I – O conceito de habitação própria e permanente não se confunde com o de domicílio fiscal.
II – À data dos fatos, não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária.
III – Atento o disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, se o sujeito passivo reinveste o valor de realização parcialmente na aquisição de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente, não pode, depois, “reinvestir” na ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido, e excluir esses valores do ganho sujeito a tributação”, ou seja, não pode beneficiar cumulativamente de reinvestimento em aquisição de imóvel e em melhoramento do imóvel adquirido.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
I. Relatório
1. A..., contribuinte fiscal n.º..., com morada na Rua ..., nº ..., em Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, em 1 de março de 2024, pedido de pronúncia arbitral, tendo por objecto os seguintes atos praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”): - a decisão ... e n.º 2022... subjacentes, de 6.12.2023, e o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2023..., de 28.12.2023, cujas anulações pretende, mais peticionando a restituição dos valores indevidamente pagos em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também designada por Requerida ou AT.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 4 de março de 2024, e posteriormente notificado à AT.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 23 de abril de 2024, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.
4. Em 23 de abril de 2024, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14 de maio de 2024.
6. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou resposta em 14 de junho de 2024, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).
7. Dada a sobrecarga de agenda do CAAD para a realização da reunião prevista no artº 18º do RJAT em tempo útil, a necessidade da produção de prova testemunhal e a marcação da reunião para o dia 5 de dezembro de 2024, às 14,30 horas, o Tribunal decidiu, em 4 de novembro de 2024, ao abrigo do nº 2 do artº 21º do RJAT, a prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses.
8. Em 5 de dezembro de 2024, pelas 14h30, teve lugar, na sede do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em Lisboa, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas no prazo de 20 dias.
9. As partes apresentaram alegações em 8 de janeiro de 2025.
10. Por despachos de 13 de janeiro de 2025 e de 13 de março de 2025, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.
II. Saneamento
1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. O processo não enferma de nulidades.
4. O Tribunal é competente.
III. Matéria de fato
1. Fatos provados
Dão-se como provados os seguintes fatos relevantes para a decisão:
A) A Requerente é residente em território português;
B) Por escritura pública de 4 de dezembro de 2017, a Requerente alienou, pelo preço de € 500.000,00, o imóvel corresponde à fração autónoma designada pela letra M, com o artigo matricial..., sito na Rua ... e Rua ..., em Lisboa, o qual constituía a sua habitação própria e permanente;
C) Por escritura pública de 11 de dezembro de 2017, a Requerente adquiriu, pelo preço global de € 122.000,00, dois prédios urbanos destinados a habitação, a que correspondem os artigos matriciais ... (nº ... da Rua ... ... ... à Travessa ..., em Lisboa e ...º (nº ... da Rua ... à ..., em Lisboa), ambos da freguesia de ..., concelho de Lisboa, em que o prédio urbano correspondente ao artigo ... se destinava, nos termos constantes da escritura, a sua habitação própria e permanente, encontrando-se o imóvel correspondente ao artigo ... arrendado;
D) Nos termos constantes da escritura pública referida em C), o prédio urbano correspondente ao artigo matricial ...º (nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa) foi adquirido pelo preço de € 92.000,00, e o prédio urbano correspondente ao artigo matricial ... (nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa) foi adquirido pelo preço de € 30.000,00;
E) Em 01-06-2018, a Requerente submeteu a declaração Modelo 3 de IRS de 2017, incluindo os anexos A, B e G, sendo que no anexo G, foi declarado relativamente à venda outorgada por escritura em 4.12.2017, a alienação pelo valor de €500.000; a respectiva aquisição em 10-2009, por €236.880; Despesas/encargos no montante de €30.795; Valor em dívida de €163.398,99; Intenção de Reinvestir: €300.000; Montante reinvestido no ano €122.000; sendo que não foram declaradas despesas no montante de €3.426,84 relativas ao imóvel alienado;
F) Da referida declaração resultou a liquidação n.º 2018..., no montante de €3.495 de IRS, cujo pagamento foi efectuado pela Requerente;
G) Em novembro de 2021, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., relativo ao ano 2017, no valor de €7.324,72;
H) Por carta datada de 26-11-2021, foi a Requerente notificada pela AT, através do Ofício GI-..., da necessidade de correcção da Declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2020, de 26.11.2021;
I) Em 14-02-2022, sob a epígrafe Gestão de Divergência IRS 2020 – Notificação, com aviso postal, a AT notificou a Requerente do seguinte:
“Fica por este meio notificado (a) que, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), se vai proceder à alteração dos elementos constantes da sua declaração modelo 3 de IRS do ano de 2020, conforme valores e fundamentação constantes da notificação para o exercício do direito de audição-prévia, enviada em 2021-11-26, através do ofício n.º GI-...”;
J) Em 18-02-2022, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2022..., relativo ao ano 2017, no valor de €17.754,00;
L) Em 29 de abril de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS nº 2022..., no montante de € 17.754,47, consubstanciada na nota de acerto de contas nº 2022..., de 22-02-2022, no montante a pagar de € 10.429,75, referente ao ano de 2017;
M) Em Setembro de 2023, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição-prévia sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
N) Em 9 de outubro de 2023, a Requerente apresentou resposta em sede de audição-prévia;
