SUMÁRIO:
As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB), contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. José Nunes Barata e Dra. Sílvia Oliveira (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em
24-06-2024, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., CRL, titular do NIPC..., com sede no ..., n.º ..., ...-... ..., e outras ... adiante designadas em conjunto como ‘Requerentes’, tendo sido notificadas, a 11-01-2024, do Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., contra os atos de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (adiante ‘ASSB’), aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, Lei do Orçamento do Estado Suplementar para 2020 (adiante ‘LOE Suplementar 2020’), por referência ao ano de 2021, em coligação e cumulação, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (adiante ‘RJAT’), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do RJAT, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de nulidade ou, caso assim não se entenda, e sem conceder, a anulação dos seguintes atos:
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Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., da autoria do Diretor de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (adiante ‘UGC’), notificada através do ofício n.º ...-DJT/2024, com data de 11- 01-2024.
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Atos de autoliquidação do ASSB, por referência ao ano de 2021, nos quais foi indevidamente liquidado e pago ASSB no montante total de € 677.494,40.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
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As Requerentes:
1. A..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
2. B..., CRL ... Rua ...;
3. C..., CRL ... Avenida ...;
4. D..., CRL ... Rua ...;
5. E..., CRL ... ...;
6. F..., CRL ... Largo ...;
7. G..., CRL ... Rua ..., n.º...;
8. H..., CRL ... Rua...;
9. I..., CRL ... ...;
10. J..., CRL ... ..., n.ºs ...-..., ...-... ...;
11. K..., CRL ... Avenida...;
12. L..., CRL ... Rua ...;
13. M..., CRL ... Rua...;
14. N..., CRL ... ..., n.º ...;
15. O..., CRL ... Rua..., n.º...;
16. P..., CRL ... ..., ...-... ...;
17. Q..., CRL ... ..., ...-... ...;
18. R..., CRL... ..., n.º ..., ...-... ...;
19. S..., CRL ... ..., n.º..., ...-... ...;
20. T..., CRL ... Rua..., n.º ... ...;
21. U..., CRL... Rua ..., n.º ..., ... ...;
22. V..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...;
23. W..., CRL... Rua ..., n.º ..., ... ...;
24. X..., CRL ... Avenida D ..., n.º..., ... ...;
25. Y..., CRL... Rua ..., n.º..., ...-... ...;
26. Z..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
27. AA..., CRL...Rua ..., ...-... ...;
28. BB..., CRL ... Rua ..., n.º..., ...- Em nome próprio e em representação da ..., CRL, titular do NIPC / NIF...;
29. CC..., CRL ... Avenida ..., n.º ..., ... -... ...;
30. DD..., CRL ... ..., n.ºs ... e ..., ...-... ...;
31. EE..., CRL ... ..., n.º..., ...-... ...;
32. FF..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
33. GG..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...;
34. HH..., CRL ... ..., ...-... ...;
35. II..., CRL ... Rua ..., n.º..., ...-... ...;
36. JJ..., CRL ... ..., ... -... ...;
37. KK..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...;
LL..., CRL ... Rua ..., n.ºs ..., ... e..., ...-... ...;
38. MM..., CRL ... Rua ..., nº ..., ...-... ...;
39. NN..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
40. OO..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...;
41. PP..., CRL (2) ... ..., ...-... ... - Em nome próprio e em representação da CCAM das..., CRL, titular do NIPC / NIF...;
42. QQ..., CRL ... ..., n.º..., ...-... ...;
43. RR..., ..., CRL ... ..., n.º..., ...–... ...;
44. SS..., CRL ... Rua ..., ...-... ...;
45. TT..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
46. UU..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...;
47. VV..., CRL ... Avenida ..., n.º..., ...-... ...;
48. WW..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...;
49. XX..., CRL ... ..., n.ºs ...-..., ...-... ...;
50. YY..., CRL ... Rua ..., n.ºs ... e..., ...-... ...;
51. ZZ..., CRL ... Rua ..., ...-... ...;
52. AAA..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
53. BBB..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...;
54. CCC..., CRL (3) ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...- Em nome próprio e em representação da CCAM de ..., CRL, titular do NIPC / NIF...;
55. DDD..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ...;
56. EEE..., CRL ... Rua ..., n.º ..., ...-... ...;
57. FFF..., CRL ... Rua ..., ...-... ...;
58. GGG..., CRL ... ..., ...-... ...;
59. HHH..., CRL ... Rua ..., ..., ...-... ...;
60. III..., CRL (4) ... ..., n.ºs ... e ... ... ...- Em nome próprio e em representação da ..., CRL, titular do NIPC / NIF...;
61. JJJ..., CRL... ..., n.º ..., ...-...;
62. KKK..., CRL ... ..., n.º ..., ...-... ... .
O Pedido é apresentado em coligação de autores e cumulação de pedidos, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT (cfr. doc. n.º 1, em anexo junto com o PPA).
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Do pedido
As Requerentes peticionam a final que o tribunal:
“Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. Entenda por aplicáveis, requer-se a V. Exa. a constituição de Tribunal Arbitral, pedindo-se a esse Douto Tribunal que julgue o presente Pedido de Pronúncia Arbitral procedente, por provado, determinando-se, em consequência, a ilegalidade do ASSB e respetivo regime, bem como proceda à anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023..., e, em conformidade, ser ordenada:
a) A declaração de nulidade dos atos de autoliquidação do ASSB em crise, por referência ao ano de 2021, no montante total de €677.494,40;
b) Ou, caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder, a anulação dos atos de autoliquidação do ASSB em crise, por referência ao ano de 2021, no montante total de €677.494,40; e
c) A condenação da Autoridade Tributária no reembolso do ASSB indevidamente pago pelas Requerentes, no montante total de €677.494,40, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento da quantia até efetivo reembolso, calculados à taxa legal em vigor, tudo com as demais consequências legais.”
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Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral entregue no dia 09-04-2024 foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 11-04-2024 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 03-06-2024, como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas nessa data dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 24-06-2024 e, na mesma data, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta no prazo de 30 dias.
