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SUMÁRIO:
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Só porque uma liquidação que tem possíveis implicações nas subsequentes está a ser impugnada a AT não pode ficar impedida de, nestas, actuar como se ela fosse plenamente válida.
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O critério material para determinar quais são os produtos agrícolas que constam do Anexo I ao TFUE que continuam a ser produtos agrícolas depois de transformados consta da norma que para ele remete: a do artigo 38.º do TFUE artigo (cujo segundo parágrafo do seu n.º 1 dispõe que “Por "produtos agrícolas" entendem-se os produtos do solo, da pecuária e da pesca, bem como os produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos.”).
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Por determinação da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC e do o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, não podem beneficiar dos apoios do RFAI os produtos abrangidos pelo Regulamento n.º 1379/2013;
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Como se decidiu no processo n.º 270/2024-T, referente a uma controvérsia idêntica entre a mesma Requerente e a AT, “nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, “sempre que da prova produzida [no processo] resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.”.
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Respeitando o disposto no artigo 97.º-A do CPPT, o valor do processo resulta da soma dos pedidos, ainda que a AT tenha sido absolvida da instância quanto a algum.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 14 de Agosto de 2024, A... LDA. (Requerente), titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC) ..., com sede social na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2 alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conjugado com o disposto nos artigos 99.º, alínea a) e 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – aplicável ex vi do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) pedia que fosse declarada a ilegalidade e se procedesse à consequente anulação do “despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, de 2 de Maio de 2024, nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa” e também, “na parte impugnada, a Liquidação adicional de IRC e de Juros Compensatórios melhor identificadas nos autos, referentes ao exercício de 2021 e reposta a dotação de RFAI de 2021” (tal liquidação, junta como documento 1, tinha o número 2023 ... e um valor de € 104.964,84).
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Pretendia ainda “a manutenção da dedução relativa ao SIFIDE 2021, no valor de € 110.318,01 que foi deferido pela ANI durante o procedimento de inspeção ao exercício de 2021, o qual foi tido em consideração pela AT na referida liquidação adicional de IRC”;
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Nomeados os árbitros, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 25 de Outubro de 2024.
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Seguindo-se os normais trâmites, em 4 de Dezembro a AT juntou o processo administrativo (PA) e apresentou resposta em que, entre o mais, suscitou uma questão prévia relativa à divergência de âmbito da reclamação graciosa prévia e do PPA, com consequência no valor do processo (questão que será apreciada a final), e uma excepção de incompetência material.
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Em 11 de Dezembro, foi proferido despacho a fixar prazo para que a Requerente se pronunciasse sobre as excepções e para indicar os factos sobre os quais pretendia que as testemunhas indicadas fossem ouvidas, bem como as razões que as habilitavam a tal.
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Em 8 de Janeiro, a Requerente veio pedir a junção aos autos da decisão proferida no processo n.º 270/2024-T, já transitada em julgado, por entender que nela se discutia “questão, de facto e de direito, idêntica àquela que aqui se discute”.
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Em 11 de Janeiro, a Requerente respondeu à questão prévia suscitada pela AT e à excepção suscitadas pela Requerida e identificou os factos sobre os quais pretendia que fossem inquiridas as testemunhas, indicando ser uma director de produção da Requerente e a outra seu consultor e Revisor Oficial de Contas.
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Tendo o Tribunal considerado que “a audição das testemunhas indicadas não se afigura útil para os propósitos invocados”, foi a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT dispensada por despacho de 20 de Janeiro.
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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido que lhe foi dirigido foi tempestivamente interposto.
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Requerente e Requerida gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
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Como acima referido, a AT invocou uma excepção de incompetência material do Tribunal. Respeitava esta à parte do pedido da Requerente que se dirigia directamente à anulação da decisão da reclamação graciosa “por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e 56.º e 77.º da LGT”, por tal juízo de censura autónomo ao acto de 2.º grau não se conter no âmbito da vinculação da AT, tal como resultante da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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Retorquiu a Requerente que, no PPA “imputa à decisão da reclamação graciosa os mesmos vícios que imputa ao acto de liquidação que foi por esta mantida”, admitindo, porém, que se o Tribunal “não pode conhecer o vício formal imputado à decisão de reclamação, a consequência sempre seria o não conhecimento dessa concreta causa de pedir e nunca a absolvição da instância”.
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Como se referiu supra (2. e 3.) a Requerente formulou expressamente três pedidos: um dirigia-se à anulação da decisão da reclamação graciosa, outro à anulação da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, e outro à “manutenção da dedução relativa ao SIFIDE 2021”.
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É verdade que as competências dos Tribunais arbitrais não contemplam a avaliação de vícios próprios de actos de 2.º grau (o primeiro pedido da Requerente), nem juízos declarativos de reconhecimento de direitos (o terceiro pedido da Requerente), pelo que a AT terá de ser necessariamente absolvida da instância quanto a tais pedidos – de resto, fundados em argumentação marginal (o primeiro tratado só nos artigos 198.º a 202.º do PPA, o SIFIDE 2021 mencionado apenas no seu artigo 15.º e na tabela dele constante e no pedido final).
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Já a verificação da legalidade dos actos de liquidação (o segundo pedido da Requerente) constitui o núcleo dos poderes jurisdicionais que o artigo 2.º do RJAT comete aos Tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD. Será só sobre tal pedido que o presente colectivo se pronunciará, ainda que uma eventual decisão de anulação dos actos de liquidação se tenha de repercutir na ineficácia consequencial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
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MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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A Requerente é uma sociedade comercial, constituída ao abrigo da lei portuguesa, que prossegue, no âmbito do seu objecto, as seguintes actividades:
- preparação de produtos da pesca e da aquicultura – CAE 10201;
- fabrico de produtos à base de carne – CAE 10130;
- fabrico de refeições e pratos pré-cozinhados – CAE 10815;
- armazenagem frigorífica – CAE 52101;
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Os produtos que resultaram da sua actividade produtiva foram: hamburgers, almôndegas, rissóis, almofadinhas, croquetes, chamuças, feijoada, enrolados mistos, pastéis de Chaves, empadas, bifes de frango panado, pastel e patanisca de bacalhau, rissol de camarão e rissol de pescada;
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Como admitido pela AT, entre Julho e Outubro de 2021 a Requerente realizou investimentos na sua unidade produtiva na Zona Industrial das ... adquirindo e instalando:
- uma Linha Automática de Fritura de Salgados (constituída resumidamente por
Tapetes, Fritadeira, Controle nível/aquecimento óleo, Grupo decantador), no valor de 183.500€;
- Máquina bolinhos bacalhau/croquetes, no valor de 118.500€;
- Marmitas elétricas, no valor de 160.000€;
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Como admitido pela AT, em 2021 a Requerente realizou também obras na fábrica para instalar e adaptar o layout do equipamento adquirido, no valor de 20.900€;
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Como admitido pela AT, a Requerente contratou 9 trabalhadores entre Julho e Outubro de 2021;
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O Valor Bruto de Produção da Requerente cresceu 48% no ano de 2021;
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A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária, realizado em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de que resultou o apuramento, por acerto de contas, de uma liquidação de € 104.964,84;
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Em 14 de Agosto de 2024, a Requerente apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral no CAAD.
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Tendo em conta as posições de Requerente e Requerida e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não se provou a medida da afectação dos investimentos realizados em 2021 às actividades de transformação de produtos de carne e de peixe.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo, expresso ou implícito (por não impugnação especificada), de Requerente e Requerida, livremente apreciados (nos termos do n.º 7 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) à luz das regras de racionalidade, lógica e experiência comum, segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
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DIREITO
IV.1. Questões a decidir
Excluídas que foram as questões relativas a vícios imputados à decisão de indeferimento da reclamação graciosa e o que parecia configurar uma pretensão ao reconhecimento de um direito, resta tratar sumariamente de um eventual vício formal do acto de liquidação (por alegada falta de fundamentação, bem como por alegada violação do princípio do inquisitório no procedimento de inspecção), antes de tratar dos dois temas materiais distintos suscitados pela Requerente:
- A alegada dedução indevida de benefício do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) de 2019;
- A alegada dotação e dedução de benefício RFAI indevido de 2021.
A propósito deste último, ainda haverá que tratar dos dois tipos de fundamentação do acto de liquidação a que a AT procedeu: a formalista (traduzida na desclassificação da actividade industrial da Requerente do âmbito do RFAI) e a substantiva (traduzida na invocada inverificação dos pressupostos do RFAI).
Em qualquer dos casos, da procedência das pretensões da Requerente haveria que extrair as devidas consequências em termos de restituição de importâncias eventualmente pagas e de atribuição de juros indemnizatórios, se bem que a Requerente se tenha limitado a solicitar que daí advenham “as necessárias consequências legais”.
O dissídio sobre o valor do processo será tratado quando se fixar tal valor.