O) Em 28 de novembro de 2023, foi proferido pela AT despacho de indeferimento no procedimento de reclamação graciosa n.º REC..., que foi notificado à ora Requerente, na pessoa da sua mandatária, através do ofício n.º ...2022... de 28 de novembro de 2023, com os fatose fundamentos dele constantes que se dão por reproduzidos;
P) Em 28-12-2023, a Requerente foi notificada do ato de liquidação adicional de IRS n.º 2023...;
Q) Embora tenha registado o seu domicílio fiscal no prédio urbano correspondente ao artigo matricial ... (nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa), que se encontrava arrendado, a Requerente efetou o prédio urbano o prédio urbano correspondente ao artigo matricial ...º (nº ... da Rua ... número um à Travessa ..., em Lisboa), no ano de 2018, a sua habitação própria e permanente;
R) A Requerente efetuou obras de melhoramento no prédio urbano correspondente ao artigo matricial ... (nº ... da Rua ... ... à ..., em Lisboa), em quantidades e valores não apurados;
S) A Requerente não entregou o Modelo 1 do IMI com vista à avaliação do imóvel relativamente ao prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ... (nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa), no prazo de 48 meses desde a data da realização (venda da anterior habitação própria e permanente);
T) Em 1 de março de 2024, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2. Fatos não provados e fundamentação da matéria de fato dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de fato, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os fatos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os fatos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Os fatos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos documentos constantes do processo administrativo (PA), cuja autenticidade não foi colocada em causa, na prova testemunhal produzida, bem como nas posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
Dão-se por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos, todos os documentos juntos pela Requerente no PPA e todos os constantes do PA.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como fatos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
Não existem quaisquer outros fatos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
Em especial, a fatualidade constante do ponto Q) supra foi dada como provada em virtude da conjugação de toda a prova documental, designadamente a escritura pública de 11 de dezembro de 2017, que aponta que a Requerente adquiriu o prédio correspondente ao nº 7 para a destinar à habitação própria permanente, bem como da prova testemunhal produzida na reunião.
A circunstância de a Requerente ter alterado, erroneamente segundo alegou, o seu domicílio fiscal para o número ..., que se encontrava arrendado, não afasta que esta não tenha afetado o nº 9 a sua residência própria e permanente e aí fixado o centro de interesses vitais, como entende o Tribunal.
Pelo contrário, é precisamente isto que resulta da prova documental junta aos autos, designadamente intenção manifestada na escritura pública de aquisição e das despesas de consumos ativos (eletricidade e água), compatíveis com essa situação, bem como das declarações das testemunhas feitas na reunião arbitral, cujos depoimentos foram prestados de forma sólida, convicta e espontânea, tendo os fatos sido narrados de forma detalhada, confiável, convincente e coerente face aos demais meios de prova carreados aos autos.
Não se provou qual o montante das despesas de melhoramento efetuadas pela Requerente no nº ... (artigo ...º).
A AT refere que os documentos juntos aos autos “não se encontram com os elementos correctos à sua validação, quer em termos de morada (identificado o n.º 7) ou elementos identificativos inválidos (sem n.º, sem morada, morada incorrecta), ou ainda, sem recibos que comprovem os eventuais pagamentos”. …, conforme mapa em anexo e que faz parte integrante da informação relativa ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
Se atentarmos aos documentos em questão, verifica-se que:
-
nunca referem obras executadas no prédio correspondente ao número ...;
-
muitas referem expressamente obras realizadas no prédio correspondente ao número ...;
-
muitas não referem nem o prédio correspondente ao número ... nem o prédio correspondente ao número ... como local da obra;
-
outras referem como local da obra noutra morada (Rua ... nº..., ...).
Neste ponto a prova testemunhal produzida também em nada permitiu chegar a uma conclusão sobre quais as efetivamente realizadas no prédio nº ..., limitando-se a declarações vagas de que o imóvel necessitava de obras profundas e que as mesmas foram executadas pela Requerente. As testemunhas não se pronunciaram sobre nenhumas despesas em concreto.
A Requerente não apresentou qualquer prova complementar relevante, designadamente declarações dos empreiteiros e fornecedores de materiais de que, apesar do contante das faturas, os trabalhos e fornecimento teriam sido efetuados no nº ... .
Acresce que se desconhece se o imóvel arrendado (nº 7) continuou arrendado durante todos o período a que respeitas os documentos (2018 a 2020), surgindo a dúvidas se algumas despesas poderão ter sido efetivamente realizadas nesse imóvel igualmente propriedade da Requerente.
Relativamente aos fatos dados como não provados, regista-se apenas que do acervo probatório constante do processo inexiste prova que permitam certificar a respectiva efectividade e veracidade.
-
Matéria de Direito
1. Ordem de conhecimento dos vícios
Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
Por isso, não se apreciarão prioritariamente o vício de falta de fundamentação formal e de falta de audiência prévia, que tem natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do acto com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar vício de violação de lei, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.
2. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral
2.1. Posições das Partes
Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em suma, o seguinte:
- que “os actos tributários impugnados sofrem de diversos vícios, tais como a caducidade do direito de liquidar, violação do direito de audição-prévia quanto ao acto de liquidação n.º 2021..., falta ou insuficiente fundamentação e violação de Lei.