Em 12-09-2024, a Requerida apresentou a Resposta e juntou o Processo Administrativo,
Por despacho de 13-09-2024, notificado às Partes em 16-09-2024 o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
A 03-10-2024 as Requerentes apresentaram as suas alegações escritas.
Em 08-10-2024 a Requerida apresentou as suas alegações finais.
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Saneamento
O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A coligação as Requerentes é admissível porquanto a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, em conformidade com o previsto no artigo 3º, nº 1 do RJAT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A coligação das Requerentes é admissível porquanto a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.
Não foram suscitadas quaisquer exceções de que cumpra conhecer.
O processo não enferma de nulidades.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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As Requerentes são instituições de crédito, com sede principal e administração efetiva em Portugal, segundo a alínea c) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (adiante ‘RGICSF’), e nos termos do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola (adiante ‘RJCAM’).
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Nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do RJCAM, “O sistema integrado do crédito agrícola mútuo é o conjunto formado pela Caixa Central e pelas caixas agrícolas suas associadas”.
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Até ao dia 15-12-2021, as Requerentes procederam à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2021, através da submissão das Declarações Modelo 57; (cfr. doc. 3, junto com o PPA).
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As referidas autoliquidações do ASSB no ano de 2021 ascenderam a um montante total de € 677.494,40, conforme detalhe anexado pelas Requerentes; (cfr. doc. 8, junto com o PPA).
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Foram emitidas as respetivas notas de cobrança; (cfr. doc. 9, junto com o PPA).
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As Requerentes procederam ao pagamento da totalidade dos montantes autoliquidados em 10-12-2021; (cfr. doc. 10, junto com o PPA).
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As Requerentes integram o grupo de contribuintes considerados como contribuintes de elevada relevância económica e fiscal, cujo acompanhamento permanente e a gestão tributária se encontram atribuídos à Unidade de Grandes Contribuintes (UGC).
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As Requerentes apresentaram, em 04-12-2023, Reclamação Graciosa relativa, registada em 05-12-2023, à qual foi atribuído o n.º ...2023..., relativa aos atos de liquidação de ASSB identificados, no montante de € 677.494,40, peticionando a sua integral anulação com fundamento em vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade; (cfr. doc. 4, junto com o PPA).
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A UGC tendo apreciado os argumentos invocados pelas Requerentes, elaborou projeto de decisão de indeferimento, consubstanciado na Informação nº 305-AIR3/2023, tendo a mesma sido notificada às Requerentes, por correio registado de 07-12-2023, bem como para exercerem o seu direito de participação na decisão, faculdade que vieram a exercer através de requerimento apresentado via correio registado de 22-12-2023; (cfr. doc. 2, junto com o PPA).
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A UGC, tendo analisado a fundamentação apresentada no direito de audição exercido pela Requerentes, veio a indeferir a Reclamação Graciosa por Despacho do Diretor de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (adiante ‘UGC’), de 29-12-2023, notificado através do Ofício n.º ...-DJT/202, de 11-01-2024; (cf. doc. 2, junto com o PPA), com base nos seguintes fundamentos, que constam da Informação nº 349-AIR3/2023:
“16. (…) a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.
17. Com efeito, a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesma ferida de legalidade institucional.
(…) 22. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 280.º da CRP.
(…) 26. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, nenhuma decisão nossa sobre o mérito do presente pedido poderá ser proferida sob pena de nulidade.
27. Deste modo, não obstante, possuirmos uma opinião vincada nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses das Reclamantes, pecará sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas.
28. Nestes termos, deverá ser assim rejeitada a pretensão formulada.”
3.2. Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados. Não tem de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, conforme previsto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Os factos considerados provados resultaram da análise da prova documental apresentada pelas Requerentes e pela Requerida (Processo Administrativo), a qual foi avaliada pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, tendo em conta a ausência de contestação especificada pelas partes. Este procedimento está conforme o artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
4. Questão decidenda
A questão a controvertida a decidir nos presentes autos consiste em determinar se as normas conjugadas dos artigos 1º, n.º 2, 2.º e 3.º, nº 1, alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade contributiva.
4.1. Da natureza jurídica do ASSB
As Requerentes alegam, nomeadamente o seguinte:
“Importa começar por determinar que tipo de tributo constitui o ASSB, uma vez que os vícios que podem ser atribuídos a determinado tributo dependem da respetiva qualificação jurídico-tributária.
Recorde-se que a qualificação de certa prestação como um tributo resulta do respetivo regime jurídico, sendo irrelevante a designação (nomen juris) atribuída pelo legislador, que não vincula o intérprete.
Assim, apesar de denominado ‘adicional’, pode desde logo afirmar-se que o ASSB constitui um tributo totalmente autónomo, não sendo um adicional de qualquer tributo principal.
Com efeito, se o legislador pretendesse apresentar o ASSB como um verdadeiro adicional, assumindo-se que seria um adicional da Contribuição sobre o Setor Bancário (adiante ‘CSB’), então seria indispensável que o próprio regime que o criou tivesse com a CSB algum grau de coincidência, nomeadamente no que respeita aos objetivos que presidiram à criação do CSB, o que inequivocamente não sucede.
Sucede que, o ASSB, apesar de ter uma estrutura de incidência (subjetiva e objetiva) semelhante à da CSB, não incide (como devem incidir os adicionais…) sobre a coleta da CSB enquanto imposto principal…
(...)
Pelo que, o ASSB consiste num tributo totalmente autónomo da CSB.
Tratando-se de um tributo autónomo da CSB, o ASSB constitui um imposto especial sobre o setor bancário.
(...)
Tendo em consideração tudo o acima exposto, e como já mencionado, deve o ASSB ser qualificado como verdadeiro imposto especial sobre o setor bancário, constituindo um tributo completamente autónomo e não se tratando de um adicional de qualquer tributo principal, como seja a CSB. (...)”.
Vejamos.
O ASSB foi criado pelo artigo 18.º da Lei nº 27-A/2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei nº 2/2020 de 31 março), constando o seu regime jurídico do Anexo VI a essa Lei.
