Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 970/2024-T
Data da decisão: 2025-04-23  IRC  
Valor do pedido: € 315.046,62
Tema: IRC: Derrama Estadual; Derrama Regional da Região Autónoma da Madeira; Derrama Regional da Região Autónoma dos Açores.
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SUMÁRIO:

 

  1. A Derrama Estadual – e as Derramas Regionais, que seguem aquela em termos de contexto, incidência e estrutura – têm a natureza jurídico-tributária de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC);
  2. Nos termos da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, «constitui receita de cada Região Autónoma o IRC (…) devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição»;
  3. Não sendo facto controvertido que a Requerente exerce atividade nas Regiões Autónomas através de formas permanentes de representação, a parte do lucro tributável apurado e que lhes corresponde, na proporção do Volume de Negócios (VN)  registado em cada uma delas face ao VN total do exercício está sujeito, nos termos da referida Lei ao regime da Derrama Regional, sob pena (i) de violação da autonomia financeira das Regiões Autónomas, (ii) da prevalência de uma lei geral sobre uma lei especial (sem que esta a contrarie, muito pelo contrario) e (iii) de violação do princípio da igualdade ao impor uma tributação superior a um investimento efetuado numa Região Autónoma quando o promotor não tem nessa RA a sua sede, direção efetiva ou estabelecimento estável, colocando em causa um dos instrumentos mais importantes da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, i.e., a adaptação do sistema fiscal nacional àquelas regiões e o combate às desigualdades decorrentes da insularidade.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Ricardo Gomes Pedro (relator) e Júlio Tormenta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designada por “A...” ou “Requerente”, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário.

 

  1. A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade:

 

  1. Da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referente ao exercício de 2021, da qual resultou o montante total a pagar de 10.719.928,02 EUR; e
  2. Da decisão final de indeferimento de reclamação graciosa apresentada a contestar parcialmente a referida autoliquidação, no montante de 315.046,62 EUR, relativo a Derrama Estadual.

 

  1. A Requerente pugna ainda pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, calculados sobre o montante a restituir, em caso de procedência do presente pedido, e à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento integral das custas de arbitragem.

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por “AT” ou “Requerida” e, quando em conjunto com a Requerente, ambas designadas por “Partes”. 

 

  1. Em causa nos presentes autos está

 

  1. A desconsideração, por parte da AT, da aplicação das taxas previstas nos Regimes da Derrama Regional em vigor em 2021 nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, à parte proporcional do lucro tributável apurado pela Requerente em cada uma daquelas circunscrições; e, ao invés,
  2. A aplicação das taxas de Derrama Estadual – artigo 87.º-A do Código do IRC – à totalidade do lucro tributável apurado pela Requerente naquele exercício, em razão desta ter a sua sede no Continente.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 19-08-2024.

 

  1. Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a) e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.

 

  1. Em 07-10-2024 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25-10-2024 e no mesmo dia foi proferido despacho arbitral no sentido da Requerida apresentar resposta, no prazo de 30 dias.

 

  1. A Requerida juntou o processo administrativo e apresentou Resposta em 27-11-2024, na qual se defende por impugnação, mantendo toda a fundamentação aduzida em sede de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

 

  1. Em 03-12-2024 o Tribunal proferiu despacho arbitral no qual dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, determinou que o processo prosseguisse com a apresentação de alegações finais escritas facultativas, no prazo simultâneo de 20 dias, alertando a Requerente para o pagamento do remanescente da taxa arbitral.

 

  1. As Partes apresentaram alegações, onde reiteraram os argumentos apresentados em fases anteriores do dissídio em causa.

 

  1. Ao abrigo do princípio da colaboração processual previsto no artigo 16.º, alínea f) do RJAT, a Requerente requereu, a 18-03-2025, a junção aos autos da decisão arbitral proferida sobre a mesma temática que trata o presente pedido, relativa a pedido que a mesma fez por referência ao exercício de 2020, com desfecho que lhe foi favorável.

 

  1. Em 04-04-2025 foi proferido despacho arbitral para que a Requerida, querendo, se pronunciasse sobre o conteúdo do documento junto pela Requerente a 18-03-2025, o que não veio a fazer.

