Sumário: O Regime da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), aprovado pela Lei nº 55-A/2010 (LOE/2011) e sucessivamente prorrogado pelas Leis do Orçamento do Estado dos anos de 2012 a 2025, regulamentado pelas Portarias nºs 121/2011, 77/2012, 64/2014, 176-A/2015 e 165-A/2016 não é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, na vertente de equivalência (artigo 13º, da Constituição) e da proporcionalidade (artigo 18º, da Constituição)
ACÓRDÃO
Acordam os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral Coletivo:
I – RELATÓRIO
A..., S.A., doravante abreviadamente designado também por “A...” ou “Requerente”, sociedade com o número único de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...‑... Lisboa, na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo Requerente contra os atos tributários de autoliquidação da Contribuição sobre o Setor Bancário (“CSB”), relativos aos períodos de tributação de 2022 e 2023, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral tributário com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação da CSB no montante de € 93.927,58, do ano de 2022, e no montante de € 157.556,24, do ano de 2023. Com restituição ao Banco requerente do montante de € 251.483,82, a título de CSB indevidamente suportada.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada também e por “Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
Estão em causa nos presentes autos os atos de indeferimento da Reclamação Graciosa e de autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), emitida pela Requerente.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários para integrar tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo nos termos e prazo aplicáveis.
Foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
A Requerente optou por não designar árbitro, e em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 15-10-2024.
A Requerida, notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17º, do RJAT, apresentou resposta.
Por despacho de 24-10-2024, o Tribunal, atenta a sua inutilidade, dispensou a realização da reunião prevista no art.º 18º do RJAT e notificou as partes para apresentarem as respetivas alegações finais, por escrito.
Fundamentos apresentados pelo Requerente
A fundamentar o pedido, alega o Requerente, no essencial e em síntese:
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O A... é um sujeito passivo de IRC, constituído em agosto de 2015, que, enquanto instituição de crédito, tem por objeto social o exercício da atividade bancária, incluindo a obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, os quais aplica, juntamente com os seus recursos próprios, em diversos sectores da economia, na sua maior parte sob a forma de concessão de crédito a clientes ou títulos de dívida, prestando adicionalmente outros serviços bancários;
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No cumprimento das suas obrigações declarativas, a 28 de junho de 2022, o Requerente procedeu à entrega da sua declaração sobre a CSB (“Declaração Modelo 26”) – Contribuição sobre o Sector Bancário –, do ano de 2022, tendo liquidado o montante total de € 93.927,58, (Documento n.º 1 e respetiva nota de liquidação);
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No ano seguinte, a 29 de junho de 2023, o A... à entrega da sua Declaração Modelo 26 do ano de 2023, tendo liquidado o montante total de € 157.556,24 (Documento n.º 2, e respetiva nota de liquidação);
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O Requerente entende que estas liquidações se revelam manifestamente ilegais e, em consequência, apresentou, em 14 de março de 2024, reclamação graciosa que, no que diz respeito à CSB, foi indeferida por despacho que lhe foi notificado em 9 de maio de 2024;
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Inconformado com esta decisão, o Requerente vem agora solicitar a constituição de Tribunal Arbitral com vista à correção dos atos tributários de autoliquidação da CSB, referentes aos períodos de 2022 e 2023, e consequente restituição dos montantes liquidados, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios;
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Alega o Requerente que a CSB foi criada numa conjuntura económico‑financeira excecional, especialmente num contexto de crise financeira que havia sido provocada em grande medida pelas próprias instituições financeiras...
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...visando o tributo reforçar o esforço fiscal despendido pelo setor financeiro e mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos patentes na atividade financeira.
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A situação que acima se descreveu precipitou, de igual forma, a criação, em 2012, do Fundo de Resolução, através do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, diploma que aditou ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ([1]) (doravante, “RGICSF”) um conjunto de normas que regulam aquele Fundo, normas que se encontram previstas no artigo 153º-B e seguintes do RGICSF.
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Nos termos do artigo 153.º-C do RGICSF, o Fundo de Resolução “(…) tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal, (…) e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.
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Assim se percebe que, em caso de aplicação de medidas de resolução, cabe ao Fundo de Resolução disponibilizar os recursos determinados pelo Banco de Portugal, mediante um plano de aplicação também acordado com o mesmo (veja-se, a este respeito, o artigo 153.º‑M e 153.º-N do RGICSF).
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Os recursos financeiros daquele Fundo compreendem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 153.º‑F do RGICSF, as receitas provenientes da CSB.
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Ora, no decurso da sua atividade ao longo dos anos, o Fundo de Resolução tem desempenhado um papel relevante no contexto da resolução do Banco B..., S.A., que ocorreu em Agosto de 2014, nos termos da qual foi criado um banco de transição (C..., S.A.), cujo capital foi integralmente detido pelo Fundo de Resolução até à conclusão do processo de venda, estando também presente na resolução do D..., S.A. (D...”), ocorrida em 20 de Dezembro de 2015, através da prestação de apoio financeiro e da constituição de um veículo de gestão de ativos, cujo capital é, atualmente, integralmente detido pelo Fundo de Resolução.
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No que ao D... diz respeito, e em momento anterior à aprovação das medidas de resolução, o Estado Português concedeu ao Banco, em janeiro de 2013, um auxílio estatal, temporariamente aprovado pela Comissão Europeia, de forma a permitir que fossem cumpridos os requisitos mínimos em matéria de fundos próprios.
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Em julho de 2015, a Comissão Europeia deu início a um procedimento formal de investigação de forma a apurar se o auxílio concedido pelo Estado português ao D... era compatível com as regras em matéria de auxílios estatais da União Europeia.
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Nos termos do artigo 153.º-C do RGICSF, o Fundo de Resolução “(…) tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal, (…) e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”. Assim se percebe que, em caso de aplicação de medidas de resolução, cabe ao Fundo de Resolução disponibilizar os recursos determinados pelo Banco de Portugal, mediante um plano de aplicação também acordado com o mesmo (veja-se, a este respeito, o artigo 153.º‑M e 153.º-N do RGICSF).
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Os recursos financeiros daquele Fundo compreendem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 153.º‑F do RGICSF, as receitas provenientes da CSB.
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Ora, no decurso da sua atividade ao longo dos anos, o Fundo de Resolução tem desempenhado um papel relevante no contexto da resolução do Banco B..., S.A., que ocorreu em Agosto de 2014, nos termos da qual foi criado um banco de transição (C..., S.A.), cujo capital foi integralmente detido pelo Fundo de Resolução até à conclusão do processo de venda, estando também presente na resolução do D..., S.A. (“D...”), ocorrida em 20 de Dezembro de 2015, através da prestação de apoio financeiro e da constituição de um veículo de gestão de ativos, cujo capital é, atualmente, integralmente detido pelo Fundo de Resolução.
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Após a criação do Fundo de Resolução, em 2012, foi publicado, a 15 de julho de 2014, o Regulamento (UE) n.º 806/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho (adiante abreviadamente designado “Regulamento MUR”), que veio estabelecer um conjunto de regras comuns e um procedimento uniforme em todos os Estados-Membros da União Europeia para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento, no quadro de um Mecanismo Único de Resolução (MUR) e de um Fundo Único de Resolução (FUR) bancário.
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Ora, conforme disposto no n.º 2 do artigo 99.º do Regulamento MUR, aquele Diploma entrou em vigor a 1 de janeiro de 2016, sendo diretamente aplicável a todos os Estados-
-Membros.
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Com efeito, a partir daquela data, o Conselho Único de Resolução assumiu a responsabilidade pela direção da ação de resolução no espaço da União Bancária, garantindo o funcionamento consistente de todo o sistema, e assegurando, diretamente, a função de resolução em relação a todas as instituições ou grupos sujeitos à supervisão direta do Banco Central Europeu, bem como de todos os grupos com atividade nos Estados-Membros que desenvolvem atividade transfronteiriça no espaço da União Bancária, ainda que não sujeitos à supervisão direta do Banco Central Europeu.
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Pelo que com a entrada em vigor do Regulamento MUR grande parte da atuação do Fundo de Resolução foi transferida para o Fundo Único de Resolução.
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De facto, nos termos daquele Regulamento, nomeadamente no seu artigo 2.º, o Regulamento MUR é aplicável a “a) Instituições de crédito estabelecidas num Estado-Membro participante”, que, é o caso do aqui Requerente.
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Sendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Regulamento MUR, a atuação das autoridades de resolução nacionais fica reservada às entidades e grupos aos quais aquele Regulamento não é aplicável.
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Assim se percebendo que, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, o âmbito das entidades abrangidas pela atividade do Fundo de Resolução Nacional foi significativamente reduzido.