O objetivo prosseguido com a sua criação foi o de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável a generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores (artigo 1.º, n.º 2): “tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
O artigo 9.º dispõe que a receita do ASSB “constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
O n.º 1 do artigo 2.º, quanto à incidência subjetiva, afirma que são sujeitos passivos do ASSB:
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As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;
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As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português;
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As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
O artigo 3.º, relativo à incidência objetiva determina que o ASSB incide sobre:
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O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
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O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
Quanto à quantificação da base de incidência do ASSB, o artigo 4.º dispõe no n.º 4 que a “base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte”.
O artigo 6.º, n.º 1, relativo à liquidação do ASSB dispõe que a “liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao último dia do mês de junho do ano seguinte ao das contas a que respeita o adicional, independentemente de esse dia ser útil ou não útil, por transmissão eletrónica de dados”.
O do artigo 7.º, n.º 1, dispõe que o ASSB devido é pago até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração referida no artigo 6.º – ou seja, até ao último dia do mês de junho do ano seguinte ao das contas a que respeita o ASSB.
O artigo 7.º, n.º 3 determina que são aplicáveis as regras previstas na LGT e no CPPT, designadamente em matéria de fiscalização e de recurso aos meios processuais tributários, e o artigo 8.º afirma que à liquidação, cobrança e pagamento do adicional aplica-se subsidiariamente o disposto na LGT e no CPPT.
A norma transitória constante do artigo 21.º determina:
“1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta no anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:
a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3º e 4º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco Portugal sobre os elementos prestação de contas:
b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças que deve ser enviada até o dia 15 dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;”
Entendemos que o ASSB é um imposto, tal como decidido no Acórdão do TC 149/2024, de 27-02-2024.
De referir que o artigo 3.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) dispõe:
“os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”.
A qualificação jurídica do tributo objeto da presente impugnação, no processo arbitral, reveste-se de relevância imediata para efeitos de determinação da competência material.
Com efeito, a submissão da Administração Tributária à jurisdição arbitral encontra-se circunscrita à matéria respeitante a “impostos”, conforme expressamente previsto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Além dos tipos de tributos tradicionais (impostos e taxas), o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), constitucionalizou, como categoria de tributos autónoma, as contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Conforme o disposto no artigo 3.º da LGT, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» e «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos”.
Não sendo designado com contribuição financeira e sendo o ASSB um imposto não há qualquer dúvida sobre a inclusão dos litígios que o têm por objeto no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definidas no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Considerando que o ASSB é qualificado como um imposto especial sobre o setor bancário, as questões de inconstitucionalidade do referido tributo, suscitadas pela Requerente, devem ser analisadas à luz dessa natureza jurídica.
4.2. Inconstitucionalidades
As Requerentes alegam que o regime que cria o ASSB padece das seguintes ilegalidades e inconstitucionalidades materiais:
a) Violação do Princípio Constitucional da Igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, nas suas vertentes de generalidade e universalidade dos impostos e de proibição do arbítrio;
As Requerentes no PPA defendem que o regime do ASSB viola o Princípio Constitucional da igualdade e afirmam:
“Uma lei dotada da característica formal de generalidade pode ser tão profundamente inigualitária – desde que trate indiferenciadamente situações e pessoas cuja extrema desigualdade fáctica exigiria as correspondentes diferenciações de tratamento – quanto uma lei individual e concreta pode ser uma verdadeira exigência da igualdade, desde que a situação e a pessoa em causa sejam tão particulares e especiais que exijam um tratamento correspondente individualizante”.
É sabido que (qualquer norma, mas também) os impostos, em particular, devem obedecer ao Princípio da Igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, lidas em consonância com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição nas suas vertentes de generalidade e universalidade (maxime, proibição de discriminação) e de proibição do arbítrio, consubstanciando uma igualdade perante a Lei e igualdade perante a política de criação legislativa.
Isto porque, a formulação da igualdade garante que o processo de formação da vontade política e a criação de benefícios ou imposição de sacrifícios por Parte do Estado respeita a dignidade de todas as pessoas que respondem perante o Estado Português, sejam elas pessoas singulares ou, como no presente caso, coletivas.
As ora Requerentes, sendo instituições bancárias, deverão ser tratadas pelo Estado com a mesma consideração e respeito que são devidas às demais empresas em Portugal e no espaço da União Europeia.
E não se confunda igualdade na consideração com ‘soluções’ semelhantes ou imposição do mesmo tratamento, não é esse o último sentido normativo do comando constitucional, mas antes a segurança de ser tratado como igual e, nesse sentido, com justiça, como decorre do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição.
Na medida em que o ASSB é aplicável a um setor específico e determinado – o setor bancário –, encontramos, desde logo, uma especificação sectorial contrária aos corolários de generalidade e universalidade, o que em si já representa um tratamento discriminatório, devendo verificar-se se existe uma justificação atendível para essa discriminação.
Ou seja, e nesse sentido, será sempre necessário, apurar se existe alguma justificação para que se tenha escolhido e isolado este sector passando a onerá-lo adicionalmente.
Se existe, a mesma nunca foi dada pelo legislador, pelo Governo ou pela AT, pelo que: ou não existe justificação para a discriminação que assim se conforma, ou a mesma não foi tornada pública não podendo, por isso, correr contra os particulares.
Recorde-se, para esse efeito, que medidas baseadas em atributos sobre os quais as pessoas (singulares ou coletivas) não têm qualquer possibilidade de controlo ou opções individuais sobre planos de atividade que as empresas são livres de formar (como seja o seu setor de atividade legalmente previsto) atentam contra a igual dignidade das pessoas e, enquanto tal, são ilegítimas à luz da Constituição do Estado de Direito.
De seguida, esta discriminação sectorial foi utilizada para criar o ASSB.
Veja-se que, também nesse caso, a medida de criação do tributo resultante da discriminação não foi acompanhada de qualquer fundamentação atendível para efeitos de criação de ‘impostos’, concluindo-se, portanto pela arbitrariedade do agravamento colocado sobre o discriminado sector bancário.
Será, por isso, importante ressalvar que o Princípio da Igualdade excluí as diferenciações não racionalmente compreensíveis ou que, sendo compreensíveis, são, evidentemente, inadmissíveis no Estado de Direito.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Regime do ASSB, este «tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social» e serve como forma de compensação pela isenção de IVA «aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores» (cit.).