IV.2. Vícios formais do acto de liquidação
Como se adiantou, a Requerente imputou ao acto de liquidação sustentado no RIT referente ao ano de 2021 um défice de fundamentação decorrente de um défice de actividade instrutória que, como indicou na pronúncia sobre as excepções, entende o inquinaria na sua totalidade.
IV.2. 1. Posição da Requerente
Segundo a Requerente,
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“O princípio do inquisitório e da verdade material visa a descoberta da verdade material, devendo a AT adotar as iniciativas adequadas a esse efeito (art. 6º do RCPIT).”, e “A importância destes princípios emerge da sua previsão na constituição (Art. 266º da CRP) e, ao nível da Lei ordinária, encontra-se inscrito em várias normas que regem a atividade administrativa, de que são exemplo, além do citado art. 6º do RCPIT, os art.s 13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º/1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e seguintes do CPA.”;
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Acrescenta a Requerente que a falta de verificação, pela AT, da composição dos seus produtos à base de peixe e de moluscos, substituída que foi pela mera consulta dos seus códigos de exportação, configura um défice da actividade instrutória devida, que implica vício de fundamentação do acto;
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“na base do procedimento encontra-se uma actividade inspectiva apenas fundada em análise de documentos, sem que tivesse sido ouvido a empresa designadamente no que se refere à percentagem de peixe que cada produto tem,”, pelo que “toda a actividade preparatória desatendeu à materialidade subjacente aos produtos em causa, fundando a sua qualificação no mero enquadramento estatístico que aos mesmos havia sido conferido, em manifesta contradição com um processamento da actividade administrativa norteado pelas coordenadas da "verdade material", ditadas pelo disposto no art. 6.º-A do CPA.”;
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“A AT violou assim um princípio basilar pelo qual se deve pautar, tendo como consequência a errada conclusão sobre a elegibilidade para o RFAI dos produtos transformados pela Requerente.”, sendo que tal “eiva o procedimento de violação do Princípio da Boa-fé, previsto nos artigo 6.°-A do CPA e de deficit instrutório e de fundamentação.”, concluindo que “este deficit na actividade instrutória revelou-se externamente num deficit de fundamentação.”.
IV.2.2. Posição da Requerida
A AT considerou essencialmente que:
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“A inspeção desenvolveu as diligências que entendeu relevantes, e baseou-se na documentação que teve acesso e é referida no relatório. O SP teve conhecimento das diligências da IT e da posição e fundamentação da mesma conforme o projeto de relatório que lhe foi notificado, e quisesse “esclarecer” ou acrescentar algo mais relativamente à leitura que esta estava a fazer, teria nesse momento a janela de oportunidade de o fazer, contudo, optou por não o fazer.”;
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A percepção firmada pela AT derivou de “elementos documentais probatórios relevantes, associados à sua faturação e classificação de acordo com as nomenclaturas combinadas, identificadas em documentação alfandegária de exportação dos seus produtos”, não tendo a Requerente solicitado “quaisquer diligências instrutórias complementares (…) nem sequer exerceu o respetivo direito de audição naquele procedimento.”;
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“Em decorrência do princípio do inquisitório, deve, em particular, a Administração Tributária recolher e considerar as provas que lhe sejam apresentadas ou solicitadas pelos interessados quando as mesmas apresentem um mínimo de pertinência em atenção à factualidade invocada. / Todavia, está, evidentemente, fora de causa, em atenção ao princípio do inquisitório, cogitar que a AT proceda oficiosamente a diligências instrutórias não requeridas, ou que não assumem, em termos conjeturáveis, relevância para a decisão no procedimento.”.
IV.2.3. Decidindo:
Quanto a esta questão, entende o Tribunal que tem a AT razão quando invoca que
“dado que se verifica que a Administração Tributária concluiu, em face dos elementos documentais recolhidos junto da própria requerente, sobre a ocorrência da factualidade tributariamente relevante (cfr. fundamentação que consta do RIT), nos termos de um juízo valorativo pela Administração Tributária dos elementos recolhidos na atividade instrutória que determine uma conclusão de certeza quanto à ocorrência dos factos em questão, e não tendo a ora requerente solicitado quaisquer outras atuações probatórias, não se apura a omissão de diligências instrutórias relevantes em sede de fixação da base factual necessária à conclusão que resulta do RIT.”.
Improcede, portanto, a imputação de violação do princípio do inquisitório e, por essa via, de falha na fundamentação do acto tributário referente ao ano de 2021. Até porque, como adiante se verá, a convicção da Requerente de que a consulta da informação constante das embalagens dos seus produtos à base de peixe e, ou, das respectivas fichas técnicas, implicaria conclusão diversa daquela a que a AT chegou é manifestamente exagerada.
IV.3.1. Dedução indevida de benefício RFAI de 2019
A primeira questão substantiva a discutir é então a do ponto V.1.2.1 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT): “Correção da dedução à coleta de IRC de 2021 relativa a beneficio fiscal – RFAI – do ano de 2019 cuja dotação foi totalmente corrigida por indevida”, no valor de 40.807,00 €.
IV.3. 1. 1. Posição da Requerente
Entendeu a Requerente que
“se a questão relativa à legalidade das correcções ao exercício de 2019 é determinante para a apreciação da legalidade do acto de liquidação em apreço, então, a AT deveria ter-se abstido de promover a presente correcção aguardando pela prolação de decisão no processo em que se discute a primeira.”,
e que “deveria ter suspendido a tramitação da reclamação graciosa por existir, no seu próprio entendimento, uma questão prévia e prejudicial a que importa dar resposta primeiro”, pedindo por isso a anulação da liquidação de 2021.
IV.3.1.2. Posição da Requerida
Sobre este ponto, a Requerida invocou que
“atendendo que a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2019 foi objeto também de pedido de pronúncia arbitral (processo nº 270/2024 - T) que corre termos no Tribunal Arbitral, cujos efeitos alegadamente se repercutiriam na presente liquidação parcialmente contestada, devemos referir que, decida-se como se decidir nos presentes Autos, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 100.º da LGT, a AT está sempre obrigada, em sede de execução de sentença, a retirar todas as [c]onsequências da mesma, procedendo à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.”.
IV.3.1.3. Decidindo:
Uma vez que o que estava em causa era a mera projecção, na liquidação de IRC de 2021 que foi impugnada pela Requerente nos presentes autos, de uma anterior liquidação, também ela anteriormente impugnada, não poderia haver sobre ela nova pronúncia (na altura da pronúncia da AT, por litispendência, no presente por caso julgado). E, uma vez que está salvaguardada a reconstituição das situações decorrentes de liquidações indevidas, certamente que a AT não pode ficar impedida de, nas liquidações subsequentes, actuar como se estas fossem plenamente válidas. Logo, ao contrário do pretendido pela Requerente, nunca isso implicaria “ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis” na determinação da liquidação de 2021.
Que, supervenientemente, a decisão do referido processo n.º 270/2024-T tenha sido favorável à Requerente e transitado em julgado – como invocado por esta quando a juntou ao processo –, em nada altera a necessária exclusão dessa questão da presente decisão. Tal como invocado pela AT, sempre esta estaria obrigada a respeitar o aí decidido. Como, aliás, o presente Tribunal.
Consequentemente, o pedido da Requerente improcede nesta parte e tal decaimento implica condenação nas custas correspondentes.
IV.4.1. Dedução de benefício RFAI de 2021
Uma vez que a Resposta da AT seguiu a sistematização do PPA, é possível (e conveniente) analisar separadamente as diferentes questões suscitadas neste – que, como nos menus dos restaurantes, começam por se distinguir pela natureza dos produtos em causa (carne/peixe). Ainda que, como se verá, tal decorra, em ambos os casos, de pura logomaquia.
Seguidamente, abordar-se-á a outra fundamentação da liquidação referente ao ano de 2021.
IV.4.1.1. Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de carne
O PPA começou por tratar do afastamento do benefício fiscal relacionado com a sua actividade de transformação de produtos à base de carne com fundamento genérico em se tratar de actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020[1] (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 (RGIC), passando depois a considerar especificamente a sua exclusão com base na aplicação dessas OAR e com base na aplicação do RGIC.