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Não obstante o exposto, e apesar de o objetivo de pagamento da CSB se prender, em grande medida, com o financiamento do Fundo de Resolução, a verdade é que, no que ao Requerente diz respeito, qualquer benefício que daquele Fundo poderia retirar está agora reservado ao Fundo Único de Resolução.
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Ainda assim, o Fundo de Resolução nacional continua a receber a receita proveniente da liquidação da CSB pelos seus sujeitos passivos.
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Desta forma, é possível concluir que não só o contexto económico e financeiro no qual o Fundo de Resolução foi criado já não se mantém como, ainda, parte das competências do mencionado Fundo de Resolução foram transferidas para o Fundo Único de Resolução.
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Pois bem, após esta retrospetiva histórica, cumpre referir que o A... apenas foi constituído a 24 de agosto de 2015, na sequência da transformação da E..., S.A., sociedade criada em 6 de fevereiro de 2015, especificamente para o processo de criação do Banco.
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É assim possível verificar que o A..., criado em 2015, não só não contribuiu para a crise financeira vivida aquando da introdução da CSB, como também não usufruiu – nem poderá vir a usufruir – da proteção do Fundo de Resolução e ao qual a receita da CSB é adstrita.
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Desta forma, e no que ao Requerente diz respeito, a CSB configura uma contribuição ilegal e desprovida de proporcionalidade entre o custo que a ele lhe é imputável e qualquer eventual benefício que da Contribuição possa retirar – que, como se viu, não poderá ser aplicável à sua realidade.
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Tanto mais que o Plano de Resolução do Requerente, elaborado ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento MUR, apenas foi aprovado em 29 de agosto de 2023, constando desse plano a definição das medidas adequadas a aplicar ao Banco, caso este se venha a encontrar em risco ou em situação de insolvência (veja-se, a este respeito, o Documento n.º 5).
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Ou seja: apenas após aquela data uma eventual liquidação do A... passou a ser considerada como tendo um impacto significativamente adverso na estabilidade financeira nacional que eventualmente justifique a aplicação de medidas de resolução pelo Mecanismo Único de Resolução, ao invés da simples liquidação do Banco.
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Nesta senda, o A... considera pertinente destacar as conclusões do Tribunal Constitucional, proferidas no âmbito do Acórdão n.º 101/2023 ([2]), relativo à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (“CESE”).
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Ora, nos termos daquele Acórdão, o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucional a alínea d) do artigo 2.º do Regime Jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei
n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), que determina que aquele tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo de pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, residentes em território português, e que sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.
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O Tribunal baseou a sua decisão no facto de considerar que, a partir de 2018, os objetivos da CESE estavam de tal forma reduzidos que deixou de ser possível afirmar que as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural possam ser consideradas presumíveis responsáveis ou beneficiárias das prestações públicas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (“FSSSE”), à qual a receita da CESE está consignada.
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Para o que aqui releva, veio aquele Tribunal defender que “(…) um tributo tem a natureza de contribuição financeira quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos − que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas −, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo” (sublinhado do Requerente).
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Ora, conforme se viu, no caso específico do Requerente, não existe causalidade entre a sua atuação e a causa que levou à criação do tributo, uma vez que, aquando da entrada em vigor da CSB, o A... ainda não existia.
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Ainda, e considerando o acima exposto, a CSB foi introduzida no ordenamento jurídico português precipitada por um contexto de crise financeira, e em resultado dessa mesma crise; conjuntura essa que não pode ser nunca imputável ao Requerente, uma vez que a sua criação é posterior àqueles acontecimentos.
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Desta forma, e na senda do estabelecido no Acórdão n.º 101/2023 do Tribunal Constitucional, a relação bilateral entre a entidade pública aqui em questão e o grupo homogéneo de sujeitos passivos causadores da prestação não existe no caso do ora Requerente.
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Note-se ainda que a CSB tem como finalidade obter receitas para o Fundo de Resolução, mecanismo que o A... não só não aproveitou como não pode vir a aproveitar no futuro, por determinação do Regulamento MUR e da criação do Fundo Único de Resolução, a nível da União Europeia.
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Pelo que fica prejudicada a existência de um possível benefício, aproveitado pelo Requerente, pelo pagamento da Contribuição.
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Nesta linha de raciocínio, prossegue aquele Tribunal, a respeito da CESE devida pelas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, referindo que “(…) forçoso é reconhecer que os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a que diz respeito a norma sindicada no presente recurso”.
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Continuando que “(…) tornou-se evidente que, por imposição legal, a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico, sem que sejam claras as razões pelas quais o legislador teve por adequado exigir a operadores não integrados nesse subsetor que participassem nos encargos daí advenientes, quando lhes não deram causa alguma, nem se vê que daí extraiam um especial benefício” (sublinhado do Requerente).
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Conforme sublinhado supra, o Requerente não extrai da ação do Fundo de Resolução – e consequentemente, do pagamento da CSB – qualquer benefício, inexistindo qualquer nexo entre a contribuição efetuada anualmente pelo A... e as vantagens que, possivelmente, daí retiraria.
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O Tribunal Constitucional continua a sua argumentação no Acórdão n.º 101/2023 no sentido de que “(…) a mera circunstância de todos os operadores integrarem o «setor energético» não é manifestamente suficiente para afirmar que exista uma responsabilidade de grupo do subsetor do gás natural pelos encargos respeitantes a um problema específico do subsetor da energia elétrica”.
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Deste modo, entende o Requerente que o facto de ser uma instituição de crédito com sede e direção principal efetiva em território português, só por si, não é suficiente para concluir pela sua responsabilidade em financiar o Fundo de Resolução, quanto mais considerando que o propósito de constituição deste Fundo não aproveitou ao A... .
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Muito menos haverá qualquer razão para obrigar uma instituição de crédito que surge num contexto “pós-crise” a suportar um tributo que surge naquele contexto excecional.
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Acresce que a cobrança da CSB no caso do A... revela-se duplamente onerosa uma vez que este efetua também contribuições para o Fundo Único de Resolução, conforme determinado pelo artigo 70.º do Regulamento MUR, as quais, essas sim, podem vir a, potencialmente, beneficiar o Banco.
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Ora, todo e qualquer tributo está sujeito ao princípio da igualdade tributária enquanto corolário do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
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Nos termos daquele princípio, é proibido ao legislador discriminar arbitrariamente, sendo que os tributos devem ser uniformes e gerais.
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Mais, no que diz respeito a tributos que se supõem bilaterais ou comutativos, a jurisprudência dos Tribunais nacionais tem vindo a considerar que o princípio da igualdade tributária se expressa no critério ou princípio da equivalência.
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Aquele critério obriga a que os tributos sejam adequados ao custo que o contribuinte gera à administração ou ao benefício que o sujeito passivo possa retirar da atuação da administração.
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Neste sentido, é necessário que exista uma adequação e uma equivalência entre a contribuição paga pelo sujeito passivo e o benefício que possivelmente venha a receber da administração na sequência daquele pagamento.
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Aliás, sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão n.º 344/2019, proferido no âmbito do Processo n.º 673/17, nos termos do qual aquele Tribunal discorreu sobre a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de fevereiro, sobre a taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”).
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No âmbito daquele Acórdão, o Tribunal entendeu que “(…) a estrutura desses tributos [taxas e contribuições] deve ser concebida de modo a que contribuintes que provoquem custos iguais ou que aproveitem benefícios iguais sejam chamados a pagar tributo igual e que contribuintes que provoquem custos diferentes ou aproveitem benefícios diferentes paguem tributos também diferentes” (sublinhado do Requerente).
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Continuando ainda que “[n]esta última espécie de tributos – contribuições – o princípio da equivalência vincula o legislador a definir o universo de sujeitos passivos que se presume provocar ou aproveitar a prestação administrativa”, concretizando que “[a]ssim, o princípio da equivalência projeta-se na estruturação subjetiva do tributo através do recorte de um grupo de pessoas que tem interesses e qualidades em comum, que tem responsabilidades na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige, e que a prestação tributária seja empregue no interesse dos membros do grupo”.
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Ora, conforme se viu supra, o aqui Requerente não se inclui no grupo de sujeitos passivos que provocou ou precipitou a introdução da CSB (uma vez que não existia na altura) e, nem assim, tem interesse na prestação tributária de que eventualmente viria a beneficiar pela atuação do Fundo de Resolução, mecanismo ao qual a receita da CSB está adstrita.
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Por todo o exposto, entende o Requerente ser inegável que a CSB e o seu regime jurídico viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, expresso no princípio da equivalência, pela razão de abranger, na sua incidência subjetiva, entidades que não retiram qualquer benefício óbvio do tributo e que em nada foram responsáveis pela criação do mesmo.