No entanto, nenhuma destas alegadas justificações pode colher!
Em primeiro lugar, porque as isenções que vigoram para determinados serviços e operações financeiras são expressamente consentidas, e mesmo impostas, por Diretiva europeia – Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (‘Diretiva IVA’).
Da mesma forma que vigoram isenções de IVA para a generalidade dos serviços e operações financeiras, também vigoram isenções de IVA para os serviços e operações levados a cabo pelos setores da saúde, do ensino, dos seguros, entre outros.
Sendo que, nesses casos, tais isenções vigoram sem que lhes tenha sido imposta qualquer exigência de compensação pela despesa fiscal associada.
Acresce que, não se configura qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de IVA aplicáveis a serviços e operações financeiras e a parcela da receita que se encontra afeta ao FEFSS.
Aliás, a despesa fiscal associada à isenção de IVA que vigora para serviços e operações financeiras está intimamente relacionada com a respetiva sujeição a Imposto do Selo.
Pelo que, não pode o legislador fundamentar a criação do ASSB como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, uma vez que o Imposto do Selo cumpre já essa função.
Neste mesmo sentido, também a Provedora de Justiça se pronunciou na sua Recomendação:
«Por ser assim, o RJASSB mais não faz do que onerar, específica e unicamente, entidades do setor bancário com vista à arrecadação de receitas gerais do Estado, sem que o fundamento e o limite de tal cobrança sejam aferidos com base na respetiva capacidade de gastar, nomeadamente em comparação com os demais contribuintes, potenciais sujeitos passivos do imposto.
A conclusão anterior não é contrariada pelo facto de o ASSB ser apresentado como uma forma de compensação pela isenção, alegadamente vantajosa, de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) […].
Na verdade, esta ideia não é rigorosa e leva a soluções pouco compreensíveis à luz do princípio da capacidade contributiva. Primeiro, porque a isenção de IVA que incide sobre o setor bancário – justificada por razões de ordem técnica e imposta por Diretiva europeia – é uma “isenção simples” ou “incompleta” e, como tal, não se traduz numa verdadeira vantagem, na medida em que o sujeito passivo, não liquidando o IVA imposto sobre a operação isenta, não consegue deduzir o imposto em que incorrera nas aquisições destinadas à sua realização, acabando por suportar o chamado “IVA implícito”. Segundo, porque, em todo o caso, o sistema jurídico não esqueceu a tributação das operações bancárias isentas de IVA, tendo submetido as mesmas a Imposto do Selo. Terceiro, porque em situação idêntica ao setor bancário estão outros setores de atividades que, contudo, foram colocados à margem do ASSB, sem que se compreenda a razão da diferença do tratamento estabelecido.»
Não pode igualmente o legislador considerar justificação válida a criação do ASSB como meio de aproximação da carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores, pelos motivos já mencionados.
(...)
Do regime que consagra o ASSB resulta precisamente uma ausência de tal ‘justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis’ para as diferenças de tratamento do setor bancário, face aos restantes setores cujos serviços e operações se encontram igualmente isentos.
(...)
Pelos motivos referidos, pode-se concluir que o artigo 2.º do Anexo VI à LOE Suplementar 2020 é inconstitucional por violação dos imperativos e limites traçados pelo Princípio Constitucional da Igualdade, nas suas vertentes de generalidade e universalidade dos impostos e de proibição do arbítrio, ao onerar desigual e injustificadamente determinados contribuintes em detrimento de outros e por essa discriminação ser completamente arbitrária.”
A Requerida defende o seguinte:
“Pese embora não encontre previsão expressa na Constituição da República Portuguesa de 1976 (CRP), o princípio da igualdade fiscal ou tributária está implicitamente consagrado na lei constitucional, sendo considerado uma particularização ou expressão específica do princípio geral da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP (cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 289, e Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, p. 154), que reza o seguinte:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (negrito nosso).
Corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 337), o princípio geral da igualdade assume uma relevância central na ordem jurídico-constitucional portuguesa, sendo erigido a
“(…) um dos principais eixos estruturantes do regime constitucional dos direitos fundamentais – um princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional da República Portuguesa” (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 526/2016, de 4 de outubro; cf. também J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., p. 336).
E, como tal, o princípio constitucional da igualdade
“(…) vincula diretamente todos os poderes públicos – particularmente o legislador –, que estão assim obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade” (acórdão n.º 526/2016, de 4 de outubro).
Inicialmente aflorado, na sua dimensão básica, como «igualdade perante a lei» (igualdade formal), o alcance da proteção constitucional do princípio da igualdade é atualmente mais alargado, uma vez que exige uma «igualdade na lei» (igualdade material), assente num pressuposto de diferenciações (cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pp. 426-428).
(...)
Salvo o devido respeito, a Requerida considera ser inequívoco – e, até mesmo, facilmente compreensível – que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta, tal como a seguir se demonstrará, num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado.
Pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito.
Antes pelo contrário!
No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.
Sendo isso o que, claramente, resulta da norma do n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que aprovou o regime do ASSB,
(...)
Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário.
(...)
A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.
Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável.
O que, tal como visto acima, não sucede no caso sub judice.
Sendo, portanto, evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objetivo, racional e razoável.
Não havendo, por isso, razões para concluir que o legislador possa ter extravasado os limites da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa.
Pelo que deve o presente ppa ser julgado totalmente improcedente, por se entender que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, em qualquer uma das suas dimensões, designadamente, proibição de arbítrio, criação de impostos desproporcionais e não genérico, nem qualquer outro princípio constitucional.”
b) Violação do Princípio da Capacidade Contributiva, previsto nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição, enquanto decorrência do Princípio da Igualdade Tributária;
Relativamente à violação do Princípio da Capacidade Contributiva defendem as Requerentes:
“Tratando-se o ASSB de um imposto, essencialmente com finalidades fiscais ou creditícias, o mesmo encontra-se sujeito e ao abrigo do Princípio da Capacidade Contributiva, enquanto corolário do Princípio da Igualdade Tributária, com previsão nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição.