IV.4. 1. 2. Posição da Requerente
Assim, a Requerente entendeu, essencialmente, que:
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“o facto de terem produtos agrícolas como ingrediente principal não implica que os produtos/refeições produzidos e comercializados pela Requerente devam ser considerados também eles como produtos agrícolas, muito menos que a atividade de produção e comercialização dos mesmos pela Requerente deva ser considerada uma atividade agrícola e/ou piscícola.”;
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“os processos produtivos levados a cabo pela Requerente alteram de forma muito significativa as matérias-primas utilizadas, sendo os produtos finais produzidos comercializados enquanto preparados/refeições e não como produtos agrícolas e/ou piscícolas.”;
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Ainda que se considerasse que estava “em causa o desenvolvimento de uma atividade de transformação de produtos agrícolas em produtos que mantêm a natureza agrícola (…), a dedutibilidade à coleta das quantias em causa não estará em todo o caso prejudicada, uma vez que ainda assim a atividade da Requerente se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI.”;
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E isto porquanto “O Decreto-Lei n.º 162/2014 aprovou um novo Código Fiscal ao Investimento (CFI) nele incluindo uma revisão do RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho”[2] e “«o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.”;
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“como se referiu já nas Decisões Arbitrais proferidas nos Proc. n.º 220/2020-T e 169/2021-T do CAAD”;
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“Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».”;
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“Assim, é ilegal e não conforme à Constituição basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, o afastamento do benefício fiscal, na justa medida em que tal disposição legal não pode ser usada para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.”;
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Ao contrário da AT, que considera que “os produtos transformados e comercializados pela Requerente não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem”, “salienta a Requerente que à luz do §10 (e respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola”, “a actividade de transformação de carne em refeições e outros produtos alimentares não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá no limite à transformação de produtos agrícolas e não à respetiva produção.”;
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“Nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:
(33) - Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.”;
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“Além de que, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que:
(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;
(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
(c) As condições estabelecidas na presente secção.”;
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“Donde se conclui que a atividade da Requerente, de transformação de produtos agrícolas, designadamente de produtos à base de carne, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.”
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E “por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».”;
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“Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço (i.e.., efetivamente o RFAI não é um auxílio fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa (…) nem é um auxilio subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários), tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.”;
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“Pelo que, mesmo considerando que os produtos transformados pela Requerente pudessem enquadrar-se no Capítulo 16 do Anexo I do TFUE e da Nomenclatura Combinada de Bruxelas [Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07, como se sustentou no RIT, ainda assim, os investimentos e a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo não estariam excluídos do RFAI.”;
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“Por outro lado, o artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas»”.
IV.4.1.3. Posição da Requerida
Em contrapartida a Requerida entendeu, em resposta:
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Que a delimitação do âmbito das actividades excluídas dos benefícios fiscais em causa podia resultar de um instrumento regulamentar, transcrevendo parte da argumentação da decisão do processo n.º 307/2021-T e acrescentando:
“a) O artigo 22º nº 1 do CFI prevê que, para efeitos de RFAI, não são elegíveis as atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC. A Portaria nº 282/2014 de 30/12, para a qual nos remete o artigo 22º nº 1 do CFI, refere que em conformidade com as OAR e RGIC, não são elegíveis para o benefício fiscal do RFAI, os investimentos relacionados com a atividade económica de "transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)".
b) A Portaria nº 297/2015, de 21/09 refere nº 1 do artigo 2º que, para efeitos da determinação do âmbito setorial estabelecido na Portaria nº 282/2014, de 30/12, aplicável ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22º do CFI, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2º do RGIC.”;
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“Através do disposto no ponto 10) das OAR, verificamos logo que se encontra excluído do seu âmbito de aplicação o setor de atividade económica da agricultura: “10) A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica(9), com exceção da pesca e da aquicultura(10), da agricultura(11) e dos transportes(12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações” (nosso sublinhado).”;
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“Na nota de rodapé (11) esclarece-se o seguinte: “Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.”
-
“Da leitura do ponto 10 constatamos ainda que a Comissão refere expressamente que aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional “à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”, o que implica que, ad contrarium, as OAR não serão aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.”;
-
“Acresce que a nota de rodapé refere explicitamente que os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e não às OAR.”;
-
Ora, “o âmbito setorial de aplicação definido nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola (Jornal Oficial da União Europeia n.º C 204/1, de 1 de julho de 2014)” está explicitado no “considerando (20) do ponto 2.2. Âmbito de aplicação das Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola [que] refere o seguinte: “As presentes orientações aplicam-se aos auxílios estatais à produção agrícola primária, à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e à comercialização de produtos agrícolas””;
-
“Por outro lado, ainda que se invoque o § 168 das Orientações para os auxílios estatais do setor agrícola (vide ponto 71.º da Petição) que parece admitir que os Estados-Membros possam conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio – o RGIC, as OAR e as Orientações para os auxílios estatais do setor agrícola – na verdade é uma possibilidade claramente limitada em termos concretos, e no que concerne aos benefícios fiscais, não se gerando dúvidas, o legislador nacional não utilizou a faculdade consagrada no citado § 168, pois no artigo 1.º da Portaria 282/2014, considera não elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, em conformidade com as OAR e o RGIC, os projetos nas atividades de produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado. Assim como, no próprio n.º 1 do artigo 22.º do CFI exclui expressamente as atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”.
IV.4.1.4. Decidindo:
Descontando a questão da conformidade da Portaria n.º 282/2014 com a norma habilitante – a que se voltará adiante –, o argumento essencial da AT é o de que os resultados da produção da Requerente com base em carne, ie, os seus hamburgers de bovino, de perú, de aves e de porco, as suas almôndegas de porco, bovino, frango ou perú, as suas bolinhas de alheira, bolinhas com alheira de Mirandela, bolinhas de morcela de arroz com maçã de Alcobaça, os seus rissóis de carne ou de leitão, as suas almofadinhas de carne e produtos semelhantes com designações em línguas estrangeiras (inglês, alemão,…), os seus croquetes de carne, de carne e jindungo, de moamba de galinha, de leitão, de porco preto, de frango com alheira e amêndoa, de cozido à portuguesa, de cozido com enchidos de Garvão, de presunto e queijo da Ilha ou de presunto e queijo da Ilha de S. Miguel, as suas chamuças de frango, as suas pêras de frango, os seus salgadinhos, a sua feijoada, o seu enrolado misto, o seu pastel de Chaves, as suas empadas de frango, de leitão, de pato ou empadas Beirãs e os seus bifes de frango panado, todos sujeitos a processos vários de transformação, conservação e embalagem para poderem ser consumidos em datas mais ou menos distantes de tais operações, continuam a ser produtos agrícolas.
O que, sem imposição normativa nesse sentido, só tem uma réstea de plausibilidade se nos mantivermos num plano puramente nominalista.
Como referido na alínea d) do resumo da posição da AT (mas é também referido nas alíneas a), c), e) e f) da mesma secção IV.4.1.3.), “as OAR não serão aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.”.
Aliás, isso também resulta, complementarmente, do considerando (20) das Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020 (2014/C 204/01), que referia – como a Resposta da AT invocou, supondo que eram aí abrangidos (recorde-se a alínea f) da Secção IV.4.1.3.) – que “As presentes orientações aplicam-se aos auxílios estatais à produção agrícola primária, à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e à comercialização de produtos agrícolas”[3].
Em contrapartida, como se refere expressamente no ponto 10 das OAR, “A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas.”.
Bastaria, então, ter uma ideia do que são produtos agrícolas e do que são produtos não agrícolas para distribuir uns e outros pelos respectivos instrumentos normativos: a produtos não agrícolas – mesmo resultantes de operações de transformação de produtos agrícolas – aplicar-se-iam as OAR; aos produtos agrícolas que assim se mantivessem após as operações de transformação a que fossem sujeitos aplicar-se-iam (no caso) as Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020.
Muito logicamente, a AT escreve, aliás, o seguinte:
“Assim, será nas definições previstas no artigo 2º do RGIC que se encontrará resposta a duas questões fundamentais:
c.1.) Qual o conceito de transformação de produtos agrícolas?
De acordo com a alínea 10) do art. 2º do RGIC, "Transformação de produtos agrícolas", é “qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda.”
c.2.) O que se entende por produto agrícola?
De acordo com a alínea 11) do art. 2º do RGIC, "Produto agrícola", é “um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013”.