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Ainda que assim não se entendesse, considera o Requerente que a CSB viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, nos termos do qual “[a] lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
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Ora, daqui se retira que toda e qualquer legislação deve ser adequada, idónea e necessária, exigindo-se ainda que o benefício causado por qualquer medida seja superior ao prejuízo provocado.
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De facto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina de Gomes Canotilho e Vital Moreira, veio defender que “(…) o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)” (sublinhado do Requerente).
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Acrescentando ainda o Acórdão n.º 187/01, no que ao último subprincípio diz respeito que: «[…] retira-se ainda do princípio de proporcionalidade um último critério, designado como proporcionalidade em sentido estrito ou critério de justa medida. "Haverá, então, que pensar em termos de ‘proporcionalidade em sentido restrito’, questionando-se ‘se o resultado obtido (…) é proporcional à carga coactiva que comporta" […].Trata-se, pois, de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação "calibrada" – de justa medida – com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis» (sublinhado do Requerente).
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Pelo exposto, e atendendo aos subprincípios contidos no princípio da proporcionalidade, dificilmente pode o Requerente conformar-se pela existência de uma justa medida na sua sujeição à presente Contribuição.
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Recorde-se que, tal como mencionado supra, a CSB foi criada num contexto de crise financeira e por causa dessa mesma crise, tendo como objetivo, nos termos do preâmbulo da Portaria n.º 121/2011, “(…) reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados”.
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A bem da verdade, não se poderá considerar proporcional que a CSB seja exigida a toda e qualquer instituição de crédito residente em território nacional, desconsiderando-se, desde logo, entidades que em nada contribuíram para a crise financeira que precipitou a sua criação, tanto mais considerando que a receita daquele tributo se constitui adstrita ao Fundo de Resolução Nacional e do qual o Requerente nunca poderá usufruir.
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De facto, o Requerente não retira qualquer benefício óbvio desta Contribuição, nem mesmo foi responsável pela conjuntura económica e financeira que levou à criação da CSB.
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Razões pelas quais entende o Requerente que a sua sujeição ao pagamento da CSB se configura excessiva face aos fins prosseguidos pela vigência, na ordem jurídica nacional, daquele tributo.
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Como corolário lógico do que antecede, vem o Requerente solicitar a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSB de 2022 e 2023, no montante de € 93.927,58 e € 157.556,24, respetivamente, e peticionar que aqueles montantes lhe sejam devolvidos, com juros indemnizatórios calculados sobre o montante de € 251.483,82, e contados a partir da data do indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa anteriormente apresentada pelo Requerente.
Resposta da AT
A AT apresentou resposta tempestiva, tecendo longas e doutas considerações, mas, aparentemente, tendo como objeto o “Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário” (ASSB)[3] – que não está em causa nem é objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Concluiu pedindo a improcedência do pedido arbitral “(...)analisado que seja em conjunto o acórdão do TJUE com a jurisprudência do STA (...)” e “(...) absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, pela manifesta conformidade constitucional do ASSB (...)”.
Foi junta cópia do processo administrativo instrutor (PA).
II SANEAMENTO DO PROCESSO
O Tribunal é competente, as partes são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há exceções e/ou questões prévias que cumpra conhecer.
Processo isento de nulidades que o invalidem.
Cumpre decidir.
III FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente, A..., SA, é um sujeito passivo de IRC, constituído em agosto de 2015, que, enquanto instituição de crédito, tem por objeto social o exercício da atividade bancária, incluindo a obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, os quais aplica, juntamente com os seus recursos próprios, em diversos sectores da economia, na sua maior parte sob a forma de concessão de crédito a clientes ou títulos de dívida, prestando adicionalmente outros serviços bancários;
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No cumprimento das suas obrigações declarativas, a 28 de junho de 2022, o Requerente procedeu à entrega da sua declaração sobre a CSB (“Declaração Modelo 26”) – Contribuição Sobre o Sector Bancário –, do ano de 2022, tendo liquidado o montante total de € 93.927,58, (Documento n.º 1 e respetiva nota de liquidação);
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No ano seguinte, a 29 de junho de 2023, o A... procedeu à entrega da sua Declaração Modelo 26 do ano de 2023, tendo liquidado o montante total de € 157.556,24 (Documento n.º 2, e respetiva nota de liquidação);
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O Banco de Portugal aprovou, em 29-8-2023, [ao abrigo do artigo 9º-1, do Regulamento MUR, previsto no Regulamento (UE) nº 806/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014] o Plano de Resolução do Grupo “A...” ...
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... sendo esse Plano comunicado à administração do A... em 13-9-2023 (cfr. Documento 5, junto com o PPA);
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Considerando ilegais as sobreditas liquidações, o Requerente apresentou, em 14 de março de 2024, reclamação graciosa que, no que diz respeito à CSB, foi indeferida por despacho de 6-5-2024, fundamentado na Informação nº 58-AIR1/2024, que lhe foi notificado em 9 de maio de 2024 (Documento 2, junto com o PPA e PA, fls 51 e segs.)
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Resulta da Informação nº 58-AIR1/2024 em que se fundamentou o despacho de indeferimento:
- que não cabe nas competências da AT desaplicar normas que considere inconstitucionais ou desconforme ao direito da UE;
- de todo o modo, a entrada em vigor da Diretiva 2014/59/UE não impôs ou impõe a eliminação do regime da CSB nem a Lei nº 23-A/2015, que fez a transposição dessa Diretiva, não introduziu qualquer alteração ao Regime da CSB por não haver necessidade de o fazer;
- criada pelo artigo 141º, da Lei nº 55-A/2010, a CSB tem a natureza de contribuição obrigatória que recai sobre todas as instituições de crédito que operam no território nacional e cumpre os objetivos de cobertura dos custos relacionados com o risco sistémico, a situação de insolvência e a resolução de instituições, podendo Portugal mantê-la em vigor após a transposição da citada Diretiva pela Lei nº 23-A/2015;
- estas contribuições, embora obrigatória, assumem natureza análoga à de um prémio de seguro destinado a cobrir o risco de uma instituição análoga participante deixar de cumprir ou ficar em risco sério de deixar de cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da atividade por força da ocorrência de uma ou de várias das situações referidas no nº 3, do artigo 145º-C do RGICSF e, por via desse facto, contagiar outras instituições;
- as contribuições para o Fundo de Resolução constituem neste contexto, a expressão de uma mutualização daquele risco;
- o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 268/2021, reiterado pelo Acórdão 86/2022, entendeu que não se verificava a violação do princípio da equivalência, tanto enquanto expressão do princípio da igualdade como do princípio da proporcionalidade, por parte do regime da CSB (v. fundamentação do citado acórdão);
- assim é que, não obstante o papel do MUR e do FUR na resolução de crises bancárias, ambos não excluem a existência de contribuições nacionais e estas, no entender dos tribunais Superiores, funcionam como uma espécie de seguro no sentido de mitigação do risco sistémico, de cujos efeitos a Reclamante não está excluída, incluindo os respetivos benefícios.
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Em 6-8-2024 foi apresentado no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados.
Motivação quanto à prova
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (vide art.ºs. 596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C. P. Civil, na redação da Lei nº 41/2013, de 26/6), e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº.123º, nº.2, do C. P. P. Tributário).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e do mundo (cfr. art.º 607º, nº 5, do C.P. Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos — cfr. artº. 371º, do CCiv.) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.
No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos juntos pelas partes e que não foram impugnados e na cópia do processo administrativo instrutor (PA), ponderando ainda que não surpreendeu qualquer controvérsia entre as partes relativamente ao quadro factual, circunscrevendo-se essa controvérsia ao enquadramento jurídico-tributário dado.
IV Fundamentação (cont.)
O Direito
Em causa o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Banco requerente e as autoliquidações de CSB mencionadas supra em B. e C., do elenco de factos provados.
In casu, importa apurar se, como alega o Requerente, a CSB e seu regime jurídico, violam os princípios constitucionais da igualdade, da equivalência e da proporcionalidade (arts 13º e 18º, da Constituição), considerando, designadamente, abranger esse tributo, na sua incidência subjetiva, entidades que dele não retiram qualquer benefício e que em nada foram responsáveis pela criação desse mesmo tributo.
O Requerente entende que não está sujeito a CSB – regime que considera inconstitucional porque viola os princípios da equivalência, da igualdade e da proporcionalidade - e a AT entende, desde logo e em abstrato, que não cabe no elenco das suas competências ou atribuições aferir da conformidade de qualquer norma face ao disposto na Constituição, não deixando, porém, de contestar os vícios de ilegalidade/inconstitucionalidade invocados pelo Requerente considerando, designadamente, que a entrada em vigor da Diretiva 2014/59/UE, não impôs a eliminação ou substituição do regime da CSB.