Ora, de modo a obedecer ao Princípio da Capacidade Contributiva, o imposto em causa deve recair sobre um de três elementos; a saber: (i) rendimento; (ii) consumo; e/ou (iii) património – cf. n.º 1 do artigo 4.º da LGT.
Ora, no caso do ASSB, o valor a pagar incide sobre o «passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos» e o «valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos» (cit.) – cf. artigo 2.º do Anexo VI à LOE Suplementar 2020.
Tratando-se o passivo de apenas uma das várias componentes do balanço, não pode, por si só, servir de parâmetro de aferição e mensuração da situação económico-financeira dos sujeitos passivos.
Por esse motivo, o fundamento e o limite da cobrança do ASSB não são, de modo algum, aferidos com base na respetiva capacidade contributiva dos sujeitos passivos.
Na verdade, relativamente ao ASSB, constata-se que:
Não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço, e fora dele;
Não se verifica também, em momento algum, a oneração de atos de despesa, não estando em causa uma modalidade de tributação do consumo; e
Não está também em causa uma modalidade de tributação pelo património, ainda que se possa dizer que os elementos do passivo objeto de tributação por via do ASSB integram o balanço dos sujeitos passivos.
Assim, o ASSB não se mostra adequado a qualquer um dos elementos reveladores de capacidade contributiva que, em qualquer imposto, acabam por ser onerados.
Sendo que o respetivo regime jurídico acaba por, em consequência, negligenciar e desconsiderar os critérios indicadores de capacidade contributiva e, ao invés, onerar unicamente entidades do setor bancário com vista à arrecadação de receitas gerais do Estado.
Visto de outra perspetiva, o regime que consagra o ASSB é igualmente inconstitucional na medida em que não permite uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, constitucionalmente exigida pelo n.º 1 do artigo 103.º da Constituição.
Nessa medida, porquanto não evidencia qualquer tipo de vinculação a critérios reveladores de capacidade contributiva, o regime que cria o ASSB, mormente as normas conjugadas do n.º 1 do artigo 1.º, do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, todos do Anexo VI à LOE Suplementar 2020, padecem de vício de inconstitucionalidade, por violação do Princípio da Capacidade Contributiva enquanto decorrência do Princípio da Igualdade Tributária.”
Por seu lado a Requerida alega, nomeadamente o seguinte:
“No que respeita à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, em suma, aventa o Requerente que o ASSB viola igualmente o princípio da capacidade contributiva, porquanto os elementos objetivos da sua incidência não têm relação com nenhum dos indicadores demonstrativos dessa mesma capacidade - rendimento, consumo ou património.
Sendo por isso, desconforme com o princípio constitucional da igualdade tributária, na vertente da capacidade contributiva, entendimento que a Requerida, com o devido respeito, e salvo melhor opinião, não pode sufragar.
A capacidade contributiva concretiza, de facto, o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente da uniformidade, pressupondo que todos paguem impostos segundo o mesmo critério, objetivando uma justa repartição dos encargos de acordo com a capacidade real e efetiva de cada um.
(...)
Por tudo quanto se expôs, deve o presente ppa ser julgado totalmente improcedente, por se entender, também nesta senda, que o art.º 2 do anexo VI a que se refere o art.º 18.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem qualquer outro princípio constitucional.”
c) Violação do Princípio da Proporcionalidade Legislativa, previsto no n.º 2 do artigo 18.º e no n.º 4 do artigo 104.º, ambos da Constituição, na sua dimensão de proibição do excesso.
As Requerentes alegam que o regime jurídico do ASSB viola o Princípio da Proporcionalidade Legislativa:
“Várias são as formas de parametrizar o princípio da proporcionalidade, a mesma pode ser fiscalizada no sentido de que apenas existem 3 subprincípios:
A adequação ou idoneidade: os meios devem corresponder aos fins visados;
A necessidade: devem utilizar-se os meios menos restritivos para atingir os fins;
Proporcionalidade em sentido estrito: ponderação entre os bens ou interesses em colisão.
No nosso caso, seja qual for o teste escolhido para a fiscalização do cumprimento dos limites emanados do Princípio da proporcionalidade (latu sensu), o facto é que as medidas em análise falham todos esses elementos.
Em primeiro lugar, a verificação do cumprimento dos limites traçados pela proporcionalidade parte sempre de um requisito preliminar: os fins do ato e norma sob controlo e os meios utilizados para consagrar a regra não podem ser ilegítimos.
4.3. Apreciação
Como decorre do artigo 124.º do CPPT, quando estabelece uma ordem de conhecimento de vícios, julgado procedente um vício que assegure a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
As Requerentes alegam, em síntese, que o regime que cria o ASSB padece de ilegalidades e de inconstitucionalidades materiais, consubstanciadas na violação do Princípio Constitucional da Igualdade, na violação do Princípio da Capacidade Contributiva e na violação do Princípio da Proporcionalidade Legislativa.
Sendo alegadas inconstitucionalidades impõe-se começar por estas pois, em conformidade com o artigo 204.º da CRP “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
As questões da violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva foram objeto de várias decisões do Tribunal Constitucional, sendo uniforme a jurisprudência no sentido da violação daqueles princípios, como pode ver-se, por exemplo pelos acórdãos n.ºs 469/2024, 529/2024, 592/2024 e 737/2024.
No acórdão n.º 469/2024, de 19-06-2024, o TC pronunciou-se em termos de que “a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”, concluindo “Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência da igualdade tributária.”, e decidiu:
“a) julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, decorrente do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa;
“b) julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária;”
O presente Tribunal Arbitral não pode deixar de corroborar este entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional, que vem sendo reiterada nas suas mais recentes decisões sumárias, proferidas nos Processos, entre outros: n.ºs 436/2024, 458/2024, 460/2024, 494/2024, 549/2024, 551/2024, 618/2024 e 625/2024, 688/2024, 694/024, 714/2024, e 1/2025; 19/2025, 188/2025, 192/2025, 255/2025, 257/2025, 258/2025.