- que “não obstante não existir coincidência entre o número de porta da casa indicado como morada de domicilio fiscal (n.º7) e o imóvel destinado a habitação própria e permanente pela Requerente (n.º ... da mesma rua), o que ressalta da proximidade como LAPSO MANIFESTO, já devidamente corrigido, resulta claro que a Requerente afectou o imóvel 2 à sua habitação própria e permanente”;
- que “À data do reinvestimento, a Requerente vivia no imóvel 2, conforme evidenciam o nível dos consumos de água e de luz do imóvel 2, desde 2018 a 2020”;
- que “ a Requerente vive no imóvel 2, sendo o índice de consumos de água e luz reveladores da utilização do imóvel como centro de interesses vitais da Requerente ou habitação própria e permanente”;
- que a “AT considerou no procedimento como facto assente que o imóvel 1 se encontrava arrendado, como resulta dos recibos verdes emitidos pela Requerente”;
- que “a Requerente viveu e vive no imóvel 2, podendo tal facto ser, também, provado por várias testemunhas, que se indicaram em sede de audição-prévia e que se voltam a indicar na presente PA, para efeitos de produção de prova, caso não se entenda suficientemente demonstrado por documentos que a Requerente destinou o imóvel 2 à sua habitação própria e permanente (HPP)”;
- que “a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada com fundamento na falta de reinvestimento em outra HPP, por falta de coincidência entre a HPP e o domicílio fiscal, não tem base legal.”;
- que efetuou um reinvestimento de Euro 314.327,19 na sua nova habitação própria e permante, considerando o preço de aquisição e as obras, que pretende seja considerado nas liquidações contestadas;
A AT defende, em suma, o seguinte:
- que, relativamente à liquidação nº 2021..., a Requerente “não declarou o reinvestimento da totalidade do montante pretendido reinvestir (apenas declarou o reinvestimento de 122.000,00 € do total de 300.000,00 € pretendido reinvestir), ficou suspensa a liquidação (tributação das mais-valias) até que fosse declarado o reinvestimento restante”;
- que “a exclusão tributária por reinvestimento depende da verificação de um comportamento futuro e objetivamente incerto: o reinvestimento”;
- que existe “uma exclusão condicionada que opera mediante o diferimento (ou suspensão) da tributação para o termo do período dentro do qual esse reinvestimento é admissível nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS”;
- que “Esta suspensão de tributação (preliminar de futura, embora condicionada, exclusão tributária) opera em face de mera intenção de realizar o reinvestimento manifestada na declaração de rendimentos correspondente ao ano de realização (artigo 57º n.º 4 do Código do IRS).”;
- que “nas declarações relativas aos anos seguintes (2018, 2019 e 2020) declarou o reinvestimento de, respetivamente, 65.755,38 €, 25.105,94 € e 63.316,24 €, o que dá o total de 154 177,56 €”;
- que, como a Requerente “tinha inscrito na declaração de 2017 (campo 5006 do quadro 5 do anexo G) que pretendia reinvestir 300.000,00 € e declarou apenas o reinvestimento de 276 177,56 €, houve uma parcela (a diferença de valores entre 300.000,00 € e 276 177,56 €) que não foi tributada”;
- que “a Autoridade Tributária fez o que lhe competia, isto é, reliquidou a declaração entregue pela requerente”;
- que “estamos perante a declaração entregue pela requerente, pelo que não faz qualquer sentido a alegação formulada por aquela de que deveria ter havido audição prévia”;
- que “É que, estabelece a alínea a) do n.º 2 do artigo 60º da LGT que “é dispensada a audição no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte.”;
- que “Quando o sujeito passivo de IRS inscreve, na declaração de rendimentos, em sede de mais-valias, a intenção de reinvestir o valor de realização obtido com a transmissão onerosa de imóvel em ano posterior e não concretiza o anunciado reinvestimento, a AT não está obrigada a proceder à notificação do sujeito passivo, para audição prévia à prática da liquidação adicional na sequência do não-reinvestimento;
- que “Quando o sujeito passivo de IRS inscreve, na declaração de rendimentos, em sede de mais valias, a intenção de reinvestir o valor de realização obtido com a transmissão onerosa de imóvel em ano posterior e não concretiza o anunciado reinvestimento, a AT não está obrigada a elaborar e a notificar a fundamentação da liquidação adicional praticada na sequência do não-reinvestimento.”;
- que, quanto à caducidade do direito à liquidação referentes à liquidação nº 2021..., não se está “perante um erro evidenciado na declaração (alegado pela requerente nos pontos 90 e 109 e seguintes da petição)”;
- que “não houve qualquer irregularidade na reliquidação da declaração entregue pela requerente, no sentido de que não tendo inscrito como reinvestido o total do montante pretendido reinvestir (no prazo concedido para o efeito), teria de ser levantada a suspensão da tributação (em relação ao montante não reinvestido)”;
- que “o prazo de caducidade aplicável à presente situação seria o prazo previsto no n.º 1 do artigo 45º da LGT “ e “a liquidação foi efetuada no prazo previsto para o efeito (estamos perante o ano fiscal de 2017 e a liquidação foi efetuada em 2021)”;
- que, relativamente à liquidação nº 2022..., a “liquidação é datada de 2022FEV18 e é decorrente dum procedimento de gestão e análise de divergências à declaração mod. 3 referente ao ano fiscal de 2020, entregue pela requerente em 2021JUN30.2”;
- que “No decorrer desse procedimento (em que a requerente participou, tendo entregue vários documentos) foi entendido pelos serviços que, relativamente ao montante inscrito no campo 5011 do quadro 5 do anexo G (reinvestimento parcial do valor de realização obtido no ano fiscal de 2017), o mesmo deveria ser eliminado, por não comprovar reinvestimento”;
- que “Não tendo a requerente entregue declaração de substituição de acordo com os factos apurados, em 2022FEV14 foi elaborada declaração oficiosa relativa ao ano fiscal de 2020, tendo sido retirado o montante de 63.316,24 € do campo 5011 do quadro 5 do anexo G”;
- que “Esta alteração na declaração do ano fiscal de 2020 teve implicação no ano fiscal de 2017 e levou a que fosse efetuada nova liquidação em 2022FEV18 (a referida liquidação n.º 2022...)”;