Assinale-se preliminarmente que, conforme assinala desde há muito a Jurisprudência [cfr, v. g., Acórdão de 14-3-2018, no Proc nº 0716/13/2ª Secção], o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
Vejamos então o litígio ou as questões relevantes suscitadas.
A Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB) foi criada pela Lei do Orçamento do Estado de 2011 (Lei nº 55-A/2010 de 31 de dezembro), tendo o respetivo regime sido alterado e sucessivamente prorrogado pelas Leis do Orçamento de Estado dos anos 2012 a 2025.
O respetivo regime (da CSB) foi, entretanto, regulamentado pela Portaria nº 121/2011, de 30 de março, a qual viria a ser alterada pelas Portarias nºs 77/2012 de 26 de março, 64/2014, de 12 de março, 176-A/2015, de 12 de junho e, finalmente, pela nº 165-A/2016, de 14 de junho.
A CSB é liquidada, anualmente, pelo sujeito passivo através de Declaração (modelo oficial nº 26), a qual deve ser enviada, por transmissão eletrónica, até ao último dia do mês de junho do ano a que se reporta, sendo esta também a data limite para efetuar o respetivo pagamento.
No caso, o Requerente, autoliquidou a CSB nos termos supra expostos, mas veio impugnar a legalidade constitucional desse tributo, primeiro em sede administrativa, através de reclamação graciosa e, indeferida esta, em sede contenciosa através do presente pedido de pronúncia arbitral.
Revendo, de forma muito sintética, a posição do Requerente:
O Requerente alega em suma que os sobreditos atos tributários estão feridos de ilegalidade, pelas razões que sumariamente se deixaram oportunamente assinaladas, ou seja, padecem de vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade, mais concretamente porque o Requerente, tendo sido criado posteriormente ao “nascimento” da CSB, é alheio à génese desse regime e que se prendia unicamente com a conjuntura económica e financeira vivida no período que imediatamente antecedeu a criação desse tributo.
Entretanto, por força da entrada em vigor do Regulamento (UE) nº 860/2014, a aplicação de medidas de resolução a instituições de crédito ficou reservada ao MUR – Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução (FUR), abrangendo todos os Estados-Membros da UE e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2016, sendo que, segundo o Requerente, este Fundo assumiu grande parte das funções do Fundo de Resolução citado e que assim conservaria a atuação apenas sobre entidades e grupos aos quais aquele Regulamento não é aplicável, de modo que nenhum benefício retiraria o Requerente porque apenas sujeito ao FUR, sendo certo que também não contribuiu o Requerente para a crise financeira que levou à criação ou introdução da CSB em 2011 uma vez que só em 2015 é que foi constituído.
Daqui conclui o Requerente que se revela ilegal e desprovida de proporcionalidade a relação entre o custo desse tributo e o qualquer eventual benefício que dessa contribuição possa retirar o Requerente.
Invoca ainda, em abono da tese que defende, o acórdão nº 101/2023, do Tribunal Constitucional quando considera inconstitucional a Contribuição sobre o Setor Energético (CESE), para determinados sujeitos passivos, por ausência de causalidade entre a sua atuação e a causa que levou à criação do tributo, tanto mais que paga cumulativamente CSB e contribuições para o Fundo Único de Resolução, nos termos do artigo 70º, do MUR.
Conclui, considerando que a CSB é ilegal por violação do princípio da igualdade, na vertente de equivalência (artigo 13º, da Constituição) e do princípio da proporcionalidade (artigo 18º da Constituição).
Será assim?
A qualificação jurídico-tributária da CSB.
A autonomização das três categorias de tributos previstas no nosso sistema fiscal – imposto, taxa e contribuição financeira – assume um relevo fundamental, seja quanto aos princípios da legalidade, da tipicidade e da reserva de lei parlamentar, pelas diferentes exigências que decorrem do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição – na medida em que aí se preveem dois tipos de reserva parlamentar: uma relativa aos impostos (abrangendo todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes – artigo 103.º, n.º 2), outra restrita ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras –, seja porque o princípio da igualdade tributária não reveste o mesmo significado em todas as categorias de tributos, exigindo critérios de repartição que se adequem à respetiva estrutura e finalidade – o da capacidade contributiva para os impostos e o da equivalência para as taxas e contribuições.
A qualificação jurídica da CSB é, assim, o primeiro problema a dilucidar, porquanto a resposta às questões colocadas pelo Recorrente depende da correspondência entre o tributo em causa e o regime constitucional de uma daquelas categorias.
A este propósito, importa recordar que tal qualificação resulta da análise do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, sendo irrelevante o nomen iuris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo a contrapartida de uma prestação utilizada pelo sujeito passivo (cfr., por exemplo, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 365/2008, 539/2015, 848/2017 e 344/2019).
A distinção entre as três categorias tributárias parte da consideração simultânea de um critério finalístico a par de um critério estrutural ou do pressuposto e da finalidade do tributo (cfr., Cardoso da Costa, “Ainda a distinção entre «taxa» e «imposto» na Jurisprudência Constitucional”, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 549; e Sérgio Vasques, “A Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, in Fiscalidade da Energia, 2017, Coimbra, Almedina, pp. 230 e 231, respetivamente).
No mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 344/2019 [[(referente à “taxa SIRCA” e ,fazendo apelo a jurisprudência anterior e acolhendo os traços essenciais da doutrina defendida na matéria por Sérgio Vasques ( O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, Coimbra, 2008)], o seguinte: «[7…A] qualificação de um tributo como imposto, por contraposição ao conceito constitucional de taxa, reside na análise do seu pressuposto e da respetiva finalidade: “o imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais”; diversamente, “a taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática” (Acórdãos n.ºs 365/2008, 177/2010, 152/2013, 539/2015, 320/2016, 848/2017, 418/2017, 367/2018, 379/18 e 7/2019).
O critério distintivo dos tributos reside assim na natureza unilateral ou bilateral do pressuposto do qual depende a formação da obrigação tributária e na finalidade indeterminada ou determinada das prestações a que se destina a receita com ela angariada: enquanto o pressuposto do imposto – o facto tributário – respeita exclusivamente ao sujeito passivo, não lhe correspondendo qualquer contrapartida específica da administração pública, o pressuposto da taxa ou da contribuição integra uma relação do sujeito passivo com a administração pública, correspondendo sempre à contraprestação de uma certa atividade pública que especialmente lhe é dirigida; enquanto o propósito do imposto é angariar receita destinada ao financiamento de prestações públicas indeterminadas, provendo indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, a taxa destina-se a angariar receita para compensar o custo ou valor das prestações públicas determinadas, provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo[…]
Uma terceira categoria de tributos públicos que foi reconhecida e autonomizada pela revisão constitucional de 1997, dando cobertura a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto, é formada pelas contribuições financeiras a favor das entidades públicas [artigo 165.º, n.º 1, alínea i)]. A autonomização dessa espécie tributária levou o Tribunal Constitucional a reconhecer, pela primeira vez, a existência de uma tripartição nas categorias jurídico-fiscais, ao reconduzir a taxa de regulação e supervisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ESC) a uma contribuição financeira a favor dessa entidade (Acórdãos nºs 365/08, 613/08 e 261/09).
Em rigor, esta categoria de tributos, não obstante pretender concretizar uma troca entre o Estado e o contribuinte, sem envolver uma prestação efetiva, não tem estrutura unilateral como o imposto nem estrutura bilateral como a taxa.
O Tribunal Constitucional reconhece, por outro lado, a existência de contribuições financeiras, enquanto categoria tributária autónoma, dotada de relevo no sistema fiscal português. As contribuições financeiras são, neste plano, globalmente entendidas como prestações pecuniárias coativas, bilaterais, exigidas por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa dirigida a um grupo, e apenas presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo singular.
Refira-se que, sem prejuízo da aparente simplicidade do conceito, esta é uma categoria de contornos muito heterogéneos, em especial na ausência da aprovação pela Assembleia da República do regime geral para as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. Na verdade, uma visão abrangente do sistema fiscal português revela que esta categoria integra um conjunto extenso e variado de tributos paracomutativos, com características nem sempre inteiramente coincidentes, sendo evidentes as especiais dificuldades experimentadas pela doutrina na sua delimitação precisa – [Cfr. a título de exemplo, entre outros, Ana Paula Dourado, que imputa à categoria das contribuições financeiras um caráter residual, enquadrando neste conceito todos os tributos que não apresentem as características dos impostos e das taxas e os tributos a favor de entidades públicas de base não territorial com características de sinalagma difuso (em Direito Fiscal – Lições, Almedina, Coimbra, 2015, p. 67); Sérgio Vasques, que reconhece às contribuições uma natureza fugidia, sediada num lugar intermédio entre as taxas e os impostos, integrando nesta figuras tributárias tão díspares como as contribuições para a segurança social, as taxas de regulação económica, os tributos associativos devidos às ordens profissionais e ainda os modernos tributos ambientais e impostos especiais pelo consumo (em Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 257 e 274) ou F. Vasconcelos Fernandes, para quem a categoria das contribuições financeiras integra uma ampla e diferenciada panóplia de tributos de base bilateral e grupal (em As Contribuições Financeiras no Sistema Fiscal Português, Uma Introdução, Gestlegal, Coimbra, 2020, p. 43). A razão de ser desta heterogeneidade prende-se, em parte, com a circunstância de não se tratar aqui de um conceito classificatório, mas antes de um quadro tipológico caracterizador, podendo variar o grau e modo da correspondência entre a realidade concreta e o tipo.