No presente contexto, considerando que o Tribunal Constitucional é o órgão jurisdicional máximo em questões de inconstitucionalidade adere-se a esta jurisprudência, tomando como referência, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 192/2025, em que se escreveu, no que aqui releva, o seguinte:
(...) 12. Concluindo-se, portanto, que o ASSB é um imposto, haverá que determinar se o regime a que o mesmo se encontra sujeito importa a violação do princípio da igualdade tributária e ou do princípio da capacidade contributiva, extraíveis, o primeiro, do artigo 13.º da Constituição, e, o segundo, ainda do artigo 104.º da Lei Fundamental.
Como se retira da jurisprudência constitucional, se o princípio da igualdade tributária, enquanto refração do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), se impõe ao legislador como uma proibição de «fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria» (Acórdão n.º 344/2019), o princípio da capacidade contributiva fornece o critério tendente a assegurar a igualdade tributária, funcionando, no domínio dos impostos, como o tertium comparationis que há de servir de base à repartição. Neste sentido, «o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical)» (Acórdão n.º 197/2013).
[…]”.
Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.»
15. Pese embora os argumentos de sentido contrário apresentados tanto pela AT como pelo Ministério Público, não parece existirem razões para divergir deste entendimento.
A criação de um imposto sectorial, destinado a onerar determinado universo de contribuintes com o encargo de contribuir adicionalmente, via receita geral do Estado, para as necessidades de financiamento da Segurança Social representa, prima facie, uma discriminação negativa dos sujeitos visados pelo tributo, efeito este que, como acima se viu, é vedado pelo princípio da igualdade tributária, na vertente da proibição do arbítrio, se e na medida em que não disponha de um fundamento racional suficiente (v. os Acórdãos n.ºs 306/2010 e 695/2014).
Ora, como concluiu o Acórdão n.º 494/2024, o simples facto de os serviços e operações financeiras sujeitos ao ASSB gozarem de isenção de IVA e de o referido imposto ser apresentado como forma de compensar essa isenção não afasta, ao contrário do que defende o Ministério Público, a violação do princípio da igualdade tributária. Para que tal violação pudesse excluir-se era necessário que entre aquela sujeição e esta isenção existisse uma relação em que pudesse ancorar-se ou a que pudesse reconduzir-se o critério distintivo subjacente à diferente posição em que é colocada a categoria de contribuintes abrangida pelo ASSB relativamente ao dever geral de financiamento da Segurança Social através da contribuição para a receita geral do Estado.
Como explica o Acórdão n.º 494/2024, não é isso que se verifica, sendo essencialmente quatro as razões que apontam nesse sentido.
Em primeiro lugar, sendo o IVA um imposto harmonizado a nível europeu, a isenção prevista no artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, para serviços e operações financeiras é determinada pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (artigo 135.º), não podendo o conteúdo dessas isenções ser alterado pelos Estados-Membros.
Em segundo lugar, tais isenções não conferem o direito à renúncia, o que significa que o sujeito passivo não pode optar pela aplicação do imposto às suas operações financeiras. E, «não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização», pelo que «passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições» (Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, p. 312-313). A irrecuperabilidade do IVA suportado a montante impede, pois, que a isenção a que estão sujeitas as operações financeiras possa ser encarada como um efetivo benefício fiscal, como pressupõe o legislador quando se propõe neutralizar os seus efeitos por via da criação do ASSB.
Em terceiro lugar, o desequilíbrio que pudesse ainda assim advir da isenção do IVA prevista artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, foi já corrigido pelo legislador através do regime do Imposto de Selo, mais concretamente da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que sujeita a essa forma de tributação as operações financeiras. Este aspeto foi, aliás, expressamente salientado pela UTAO no Relatório n.º 13/2020, acima referido, onde, «em abono do rigor», se chama a atenção para o facto de as operações do setor abrangido pelo ASSB serem já «tributadas por uma miríade de taxas do Imposto do Selo». O que, tendo em conta que as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de natureza técnica relacionadas com a «dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações» (Sérgio Vasques, O Imposto…, cit., p. 318), constitui, diga-se ainda, uma solução totalmente alinhada com a especial vocação do imposto de selo, que é, como refere Saldanha Sanches e sublinha a decisão recorrida, «tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma» (Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 435).
Por último, ainda que o conjunto das razões anteriormente apontadas não fosse suficiente para atestar a ausência de fundamento material da distinção inerente à criação do imposto sectorial em que se traduz o ASSB, sempre ficaria por explicar, à face da proibição do arbítrio, a razão pela qual o tributo incide apenas sobre o setor bancário e não também sobre os demais setores de atividade, como seja, por exemplo, o dos seguros, cujas operações se encontram igualmente abrangidas pela isenção de IVA prevista no artigo 9.º do Código do IVA (v., n.º 28) e, nessa medida, desoneradas de contribuir através do aumento percentual da taxa correspondente ao “IVA Social” para o financiamento da Segurança Social. Note-se que não só estes setores de atividade estão excluídos do âmbito de incidência subjetiva do ASSB como sobre eles não incide qualquer imposto adicionalsimétrico, com as mesmas ou outras características, destinado a compensar a perda de receita fiscal associada às isenções de IVA de que igualmente beneficiam as respetivas operações.
(...)
Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):
“[…]
[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.
Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.
[…]”.
Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.
Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.
2.5. Às conclusões precedentes não constitui entrave o decidido no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (no caso protagonizado pelo Tribunal de Justiça – TJ) no processo n.º C‑340/22 (acórdão de 21/12/2023).
Não obsta, desde logo, tal decisão no segmento em que concluiu que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução. Para assim concluir, considerou o TJUE (§§ 22. a 27.):
“[…]
22. Primeiro, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.
23. Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.
24. Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.º 113).
25. A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.
(...)
Dito de outro modo, o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomou – nem tinha de tomar – qualquer posição.