- que “a liquidação controvertida teve origem num procedimento de gestão e análise de divergências” e “a requerente participou nesse procedimento, estando, pois, informada do que se passou”;
- que não existiu falta de fundamentação do ato tributário de liquidação;
- que “um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva, mas acessível, no sentido de explícita”;
- que “estabelece o n.º 1 do artigo 77º da LGT que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”;
- que “o n.º 2 do mencionado artigo prescreve que a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”;
- que “a liquidação foi feita dentro do prazo previsto para o efeito”;
- que, relativamente ao procedimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, esta foi “notificada para exercer o direito de audição, tendo exercido esse direito em outubro de 2023”;
- que “Relativamente à liquidação n.º 2021..., foi entendimento dos serviços (constante da informação que suportou a decisão) que o pedido era intempestivo, o que a requerente reconhece no ponto 23º da petição”;
- que “Não se reconhece, pois, que tenha havido erro dos serviços que permitisse a convolação do pedido de reclamação graciosa em pedido de revisão da liquidação”;
- que “os pressupostos para interposição de reclamação graciosa são diferentes dos pressupostos para interposição de pedido de revisão da liquidação, não estando demonstrado, no presente caso, que os pressupostos para o pedido de revisão estivessem preenchidos”;
- que “a requerente alterou o domicílio fiscal para a morada de um dos imóveis adquiridos em 2017 (mas não para aquele em que alegou que efetuou o reinvestimento)”;
- que “o imóvel para o qual alterou o domicílio fiscal estava arrendado a um terceiro”;
- que, quanto à não consideração das despesas com a valorização da casa alienada em 2017, no montante de 3.426,84 €, “essas despesas não cumprem os critérios e já passou o prazo para reclamar graciosamente”;
- que “tais encargos com a valorização do imóvel alienado nunca foram inscritos em qualquer declaração referente ao ano fiscal de 2017”;
- que, quanto à questão de saber se existia o dever de audição das testemunhas, “essa era uma decisão que competia ao órgão instrutor do processo” e que “(…) face aos elementos constantes dos autos, foi entendido que tal audição não se justificava, pois seria irrelevante para a decisão”;
- que “Não houve, pois, qualquer ilegalidade na tomada de decisão por parte da Autoridade Tributária ao não proceder à audição das testemunhas arroladas pela requerente”;
- que “Consultado o sistema informático da matriz predial do prédio onde a requerente alega ter efetuado o reinvestimento (prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ...da freguesia de ..., concelho de Lisboa, melhor identificado nos autos), constatase que não foi entregue o Mod. 1 do IMI com vista à avaliação do imóvel (fruto dos melhoramentos alegados pela requerente)”;
- que “não há exclusão de tributação se não for requerida a inscrição na matriz até decorridos 48 meses sobre a data da realização”;
- que “para que não haja exclusão de tributação basta que não seja requerida a inscrição na matriz até decorridos 48 meses sobre a data da realização”;
- que não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.
2.2. Da legalidade das liquidações de IRS contestadas e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa
No caso em apreço está em causa o reinvestimento declarado e efectuado entre os anos 2017 e 2020 pela Requerente das mais-valias obtidas, em 2017, e as correcções sucessivas às Declarações de IRS 2017, 2019 e 2020 levadas a cabo pela AT, com consequente emissão dos actos de liquidação em crise.
A questão fundamental consiste em saber se se consideram ou não verificados os pressupostos para a exclusão de tributação de mais-valias.
A resposta à questão prende-se com a interpretação dos números 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, sendo necessário examinar esta questão à luz da lei vigente à data a que se reportam os rendimentos objeto de tributação.
Para apreciar a questão a decidir, fixa-se desde já aquele que era o quadro legal vigente à data dos fatos, na parte que aqui se afigura relevante:
Código do IRS
Artigo 10.º
Mais-valias
(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
d) (Revogada.)
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;
b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
c) (Revogada.)
Artigo 13.º
Sujeito Passivo
(…)
12 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
13 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:
a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou
b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
14 - A prova dos fatos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.
15 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”.
Lei Geral Tributária
Artigo 19.º
Domicílio fiscal
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”.
Por conseguinte, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS é uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei.
Como escreveu Paula ROSADO PEREIRA, Manual de IRS, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 228, a norma do n.º 5 prevê “uma suspensão da tributação aplicável mediante a simples manifestação, na declaração de rendimentos do ano da realização da intenção de proceder ao reinvestimento”. “A efetiva exclusão tributária apenas se verifica se e quando ocorrer o reinvestimento, efetuado nos termos e dentro dos prazos estabelecidos legalmente.”.
Quer isto dizer que – como em várias outras situações – a suspensão é automática, mas a tributação é condicional, pelo que estamos perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completava com a efectiva disponibilização (e efectiva utilização, acrescentamos nós) do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício de isenção fiscal.
Aliás, corresponde ao que se escreve no ponto “3.1.2.3. Tipos de Reinvestimento em imóveis e suas particularidades” do já citado Manual de IRS de P. ROSADO PEREIRA, que distingue dois regimes:
“Reinvestimento mediante a aquisição de outro imóvel para habitação
A exclusão de tributação de mais-valia depende do preenchimento das seguintes condições:
• O reinvestimento deve ser efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores à data da realização;
• O imóvel adquirido deve ser afetado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses após o reinvestimento*.