Já se vê que no RGIC, como nas OAR, há uma circularidade de raciocínio (produtos agrícolas serão os que forem, ou continuarem a ser… produtos agrícolas) que só é resolvida através do apelo à enumeração de produtos do Anexo I do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). Ora,
- considerando que esses produtos são os seguintes:
“Animais vivos
Carnes e miudezas, comestíveis
Peixes, crustáceos e moluscos
Leite e laticínios; ovos de aves; mel natural
Tripas, bexigas e buchos de animais, inteiros ou em bocados, com exceção dos de peixe
Produtos de origem animal, não especificados nem compreendidos noutras posições; animais dos Capítulos 1 ou 3, mortos e impróprios para a alimentação humana
Plantas vivas e produtos de floricultura
Produtos hortícolas, plantas, raízes e tubérculos alimentares
Frutas, cascas de citrino e de melões
Café, chá e especiarias, com exclusão do mate
Cereais
Produtos de moagem; malte; amidos e féculas; glúten; inulina
Sementes e frutos oleaginosos; sementes e frutos diversos; plantas industriais e medicinais; palhas e forragens
Pectina
Banha e outras gorduras de porco e de aves de capoeira, obtidas por expressão ou por fusão
Sebo de bovinos, ovinos e caprinos em bruto ou obtidos por fusão, compreendendo os sebos de primeira expressão
Estearina-solar, óleo-estearina; óleo de banha e óleo-margarina não emulsionada, sem qualquer mistura ou preparação
Gorduras e óleos, mesmo refinados, de peixe e de mamíferos marinhos
Óleos vegetais fixos, fluidos ou concretos em bruto purificados ou refinados
Óleos e gorduras, animais ou vegetais, hidrogenados, mesmo refinados, mas não preparados
Margarina, imitações de banha e outras gorduras alimentares preparadas
Resíduos provenientes do tratamento das matérias gordas ou das ceras animais ou vegetais
Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos
Açúcar de beterraba ou de cana, no estado sólido
Outros açúcares, xaropes; sucedâneos do mel, mesmo misturados com mel natural; açúcar e melaço, caramelizados
Melaços, mesmo descorados
Açúcares, xaropes e melaços aromatizados ou adicionados de corantes (incluindo o açúcar baunilhado ou vanilina), com exceção dos sumos de frutas adicionados de açúcar em qualquer proporção
Cacau inteiro ou partido, em bruto ou torrado
Cascas, peles, películas e outros resíduos de cacau
Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas
Mosto de uvas parcialmente fermentado, mesmo amuado, exceto com álcool
Vinhos de uvas frescas; mostos de uvas frescas amuados com álcool
Sidra, perada, hidromel e outras bebidas fermentadas
Álcool etílico, desnaturado ou não, de qualquer teor alcoólico obtido a partir de produtos agrícolas constantes do Anexo I, com exceção das aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas, preparados alcoólicos compostos (designados por extratos concentrados) para o fabrico de bebidas
Vinagres e seus sucedâneos, para usos alimentares
Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; alimentos preparados para animais
Tabaco não manipulado; desperdícios de tabaco
Cortiça natural em bruto e desperdícios de cortiça; cortiça triturada, granulada ou pulverizada
Linho em bruto, macerado, espadelado ou assedado, penteado ou tratado por qualquer outra forma, mas não fiado; estopa e desperdícios, de linho (incluindo o linho de trapo)
Cânhamo (cannabis sativa) em bruto, macerado, espadelado ou assedado, penteado ou tratado por qualquer outra forma, mas não fiado; estopa e desperdícios, de cânhamo (incluindo o cânhamo de trapo)”;
- considerando que tal anexo pretende concretizar o âmbito da Política Agrícola Comum (referida no primeiro parágrafo do n.º 1 do artigo 38.º do TFUE), delimitada no seu segundo parágrafo do seguinte modo:
“O mercado interno abrange a agricultura, as pescas e o comércio de produtos agrícolas. Por "produtos agrícolas" entendem-se os produtos do solo, da pecuária e da pesca, bem como os produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos.”;
- considerando que dos itens elencados no Anexo I do TFUE só os “Preparados de carne” poderiam cobrir a produção da Requerente, mas o primeiro estado de transformação a que se refere o artigo 38.º do TFUE (e delimita todos esses itens: recorde-se que a designação do anexo é “LISTA PREVISTA NO ARTIGO 38.º DO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA” [4]) é tão restritivo que a mera manipulação do tabaco ou a fiação de linho ou cânhamo já desloca tais produtos para fora da lista (como deslocam para o seu exterior alterações mínimas de outros produtos aí mencionados);
- considerando que a referência aí feita às “indústrias alimentares” se circunscreve aos seus “Resíduos e desperdícios”, e
- considerando que esse mesmo item menciona “alimentos preparados para animais” – que poderia ter dado origem a uma designação do género (“alimentos preparados para consumo humano”) se alguém pensasse que havia alguma similitude nas operações realizadas num e em outro caso (!),
há-de convir-se que, sendo a Requerente uma empresa transformadora (como comprovado pelos seus CAE), integrada na fileira da indústria alimentar, e estando os hamburgers, almôndegas, rissóis, almofadinhas, croquetes, chamuças, feijoada, enrolados mistos, pastéis de Chaves, empadas e bifes de frango panado (retirados das variantes de peso e quantidades discriminados na lista junta pela Requerente como documento 11), muito longe de poder estar nesse primeiro estado de transformação (e menos ainda de constituir “Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares”…) não podem tais produtos integrar o sentido dos “Preparados de carne” mencionados nesse anexo I do TFUE. Enquadramento que, de resto, seria o único remotamente possível face à lista acima transcrita. É verdade que no RIT se utilizou esse argumento:
Porém, basta confrontar a (suposta) “definição constante do Regulamento UE n.º 651/2014” (constante do n.º 11 do seu artigo 2.º:
11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;)
para se verificar que não há aí nenhuma definição do que seja um produto agrícola… excepto, mais uma vez, por remissão para a lista do Anexo I – que, como já se referiu, tem de se conformar com o segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 38.º do TFUE, onde acaba por se encontrar a única delimitação material dos exemplos da lista: “produtos do solo, da pecuária e da pesca, bem como os produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos”.
Ora, se hamburgers, almôndegas, rissóis, almofadinhas, croquetes, chamuças, feijoada, enrolados mistos, pastéis de Chaves, empadas e bifes de frango panado não estão no primeiro estádio de transformação que esteja em relação direta com tais produtos – como o mero bom senso implica que não estão –, nem são Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares, nem alimentos preparados para animais – como o mero bom senso implica que não são –, é óbvio que claudicam todos os argumentos esgrimidos pela AT no sentido de tais produtos não estarem abrangidos pelas OAR e pelo RGIC.
*
Restaria, portanto, a suposta restrição imposta pelo artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro (uma vez que a que a AT faz decorrer do seu artigo 1.º – cfr. alínea a) da Secção IV.4.1.3. – acaba de ser afastada).
Antes de mais, atente-se na norma habilitante da dita portaria, a do n.º 3 do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, por remissão do disposto no n.º 1 do seu artigo 22.º (destaques aditados):
“Artigo 2.º
Âmbito objetivo
1 - …
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.”.
Por sua vez, o artigo 2.º da referida portaria tem, no que ora releva, a seguinte redacção;
“Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) […];
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33 […]”.
Tendo em conta que os códigos de 3 das 4 actividades desenvolvidas pela Requerente (de resto as únicas relevantes para o que se discute nos presentes autos) se compreendiam nas divisões da alínea b) do artigo 2.º da portaria[5], resulta claro que essa nunca foi uma causa autónoma de desconsideração dos benefícios fiscais.
O argumento não foi, portanto, o de que a portaria restringisse o âmbito dos benefícios que a norma habilitante admitia (entendimento esse que já foi considerado inadequado – e, por vezes, inconstitucional – pela jurisprudência arbitral: cfr., por exemplo, a decisão proferida no processo n.º 610/2023-T, que invocava decisões anteriores). O argumento foi que a transformação de produtos à base de carne a que a Requerente se dedica desembocava ainda em (outros) produtos agrícolas. Como se escrevia na Resposta da AT, “O fundamento das correções em causa assenta na falta de enquadramento da atividade da Requerente no âmbito de aplicação do RFAI” (porque, como também dizia, “o RFAI não é aplicável às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”).
Assim sendo, não há senão que remeter para o que anteriormente se disse: hamburgers, almôndegas, rissóis, almofadinhas, croquetes, chamuças, feijoada, enrolados mistos, pastéis de Chaves, empadas e bifes de frango panado não são transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola. Logo, estão evidentemente incluídas no âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC e, consequentemente, no âmbito de aplicação do RFAI.
Desinteressa para o caso, portanto, discutir a (des)conformidade da portaria com a sua norma habilitante, como desinteressa discutir a argumentação da Requerente para, não obstante a eventual classificação dos seus produtos como “agrícolas”, defender que ainda assim ficariam abrangidos pelo RFAI.
IV.5. DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL NOS PRODUTOS À BASE DE PEIXE
IV.5. 1. Posição da Requerente
A Requerente entendeu, essencialmente, que:
-
A AT tentou “aproveitar um erro de enquadramento estatístico da Requerente (erro sem consequências económicas para as partes envolvidas) para argumentar que tais produtos deveriam ser enquadrados nas nomenclaturas 1604 e 1605 ou 1902 20 10.”;´
-
“as alíneas a) e b) do artigo 5º do Regulamento (UE) nº 1379/2013, remetem para o seu Anexo I para efeitos de identificação dos produtos que se classificam como produtos de pesca e da aquicultura.”;
-
“Nesses produtos estão incluídos os seguintes:
1604 – Preparações e conservas de peixes; caviar e seus sucedâneos preparados a partir de ovas de peixe.