Já no segmento do Acórdão (correspondente aos § 28. a 65.) em que o TJUE concluiu que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais, importa sublinhar que o decidiu, em síntese, porquanto “[…] a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios. Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios” (§ 62). Trata-se de uma dimensão do problema que não está em causa nos presentes autos, seja porque o Banco recorrente não tem a natureza de sucursal de instituição de crédito não residente (cfr. https://www.bportugal.pt/entidadeautorizada/banco-credibom-sa), seja porque, ao concluir pela inconstitucionalidade do tributo (que, por via da confirmação da decisão recorrida, se repercutirá na invalidação da respetiva liquidação), a presente decisão concorre – no efeito induzido pela interpretação do TJ do Direito da União – para a eliminação do referido tratamento desigual».
19. Também neste plano não se prefiguram razões para divergir do juízo formulado no Acórdão n.º 469/2024.
Como o Tribunal referiu logo no Acórdão n.º 348/1997:
«O legislador, na seleção e articulação dos factos tributáveis deverá ater-se a factos reveladores da capacidade contributiva ‘definindo como objeto (matéria coletável) de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto’.
A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, ‘um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo’.
[…]».
Se o «princípio da capacidade contributiva constitui, pois, como escreve Sérgio Vasques, «o pressuposto, o limite e o critério da tributação” (cfr. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2015, p. 296)» (Acórdão n.º 211/2017), isso significa que há de ser possível estabelecer relativamente a cada imposto uma relação entre a sua incidência real e o fator selecionado como revelador de uma maior capacidade contributiva.
Ora, no caso da alínea a) do artigo 3.º do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, tal relação não pode afirmar-se.
Com efeito, independentemente da questão de saber se são configuráveis outras manifestações de riqueza suscetíveis de indiciar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos do imposto para além do rendimento, do património e do consumo, ou mesmo da amplitude com que estes conceitos devem ser para esse efeito encarados, é seguro que o passivo das instituições de crédito, isoladamente considerado, não consubstancia um indicador da «força económica» destes contribuintes de modo a poder constituir a base tributável selecionada para um imposto ad valorem como é o ASSB.
É verdade que o passivo relevante corresponde ao «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros» e este é integrado por elementos, como os depósitos dos clientes, que consubstanciam uma fonte de financiamento relativamente estável quer do crédito concedido, quer de outras operações financeiras com igual potencial de rentabilidade. Simplesmente, o passivo apenas se converte em ativo por via do seu emprego na geração de benefícios futuros e estes dependem sempre de um conjunto de múltiplas e complexas variáveis, nem sempre de fácil antecipação. Ora, não podendo confundir-se manifestações de riqueza com meios disponíveis para financiar a produção dessa riqueza, percebe-se que o passivo, desligado do ativo, não constitua um indicador, sequer indireto, da capacidade contributiva dos sujeitos passivos de ASSB ao dispor do legislador ordinário, sobretudo tendo em conta, como o Tribunal afirmou já, que «não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva» (Acórdão n.º 299/2019).
20. A esta conclusão opõe a AT que «o ASSB tem a natureza de imposto indireto», sendo certo que o Acórdão n.º 469/2024, ao remeter para a doutrina de Filipe de Vasconcelos Fernandes, demonstrou que «o ASSB não pode considerar-se como incidindo sobre manifestações de capacidade contributiva relacionadas com rendimento ou património», mas não com o «consumo».
Contudo, o argumento não se afigura convincente.
Com efeito, para reconduzir o ASSB ao universo dos impostos indiretos não basta evidentemente que seja essa a natureza do tributo - no caso, o IVA - cuja «ausência visa colmatar». As propriedades relevantes para essa recondução teriam de estar presentes na tipificação do próprio ASSB, o que não sucede de todo em todo. Como explica Sérgio Vasques, «[a]inda que ao longo do tempo tenham sido concebidos diferentes critérios para melhor precisar a distinção entre impostos diretos e impostos indiretos, ela tem sempre girado em torno [do] fenómeno da repercussão tributária» (Manual …, cit., p. 217). Nessa medida, pode dizer-se que são impostos diretos «os que incidem sobre a própria pessoa [singular ou coletiva] que se pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera do sujeito passivo» e impostos indiretos «os que incidem sobre pessoa distinta daquela que se pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera de terceiro» (idem, p. 216). É justamente o que caracteriza os impostos sobre o consumo, cujo exemplo paradigmático é dado pelo IVA: embora formalmente pagos pelo sujeito passivo, «este transfere o seu custo para o consumidor, incluindo-o no preço pago pelo bem» (A. Brigas Afonso, “Noções gerais sobre Impostos Especiais de Consumo”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, N.º 3 (2006), p. 20). Ora, nada disto sucede com o ASSB, que é suportado diretamente pelas instituições de crédito no pressuposto que a elas - e só a elas - respeita a capacidade contributiva que se visa atingir através da cobrança do imposto.
21. Em suma, não se prefiguram razões para divergir do juízo positivo de inconstitucionalidade alcançado no Acórdão n.º 469/2024, devendo concluir-se, também aqui, pela incompatibilidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, este enquanto refração daquele.
Assim, conclui-se, como o Tribunal Constitucional que são “inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24.07, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária”.
Em consequência os atos de liquidação de ASSB identificados e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve, aplicando as referidas normas, enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Ao terem as Requerentes obtido vencimento quanto ao peticionado, fica prejudicada, porque inútil e proibida no processo a apreciação dos demais vícios imputados aos actos tributários contestados, por força do disposto no artigo 130.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
5. Reembolso e Juros indemnizatórios
As Requerentes pedem o reembolso do montante indevidamente pago, que quantificam, no valor de € 677.494,40.
5.1. Reembolso
É consequência da anulação da autoliquidação o reembolso da quantia paga indevidamente, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.
5.2. Juros indemnizatórios
As Requerentes peticionam a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
O direito à indemnização consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa encontra-se concretizado no regime resultante da conjugação dos artigos 43.º, 100.º e 102.º da LGT e 61.º do CPPT, por via da previsão de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 61.º. n.º 5 do CPPT “Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
Por seu lado o artigo 100.º LGT estabelece que, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
O artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, não vem reconhecer um direito novo em consequência de um ato da AT, antes vem consagrar uma forma específica de concretização do direito indemnizatório constitucionalmente garantido.