Reinvestimento mediante a aquisição de terreno para construção de imóvel e/ou respetiva construção, ou ampliação ou melhoramento de imóvel
No âmbito destas alternativas de reinvestimento, a exclusão de tributação de mais-valia depende do preenchimento das seguintes condições: • O reinvestimento deve ser efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores à data da realização;
• O sujeito passivo deve requerer a inscrição na matriz predial do imóvel ou das alterações até decorridos 48 meses após a data da realização*;
• Deve afetar o imóvel à sua habitação própria e permanente, ou do seu agregado familiar, até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização**.”
Analisando o art.º 10.º, n.º 5, do CIRS, pode ler-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25-11-2021, proferido no âmbito do processo 359/10.1BECTB, o seguinte:
“(…) esta norma de exclusão abrange três situações distintas:
a) Aquisição de outro imóvel;
b) Aquisição de terreno para construção;
c) Construção, ampliação ou melhoramento de imóvel.
As situações elencadas no mencionado n.º 5 são situações autónomas e alternativas (v. José Guilherme Xavier de Basto, IRS – incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 413; Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 232 e 233).
Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.07.2021 (Processo: 51/10.7BELRS), “[s]e o Contribuinte reinveste o valor de realização parcialmente na aquisição de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente, não pode, depois, “reinvestir” na ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido, ou amortizar parte do empréstimo contraído para aquisição do novo imóvel, e excluir esses valores do ganho sujeito a tributação”. (vide www.dgsi.pt)
Pode, ainda, ler-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25-11-2021, proferido no âmbito do processo 359/10.1BECTB, relativamente à inscrição na matriz do imóvel ou das alterações, o seguinte:
“Esta obrigação de comunicação para efeitos matriciais permite concluir que nem todas as obras que se efetuem num imóvel são obras de melhoramento para efeitos de exclusão de tributação.
Veja-se que, nos termos do art.º 13.º, n.º 1, al. d), do CIMI:
“1 - A inscrição de prédios na matriz e a atualização desta são efetuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos seguintes factos:
(…) d) Concluírem-se obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio”.
Daqui decorre, numa interpretação conjugadas das várias normas pertinentes in casu, que são, pois, obras elegíveis, para este efeito, aquelas de impliquem uma variação do VPT do prédio, dado serem essas que implicam uma alteração matricial.
Portanto, atenta a exigência de inscrição na matriz das obras de melhoramento em causa, constante do art.º 10.º, n.º 6, al. c), do CIRS, não pode deixar de se interpretar que apenas são abrangidas as obras que importem uma alteração do VPT, nos termos referidos no art.º 13.º do CIMI.
Ora, a este respeito, a Recorrente, mesmo na petição inicial, limita-se a afirmar que fez obras, que reputa como sendo de melhoramento, sem que nunca as tenha densificado (o que impede sequer a aferição da sua natureza), acrescentando, ademais, no presente recurso que são obras não abrangidas pelo art.º 13.º do CIMI (cfr. conclusão 11.).
Se as obras em causa não estão abrangidas pelo art.º 13.º do CIMI, não são elegíveis para efeitos do art.º 10.º, n.º 5, do CIRS, porquanto, como referimos, o seu n.º 6, al. c), faz depender a exclusão da tributação, entre outros, da correspondente declaração matricial, impondo, pois, que se trate de obras que impliquem uma alteração do valor matricial.”
(vide www.dgsi.pt)
Como resulta da doutrina e da jurisprudência citadas, não poderia a Requerente beneficiar cumulativamente de reinvestimento em aquisição de imóvel e em melhoramento do imóvel adquirido.
Neste ponto tem razão a AT quando considera que não poderiam ser considerados ambos os reinvestimentos.
A AT veio corrigir a liquidação de IRS de 2020 e de 2017, tendo apenas considerado o valor de aquisição, excluindo o valor investido em obras.
Posteriormente a atuação da AT foi no sentido de que não ocorreu qualquer reinvestimento, dado, sobretudo, a alteração do domicílio fiscal para um dos imóveis adquiridos, que não correspondia à habitação própria e permanente referida na escritura de compra.
Atento o disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, se o sujeito passivo reinveste o valor de realização parcialmente na aquisição de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente, não pode, depois, “reinvestir” na ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido, e excluir esses valores do ganho sujeito a tributação”, ou seja, não pode beneficiar cumulativamente de reinvestimento em aquisição de imóvel e em melhoramento do imóvel adquirido.
Nos termos das mencionadas disposições legais, presume-se que o domicílio fiscal, enquanto local da residência habitual do sujeito passivo, corresponde à sua habitação própria e permanente.
Sem prejuízo daquela presunção, aqueles são conceitos jurídicos distintos, conforme sublinhou o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), no acórdão proferido em 02.02.2023, no proc. n.º 3172/10.2BEPRT, ao referir que “[o]s conceitos de domicílio fiscal e habitação própria e permanente não são sinónimos, ainda que, desde 2015, o CIRS faça presumir a segunda do primeiro, presunção essa ilidível”.
Sendo aqueles conceitos jurídicos distintos, e ao poder o sujeito passivo apresentar prova em sentido contrário para ilidir a presunção, o que releva em última análise para efeitos da exclusão de tributação das mais-valias prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, é aferir o concreto local da habitação própria e permanente do sujeito passivo, com base na prova produzida nos autos, por ser aquele o conceito jurídico a que se reporta a norma de incidência.