 

 

II – SANEAMENTO

 

  1. A apresentação do pedido de pronúncia arbitral ocorreu no dia 16-08-2024.

 

  1. Tendo em conta que está em causa a apreciação de um ato de autoliquidação, o mesmo deve ser precedido de reclamação graciosa, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), prazo observado pela Requerente, atendendo a que a autoliquidação foi efetuada a 25 de maio de 2022 e a reclamação entregue no dia 5 de março de 2024.

 

  1. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: (…) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

  1. Do artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, resulta que o prazo destinado à propositura da ação inicia-se «a partir dos factos seguintes: (…) e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código».

 

  1. A decisão final de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente a 22 de maio de 2024, pelo que se conclui que o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas.

 

  1. Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Não se verificam nulidades, pelo que importa conhecer do mérito da causa.

 

 

III – FACTOS RELEVANTES

 

§1. Factos provados

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima que exerce, a título principal, a atividade seguradora e resseguradora, de todos os ramos e operações, com exceção dos seguros de crédito com garantia do Estado, podendo exercer atividades conexas ou complementares das de seguro ou resseguro.
  2. Para o exercício da sua atividade, a Requerente dispõe de uma «rede de distribuição (…) dividida em 21 zonas comerciais (19 no continente, Açores e Madeira), que são suportadas por escritórios locais e por um total de 685 pontos físicos de venda que se distribuem geograficamente por todo o território continental e regiões autónomas. Por tipologia, a rede física é composta por 13 lojas próprias (em Lisboa, Porto e 11 lojas nos Açores) e por 672 lojas de Parceiros com imagem da Tranquilidade ou Açoreana (nos Açores), dos quais 292 são exclusivos»; (facto não controvertido).
  3. No exercício de 2021, a Requerente entregou em 25-05-2022 a Declaração Modelo 22 de IRC (DM22), tendo autoliquidado IRC no montante de 10.719.928,02 EUR, correspondendo 5.839.634,54 EUR a Derrama Estadual; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
  4. Tendo procedimento ao respetivo pagamento no dia 27-05-2022; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
  5. Em 05-03-2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa em que requereu a anulação parcial da Derrama Estadual a que foi atribuído o n.º ...2024...; (cfr. doc. 2 junto com o PPA e PA).
  6. Reclamação graciosa que foi indeferida por despacho do Diretor de Serviço Central da Unidade de Grandes Contribuintes de 06-05-2024, notificado à Requerente através do ViaCTT com data de 22-05-2024; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).

 

§2. Factos não provados

  1. Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham

provado.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].

 

  1. Os factos pertinentes para a decisão são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT].

 

  1. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos e as posições assumidas pelas Partes e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão decidenda e posição das Partes
  1. A Requerente alega, em síntese, que o ato de autoliquidação de IRC em causa, no que à Derrama Estadual concerne, deve ser anulado e recalculado, de modo a que a globalidade do seu lucro tributável seja devidamente repartido pelas três circunscrições em que exerceu atividade em 2021 e as parcelas geradas nas Regiões Autónomas em que exerceu atividade sejam sujeitas aos respetivos escalões e taxas de Derrama Regional.

 

  1. Por outro lado, a posição da Requerida é no sentido da inexistência de qualquer errónea interpretação e aplicação da Lei ao caso aplicável, considerando que a sede da Requerente é no Continente e, consequentemente, a totalidade do seu lucro tributável encontra-se sujeito às taxas da Derrama Estadual previstas no artigo 87.º-A do Código do IRC.

 

  1. Fundamenta a sua decisão com base, quer no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, no tocante à Região Autónoma dos Açores (RAA), quer com base no artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, diploma que que veio alterar o Decreto Legislativo Regional n.º 34/2009/M, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010, entendendo que em ambos os casos, a incidência da Derrama Regional e, consequentemente, o acesso aos escalões e taxas reduzidos quando comparados com os da Derrama Estadual, é circunscrito aos sujeitos passivos com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na RAA ou RAM, respetivamente, que não é o caso da Requerente.

 

  1. Apreciação
  1. O CAAD já se pronunciou sobre a matéria de direito do presente dissídio, quer a favor da Requerida, com os fundamentos contantes no Acórdão Arbitral do processo 38/2023-T, quer a favor da Requerente com os fundamentos constantes no Acórdão Arbitral do processo 792/2022-T e subsequentes Acórdãos Arbitrais, a saber, os do processo n.º 1056/2023-T, 805/2023-T, 520/2024-T e 1169/2024-T, do qual a Requerente é, aliás, subscritora.