Concorrendo para a tipificação do tributo em apreço, afirmou-se no Acórdão n.º 539/2015 (que analisou a conformidade constitucional da “Taxa de Segurança Alimentar Mais”, aí considerada como contribuição financeira) o seguinte (n.º 2 da fundamentação):
«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2ª edição, Coimbra Editora).»
Assim, na síntese do Acórdão n.º 255/2020 (n.º 9):
«[O] Tribunal reconhece que a criação de tributos dirigidos à compensação de prestações presumidas e a admissibilidade de um quadro amplo de incidência das taxas torna mais diluída a fronteira entre as diferentes categorias de tributos e muito mais delicada a respetiva qualificação. Daí a determinação de um critério estrutural para demarcar a “linha de fronteira” entre as diferentes categorias de tributos públicos (a natureza da prestação do ente público): “se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa.” (ibidem) [Acórdão n.º 344/2019].»
O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal. Concretizando esta ideia, F. Vasconcelos Fernandes refere, a propósito da autonomização das contribuições financeiras, face aos demais tributos, no sistema fiscal português: «[A mesma prende-se] com o facto de corresponderem a tributos que servem de financiamento a entidades públicas cuja atividade beneficia grupos tendencialmente homogéneos de destinatários, estabelecendo-se assim uma estrutura de incidência ancorada numa prestação de acordo com a qual da atividade daquela mesma entidade decorre um benefício igualmente imputável aos indivíduos ou empresas inseridos nesse mesmo grupo. Como tal, pode mesmo dizer-se que o tipo particular de aproveitamento de que os membros dos referidos grupos usufruem é, nestes casos, determinantemente condicionado pela sua condição grupal, sendo totalmente distinto caso estivessem numa relação direta ou imediata com o ente público que lhes oferece a prestação, como sucede nas taxas, ou se não houvesse qualquer tipo de relação de benefício identificável, como sucede nos impostos.» (em “As «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» no sistema fiscal português – conceito, pressupostos e regime jurídico-constitucional (incluindo a analogia com as Sonderabgaben alemãs)”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano XII, 1/4, 2019, p. 82)
«(…) a condição de sujeito passivo de uma dada contribuição financeira, quer esta respeite ao perímetro regulatório, associativo ou qualquer outro, apenas poderá despoletar-se na medida em que estejam reunidas as condições de pertença a um dado grupo homogéneo de interesses, entendendo-se por este último um conjunto institucionalmente ordenado para a expressão de objetivos de índole material e que se concretizam em benefícios concretos ao nível do referido grupo e, como tal, em benefícios presumidos para os seus membros.» (ob. cit., p. 84)
Sublinhou-se, ainda quanto a este ponto, no Acórdão n.º 344/2019, que:
«Nos tributos comutativos, o ponto de referência para a fixação do custo provocado e do benefício aproveitado não é o mesmo em todos eles: nas taxas, porque se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, o custo e o benefício são reportados ao contribuinte individual (equivalência individual); nas contribuições, porque voltadas à compensação de prestações de que o sujeito passivo apenas é presumido causador ou beneficiário, o custo ou benefício é reportado ao grupo em que o sujeito passivo se integra (equivalência de grupo). (...) Nesta última espécie de tributos – contribuições – o princípio da equivalência vincula o legislador a definir o universo de sujeitos passivos que se presume provocar ou aproveitar a prestação administrativa. Não podendo dar-se por seguro que cada um dos concretos sujeitos passivos provoca ou aproveita a prestação pública – como ocorre nas taxas – exige-se que o legislador isole os grupos de pessoas às quais estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns. Assim, o princípio da equivalência projeta-se na estruturação subjetiva do tributo através do recorte de um grupo de pessoas que tem interesses e qualidades em comum, que tem responsabilidades na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige, e que a prestação tributária seja empregue no interesse dos membros grupo.»
O Tribunal Constitucional deixou, assim, claro que a delimitação da base de incidência das contribuições financeiras não decorre apenas da homogeneidade de interesses, mas, bem assim, de uma autêntica responsabilidade de grupo, «que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem» (F. Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 85).
Em linha com a conclusão que antecede, tem sido sublinhada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional a importância de atender, ainda, ao elemento teleológico do tributo (critério finalístico), na medida em que este pode constituir um indicador determinante no esclarecimento da sua natureza. Conforme esclarece Sérgio Vasques, ao contrário dos impostos, «a finalidade típica das contribuições não está na mera angariação de receitas, mas em angariá-las para compensar as prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo» (em “A Contribuição Extraordinária ... cit., p. 226). Importa, por este motivo, conhecer o destino da receita obtida com o tributo em análise, designadamente, se está em causa o financiamento de prestações públicas indeterminadas ou de despesas gerais da comunidade, ou antes a compensação de custos incorridos por uma atividade pública determinada.
Nesta perspetiva, a consignação de receitas à entidade pública competente para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram constitui, por regra, «uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais» (Acórdãos nºs 539/2015, 320/2016, 7/2019, 255/2020). Todavia, o Tribunal Constitucional reconhece que a consignação da receita do tributo não constitui, por si só, um elemento determinante na qualificação de um tributo – não é uma condição nem necessária nem suficiente (v. Acórdãos n.ºs 344/2019 e 255/2020). Na verdade, «dependendo do modo como seja feita, a consignação da receita tanto pode atestar a natureza comutativa de um tributo público quanto desmenti-la categoricamente. Se, por hipótese, o legislador consignar a receita do imposto sobre o tabaco ao investimento no parque escolar, a afetação da receita nega uma qualquer relação de troca entre o estado e aquele grupo, que não se pode dizer presumível causador e beneficiário das prestações administrativas a financiar, estando-se perante verdadeiro imposto. A qualificação de um tributo público como contribuição exige correspondência entre pressuposto e finalidade – nalguns casos a consignação comprova-a, noutros casos desmente-a.» (cfr. Sérgio Vasques, “A Contribuição Extraordinária ...”, cit., p. 231.)
A CSB
Tendo presente o enquadramento sumariamente exposto, verifica-se que a CSB tem como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham cá a sua sede principal e efetiva da administração e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia (cfr. artigo 2.º, do RJCB). O mesmo é dizer, apelando às noções do RGICSF, que através desta contribuição o legislador visa atingir os sujeitos cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria (i.e., o Setor Bancário). Visa, bem assim, abarcar todos aqueles que, prosseguindo a atividade enunciada, operam no sistema bancário nacional, independentemente de terem no território português a sua sede principal e efetiva ou uma filial ou sucursal (universalidade subjetiva).
Em termos objetivos, aquela Contribuição incide sobre os passivos dos Bancos, todos os Bancos, concretamente sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base e complementares e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, e os depósitos na Caixa Central constituídos por Caixas de Crédito Agrícola Mútuo pertences ao Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (cfr. artigo 3.º RJCSB), ambos calculados nos termos do artigo 4.º da Portaria CSB.
Ora, conforme resulta do contexto histórico em que é criada a CSB e da leitura das justificações político-legislativas que foram sendo apresentadas pelo legislador ao longo do tempo, as opções vertidas na delimitação das bases de incidência subjetiva e objetiva da CSB estão estreitamente relacionadas com as finalidades visadas com a criação deste tributo.
Neste quadro, começa-se por afirmar, no Relatório do Orçamento de Estado para 2011, que se «procede […] à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.» e esclarece-se ainda no mesmo Relatório que «[o] impacto da recente crise económica e financeira internacional sobre a estabilidade financeira e o papel que o sector financeiro teve na criação do risco sistémico justificaram a introdução desta contribuição, cujo objetivo geral é o de garantir um contributo deste sector que reflita os riscos que o próprio sector gera, à semelhança do que tem vindo a acontecer em outros Estados-membros da União Europeia.».