De acordo com o citado artigo 43.º da LGT o direito a juros indemnizatórios implica a verificação cumulativa dos respetivos seguintes:
1.° Que haja um erro na liquidação de um tributo;
2.° Que tal erro seja imputável aos serviços;
3.° Que a sua existência seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e
4.° Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
O artigo 43, n.º 3 d) determina que são também devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
Nesta última situação, foi a Lei 9/2019, de 01/02 (em vigor a 02/02/2019), por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.
Porque concordamos aderimos ao decido no Acórdão do STA de 23-10-2024, proferido no Processo 0430/22.7BEBRG, que transcrevemos com a devida vénia.
“II- Por considerarmos que a aplicação do 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, não exige que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, concluímos que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
(...).
“A recorrente veio ainda requerer o pagamento de juros indemnizatórios. Com efeito, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução.
Consideramos que a disposição que referimos não exige, para ser aplicada, que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como decorre, aliás, da jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente do recente acórdão de 2 de outubro, processo n.º 91/23.6BEBJA, de cuja fundamentação nos apropriamos:
«…a norma em apreço não contempla a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto (até porque as próprias partes podem conformar-se com a pronúncia deste Tribunal em função daquilo que é, nesta altura, a jurisprudência do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão das Recorrentes nos termos e pelos fundamentos apontados, não faz sentido recusar a aplicação da norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT…»
Para concluirmos, também, que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).”
Também é de mencionar o decidido no Acórdão do STA de 11-07-2024 proferido no Processo n.º 0697/14.4BELRS. No sumário é afirmado:
“II - Entendemos que em situações especiais como a que está em causa, tendo sido proferidos diversos acórdãos do Tribunal Constitucional que se pronunciaram sobre situações de facto em tudo idênticas à dos presentes e, sobretudo, pelo facto de o sujeito passivo não ter legitimidade para, junto daquele Tribunal, suscitar a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade de normas, nos mesmos termos em que outros sujeitos passivos em situações de facto similares, mas no âmbito das quais, por não ter sido desaplicada a norma, tenham legitimidade para o efeito, será possível aplicar o artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, devendo ser atribuídos juros indemnizatórios.”
E o Acórdão do TCAS de 24-01-2024, proferido no Processo 905/10.0 BELRS, que consta do sumário:
“I - À luz do disposto na alínea d) do n.º 3, do art.º 43.º da LGT, preceito aditado à LGT pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.”
(...)
O STA tem, todavia, entendido, de forma reiterada e consistente, que não pode ser considerado “erro imputável aos serviços” a emissão de liquidação com base em normas que venham a ser judicialmente desaplicadas com fundamento na sua inconstitucionalidade, na medida em que a Administração Tributária não pode recusar-se a aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias [Cfr. Acórdãos de 12/10/2011, processo n.º 860/10, e, seguindo a mesma orientação, entre outros, Acórdãos de 22/03/2017, processo n.º 0471/14; de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS; e de 27/11/2019, processo n.º 02000/07.0BEPRT].
Nestes casos, afirma o STA que “não podendo a Administração Tributária decidir de outro modo, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade por decidir no sentido em que decidiu” e, consequentemente, “não pode ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, por falta de um dos requisitos de que depende a atribuição deste direito: a imputação do erro respetivo aos serviços” [Cfr. Acórdão de 30/10/2019, processo n.º 1344/11.1BELRS].
Neste conspecto, cabe julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, o que se fará igualmente no dispositivo da sentença.».
Que dizer?
A questão a dirimir consiste em saber se a anulação da liquidação baseada na inconstitucionalidade da norma legal em que se fundou aquele acto tributário confere à impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT.
A questão, que suscitou controvérsia está, hoje, legislativamente resolvida pela introdução no n.º 3 daquele artigo – «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias» – de uma alínea d), com o seguinte teor: «Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução».
A introdução desta alínea d) no n.º 3 do art.º 43.º da LGT foi efectuada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro (vd. seu art.º 4.º), ou seja, anteriormente à prolação da sentença recorrida, sendo aplicável à situação dos autos.
Assim, não há que chamar à colação a disposição de direito transitório prevista no art.º 3.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, segundo a qual, «A redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica -se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011», cujo escopo é alargar o novo regime às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respectivo art.º 4.º).
Por outro lado, se bem interpretamos, referindo a norma do art.º 43.º, n.º3 alínea d), da LGT, «…decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária…», não permite restringir o seu campo de aplicação ao juízo de inconstitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional, abrangendo antes todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo seja feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do art.º 204.º da CRP, que foi o caso.
Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios.
Como assim, é de conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e reconhecer serem devidos à impugnante, ora Recorrente, juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no art.º 43.º/3/ d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no art.º 61.º/5 do CPPT.”
Neste processo arbitral está em causa a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que visou o ato de autoliquidação do ASSB sendo declarado por este Tribunal a declaração de inconstitucionalidade das normas em que aquele se fundamenta. E, de acordo com o disposto no artigo 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Face ao exposto, entende este Tribunal Arbitral que na sequência de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa e da declaração de inconstitucionalidade das normas de incidência do ASSB suprarreferidas, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, d), e 4; 35.º, n.º 10, da LGT; 61.º, n.º 5, do CPPT; calculados sobre a quantia de € 677.494,40, desde a data do pagamento indevido do imposto (10-12-2021), até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
6. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral
a) Julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, orientação a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade tributária extraível do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, e do princípio da capacidade contributiva, que decorre dessa; e, consequentemente,
b) Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, n.º ...2023..., da autoria do Diretor de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (adiante ‘UGC’) e os atos de autoliquidação do ASSB, por referência ao ano de 2021, nos quais foi indevidamente liquidado e pago ASSB no montante total de € 677.494,40;
c) Condenar a Requerida a restituir às Requerentes o valor de € 677.494,40, acrescido de pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 3 d) da LGT desde a data de pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
7. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 677.494,40, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Notificação do Ministério Público
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 23 de abril de 2025
Os Árbitros,
(Regina de Almeida Monteiro - Presidente e relatora)
_____________
José Nunes Barata - Adjunto)
Sílvia Oliveira - Adjunta)