1605 - Crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos, preparados ou em conservas
1902 20 – Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo):
-
10 – Que contenham, em peso, mais de 20 % de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos”;
-
“O capítulo 16 esclarece o seguinte:
CAPÍTULO 16 PREPARAÇÕES DE CARNE, DE PEIXES OU DE CRUSTÁCEOS, DE MOLUSCOS OU DE OUTROS INVERTEBRADOS AQUÁTICOS
Notas 1. O presente Capítulo não compreende as carnes, miudezas, peixes, crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos, preparados ou conservados pelos processos enumerados nos Capítulos 2, 3 ou na posição 0504. 2. As preparações alimentícias incluem-se no presente Capítulo, desde que contenham mais de 20% em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos. Quando essas preparações contiverem dois ou mais dos produtos acima mencionados, incluem-se na posição do Capítulo 16 correspondente ao componente predominante em peso. Estas disposições não se aplicam aos produtos recheados da posição 1902, nem às preparações das posições 2103 ou 2104.”;
-
“Por sua vez o código 1902.20.10 estabelece o seguinte:
1902.20 - Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo):
-
- Que contenham, em peso, mais de 20% de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos.”;
-
“Para os produtos que contenham peixe, as principais referências vendidas pela Requerente são:
Pastel e patanisca de bacalhau
Rissol de Camarão e Rissol de pescada”;
-
“Sendo os pasteis e rissóis massas alimentícias, resta-nos determinar se os mesmos têm, em peso, mais ou menos de 20% de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos.”;
-
“Quanto aos rissóis de pescada, os mesmos têm menos de 20% de peixe no seu peso total. De facto, os mesmos apresentam 57% de massa e 43% de recheio (sendo o recheio composto por 21% de pescada). Significa que 9,03% do peso total (43% * 21%) é composto por pescada”;
-
“Quanto aos rissóis de Camarão, os mesmos também têm menos de 20% de peixe no seu peso total. De facto, os mesmos apresentam 57% de massa e 43% de recheio (sendo o recheio composto por 23% de camarão). Significa que 9,89% do peso total (43% * 23%) é composto por camarão.”;
-
“E tal verificação seria de relativa facilidade, bastando que a AT procedesse à verificação da composição dos produtos, disponível em qualquer embalagem dos mesmos”;
-
“Concluindo-se então que os rissóis de camarão e de pescada têm menos de 20% de peixe na sua composição, não estando abrangidos pelo Regulamento (EU) n.º 1379/2013, e como tal, não estão excluídos da aplicação do RGIC, sendo assim elegíveis para efeitos de RFAI.”;
-
“É, na verdade, quase irrelevante saber se a Requerente efectuou o correcto enquadramento jurídico tributário dos factos relevantes – que fez e sobre isso não há dúvidas –, mas antes verificar se as correcções promovidas pela AT e o subsequente acto de liquidação encontram abrigo na Lei – e como demonstrado, não é o caso.”.
IV.5.2. Posição da Requerida
Em contrapartida a Requerida entendeu, em Resposta:
-
Que as conclusões a que se chegou no RIT foram sintetizadas no quadro que se reproduz infra (agora apenas respeitante aos produtos com base em pescado), a partir da sua reprodução na Resposta:
-
Que “os produtos indicados na tabela referem-se a clientes de países diferentes, sendo evidente a uniformidade de classificações pautais seguidas face aos produtos para clientes e destinos distintos, podendo-se ainda afirmar que esta amostra é demonstrativa do universo geral dos produtos produzidos e comercializados pelo SP para outros clientes e destinos.”;
-
Que “Face ao descrito, às classificações usadas regra geral pelo SP na identificação dos bens exportados de acordo com os códigos na nomenclatura combinada, cai por terra o sugerido pelo SP, que os produtos têm menos de 20% de peixe, caso contrário não faria sentido as classificações que o próprio usou, regra geral, nos documentos de exportação.”;
-
E que “Há, pois, que atender que os 20% em peso se refere ao total dos “enchidos” composto no todo ou em parte por peixe, moluscos, carne ou outra mistura (“as preparações alimentícias…, desde que contenham mais de 20% em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos”), ou seja, é relevante que a parte de enchido seja superior em 20% do peso, e por essa razão a distinção da massa e do recheio (o enchido) não ocorre por acaso, concluindo-se que no caso da pescada ou camarão, sendo o recheio em ambos de 43% se constituam assim como um enchido composto por esse superior a 20%, e nessa medida classificados em conformidade.”;
-
Concluindo (sublinhado e negrito no original) que
“Os elementos usados têm origem em dados sobre o próprio SP, em operações comerciais de exportação e respetivos documentos de suporte, sendo as classificações usadas em geral coerentes que dão uma margem de segurança e confiança substancial, e foram por isso a base de avaliação seguida pela IT, concluindo que os produtos comercializados, como os rissóis de camarão ou de pescada (como outros, mesmo que de carne), invariavelmente se devem ter por classificadas no capitulo 16 - Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos do Anexo I do Tratado.”.
IV.5.3. Decidindo:
O âmbito de aplicação do RGIC (Regulamento n.º 651/2014) é delimitado no seu artigo 1.º. No seu n.º 3 dispõe-se o seguinte (destaque aditado, *nota suprimida):
“O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
-
Auxílios concedidos no setor da pesca e da aquicultura, nos termos do Regulamento (UE) n.o 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no setor dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.o 1184/2006 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.o 104/2000 do Conselho*, com exceção dos auxílios à formação, dos auxílios ao acesso das PME ao financiamento, dos auxílios à investigação e desenvolvimento, dos auxílios à inovação a favor das PME e dos auxílios a trabalhadores desfavorecidos e trabalhadores com deficiência;”
Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 1379/2013, de 11 de Dezembro de 2013, que estabelece a organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.º 1184/2006 e (CE) n.º 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.º 104/2000 do Conselho[6], inclui um anexo que, nos termos da definição constante da alínea a) do seu artigo 5.º (“«Produtos da pesca», os organismos aquáticos resultantes de qualquer atividade de pesca ou os produtos deles derivados, indicados no Anexo I;”), identifica tais produtos:
“0301 Peixes vivos
0302 Peixes frescos ou refrigerados, exceto os filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes da posição 0304
0303 Peixes congelados, exceto os filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes da posição 0304
0304 Filetes (filés) de peixes e outra carne de peixes (mesmo picada), frescos, refrigerados ou congelados
0305 Peixes secos, salgados ou em salmoura; peixes fumados, mesmo cozidos antes ou durante a defumação; Farinhas, pós e pellets, de peixe, próprios para alimentação humana
0306 Crustáceos, mesmo sem casca, vivos, frescos, refrigerados, congelados, secos, salgados ou em salmoura; crustáceos com casca, cozidos em água ou vapor, mesmo refrigerados, congelados, secos, salgados ou em salmoura; farinhas, pó e pellets de crustáceos, próprios para alimentação humana
0307 Moluscos, com ou sem concha, vivos, frescos, refrigerados, congelados, secos, salgados ou em salmoura; invertebrados aquáticos, exceto crustáceos e moluscos, vivos, frescos, refrigerados, congelados, secos, salgados ou em salmoura; farinhas, pó e pellets de invertebrados aquáticos, exceto crustáceos, próprios para alimentação humana
Produtos de origem animal, não especificados nem compreendidos noutras posições; animais mortos dos Capítulos 1 ou 3, impróprios para alimentação humana:
– Outros
– – Produtos de peixes ou de crustáceos, moluscos ou outros invertebrados aquáticos; animais mortos do Capítulo 3:
0511 91 10 – – – Desperdícios de peixe
0511 91 90 – – Outros
1212 20 00 – Algas
Gorduras, óleos e respetivas frações, de peixes, mesmo refinados, mas não quimicamente modificados:
1504 10 – Óleos de fígados de peixes e respetivas frações
1504 20 – Gorduras e óleos de peixe e respetivas frações, exceto óleos de fígados
1603 00 Extratos e sucos de carne, peixes ou crustáceos, moluscos ou de outros invertebrados aquáticos
1604 Preparações e conservas de peixes; caviar e seus sucedâneos preparados a partir de ovas de peixe
1605 Crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos, preparados ou em conservas
Massas alimentícias, mesmo cozidas ou recheadas (de carne ou de outras substâncias) ou preparadas de outro modo, tais como esparguete, macarrão, aletria, lasanha, nhoque, raviole e canelone; cuscuz, mesmo preparado:
1902 20 – Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo):
1902 20 10 – – Que contenham, em peso, mais de 20 % de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos
Farinhas, pós e pellets, de carnes, miudezas, peixes ou crustáceos, moluscos ou outros invertebrados aquáticos, impróprios para alimentação humana:
2301 20 00 – Farinhas, pós e pellets, de peixes ou crustáceos, moluscos ou outros invertebrados aquáticos
Preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais
2309 90 – Outros
ex 2309 90 10 – – Solúveis de peixe”.