Neste mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no acórdão proferido em 14.11.2018, no âmbito processo n.º 01077/11.9BESNT que “(...) no supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (…) não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal”.
Isto sendo certo que mesmo nos casos em que a norma jurídica remete para o conceito de domicílio fiscal, “o facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “fatos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”, conforme evidenciou o STA no acórdão proferido em 23.11.2011 no âmbito do processo n.º 0590/11.
Assim, tendo isto presente, cumpre precisar qual o conceito de “habitação própria permanente”, recorrendo-se para o efeito às considerações do TCAS no acórdão proferido em 02.02.2023, no proc. n.º 126/11.5BELRS, onde este Tribunal referiu que “(…) no concernente ao requisito da permanência na habitação, o qual deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade, mas sem qualquer cadência cronológica absoluta, impondo-se, apenas para efeitos da exclusão tributária que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação, sendo atos demonstrativos da fixação do centro da sua vida pessoal a ocorrência de “[c]ondições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.”(), mas sem que uma intermitência, devidamente justificada, possa demandar e legitimar a tributação, arrendando, per se, a aduzida exclusão.”.
Ora, em virtude da matéria de facto dada como provada nos presentes autos e respetiva fundamentação, verifica‑se que o nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa (artigo matricial ...º da freguesia de ...) foi efectivamente o local onde a Requerente passou logo a residir a maior parte do seu tempo, ali estabelecendo o seu centro de interesses familiar e social.
Da prova testemunhal produzida resulta que a Requerente passou a habitar o referido imóvel em 2018 e a realizar aí obras. Até porque o nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa (artigo matricial ...º da freguesia de ...) estava arrendado, não fazendo qualquer sentido que a Requerente fosse habitar o mesmo com a arrendatária.
O fato de ter registado o seu domicílio fiscal no nº 7, não prevalece sobre a efectiva afetação do nº ... à sua habitação própria e permanente, pelas razões acima aludidas.
O eventual mau estado da habitação e a necessidade de obras profundas por decisão da Requerente não implica, face às regras de experiência dos árbitros e testemunhos produzidos, que o imóvel não possa ter sido logo habitado, como foi, no ano de 2018, e as obras realizadas em diversas fases.
Por conseguinte, conclui-se que aquela era a habitação própria permanente da Requerente, estando assim preenchido os requisitos de que dependia o reinvestimento (parcial) e exclusão (parcial) da tributação previsto no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, concretamente a aquisição de um imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo, a afectação à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento, e manifestação pelo sujeito pasivo da intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.
Atente-se que, à data dos factos, a lei não impunha, como o faz hoje, na nova alínea e) do nº 6 do artº 10º do CIRS, que o “sujeito passivo ou o seu agregado familiar não tenham fixado no imóvel o seu domicílio fiscal. (Aditada pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro).
Termos em que se conclui que a Requerente procedeu ao reinvestimento parcial do valor da realização quando, em 11 de dezembro de 2024, adquiriu o prédio urbano correspondente ao nº ... da Rua ... à Travessa do ..., em Lisboa (artigo matricial ...da freguesia de ...), pelo preço de € 92.000,00.
Naturalmente que se o preço global dos dois imóveis adquiridos em 11 de dezembro de 2017 foi de € 122.000,00, em que o prédio urbano correspondente ao artigo matricial ... (nº ... da Rua ... à Travessa ..., em Lisboa) foi adquirido pelo preço de € 30.000,00 e estava arrendado, nunca poderia a Requerente entender ter reinvestido na sua habitação própria e permanente o preço global dos dois prédios, mas apenas o de um, in casu, € 92.000,00.
E, uma vez que, como se viu, não poderia a Requerente beneficiar cumulativamente de reinvestimento em aquisição de imóvel e em melhoramento do imóvel adquirido, resta apurar, no que respeita ao reinvestimento em melhoramentos, se, como pretende a Requerente, as despesas com as obras no montante de € 192.329,19 poderiam ser ser aceites pela AT e consideradas como reinvestimento (parcial) em valor superior ao do preço do imóvel adquirido (habitação própria e permanente), que foi de € 92.000,00.
Neste ponto, entende o Tribunal que as despesas de melhoramento não podem ser aceites com os fundamentos que constam do procedimento de reclamção graciosa e os constantes no processo administrativo, como melhor se verá de seguida.
A questão não se prende com a prova de quem fez o pagamento das faturas ou da eventual inexistência de recibos, pois o que realmente importa é a existência de faturas que evidenciem e comprovem obras de melhoramente no imóvel adquirido e afecto a habitação permanente.
Todavia já tem, em parte, razão a AT quando fundamenta, também, a exclusão do reinvestimento em obras de melhoramento por falta de elementos essenciais que liguem as mesmas ao imóvel adquirido destinado a habitação própria e permanente.
Se atentarmos aos documentos em questão, verifica-se que:
a) nunca referem obras executadas no prédio correspondente ao número ...;
b) muitas referem expressamente obras realizadas no prédio correspondente ao número ...;
c) muitas não referem nem o prédio correspondente ao número ... nem o prédio correspondente ao número ... como local da obra;
d) outras referem como local da obra noutra morada (Rua..., ...);
Não se provou qual o montante das despesas de melhoramento efetuadas pela Requerente no nº ... (artigo ...º).