 

  1. Assim, remetendo para a jurisprudência do CAAD a este respeito, é entendimento deste Tribunal que:

 

  1. «Como decorre do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas podem “exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República”.

 

  1. O regime do exercício desse poder tributário próprio, inclusivamente a “adaptação do sistema fiscal nacional”, consta da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em que se estabelecem os princípios que devem ser observados (artigo 55.º), e se estabelece que “as Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor”.

 

  1. No caso em apreço, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e o n.º 21/2026/A, de 17 de outubro, são diplomas que, como neles expressamente se refere, fizeram a adaptação do regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, às especificidades regionais, traduzindo-se essencialmente em reduções de taxas aplicáveis a residentes ou não residentes titulares de estabelecimentos estáveis nas respectivas regiões autónomas. (…)

 

  1. É inquestionável que as situações das Requerentes se enquadram no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais (lex specialis derogat legi general). A lei especial é a que se aplica a situações de facto abrangidas, todas elas, pela lei geral (sendo que esta abrange um leque mais amplo de situações de facto), consagrando um regime distinto.

 

  1. Está ínsito nesta possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.

 

  1. Do exposto resulta que a manutenção da aplicação do artigo 87.º-A do Código do IRC à Requerente deve ser afastado quando sejam simultaneamente aplicáveis disposições especiais, o que só poderia ocorrer se a Requerente não pudesse beneficiar da regime da derrama regional na RAA e na RAM se aí não desenvolvesse a sua atividade através de estabelecimentos estáveis, o que manifestamente ocorre no caso em apreço, desenvolvendo a sua atividade em instalações que são enquadráveis no conceito de estabelecimento estável que se encontra previsto no artigo 5.º do Código do IRC.

 

  1. Acresce que no que diz respeito à aplicação da derrama regional dos Açores e da Madeira, este Tribunal segue novamente a jurisprudência plasmada da decisão arbitral de 11 de março de 2024, processo n.º 805/2023-T, nos termos da qual “Relativamente à derrama regional da Madeira, incide sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. O artigo 26.º, n.º 1, da referida Lei Orgânica n.º 2/2013 (Lei das Finanças das Regiões Autónomas – LFRA) refere na sua alínea b) as “pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição”. “Circunscrição”, é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da LFRA. (…)

 

  1. No que concerne à derrama regional dos Açores, aplica-se, nos termos do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

 

  1. As 2.ª e 3.ª Requerentes não eram residentes na Região Autónoma dos Açores, mas tinham nela instalações enquadráveis no conceito de estabelecimento estável, definido no artigo 5.º do CIRC.

 

  1. Assim, a questão que se pode levantar, com pertinência, é a de saber se a referência a “sujeitos passivos não residentes” se reporta a não residentes em território nacional ou a não residentes no território da Região Autónoma dos Açores.

 

  1. Como há muito vem decidindo o Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da questão paralela que se coloca a nível das reduções de taxas de IRC nas regiões autónomas, a referência a “não residentes” reporta-se todos os sujeitos passivos que não residem na região autónoma, quer residam no estrangeiro quer em outra parte do território nacional: “o conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)”.

 

  1. Neste artigo 13.º da CRP estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

 

  1. Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.

 

  1. No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como “estabelecimento estável”, à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC e derrama diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva, fora da área daquela Região, se situar no território nacional ou no estrangeiro.
  2. Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma dos Açores, as razões que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC e de derrama para entidades não residentes, que são melhorar “a competitividade e criação de emprego das empresas com actividade no arquipélago, que suportam os custos incontornáveis da insularidade” (Preâmbulo do determinação do lucro tributável 2/99/A, de 6 de Março) e a “promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores” (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A) valem igualmente tanto para o investimento por empresas estrangeiras como para o investimento por empresas nacionais.

 

  1. Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A no sentido da aplicação da taxa reduzida de derrama a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações qualificáveis como “estabelecimento estável”, à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.

 

  1. Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição.