Por sua vez, o Anexo I do Regulamento de Execução (UE) 2019/2007 da Comissão de 18 de Novembro de 2019, que estabelece regras de aplicação do Regulamento (UE) 2017/625 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às listas de animais, produtos de origem animal, produtos germinais, subprodutos animais e produtos derivados, bem como feno e palha, sujeitos a controlos oficiais nos postos de controlo fronteiriços e que altera a Decisão 2007/275/CE[7], dispõe o seguinte sob a epígrafe “CAPÍTULO 16” (negrito no original):
“Preparações de carne, de peixes ou de crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos
Notas do capítulo 16 (excerto das Notas deste capítulo da NC)
«1. O presente Capítulo não compreende as carnes, miudezas, peixes, crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos, preparados ou conservados pelos processos enumerados nos Capítulos 2, 3 ou na posição 0504.
2. As preparações alimentícias incluem-se no presente Capítulo, desde que contenham mais de 20 % em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos. Quando essas preparações contiverem dois ou mais dos produtos acima mencionados, incluem-se na posição do Capítulo 16 correspondente ao componente predominante em peso. Estas disposições não se aplicam aos produtos recheados da posição 1902, nem às preparações das posições 2103 ou 2104.”
O argumento da Requerente é, essencialmente, o de que, não obstante a utilização de um código 16 nas suas exportações, os seus produtos não seriam abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.º 1379/2013, porquanto não atingiriam o limiar de 20% de peso de “Produtos da pesca”, como comprovado pelos rótulos desses produtos que juntou aos autos (documentos 7, 8, 9 e 10 juntos com o PPA).
Por sua vez, os argumentos da AT são de dois tipos:
- por um lado, de natureza formal – a classificação pautal adoptada pela Requerente deve prevalecer;
- por outro lado, de natureza material (na verdade, “legal”) – a percentagem crítica de 20% deve ser calculada sobre o peso do “enchimento” e não sobre o peso total (incluindo o da massa).
Quanto ao argumento formal, não parece haver razões para dar preferência à informação que consta das embalagens dos produtos da Requerente (e das respectivas fichas técnicas), como esta pretende, ou à que ela adopta quando exporta os seus produtos, como pretende a Requerida.
Como seria comercialmente mais vantajosa a apresentação de um maior peso de produtos da pesca na informação relativa a tais produtos, deve admitir-se que a mais fidedigna seja a que apresenta a menor percentagem (ainda para mais sendo essa a única que chega aos consumidores), mas é possível que num caso e em outro a Requerente se esteja a conformar com regras ou práticas estabelecidas. Tal não é suficiente para que o Tribunal dê preferência a qualquer dos valores – tanto mais que foi apresentado um critério legal para o efeito.
Confrontando as versões inglesa (“Food preparations fall in this chapter provided that they contain more than 20 % by weight of sausage, meat, meat offal, blood, fish or crustaceans, molluscs or other aquatic invertebrates, or any combination thereof.”) e francesa (“Les préparations alimentaires relèvent du présent chapitre à condition de contenir plus de 20 % en poids de saucisse, de saucisson, de viande, d’abats, de sang, de poisson ou de crustacés, de mollusques ou d’autres invertébrés aquatiques ou une combinaison de ces produits.”) da nota 2 ao Capítulo 16 que consta do Regulamento de Execução 2019/2007, dir-se-ia que tem a AT razão: o que releva para a determinação da aplicação do Regulamento n.º 1379/2013 (e, portanto, para a exclusão do RGIC por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º deste) não é o peso dos produtos (no caso: da pesca) no total do peso do produto final, mas apenas no peso da preparação feita com tais produtos.
Invocou a Requerente, porém, que essa mesma disposição exclui que tal critério seja aplicável “aos produtos recheados da posição 1902” (“These provisions do not apply to the stuffed products of heading 1902”, “Ces dispositions ne s’appliquent ni aux produits farcis du nº 1902”). Ora, tais produtos são, como as notas ao Capítulo 19 constantes do mesmo Regulamento de Execução (UE) 2019/2007 evidenciam, “Preparações à base de cereais, farinhas, amidos, féculas ou leite; produtos de pastelaria”, ou seja, a classificação pautal que, aparentemente, deveria caber aos pastéis e pataniscas de bacalhau e rissóis de camarão e de pescada que estão na base deste caso de logomaquia.
Todavia, tendo em conta – para retomar a listagem do Anexo I ao Regulamento n.º 1379/2013 (que delimita os produtos da pesca que ficam fora do âmbito de aplicação do RGIC), que as
Massas alimentícias, mesmo cozidas ou recheadas (de carne ou de outras substâncias) ou preparadas de outro modo, tais como esparguete, macarrão, aletria, lasanha, nhoque, raviole e canelone; cuscuz, mesmo preparado:
1902 20 – Massas alimentícias recheadas (mesmo cozidas ou preparadas de outro modo):
1902 20 10 – – Que contenham, em peso, mais de 20 % de peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos
– são expressamente incluídas (por via de uma dupla negativa…) no âmbito da posição 1902 pela respectiva nota 1 ao Capítulo 19 (como se confirma das três versões linguísticas consultadas do Regulamento de Execução n.º 2019/2007, destaques aditados):
- “«1. O presente Capítulo não compreende: a) Com exclusão dos produtos recheados da posição 1902, as preparações alimentícias que contenham mais de 20 %, em peso, de enchidos, de carne, de miudezas, de sangue, de peixes ou crustáceos, de moluscos ou de outros invertebrados aquáticos ou de uma combinação destes produtos (Capítulo 16);”;
- “1. This chapter does not cover: (a) except in the case of stuffed products of heading 1902, food preparations containing more than 20 % by weight of sausage, meat, meat offal, blood, fish, or crustaceans, molluscs or other aquatic invertebrates, or any combination thereof (Chapter 16);”
- “1. Le présent chapitre ne comprend pas: a) à l’exception des produits farcis du nº 1902, les préparations alimentaires contenant plus de 20 % en poids de saucisse, de saucisson, de viande, d’abats, de sang, de poisson ou de crustacés, de mollusques, d’autres invertébrés aquatiques ou d’une combinaison de ces produits (chapitre 16);”
pode concluir-se que:
-
Por força do Regulamento de Execução n.º 2019/2007 os produtos recheados da posição 1902 (massas alimentícias recheadas) podem incluir preparações que contenham mais de 20% de peso de produtos do mar;
-
Os produtos da posição 1902 com um recheio com mais de 20% de peso de produtos do mar constam da listagem de produtos da pesca e seus derivados indicados no Anexo I do Regulamento n.º 1379/2013;
-
Logo, por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC, estão excluídos do âmbito da sua aplicação;
-
Logo, por determinação do n.º 1 do artigo 22.º do CFI não podem beneficiar dos apoios do RFAI.
IV.6. DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA CONCRETA NATUREZA DOS INVESTIMENTOS
IV.6. 1. Posição da Requerente
A Requerente, invocando jurisprudência arbitral (decisões dos processos n.os 837/2021-T e 508/2021-T) contestou este fundamento da liquidação argumentando que:
-
O RIT teria confundido “o conceito de investimento inicial com o conceito de investimento único para efeitos de RFAI”, sendo que este último estava definido
“na ficha doutrinária Processo: 2016 000717: (…) deve ser considerado parte de um projeto de investimento único «Qualquer investimento inicial iniciado pelo mesmo beneficiário, incluindo qualquer empresa do mesmo grupo, num período de três anos a contar da data de início dos trabalhos de um outro investimento relativamente ao qual tenham sido concedidos benefícios fiscais, ou qualquer outro auxílio de Estado com finalidade regional na mesma região de nível 3 (…)”;
-
“Portanto, o investimento inicial de 2019 foi incluindo na mesma linha do quadro 078-A do Anexo D da modelo 22 de 2021, não porque façam parte do mesmo projeto de investimento inicial, mas porque ambos os investimentos iniciais são agregados, para este efeito (i.e., para efeitos de determinação e controle dos auxílios regionais), como parte do mesmo investimento único (conceito de investimento único para efeitos de RFAI). No limite, 2 investimentos iniciais completamente distintos, efetuados por duas empresas do mesmo grupo económico, poderiam ter de ser agregados enquanto investimento inicial, para este efeito (de controle dos auxílios regionais).”;
-
“O facto de os investimentos iniciais estarem relativamente próximos de nada interfere para o conceito de investimento inicial. O que releva para este efeito é que a empresa efetuou 2 investimentos iniciais distintos (que se enquadram no conceito de Investimento Único – o Investimento Inicial de 2021, iniciou num período de 3 anos após o inicio do Investimento Inicial de 2019), de uma magnitude tal que lhe permitiram aumentar a capacidade produtiva que se encontrava estrangulada, devido ao crescimento da procura dos produtos fabricados pela Requerente. E isso explica o incremento no volume de vendas de € 10.260.957,97 em 2018 para € 11.146.308,12 em 2020 (investimento de 2019) e € 17.103.425,46 (!) em 2021 (investimento de 2021).”;
-
“a Requerente justificou o aumento da capacidade, nomeadamente através do dossier RFAI, cuja referência é feita, inclusive, no RIT: “7. O SP indicou ainda que os investimentos efetuados em 2021 se refletiram no aumento da capacidade produtiva já nesse ano, demonstrado pelo incremento no valor bruto da produção (VAB) em +48%.””;
-
Sendo que “o critério da variação do valor bruto da produção é utilizado também no âmbito dos programas PT2020, no qual o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente deve referir-se a (e aferir-se perante) um aumento do valor bruto da produção”;
-
E, em todo o caso, “pelo menos, 63% dos produtos transformados e vendidos pela Requerente, em 2021, provêm de atividades elegíveis para efeitos de RFAI”.