A AT refere que os documentos juntos aos autos “não se encontram com os elementos correctos à sua validação, quer em termos de morada (identificado o n.º 7) ou elementos identificativos inválidos (sem n.º, sem morada, morada incorrecta), ou ainda, sem recibos que comprovem os eventuais pagamentos”. …, conforme mapa em anexo e que faz parte integrante da informação relativa ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
Como se referiu supra, neste ponto a prova testemunhal produzida também em nada permitiu chegar a uma conclusão sobre quais as efetivamente realizadas no prédio nº ..., limitando-se a declarações vagas de que o imóvel necessitava de obras profundas e que as mesmas foram executadas pela Requerente. As testemunhas não se pronunciaram sobre nenhumas despesas em concreto.
A Requerente não apresentou qualquer prova complementar relevante, designadamente declarações dos empreiteiros e fornecedores de materiais de que, apesar do constante das faturas, os trabalhos e fornecimento teriam sido efetuados no nº ..., ou prova testemunhal nesse sentido, o que eventualmente poderia ultrapassar as questões levantadas pela AT sobre a documentação junta.
Acresce que se desconhece se o imóvel arrendado (nº ...) continuou arrendado durante todos o período a que respeitas os documentos (2018 a 2020), surgindo a dúvidas se algumas despesas poderão ter sido efetivamente realizadas nesse imóvel igualmente propriedade da Requerente.
É verdade que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT).
É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.
As regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
Todavia, na matéria em apreço, não se impunha à AT que averiguasse junto de todos os empreiteiros e fornecedores sobre qual o prédio em que as mesmas foram realizadas e em qualidades e quantidades, face ao conteúdo das faturas, devendo tal ónus competir à Requerente em complemento da documentação junta, não ocorrendo inversão do ónus da prova.
Nem sequer a decisão de não ouvir as testemunhas no procedimento de reclamação graciosa, atenta as limitações de prova e entendimento do instrutor (alínea e) do artº 69º do CPPT), impõe outro entendimento. Até porque essas mesmas testemunhas foram ouvidas no âmbito presente processo e nada acrescentaram.
Não violou pois a AT os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, improcedendo, neste ponto, as pretensões da Requerente.
Mas, como se viu, e se insiste, não poderia a Requerente beneficiar cumulativamente de reinvestimento em aquisição de imóvel e em melhoramento do imóvel adquirido.
E, se a pretensão da Requerente não pode proceder quanto ao reinvestimento em obras de melhoramento, pelas razões aludidas acima, designadamente por falta de prova da sua realização no nº ..., também é certo que a Requerente não entregou o Modelo 1 do IMI com vista à avaliação do imóvel relativamente ao prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ... (nº ... da Rua ... um à Travessa..., em Lisboa), no prazo de 48 meses desde a data da realização (venda da anterior habitação própria e permanente).
Pelo que improcede a pretensão da Requerente quanto ao seu entendimento de que os montantes incorridos em obras deveriam ser considerados objeto de reinvestimento e considerados nas liquidações contestadas.
No que respeita às despesas no montante de € 3.426,84 (despesas com a resdência anterior):
A Requerente reconhece, em 29 de abril de 2022, já havia decorrido prazo para apresentar reclamação graciosa da liquidação adicional n.º 2021... .
Entende, no entanto, que se encontravam verificados os pressupostos previstos no artigo 78.º n.º 1 da LGT. para que a AT procedesse à revisão oficiosa, pelo que deveria ter convolado o pedido (ponto 24º da petição).
Por sua vez, a AT, relativamente à liquidação n.º 2021..., refere que foi entendimento dos serviços (constante da informação que suportou a decisão) que o pedido era intempestivo.
Concretamente, refere a AT que “No que se refere às despesas de valorização com a casa alineada em 2017, no montante de €3.426,84 para além das mesmas não cumprirem a totalidade dos critérios exigidos, não podem as mesmas ser consideradas por não se encontrarem em tempo de poderem ser utilizadas, visto que o prazo de reclamação da liquidação n.º 2018..., se encontra expirado nos termos do n.º 1 do art. 70.º, conjugado com a al. a) do n.º 1 do art. 102.º, ambos do CPPT, por ter como data limite de pagamento 31.08.2018 e a presente reclamação ter sido apresentada em 29.04.2022, pelo que, não tendo sido apresentado o pedido tempestivamente, fica prejudicada a apreciação do seu mérito.”.
O n.º 1 do artigo 78.º da LGT estabelece o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.
No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os atos de liquidação dentro dos respetivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).
Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto.
A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).
Mas, a utilização deste meio processual, quando o pedido é apresentado após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, é limitada também quanto aos fundamentos de impugnação, que deixam de ser «qualquer ilegalidade» (como sucede quanto aos pedidos apresentados naquela prazo) para passar a ser apenas o «erro imputável aos serviços».
É um regime que se justifica pela velha máxima «Dormientibus non sucurrit jus» que explica a preclusão de direitos por falta de exercício tempestivo, em benefício da segurança jurídica imprescindível no fundamento geral da sociedade.
Isto é, exige-se a quem é titular de direitos o dever de diligenciar para que eles sejam reconhecidos, para evitar as perturbações da ordem jurídica que a indesejável instabilidade de actos administrativos e tributários provoca.
O n.º 4 deste artigo 78.º confirma a opção legislativa de penalizar com perda de direitos de impugnação de actos tributários a negligência do contribuinte, pois mesmo nos casos de injustiça grave ou notória, apenas permitir a revisão se «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
A fixação do prazo de 120 dias no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT tem ínsito o entendimento legislativo de que, após o seu decurso, já se justifica, numa ponderação conjunta dos interesses conflituantes do contribuinte e da administração tributária, que as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários prevaleçam sobre os direitos de impugnação.