Ressalta, deste modo, um duplo propósito originário na criação do novo tributo: reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos, em linha com aqueles que haviam sido os objetivos traçados ao nível europeu, pela Comissão, na sequência da Cimeira de Pittsburgh – garantir que é o setor bancário que suporta os encargos que ele próprio gera («limitar os encargos para os contribuintes e minimizar – ou melhor ainda, eliminar – a futura dependência de fundos provenientes das contribuintes para salvar um determinado banco»); mobilizar os montantes necessários para cobrir os custos expectáveis dos fundos de resolução («que facilitem a resolução de crises nos bancos em dificuldades de formas que evitem o contágio e que permitam a liquidação de um banco de forma ordeira e num prazo que evite a venda urgente dos ativos (“princípio da previdência”)», «contribuir para o financiamento da resolução ordeira das dificuldades em que se encontra uma entidade financeira»); e criar incentivos à adoção de comportamentos adequados pelo setor da banca, reduzindo o risco de recurso aos mecanismos de resolução de crises («aplicação, também no sector financeiro, do chamado «princípio do poluidor-pagador”»).
Salientando a conexão existente entre a incidência objetiva da CSB e o segundo propósito traçado pelo legislador nacional, relativo à mitigação dos riscos sistémicos gerados pela atividade do setor bancário, os quais se tornaram evidentes com a crise económica e financeira, explicita-se no preâmbulo da Portaria CSB, o seguinte:
«[…P]ara efeitos da aplicação da contribuição sobre o sector bancário qualificam[-se] por regra como passivo todos os elementos reconhecidos em balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade. Excluído para este efeito do passivo fica um conjunto de realidades muito circunscrito, tal como os capitais próprios ou os passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido, os passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados e os passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização, ou os passivos por provisões, atento o objetivo da mitigação de riscos sistémicos que subjaz largamente à criação desta contribuição. É também o objetivo da mitigação de riscos sistémicos que dita a desconsideração, para efeitos da base tributável, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos na parcela do respetivo valor que seja objeto de cobertura por esse mesmo fundo. Idêntica razão explica que não se integrem na base tributável os instrumentos financeiros derivados de cobertura de risco, bem como aqueles cujas posições em risco se compensem mutuamente (back to back derivatives).»
O risco sistémico em apreço está, numa larga medida, associado à avaliação das dificuldades para superar uma crise de confiança do público quanto à solvabilidade da instituição, ou seja, quanto à sua capacidade para enfrentar uma eventual “corrida aos depósitos” recebido de terceiros, e às consequências daí advenientes para outras instituições financeiras, nomeadamente o “contágio”. O ponto de partida da análise é, por isso, a estrutura financeira da própria instituição e, muito em especial, as interdependências das várias instituições de crédito ao nível de tal estrutura.
Deste modo, e pondo igualmente a tónica no objetivo de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos, o qual está na base do regime de resolução, no seu todo, e bem assim na origem da CSB, enquanto mecanismo de financiamento do mesmo (ainda que não o único), refere-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 24/2013, de 19 de fevereiro, que estabeleceu o método de determinação das contribuições iniciais, periódicas e especiais para o Fundo de Resolução (tal diploma foi, entretanto, revogado pelo artigo 13.º, alínea d) da Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março), que:
«O regime jurídico da resolução tem por finalidade a prevenção, a mitigação e a contenção do risco sistémico que, no limite, pode decorrer do colapso de uma instituição de crédito, ainda que provocado por choques externos, poder produzir um efeito de contágio sobre as restantes instituições do sistema. Tal risco agrava-se em função da dimensão, complexidade e interconexão - com outras entidades - que a instituição que entrou em grave desequilíbrio financeiro apresente. Perante este tipo de risco e as inerentes consequências, considerou-se necessário criar novos tipos de instrumentos de intervenção que assegurem a estabilidade financeira, bem como mecanismos de financiamento sem cuja existência aqueles instrumentos perderiam grande parte da sua eficácia.
O regime instituído no RGICSF pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, estabelece que as necessidades de financiamento das medidas de resolução são asseguradas pelo Fundo de Resolução, o qual, por sua vez, é financiado essencialmente, nos termos do artigo 153.º-F do RGICSF, por via de contribuições das instituições nele participantes, a par da afetação das receitas da contribuição sobre o sector bancário.
[…] No plano jurídico, as contribuições, embora obrigatórias, assumem natureza análoga à de um prémio de seguro destinado a cobrir o risco de uma instituição participante deixar de cumprir, ou ficar em risco sério de deixar de cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da atividade, por força da ocorrência de uma ou de várias das situações referidas no n.º 3 do artigo 145.º-C do RGICSF e, por via desse facto, contagiar outras instituições. As contribuições para o Fundo de Resolução constituem, neste contexto, a expressão de uma mutualização daquele risco.
Em caso de ocorrência do evento contra o qual as instituições participantes se querem premunir, a intervenção do Fundo de Resolução protege o conjunto das entidades nele participantes, evitando que a situação verificada numa delas alastre às restantes e as contamine. Assim, as instituições pagam as suas contribuições como forma de se protegerem contra um eventual risco sistémico originado numa delas, mas que poderia, por seu turno, induzir o colapso financeiro das restantes instituições participantes, caso não existisse um sistema de financiamento do Fundo de Resolução […] Os custos da adoção de medidas de resolução advêm essencialmente da necessidade de apoiar o financiamento da eventual diferença que se verifique entre os passivos e os ativos transferidos para outra instituição de crédito ou, eventualmente, para um banco de transição. Ou seja, é da eventual insuficiência do valor efetivo, à data da aplicação da medida, dos ativos alienados ou transferidos face ao valor dos passivos a preservar, mediante aquela transferência, que emerge a necessidade de uma entrada de fundos para apoiar a aplicação de uma medida de resolução e, portanto, de uma adequada capitalização do Fundo de Resolução para fazer face, no futuro, a este tipo de necessidades.
Por esta razão, a base de incidência das contribuições periódicas e das contribuições iniciais das instituições participantes no Fundo desde o início da sua atividade é composta por determinados elementos do passivo das instituições participantes, com dedução de certas responsabilidades incluídas no balanço que não merecem proteção em sede de resolução, como é o caso das responsabilidades perante acionistas e credores subordinados. Existem também responsabilidades que já beneficiam de outras formas de proteção, nomeadamente os depósitos cobertos pela garantia proporcionada pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, que podem, a esse título, ser chamados a comparticipar no financiamento de uma medida de resolução. Por isso não se considera apropriado que sejam cobradas contribuições sobre estes elementos do balanço, embora se entenda que a definição da base de incidência deve ser o mais ampla possível, limitando a possibilidade de arbitragem na captação dos vários tipos de recursos e evitando induzir distorções artificiais na estrutura do balanço das instituições.
A utilização, como referência, da base de incidência para a contribuição sobre o sector bancário, que se encontra estabelecida na Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março, concretiza os princípios enunciados. […]»
Resulta, assim, patente da motivação aduzida pelo legislador nacional nos diplomas que desenvolvem e concretizam o regime da CSB, que daquele duplo propósito originariamente identificado no Relatório do Orçamento de Estado para 2011, é o segundo objetivo enunciado – de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos – aquele que assume preponderância e que influi na estrutura do tributo. Já a referência ao objetivo de reforço do esforço fiscal feito pelo sector financeiro, parece assumir, neste quadro, um relevo subsidiário, na medida em que ao fazer o setor bancário contribuir de forma mais intensa, custeando os encargos que ele próprio gera, reduz-se proporcionalmente a participação dos contribuintes no esforço de consolidação das contas públicas.
Conclui-se do exposto que a CSB tem a natureza de contribuição financeira, na medida em que tem na sua base uma contraprestação de natureza grupal, reunindo as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coativa (ii), cujas receitas são consignadas subjetiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v).
É esta, aliás, a qualificação que tem sido assumida pela jurisprudência arbitral, destacando-se pela profundidade da análise realizada – ainda que com referência particular à CSB aplicável em 2016 – o acórdão de 14 de junho de 2018, proferido no Processo n.º 347/2017-T [cfr., em especial, os n.ºs 77, 79, 82, 85 e 87).
A prevenção, mitigação e contenção dos riscos sistémicos (que podem advir do desequilíbrio financeiro de uma instituição de crédito), assoma como pedra angular do regime, seja com vista a produzir um efeito disciplinador do mercado, na medida em que o maior ou menor valor da contribuição devida depende, pela sua incidência objetiva, da maior ou menor exposição do sujeito passivo ao risco, seja pela criação de um mecanismo de financiamento do sistema de resolução, que resulta num reforço das garantias de intervenção pública, em caso de necessidade, assegurando a estabilidade financeira e contendo o efeito de contágio.