IV.6.2. Posição da Requerida
A Requerida remeteu, em Resposta, para a argumentação do RIT (que assentava essencialmente na semelhança entre o investimento de 2021 face ao de 2019 e no facto de este, ainda que apresentado como referente ao código CAE 010850 - Fabricação de refeições e pratos pré-cozinhados, estar pré-determinado pelo códigos-base do investimento de 2019: CAE 10201 - Preparação de produtos da pesca e da aquicultura) e transcreveu a sua conclusão:
“(…) “importa sublinhar que os investimentos de 2021, por não se diferenciarem em substância dos anteriores incluídos no MAR2020, o qual se destinou especificamente ao âmbito do CAE 10201 - PREPARAÇÃO DE PRODUTOS DA PESCA E DA AQUICULTURA, em grande parte se têm também como enquadrados no mesmo CAE, o qual já vimos não ser admissível para efeitos do RFAI. Não colhe assim a indicação que o SP fez de os investimentos no âmbito do RFAI se destinarem exclusivamente à atividade do CAE 010850 FABRICAÇÃO DE REFEIÇÕES E PRATOS PRÉ-COZINHADOS (ainda que o enquadramento da generalidade de toda a sua produção se deva ter no sector das pescas ou na transformação de produtos agrícolas da qual resulta novo produto agrícola (incluído no Anexo I do TFUE) conforme a base, conforme já concluído nos pontos anteriores), pois notoriamente não se pode dissociar os investimentos em causa quer do CAE principal 10201 quer do secundário 10130, e assim, face ao referido e justificado antes quanto a essa temática do enquadramento das atividades para efeitos do RFAI, não podem os investimentos em causa ser aceites no âmbito deste beneficio fiscal.””.
IV.6.3. Decidindo:
Já se viu (supra, Secção IV.4.1.4.) que a conclusão de que qualquer transformação de um produto agrícola redunda num produto agrícola, mesmo que sujeito a operações de transformação que dão origem à “fabricação de refeições e pratos pré-cozinhados” é, mais do que insustentável, incompreensível face ao disposto no segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 38.º do TFUE (de que tudo o mais, a começar pelo seu Anexo I, é mera concretização).
Por outro lado, o RIT afirma, sem que tal fosse contestado pela Requerente, que os investimentos realizados por esta entre 2016 e 2020 no âmbito do MAR2020 (o qual se tinha destinado especificamente ao âmbito do CAE 10201 - Preparação de produtos da pesca e da aquicultura) não tinham sido incluídos no RFAI de 2019, apesar de apresentarem semelhanças com os que aqui estão em discussão[8] – o que pode indiciar que a Requerente admitia nessa altura que tais investimentos não eram elegíveis (mas pode indicar muitas outras coisas, incluindo apoio técnico menos informado no acesso aos incentivos de base regional). Quer dizer que, neste particular, a Requerente tem razão no que diz respeito ao infundado da liquidação invocada no RIT para os seus produtos à base de carne, e não a terá, eventualmente, no que diz respeito ao fundamento da liquidação invocada no RIT para os seus produtos à base de peixe.
Como o investimento parece ser polivalente[9], e nada se sabe sobre a sua afectação concreta, a decisão não pode ser salomónica (vg, com fundamento na repartição do volume de negócios da Requerente em função dos produtos – derivados da carne – em que teve vencimento, e daqueles – derivados da pesca – em que não). Também não se pode resolver tal non liquet através das regras do ónus da prova, porque, como a Requerente invocou, “o equipamento adquirido é utilizado para outras atividades – que não seja a transformação de peixe – e que são também elegíveis para RFAI (por exemplo, a transformação de carne).”). Nesses termos, é admissível que se recorra neste ponto ao critério fixado na decisão do outro processo que correu termos no CAAD em que a Requerente era a mesma e que assumia contornos tão semelhantes que, a avaliar pelo Relatório de tal decisão, o PPA era quase idêntico: a decisão do processo n.º 270/2024-T. Aí se decidiu que
“em face da prova produzida nestes autos – a qual não permite sustentar ou confirmar o afastamento do benefício fiscal nas cinco situações identificadas supra[10] –, não se poderá ignorar que, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, “sempre que da prova produzida [no processo] resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.”
Isto sem prejuízo de se aferir uma última causa de indeferimento do benefício fiscal em discussão, e sem deixar de admitir que – quanto a ela – a conclusão do presente Tribunal possa afastar-se da que aí se obteve por a questão de facto ser, necessariamente, diversa:
IV.7. DO AFASTAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL COM BASE NA ALEGADA FALTA DE CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO
IV.7. 1. Posição da Requerente
Invocando jurisprudência arbitral (decisões dos processos n.os 307/2019 e 508/2021-T) a Requerente invocou, essencialmente, que:
-
Dos 9 postos de trabalho criados, um (o mínimo exigido) era um contrato sem termo (que juntou aos autos como documento 13) e cumpria a condição de “manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”;
-
“É a própria AT que esclarece no ponto 88. do RIT que a aferição da criação dos postos de trabalho deve ser efetuada pelos contratos sem termo (ou por tempo indeterminado)”;
-
No ponto 93. do RIT, diz a Requerente, a AT identificou as funções dos 9 contratados, como transcrito:
“93. Por outro lado, os postos de trabalho novos, são nas funções seguintes:
• 5 trabalhadores com a profissão "Outros preparadores de carne, peixe e similares"
• 1 trabalhador com a profissão "Empregado de armazém"
• 1 trabalhador com a profissão "Supervisor de cargas e descargas"
• 1 trabalhador com a profissão "Director de marketing"
• 1 trabalhador com a profissão "Director de vendas"””;
-
“Se há maior capacidade produtiva, serão necessários mais operadores no tratamento do peixe/carne (montante), bem como em todas as outras tarefas a jusante (como cargas e descargas, empregados de armazém, de embalamento, etc.). Tudo atividades confirmadas pela AT nos parágrafos 93. e 94. do RIT pelo que não há duvidas da relação direta entre os postos de trabalho criados e o investimento inicial realizado.”;
-
“a Requerente justificou o aumento da capacidade, nomeadamente através do dossier RFAI, cuja referência é feita, inclusive, no RIT: “7. O SP indicou ainda que os investimentos efetuados em 2021 se refletiram no aumento da capacidade produtiva já nesse ano, demonstrado pelo incremento no valor bruto da produção (VAB) em +48%.”.”.
IV.7.2. Posição da Requerida
Em contrapartida a Requerida defendeu, em resposta, também invocando o decidido em tribunais arbitrais do CAAD (designadamente nos processos n.os 307/2019-T e 488/2019-T), que “O que está em causa é a evidente falta de ligação causal direta do posto de trabalho criado ao investimento realizado.”.
Assim, invocou que:
- “o SP não demonstrou que a criação dos 9 postos de trabalho tenha sido proporcionada diretamente e de forma causal, pelo investimento efetuado, como pode ler-se nos pontos 86 a 97 do RIT” (destaque no original);
- “o SP não demonstrou reunir as condições exigíveis para poder beneficiar do incentivo fiscal do RFAI, designadamente por não demonstrar cumprir com a condição de criação de postos de trabalho prevista pela al. f) do nº 4 do artigo 22º do CFI diretamente ligados e proporcionados pelo investimento em causa.” (destaque no original).
IV.7.3. Decidindo:
Quanto a esta questão entende o Tribunal que os argumentos da AT são inconvincentes, na medida em que o próprio RIT inclui um quadro – certo que a propósito da fundamentação do afastamento do benefício fiscal com base na concreta natureza dos investimentos – em que está mencionada a contratação de 9 trabalhadores entre Julho e Outubro de 2021, ou seja, em simultâneo com os investimentos registados e aqui discutidos, como se comprova da reprodução infra:
Ora, atendendo a essa evolução temporalmente coerente e ao aumento do Valor Bruto da Produção em 2021 (que a Requerente invoca ter sido ignorada no RIT), e que foi resumida no PPA no quadro reproduzido infra,
tem de se admitir que o reforço da mão-de-obra estivesse causalmente ligado ao investimento realizado. Seria altamente improvável – para dizer o menos – que um aumento de trabalhadores contemporâneo de investimentos e de aumentos de produção não tivesse ligação com uns e com outros.
