Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 424/2017-T
Data da decisão: 2025-05-05  IRS  
Valor do pedido: € 75.091,72
Tema: IRS. Residentes não habituais. Pedido de inscrição como RNH.
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SUMÁRIO

  1. O ato de inscrição do sujeito passivo como Residente Não Habitual (RNH) pela AT tem natureza meramente declarativa, não dependendo a aplicação do regime dos RNHs do mesmo (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2024, processo n.º 0842/23.9BESNT).
  2. A apresentação do pedido de inscrição como RNH pelo sujeito passivo é obrigatória para aplicação do regime fiscal dos RNHs, sendo através desse ato que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respetivos benefícios fiscais (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2024, processo n.º 0842/23.9BESNT).
  3. O incumprimento do prazo para apresentação do pedido de inscrição como RNH previsto no artigo 16.º do Código do IRS (legalmente estipulado com a aprovação da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio) tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro (ou seja, só será aplicável a partir do ano de inscrição como RNH) (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2024, processo n.º 0842/23.9BESNT).
  4. Se o sujeito passivo apresentou o pedido de inscrição como RNH antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, quando a lei não estipulava qualquer prazo para apresentação do mesmo (como resulta claro do artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio), não pode a AT exigir (arbitrariamente) ao sujeito passivo o comprimento de qualquer prazo, ou negar o pedido de inscrição como RNH com fundamento em extemporaneidade.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Professor Doutor Miguel Patrício e Professora Doutora Nina Aguiar (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral Coletivo no processo em epígrafe, decidem o seguinte:

I. RELATÓRIO

A..., titular do NIF ... (“Requerente”), na sequência da formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 22-12-2016, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”), peticionando o seguinte:

  1. A declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IRS n.ºs 2015... referente a 2012, com o valor de € 764,75; 2014... referente a 2013, com o valor de € 16.960,19; 2015... referente a 2014, com o valor de € 27.642,63; e 2016... referente a 2015, com o valor de € 29.724,15, no montante global de € 75.091,72, por erro nos pressupostos de facto e de direito, decorrente da não aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais (“RNHs”) aos rendimentos auferidos pelo Requerente que qualificam para o dito regime;
  2. O pagamento de juros indemnizatórios contados sobre os montantes IRS indevidamente liquidados e pagos com referência aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, à taxa legal, desde a data de pagamento até ao reembolso integral do imposto; e,
  3. A condenação da AT no pagamento integral das custas do processo.

 

Em suporte das suas pretensões alega o Requerente, em síntese, que (a) preenche os requisitos para aceder ao regime dos RNHs desde 2010, tendo exercido uma atividade de elevado valor acrescentado nos termos  da Portaria n.º 12/2010 entre 2010 e 2015, (b) os rendimento auferidos em Portugal nesses anos deveriam ter sido tributados à taxa de 20% previsto no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS, pelo que a AT deveria ter julgado procedente o pedido de revisão oficiosa que o Requerente apresentou, em 22-12-2016, contra as liquidações de IRS ora impugnadas. O pedido de juros indemnizatórios é sustentado no facto de o Requerente apenas não ter submetido as suas declarações de IRS entre 2012 e 2015 na qualidade de RNH por a AT não lhe ter atribuído o estatuto de RNH, o que constitui um erro imputável aos serviços para efeitos do artigo 43.º da LGT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21-09-2017.

Em 26-10-2017, a AT apresentou resposta ao PPA, defendendo-se por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”). Na resposta ao PPA, a AT suscitou as seguintes exceções e questões prévias:

- Incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos RNHs (exceção dilatória), por (i) o pedido de revisão oficiosa, em cujo indeferimento tácito o Requerente fundamenta o presente PPA, consubstanciar, na verdade, um pedido de anulação do ato administrativo em matéria tributária que, em 24-02-2011, indeferiu o pedido de inscrição como RNH com efeitos ao ano de 2010; (ii) o ato de indeferimento do pedido de inscrição no registo de contribuintes como RNH ser um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação, devendo ser impugnado por ação administrativa especial; (iii) o Tribunal Arbitral ser incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de ordenação da aplicação do regime jurídico-tributário dos RNHs aos rendimentos auferidos pelo Requerente que qualificam para o regime dos RNHs;

- Inidoneidade do meio processual, por erro na forma do processo (exceção perentória), por o ato que indeferiu o pedido de inscrição como RNH com efeitos ao ano de 2010 não ser um ato tributário de liquidação ou de fixação da matéria coletável, não podendo ser revisto ou retificado ao abrigo do meio procedimental previsto no artigo 78.º da LGT;

- Intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 22-12-2016 (exceção perentória), visto que (i) o prazo para a apresentação do mesmo deveria ter sido feito até 31 de março, inclusive, do ano seguinte à inscrição do Requerente como RNH (ou seja, até 31 de março de 2011), nos termos do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio; (ii) não é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, porquanto estaríamos perante um novo pedido de inscrição como RNH com efeitos ao ano de 2010, independente do pedido anterior cuja decisão se consolidou já na ordem jurídica; (iii) um novo pedido de inscrição como RNH, com efeitos ao ano de 2010, apresentado em 22-12-2016, é manifestamente extemporâneo;