A CSB não pode ser qualificada como imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade; nem como taxa, porque não é contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo – visando, unicamente, contribuir para o financiamento das medidas de resolução a adotar pelo Banco de Portugal, obviando à formação de um risco sistémico no sistema bancário nacional, o que faz mediante consignação das receitas ao Fundo de Resolução que tem por missão custear esta intervenção (cfr. artigo 153.º-C, do RGICSF). Trata-se, sim, de um tertium genus, na medida em que o tributo visa a cobertura de despesas e a satisfação de necessidades especiais do setor bancário, face a situações que, em regra, gerariam custos, oferecendo condições de estabilidade financeira ao setor, de que cada instituição (filial e sucursal) há-de a título singular presumivelmente beneficiar.
O Fundo de Resolução pode, para estes efeitos, disponibilizar apoio financeiro para: subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos criados no âmbito da aplicação de medidas de resolução; garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; adquirir ativos da instituição de crédito objeto de resolução; ou pagar uma indemnização aos acionistas ou aos credores da instituição de crédito objeto de resolução caso seja determinado que os mesmos suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada uma medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada (cfr. artigo 145.º-AA do RGICSF). Ou seja, tal Fundo destina-se quer ao financiamento dos custos inerentes ao serviço público de apoio à aplicação e de execução de medidas de resolução (cfr. artigo 145.º-E do RGICSF), quer à satisfação das finalidades de interesse público que, com tais medidas de resolução, se visam prosseguir (cfr. o disposto no artigo 139.º e no artigo 145.º-D do RGICSF).
Importa ainda sublinhar que a circunstância da receita fiscal da CSB ser paga diretamente ao Estado e só depois transferida por este para o Fundo de Resolução (sendo aí contabilizada como recursos próprios, conforme resulta da leitura do Relatório e Contas dos anos 2014 e 2015) em nada afeta a conclusão que antecede, na medida em que a materialidade da relação subjacente ao tributo em apreço (pressuposto e finalidade) não sai prejudicada por esta configuração regulativa, de índole meramente formal ou de contabilidade orçamental.
A cobertura dos riscos [sistémicos] e as medidas de reação perante o colapso das instituições financeiras têm custos que não podem com justiça ser exigidos da generalidade dos contribuintes, servindo esta contribuição para exigi-los dos presumíveis beneficiários.
Por isso é que a Contribuição Sobre o Sector Bancário opera, à semelhança de um prémio de seguro, e, por essa precisa razão, a sua base de incidência é formada pelo passivo das instituições de crédito, indicador do risco que geram. Existe nisto, em suma, o mesmo fundo comutativo que encontramos em figuras mais recuadas como as contribuições para o Fundo de Garantia de Depósitos ou para o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, criadas ainda nos anos 90 (Cfr Sérgio Vasques, Obra citada, pg. 231).
Posicionando-se igualmente em sentido favorável à aproximação da CSB às contribuições financeiras, pelo menos desde a criação do Fundo de Resolução, distinguem-se Suzana Tavares da Silva (ob. cit., p. 89) e Casalta Nabais e Matilde Lavouras (em “O imposto sobre as transações financeiras”, in Boletim de Ciências Económicas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LVII, Tomo II, 2014, pp. 2493, 2494 e 2495), para quem a configuração deste tributo como contribuição está, aliás, «em consonância com contribuições semelhantes criadas em outros Estados-Membros da União Europeia com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados» (ob. cit., p. 2495).
O tributo em apreciação nos presentes autos revela deste modo e, em suma, uma natureza financeira paracomutativa, enquanto contrapartida das prestações públicas de vocação grupal (medidas de resolução e finalidades globais por estas visadas: salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito intervencionada e estabilidade do sistema financeiro). As medidas de resolução também visam salvaguardar os interesses dos depositantes, mas estes são in limine financeiramente assegurados pelo Fundo de Garantia de Depósitos (cfr. artigo 154.º e ss do RGICSF); são aproveitadas e/ou provocadas, presumivelmente, por cada instituição de crédito (filiais e sucursais) que integram o leque de sujeitos passivos (cfr. artigos 139.º, 145.º-C, 145.º-E, 145.º-AB 153.º-C do RGICSF). A arrecadação de receitas visada pelo tributo surge, deste modo, subordinada à prossecução da finalidade material específica de prevenção e contenção dos riscos sistémicos, daí advindo um benefício concreto imputável a um conjunto diferenciável de destinatários.
Paralelamente é ainda possível encontrar neste tributo um fito extrafiscal, de orientação de comportamentos (ainda que em sentido impróprio, sem total autonomia e como mero efeito lateral, face à natureza comutativa do tributo, como explica Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência…, cit., pp. 584 e 585), na medida em que, ao incidir sobre o passivo e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, o legislador parece ter igualmente pretendido incentivar as instituições de crédito a moderar a adoção adequada e prudente de riscos no endividamento, evitando comportamentos de endividamento excessivo, que estão na base das situações de desequilíbrio financeiro das instituições, com risco de insolvência e riscos sistémicos que a manutenção da estabilidade do sistema financeiro impõe contrariar.
O denominado princípio da equivalência exige que o quantum do tributo seja fixado em função do custo ou valor das prestações públicas sendo que “ (...) a correspondência entre o tributo e a prestação administrativa tanto pode ser aferida em função do custo que o sujeito passivo provoca (princípio da cobertura de custos) como em função do benefício que ele aproveita (princípio do benefício). Por isso, a estrutura desses tributos deve ser concebida de modo a que contribuintes que provoquem custos iguais ou que aproveitem benefícios iguais sejam chamados a pagar tributo igual e que contribuintes que provoquem custos diferentes ou aproveitem benefícios diferentes paguem tributos também diferente (...)” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 344/2019).
Importa, contudo, sublinhar, que a relação de equivalência que se constitui, por esta via, entre a obrigação tributária e a prestação administrativa (provocada ou aproveitada) não tem que traduzir uma rigorosa equivalência económica, sendo suficiente que aquela relação traduza uma equivalência jurídica.
Assim é que se escreveu no Acórdão n.º 344/2019:
«Para efeito de qualificação do tributo como taxa ou contribuição basta que o tributo seja cobrado em função de uma prestação provocada ou aproveitada pelo particular. Trata-se, portanto, de uma equivalência jurídica, que veda diferenciações entre contribuintes alheias ao custo ou benefício a compensar (Acórdãos n.ºs 461/87, 67/90, 640/95, 1108/96; 410/00, 115/02, 320/16).»
Acentua-se, por seu turno, no Acórdão n.º 539/2015, do mesmo Tribunal Constitucional, que, quanto ao caso típico das contribuições financeiras (como é o caso dos autos) – assentes numa bilateralidade geral ou difusa, delimitada por referência a um grupo homogéneo e diferenciável de contribuintes, e não reportadas a cada sujeito passivo singularmente – que a equivalência em causa não é sinalagmática, uma vez que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações difusas que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes. O custo ou benefício é reportado, neste plano, ao grupo em que o sujeito passivo se integra, sendo a contribuição uma compensação devida por prestações de que este é apenas presumido causador ou beneficiário.
Reclama-se, pois, no quadro deste tributo, uma equivalência de grupo (e não uma equivalência individual, como é próprio das taxas), assumindo especial relevo, na apreciação da validade constitucional do tributo, a delimitação operada pelo legislador quanto à base de incidência subjetiva e objetiva.
Assim, no tocante à incidência subjetiva – seguindo-se, neste ponto, as lições de Sérgio Vasques, que lança mão, para o efeito, de três noções trabalhadas pela jurisprudência alemã (em Manual... cit. pp. 311 e 312) –, considera-se que as exigências do princípio da equivalência serão respeitadas sempre que o legislador proceda à identificação e delimitação de um grupo de pessoas (universo de sujeitos passivos), que partilhe interesses e qualidades determinadas (homogeneidade de grupo, Gruppenhomogenität), que tenha especial responsabilidade na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige (responsabilidade de grupo, Gruppenverantwortlichkeit), e ao qual estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns originados pelas prestações financiadas (utilidade ou aproveitamento de grupo, Gruppennützigkeit).
No que se refere à incidência objetiva, esta há-de ser fixada em função dos elementos mais capazes de revelar o custo ou valor das prestações públicas visadas, ficando excluídas diferenciações alheias à compensação que a contribuição visa financiar (como seja o valor do rendimento, património ou consumo do contribuinte) – sem prejuízo da situação particular que se constitui no caso de contribuições orientadas primordialmente à satisfação de finalidades extrafiscais (Cfr, sobre esta hipótese e a derrogação da regra geral enunciada, Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, Coimbra Editora, 2ª Ed.), e Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal p. 293 e O Princípio da Equivalência, pp. 577 e ss).