Por outro lado, para demonstrar o cumprimento da exigência da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI (manutenção dos postos de trabalho “até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”), a Requerente juntou cópia de um contrato sem termo, celebrado em 1 de Outubro de 2021, para as funções de “Operadora de Transformação de Carnes” (documento 13, junto com o PPA).
Tem de se concluir, portanto, que também este requisito para a relevância fiscal do investimento se encontrava preenchido.
IV.8. Devolução de montantes pagos e juros indemnizatórios
Como anteriormente referido, a Requerente limitou-se a solicitar que se extraíssem “as necessárias consequências legais” da procedência dos seus pedidos, nada tendo invocado para as concretizar.
Aplica-se, em todo o caso, o disposto no n.º 1 da Lei Geral Tributária:
“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
-
Decisão
De harmonia com o supra exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
-
Absolver a AT da instância no que diz respeito à pretendida anulação da decisão da reclamação graciosa por vícios próprios desta, bem como no que diz respeito à “manutenção da dedução relativa ao SIFIDE 2021”;
-
Absolver a AT da instância no que diz respeito à questão referente à dedução do benefício do RFAI de 2019, no valor de € 40.807,00 (quarenta mil, oitocentos e sete euros);
-
Anular a liquidação impugnada de IRC referente a 2021 (liquidação 2023...), no valor de € 104.964,84 (cento e quatro mil, novecentos e sessenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), incluindo juros compensatórios e a decisão de indeferimento da correspectiva reclamação graciosa;
-
Alterar o valor do processo para a soma dos valores mencionados nas duas alíneas anteriores, nos termos fixados a seguir.
VI. Valor do Processo
A Requerida invocou que “Das correções em sede IRC, promovidas pela IT, a requerente apenas contesta uma parte das mesmas, em divergência parcial com o pedido de reclamação graciosa”, reproduzindo um quadro do RIT:
Acrescentou que
“Dado que a Requerente não contesta a totalidade das correções promovidas pelos SIT, e os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e pela causa de pedir, o Tribunal Arbitral não pode apreciar nem declarar a ilegalidade total das liquidações, já que estas se encontram influenciadas por outras correções para além da especificamente contestada.”
Notificada para se pronunciar, a Requerente esclareceu que
“não foi incluído no presente pedido de pronuncia arbitral, as realidades que deram origem a actos de liquidação autónomos (IVA, imposto em falta relativo a retenção na fonte no pagamento de royalties a não residentes e imposto em falta relativo ao pagamento de juros a não residentes).”,
e que
“com influência no acto de liquidação em apreço apenas não se contestou substantivamente a correcção relacionada com tributação autónoma de € 189,33 (diferença entre € 3.661,28 e € 3.471,95, evidenciada no campo 26 do acto de liquidação).”
mas que, considerando ter invocado “a falta de fundamentação do acto de liquidação, bem como a violação do princípio do inquisitório no procedimento de inspecção”, e uma vez que tais vícios “a serem julgados procedentes afectam o acto de liquidação no seu todo”, entendeu que deveria indicar “como valor o do acto de liquidação.”.
A Requerente tem razão no que alega, mas omite duas coisas:
- a primeira é que embora a liquidação de 2021 que impugnou tenha o valor de € 104.964,84 (em resultado de acertos de contas decorrentes de créditos seus), o valor do benefício do RFAI que a AT considerou indevido em 2021 ascendeu a € 169.861,55, e foi esse o valor que foi discutido em todo o processo, não o da liquidação (e embora seja essa a ser anulada, o efeito de tal anulação não se confinará ao valor da liquidação); ainda que já se tenha decidido diferentemente na jurisdição arbitral – e julga-se que bem, na medida em que pode a discussão de milhões estar associada a uma liquidação de tostões (vg, porque havia créditos anteriores de imposto que interferiram no valor da liquidação) – e, portanto, a norma de determinação do valor do processo da alínea a) do artigo 97.º-A do CPPT (“Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;”) possa ser inconstitucional por violação, pelo menos, do princípio da igualdade – entende este Tribunal que, na dúvida, se não deve desviar da norma que remete directamente para esse artigo (a do n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento de custas nos processos de arbitragem tributária).
- a segunda é que a Requerente também pretendeu que o Tribunal lhe reconhecesse um montante de € 40.807,00, referente à repercussão em 2021 do benefício do RFAI que a AT tinha considerado indevido em 2019, pedido esse de que a AT foi liminarmente absolvida[11].
O valor do processo há-de ser o da soma dos pedidos, assim interpretados.
Assim, fixa-se ao processo o valor de € 145.771,84 (cento e quarenta e cinco mil, setecentos e setenta e um euros e oitenta e quatro cêntimos) e resultante da soma do valor de € 104.964,84 respeitante à liquidação impugnada referente ao ano de 2021 com o valor de € 40.807,00 referente ao pretendido reconhecimento do direito da repercussão em 2021 do benefício do RFAI que a AT tinha considerado indevido em 2019, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerente na proporção de 28% (correspondente ao seu decaimento na soma dos pedidos mencionados) e de 72% pela Requerida (correspondente ao seu decaimento na soma dos pedidos mencionados), em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Abril de 2025
O árbitro presidente,
(Victor Calvete)
O árbitro adjunto,
(José Carreira)
O árbitro adjunto,
(Luís Ricardo Farinha Sequeira)
[1] Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia (JO), n.º C 209/01, de 23 de Julho de 2013, prorrogadas para 2021 de acordo com a Comunicação da Comissão publicada no JO n.º C 224/2, de 8 de Julho de 2020. Foram entretanto substituídas pelas Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2022-2027, publicadas no JO n.º C 153/1, de 29 de Abril de 2021.
[2] A Requerente acrescentava que “o regime foi posteriormente prorrogado até 31 de dezembro de 2021, conforme alteração introduzida ao Código Fiscal ao Investimento pelo artigo 4.º da Lei 21/2021 de 20 de abril.”.
[3] Corresponde ao considerando (18) das Orientações relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais (2022/C 485/01), em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2023. Cfr. também o que ficou a constar da nota 1.
[4] Na doutrina faz-se amiúde referência à técnica da “cláusula geral” com “exemplos-padrão”, ou à da combinação de uma “cláusula geral” com um elenco das suas concretizações. Referindo que a que “A distinção entre o método casuístico e o método da cláusula geral é, evidentemente, uma distinção relativa apenas” ver Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1965, p. 190. Ora, a lista do Anexo I não deixa de ser uma concretização do disposto no artigo 38.º do TFUE, sendo que só no segundo parágrafo do n.º 1 deste artigo se providencia uma delimitação material do conjunto dos produtos que foram incluídos no anexo.
[5] Cfr. supra, alínea a) dos Factos Provados (Secção III.1.).
O próprio RIT incluía um quadro – reproduzido na Resposta da AT – em que se detalhava o código dos produtos com uma base de carne (em conjunto, como se verá depois, com os que tinham uma base de peixe) que eram exportados:
[6] Publicado no JO L 354 de 28 de Dezembro de 2013.
[7] Publicado no JO L 312 de 3 de Dezembro de 2019 e entretanto substituído pelo Regulamento de Execução (UE) 2021/632 da Comissão de 13 de Abril de 2021 que estabelece regras de aplicação do Regulamento (UE) 2017/625 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às listas de animais, produtos de origem animal, produtos germinais, subprodutos animais e produtos derivados, produtos compostos, bem como feno e palha sujeitos a controlos oficiais nos postos de controlo fronteiriços, e que revoga o Regulamento de Execução (UE) 2019/2007 da Comissão e a Decisão 2007/275/CE da Comissão, JO L 132 de 19 de Abril de 2021. A redacção das normas que se citam de seguida (e que já consta da alínea d) da Secção IV.5.1.), não se alterou nesse subsequente Regulamento.
[8] Designadamente a aquisição de uma Linha Automática de Fritura de Salgados, que é expressamente referida no RIT como tendo sido incluída no MAR2020.
[9] Sem excluir que a aquisição de uma segunda Linha Automática de Fritura de Salgados permitisse a especialização de uma na produção de derivados de carne e outra na produção de derivados de peixe, se é que faz sentido económico essa bi-partição.
[10] Eram elas, como aqui (ainda que o non liquet nos presentes autos se circunscreva a uma), as seguintes:
“• Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de carne;
• Do afastamento do benefício fiscal com fundamento em se tratar de atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC;
• Do afastamento do benefício fiscal nos produtos à base de peixe;
• Do afastamento do benefício fiscal com base na concreta natureza dos investimentos;
• Do afastamento do benefício fiscal com base na alegada falta de criação de postos de trabalho.”
[11] O STA, por Acórdão de 26 de Fevereiro deste ano, no Recurso n.º 56/24.0BALSB, recusou uniformizar a jurisprudência divergente sobre a consideração, para efeitos de custas arbitrais, do montante referente a valores que tenham sido considerados inarbitráveis por incompetência do tribunal. Assim, o presente colectivo adopta a que reputa a melhor solução.