 

  1. De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma dos Açores, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (art. 9.º, n.º 3, do CC). E é também esta a interpretação que se melhor se compagina com a imputação das receitas de IRC às regiões autónomas que se faz no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, da LFRA, em que se incluem as devidas por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português que tenham na região um estabelecimento estável, sendo as receitas de cada circunscrição determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

 

  1. Na verdade, nestas normas do artigo 26.º da LFRA explicitamente se dá relevância a instalações de pessoas colectivas residentes em território português qualificáveis como estabelecimentos estáveis, o que confirma o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se referiu. Pelo exposto, também em relação à actividade das Requerentes nos Açores, era aplicável às Requerentes a respectiva derrama regional e não a derrama nacional.

 

  1. Ora, nesta sede resulta claro que a Requerente apesar de ter a sua sede em território português, mais especificamente no continente, possuía estabelecimentos estáveis por via dos quais desenvolvia a sua atividade e obtinha rendimentos na RAA e na RAM. Pelo que, deve à Requerente ser aplicável a derrama regional da Madeira e dos Açores no que concerne aos rendimentos obtidos nestas regiões autónomas.

 

  1. Por fim e quanto à harmonização da derrama estadual com as derramas regionais, atendendo a que a Requerente desenvolve a sua atividade em território continental, mas também nas regiões autónomas por via de instalações que devem ser qualificadas como “estabelecimentos estáveis”, deve pugnar-se pela harmonização da aplicação destas derramas. Assim e seguindo o disposto no acórdão arbitral de 21-08-2023, proferido no processo n.º 792/2022-T, “quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região”. Tal significa que aquando do cálculo do quantum que é devido em sede da derrama estadual não deve ser considerada a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis localizados na RAA e na RAM, que está sujeito às derramas regionais previstas em sede de legislação da RAA e da RAM.»

 

  1. Face aos argumentos expostos, consideramos ilegal o indeferimento, pela AT da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, por errónea interpretação da Lei aplicável aos factos e por violação dos princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade.
  2. A Requerente, para além da anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2021, com todas as consequências legais, mormente a restituição do imposto pago em excesso, peticionou igualmente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT), com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida.

 

  1. O fundamento para tal pretensão reside, por um lado, quanto à posição assumida por este Tribunal Arbitral quanto à existência de ilegalidade quanto ao indeferimento da reclamação graciosa, quer quanto à violação dos princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, conforme n.º 54 supra, quer também quanto ao sistema informático da AT de preenchimento, validação e entrega da DM22 não permitir o preenchimento desta declaração de acordo com o entendimento que os contribuintes possam ter sobre determinado facto tributário, conforme a Requerente alegou em sede de reclamação graciosa.

 

  1. Este facto, embora não explicitamente demonstrado pela Requerente, não foi contestado pela Requerida, razão pela qual considera este Tribunal o alegado pela Requerente como provado.

 

  1. Tal como referido no âmbito do processo 805/2023-T, «trata-se de uma situação que se enquadra no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, por interpretação declarativa e maioria de razão, pois mais eficaz do que orientações administrativas que influenciem o comportamento do contribuinte é a sua imposição, por inadmissibilidade física de adopção de outro comportamento».

 

  1. Deste modo, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados com base na quantia a restituir, contados desde a data em que efetuou o pagamento de imposto em excesso até à data ou datas em que lhe vier a ser restituída a totalidade daquela quantia.

 

  1. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à dos juros compensatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 4 da LGT e, nos termos do n.º 10 do artigo 35.º do mesmo diploma, é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil e pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, fixando-se atualmente em 4%.

 

V – DECISÃO

 

Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral coletivo:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e, consequentemente:
    1. Declarar ilegal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente;
    2. Declarar a anulação parcial da autoliquidação de IRC efetuada pela Requerente com referência ao exercício de 2021 e proceder-lhe à restituição do montante de 315.046,62 EUR; e
    3. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa anual de 4% sobre o montante de 315.046,62 EUR, desde o dia 27 de maio de 2022 até à integral restituição deste montante à Requerente, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo arbitral, nos termos legais.

 

VI – VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 315.046,62 EUR.

 

VII – CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 5.508,00 EUR, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de abril de 2025.

 

 

Os Árbitros

 

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)

 

 

 

(Ricardo Gomes Pedro – Adjunto e Relator)

 

 

 

(Júlio Tormenta – Adjunto)