas partindo sempre de uma só base tributável para todos os efeitos legais: o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI (parte final da verbo 28 da TGIS).

 

A questão não carece, em nosso entender, de ser colocada ao nível da violação da CRP, bastando, no cumprimento do referido no nº 7 do artigo 23º do CIS que se leve a efeito uma leitura, “com as necessárias adaptações das regras do CIMI” que será considerar que a expressão “cada prédio urbano” comporta não só os andares em propriedade horizontal (que são prédios urbanos ope legis) como também “os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente” (nº 3 do artigo 12º do CIMI).

 

Se v.g. para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos) não se adicionam os VPT para determinar o limiar do VPT elegível para sujeição a IS, por sujeito passivo, de 1 000 000,00 de euros (operação de determinação da matéria colectável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios em propriedade vertical tal deve ocorrer?

 

Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis).Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas. Em ambas as situações se manifesta a mesma “ability-to-pay”.

 

Na verdade é a referida norma, na sua literalidade, mormente a parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, que permite concluir, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveria a AT adicionar os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para encontrar um novo VPT relativo àqueles que são afectos a fins habitacionais, cindido do VPT dos que estão afectos a outros fins.

 

***

 

A Requerente aduz, no fundo, a desconformidade dos actos tributários com a lei fiscal, alegando a ilegalidade constante da alínea a) do artigo 99º do CPPT: “errónea qualificação …de factos tributários”.

 

De facto, com os fundamentos atrás expressos, as liquidações de IS impugnadas levadas a efeito nos termos em que o foram, não estão em sintonia com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT.

 

Procedendo o primeiro fundamento do pedido formulado pela Requerente no pedido de pronúncia (inciso d) do Relatório) não se torna necessário proceder à apreciação dos outros fundamentos (incisos e) e f) do Relatório), por manifesta inutilidade.

 

***

 

Como consequência do acima exposto procedem os pedidos de anulação dos actos tributários deduzidos pela Requerente perante o Tribunal Arbitral, uma vez que as liquidações de IS levadas a efeito pela AT não estão em conformidade com a lei, na leitura acima propugnada.

 

De facto, resulta dos factos provados (inciso 3) da parte III desta decisão) que nenhum dos andares ou parte de prédio tem, de per si, um VPT que seja igual ou superior ao limiar de tributação indicado na verba 28 da TGIS (VPT igual a 1 000 000,00 euros).

 

  •             Pedido de juros

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, refere-se que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Embora as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não façam referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

Pelo que pode ser aqui proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

O artigo 43º da LGT “não faz senão estabelecer um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão (…)”Acórdão do STA de 2-11-2006, processo 604/06, disponível in www.dgsi.pt”

 

No caso em apreço, a Requerente provou que procedeu ao pagamento do imposto liquidado - primeiras prestações – pelos valores indicados em c) do Relatório, conforme inciso 7) da matéria factual assente, pelo que tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento, total ou parcial, das liquidações do imposto ora anuladas até à data da emissão das respectivas notas de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.

 

 

V. DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se:

1.      Procedente o pedido da Requerente, anulando-se as liquidações de Imposto de Selo constantes dos documentos indicados no inciso c) do Relatório (que aqui se dão por reproduzidos), geradores de uma colecta global de 14 426,99 euros, com referência ao prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mais concretamente sobre os andares destinados a habitação que o integram, a saber:

·         Prédio urbano sito em Lisboa, na …, nº 79, 79A, 79B e 79C, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, sob os artigos ...-1D, ...-1E, ...- 2D, ...-2 E, ...-3 D, ...-3E, ...- 4D, ...- 4E, ...-5 D, ...-5E, ...- 6D, ...- 6E, ...-7D, ...-7E, ...-8D, ...-8E,

por desconformidade com as normas contidas nas verbas 28 e 28.1 da TGIS e no nº 7 do artigo 23º do CIS.

2.      Consequentemente condena-se ainda a AT a proceder à devolução do que tenha sido pago.

3.      Julga-se ainda procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios à Requerente, contados desde a data do pagamento das prestações tributárias de IS, no todo ou em parte, até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61º, nºs 2 a 5, do CPPT), à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43º da LGT.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 14 426,99 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de Outubro de 2014

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto

no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.