A esta luz, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o artigo 70.º, n.º 1, do CPPT, que prevê o prazo de 120 dias para a apresentação de reclamação graciosa, quantificam temporalmente o dever de diligência dos sujeitos passivos, limitando os direitos de impugnação contenciosa quando eles não agem com a diligência aí pressuposta como sendo exigível.
Na verdade, é por não se poder fazer uma censura ao sujeito passivo a nível do cumprimento dos deveres de diligência que no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT se prevê que, nos casos de documento ou sentença superveniente o prazo de 120 dias só se começar a contar «a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto», apesar de as exigências de segurança jurídica não deixarem de valer a partir do termo inicial normal aplicável, determinado pelos factos arrolados no n.º 1 do artigo 102.º do mesmo Código.
Assim, no caso em apreço, a possibilidade de revisão oficiosa depende da existência de um «erro imputável aos serviços».
Sucede que, no caso em apreço, foi a Requerente quem não declarou tais despesas na sua declaração de IRS relativa ao ano de 2017, pelo que o “erro” lhe é imputável, termos em que julga improcedente a pretensão da Requerente.
Como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não haveria necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício de violação de lei que impede a renovação dos actos impugnados com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.
Todavia, para que não surjam quaisquer dúvidas sobre a pronúncia do Tribunal relativamente a os restantes vícios, o Tribunal, de forma resumida, entende que o pedido não pode proceder quanto aos restantes vícios invocados, seja a caducidade de qualquer das liquidações em crise, seja a falta de fundamentação, seja a da falta de audiência prévia nos procedimentos de liquidação.
Na verdade, a AT, quer na sua Resposta, quer na decisão da reclamação graciosa, invoca as pertinentes disposições legais aplicáveis, concretamente o artº 45º da LGT, o artº 92º nº 1 do CIRS e a alínea a) do nº 2 da LGT, e fundamenta a sua posição.
Aderindo aos argumentos da AT e referidas disposições legais aplicáveis, bem como ao referido no ponto 2.1. supra desta decisão arbitral, relativamente à posição da AT, para o qual se remete, entende o Tribunal que não existe caducidade do direito de liquidação de nenhuma das liquidações constadas, não existe falta de fundamentação formal que tenha impedido a Requerente de entender as sequência de eventos e fatos que ela própria conhece, nem falta de audição prévia num dos procedimentos de liquidação, e que possam levar à anulação das liquidações com esses mesmos fundamentos, improcedendo por isso todos os restantes vícios invocados pela Requerente.
Em conclusão, o pedido de pronúncia arbitral procede parcialmente com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por violação do artigo 10.º nº 5 do CIRS.
Concretamente, a Requerente procedeu ao reinvestimento parcial do valor da realização quando, em 11 de dezembro de 2024, adquiriu o prédio urbano correspondente ao nº ... da Rua ... à Travessa..., em Lisboa (artigo matricial ...º da freguesia de ...), pelo preço de € 92.000,00.
Este vício justifica a anulação parcial das liquidação impugnadas, na parte em que não consideraram o reinvestimento parcial do valor da realização na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente, no montante de € 92.000,00;
O indeferimento expresso da reclamação graciosa em questão enferma do mesmo vício, já que mantém as liquidações, com os fundamentos que constam do despacho de indeferimento.
3. Pedido de restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias pagas em excesso pela Requerida, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
No ponto 3 do seu requerimento de 7 de outubro de 2024, a Requerente vem informar o Tribunal que o “Processo de Execução Fiscal subjacente às liquidações impugnadas deixou de estar suspenso, tendo terminado o período de 4 meses, pelo que a Requerente está a pagar a dívida impugnada, neste Tribunal, que considera indevida”.
O Tribunal desconhece se, na presente data, já se encontra integralmente paga o montante liquidado pela AT.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Anulando-se parcialmente as liquidações por consideração do reinvestimento parcial, o montante devido pela Requerente será inferior.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto a reembolsar, e no pressuposto de que foi paga a totalidade ou em valor superior ao devido, a condenação respectiva terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão arbitral [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].
Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada da quantia paga em excesso, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
A ilegalidade destas liquidações, na parte que aqui releva, é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, apenas relativamente ao montante a reembolsar e pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V. Decisão
De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide o seguinte:
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Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da ilegalidade das liquidações de IRS n.º 2021 ... e n.º 2022 ... subjacentes, de 6.12.2023, e o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2023..., de 28.12.2023, na parte em que não consideraram o reinvestimento parcial do valor da realização na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente, no montante de € 92.000,00;
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Anular parcialmente as liquidações de IRS referidas;
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Anular o despacho de indeferimento expresso do procedimento de reclamação graciosa nº. 2022...;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso e condenar a Administração Tributária a pagar tal montante à Requerente, quanto ao que for determinado em execução da presente decisão arbitral;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, relativamente às quantias pagas em excesso, nos termos referidos no ponto IV. 3. desta decisão arbitral, em execução da presente decisão arbitral;
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Condenar as Partes nas custas do processo, nos termos do ponto VII desta decisão arbitral.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 21.881,61, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
VII. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 71,05% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 28,95%, tendo como critério o montante de reinvestimento e despesas a deduzir pretendidos pela Requerente e o reinvestimento parcial que o Tribunal considerou existir.
Lisboa, 14 de maio de 2025
O Árbitro
(Pedro Miguel Bastos Rosado)