Do mesmo modo, conforme sublinhado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 344/2019, a equivalência, enquanto expressão do princípio da proporcionalidade, exige que o quantitativo da prestação tributária deva corresponder ao custo ou benefício que se pretende compensar, sendo o tributo inválido se manifestamente excessivo face ao custo ou valor dos bens e serviços prestados ao sujeito passivo. Por isso, “(...)só a provocação de custos comuns e o aproveitamento de benefícios comuns garantem a homogeneidade capaz de legitimar a sobretributação de um qualquer grupo social ou económico no confronto com o todo da coletividade, mostrando-se discriminatória uma contribuição cobrada na sua falta (...)” (Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência ... cit., p. 528).
Analisando a CSB à luz destas considerações, verifica-se que, no plano da incidência subjetiva, a contribuição em apreço incide sobre um grupo delimitado de sujeitos, em termos precisos e homogéneos, que se caracteriza pela sua natureza de instituições de crédito. O tributo atinge, concretamente, todas as instituições de crédito (lato sensu) que integram e operam no sistema bancário nacional, independentemente da sua sede principal e efetiva se situar em território português (recorde-se que, nos termos do artigo 2.º do RJCSB, são sujeitos passivos da CSB não apenas as instituições de crédito com sede em Portugal, mas bem assim as filiais e sucursais de instituições de crédito que não tenham, respetivamente, sede em território português ou na União Europeia). Estas entidades, enquanto prestadoras de serviços financeiros de receção do público de depósitos ou outros fundos reembolsáveis e de concessão de crédito por conta própria, enfrentam, pela sua interconexão, um risco de contágio em caso de colapso financeiro de uma outra instituição de crédito parte do mesmo sistema. As instituições pagam, deste modo, a CSB como forma de se protegerem contra um eventual risco sistémico, na medida em que, na ausência de uma intervenção pública – designadamente do Banco de Portugal, no âmbito do sistema de resolução –, o desequilíbrio financeiro de uma delas poderia induzir o colapso financeiro das restantes instituições que integram o sistema. Trata-se aqui, nas palavras do legislador “de uma mutualização d[o] risco [sistémico]” (Cfr. Decreto-Lei n.º 24/2013).
Confirma-se, nestes termos, o preenchimento das três notas acima enunciadas, que indiciam a equivalência da relação jurídica subjacente ao tributo – um grupo homogéneo de entidades, diferenciável dos contribuintes como um todo; a responsabilidade cumulativa do grupo na estabilidade do sistema financeiro e a utilidade do mesmo grupo, em caso de crise e intervenção da autoridade de resolução.
Pois bem, não resulta qualquer violação do princípio da equivalência como critério do princípio da igualdade tributária, porquanto o que se pretende com a CSB é “aproximar a carga fiscal suportada pelo sector bancário da que onera o resto da economia e de fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de ricos sistémicos” Lei do Orçamento do Estado para 2011, Ponto III, 2.2.3.2.
O thema decidendum central e particularmente crítico já foi tratado por várias decisões do Tribunal Arbitral, nomeadamente pelas decisões 139/2017-T e 437/2017-T, que têm a nossa concordância, e que seguimos de perto.
Em concreto, importa saber se são ou não devidos os valores das autoliquidações de CSB dos anos de 2022 e 2023, assinaladas em B. e C., dos factos provados.
Vejamos:
A CSB foi criada pela LOE para 2011 e, com a LOE para 2016 (Lei 7-A/2016), foi alargada a sua incidência pessoal, também, às sucursais de instituições de crédito não residentes, ou seja, com sede noutros Estados, nomeadamente, em Estados membros da União Europeia. A LOE para 2016 entrou em vigor em março de 2016.
A base de incidência real da CSB vem a ser a matéria coletável determinada pelos saldos médios dos passivos das instituições de crédito (sujeitos passivos) apurados pela contabilidade, com referência a todos os meses do ano. Por sua vez, estes saldos médios só podem ser determinados com exatidão após a aprovação de contas, pois até lá, podem ser efetuados ajustamentos ou correções, determinados pelas auditorias de contas e por consequente deliberação social.
A Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de junho, dispõe o seguinte:
“A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprova a Lei do Orçamento do Estado para 2016, procedeu à alteração do regime da contribuição sobre o setor bancário, designadamente ao âmbito das incidências subjetiva e objetiva, bem como ao intervalo das taxas aplicáveis à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º daquele regime, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011).
Em consequência, deve ser alterada a Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, que regulamenta a referida contribuição, bem como a declaração de modelo oficial n.º 26, através da qual os sujeitos passivos efetuam a correspondente liquidação da contribuição. Foi ouvido o Banco de Portugal.
Assim:
Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, ao abrigo do disposto no artigo 8.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o seguinte: Artigo 1.º Alteração à Portaria n.º 121/2011, de 30 de março: Os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pelas Portarias nºs 77/2012, de 26 de março, 64/2014, de 12 de março, e 176-A/2015, de 12 de junho, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
1 - [...]
a) [...]
b) [...]
c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas w), u) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
Artigo 3.º
[...]
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de junho;
Artigo 5.º
[...]
1 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º é de 0,110 % sobre o valor apurado.».
A entrada em vigor da Diretiva 2014/59/UE e da Lei nº 23-A/2015, que fez a sua transposição para o ordenamento jurídico nacional, não implicaram, expressa ou tacitamente, alterações ao Regime da CSB.
O Tribunal Constitucional entendeu, por outro lado, que não se verificava a violação do princípio da equivalência, tanto enquanto expressão do princípio da igualdade como do princípio da proporcionalidade (cfr Acórdãos nºs 268/2021 e 86/2022), considerando que o valor a pagar a título da CSB varia, para cada sujeito passivo, em função dos riscos sistémicos provocados pela sua atuação, sendo a taxa a pagar por cada instituição de crédito diretamente proporcional à intensidade do risco sistémico que as suas opções de endividamento podem presumivelmente provocar em contraponto com os benefícios que simetricamente podem obter essas instituições de crédito.
Sufraga-se este entendimento.
O A..., ora Requerente, preenche notoriamente os requisitos de incidência subjetiva da CSB, como parte integrante do Setor Bancário - portanto, sujeito ao designado “risco sistémico” - e, consequentemente, numa situação de crise e reunidas as condições para o efeito, beneficiará da referida mutualização do risco, sem que se revele desproporcional a contribuição para a mesma (mutualização).
E, quanto à incidência objetiva, o princípio da equivalência (como expressão do princípio da proporcionalidade) também é respeitado uma vez que a base de apuramento da contribuição corresponde ao valor do passivo apurado, apresentando uma relação direta com a intensidade do risco sistémico que pode presumivelmente provocar.
Realce-se ainda que, mesmo que se tratasse de entidade não passível de resolução pelo Banco de Portugal (por exemplo, uma sucursal UE e, portanto, abrangida por medidas de resolução do país da UE em que se situa a sua sede), sempre continuaria a ser considerada como beneficiária presumível de prestações futuras em que as receitas apuradas com o tributo (CSB) são aplicadas e, dalgum modo, também considerada presumível causadora (numa responsabilidade grupal), da necessidade de utilização efetiva dessas receitas para os fins a que destinam, ou seja e designadamente, para a preservação da estabilidade do sistema financeiro
Do exposto resulta a conclusão de que as autoliquidações de CSB impugnadas não padecem de vício de violação de lei decorrente das alegadas inconstitucionalidades/ilegalidades e o sobredito ato de indeferimento da reclamação graciosa não merece censura e deve ser mantido na ordem jurídica.
Juros indemnizatórios
Naturalmente que improcedendo totalmente o pedido de anulação das liquidações de CSB, fica prejudicada apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado, atenta a sua intrínseca dependência do pedido principal.
V DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os árbitros neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente,
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Manter na ordem jurídica os atos de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2024... e as autoliquidações de CSB do ano de 2022, no montante de €93.927,58 e do ano de 2023, no montante de €157.556,24, identificadas nestes autos e na sobredita reclamação graciosa;
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Julgar prejudicada a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios e
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Condenar o Banco Requerente no pagamento das custas do processo.
Valor do Processo
Tendo em conta o disposto no art.º 3º, n.º 2, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e também o que se dispõe no art.º 306º, nº 2, do Código do Processo Civil e também o nº 1, alínea a), do art.º 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fixa-se o valor do processo em € 251.483,82.
Custas
Em conformidade com o nº 2 do art.º 22º do RJAT, fixa-se o montante da taxa arbitral em €4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pelo Requerente nos termos da condenação supra.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público.
Lisboa, 2 de maio de 2025
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
Rui Miguel Zeferino Ferreira
Sofia Ricardo Borges
([1]) O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras foi publicado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, com alterações em diplomas posteriores.
([2]) Estas conclusões foram sufragadas pelos Acórdãos 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024 e 338/2024, todos do Tribunal Constitucional.
[3] Criado pelo artigo 18º da Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho, com o objetivo de “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.