- Caducidade do direito de ação (exceção dilatória), na medida em que, pretendendo o Requerente ver retificado, ou revisto, o ato administrativo que indeferiu o pedido de reconhecimento do estatuto de RNH com efeitos ao ano de 2010 (consubstanciado no despacho de 2011-04-19 do Chefe de Divisão de Identificação de Contribuintes, da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes), o prazo para impugnar o mesmo é de 3 meses (nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação à data aplicável, ex vi n.º 2 do artigo 97.º do CPPT), tendo iniciado em 26-06-2011 (data da notificação ao Requerente do ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH) e terminado em 26-09-2011 (sendo certo que o Requerente não impugnou, por via administrativa ou judicial, a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, conformando-se com a mesma e permitindo a sua consolidação na ordem jurídica);

- Falta de interesse em agir (exceção dilatória inominada), já que, ao tempo em que é o presente PPA proposto, o Requerente não tem necessidade de obter tutela jurídica relativamente ao direito que arroga, por se encontrar a correr termos intimação para comportamento, no TAF de Sintra – processo n.º 2818/14.8BESNT, nos termos do artigo 147.º do CPPT, onde o Requerente peticionou, em 11-07-2012, que seja “ordenada a prática do ato de emissão de uma decisão por parte da AT sobre o pedido de inscrição no regime de residentes não habituais para 2010”.

Havendo uma situação de litispendência com o processo arbitral n.º 514/2015-T (causa prejudicial relativamente ao presente processo), a AT requereu a suspensão do presente processo arbitral, nos termos previstos no artigo 272.º do Código de Processo Civil.

Defendendo-se por impugnação, AT alegou o seguinte:

- O pedido de atribuição do estatuto de NRH apresentado em 24-02-2011 (referente à aplicação do regime de RNH desde o ano de 2010) é intempestivo, na medida em que (i) o mesmo deveria ter sido solicitado até ao termo do pretérito ano, ou seja, até 31-12-2010, e (ii) contrariamente ao que pretende fazer crer o Requerente, o disposto no artigo 5.º da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio de 2012, que alterou a redação de diversos números do artigo 16.º do CIRS, não é passível de ser aplicada a relações jurídicas entretanto consolidadas na ordem jurídica, como é o caso da situação do Requerente relativamente ao ano de 2010;

- Considerando a documentação junta pelo Requerente nos autos, o Requerente não demonstrou que passou a cumprir desde 2010 com todos os requisitos estabelecidos no artigo 16.º, n.ºs 6 e 7, do Código do IRS, nomeadamente que não era residente fiscal em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores (ou seja, de 2005 a 2009);

- Considerando a documentação junta pelo Requerente nos autos, o Requerente não demonstrou que, em todos os anos em causa (2012, 2013, 2014 e 2015), apenas auferiu rendimentos que qualificam para o dito regime de NRH, porquanto o Documento 15 junto ao PPA demonstra que o Requerente exerceu funções como administrador da. B..., S.A. apenas entre 2010 e 31-08-2013.

Por último, notou a AT que, mesmo que o PPA seja julgado procedente, apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Em 24-11-2017, a AT juntou aos autos cópia do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, de 16-11-2017, com origem na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 514/2015-T, deixando de fazer sentido a suspensão do presente processo arbitral requerida pela AT na resposta ao PPA (nos termos previstos no artigo 272.º do Código de Processo Civil).

No Despacho do Tribunal Arbitral de 26-11-2017 pode ler-se o seguinte:

“A matéria sobre a qual o Requerente pretende prestar declarações ou é de direito, ou está documentalmente provada, ou é irrelevante para a decisão da causa.

Assim, não se admitem as referidas declarações e dispensa-se, por inútil, a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, convidando-se as partes a alegar por escrito, no prazo, sucessivo, de dez dias, contando-se o da Requerida a partir da notificação das alegações da Requerente, e solicitando-se, ainda, o envio das peças processuais em formato word editável”.

Em 05-12-2017, o Requerente informou os autos do recurso do Acórdão supra referido para o Pleno do Tribunal Constitucional.

O Requerente apresentou alegações em 12-12-2017, respondendo nas mesmas às exceções invocadas pela AT na resposta ao PPA, e juntando documentos.

A Requerida apresentou alegações em 08-01-2018, reiterando a argumentação vertida na resposta ao PPA, e opondo-se à junção de documentos pelo Requente em fase de alegações, mas pronunciando-se sobre os mesmos.

Por despacho de 09-02-2018, o Tribunal Arbitral suspendeu o presente processo arbitral nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:

“No presente processo, intentado em 11/07/2017, são impugnadas liquidações de IRS relativas aos anos de 2012 a 2015, inclusive, cuja ilegalidade o Requerente funda, essencialmente, em nelas se não ter atendido ao regime de residente não habitual, previsto no artigo 16º do CIRS, cujos requisitos alega preencher.

Consta do processo que, anteriormente, o mesmo Requerente intentara, no TAF de Sintra, acção tendente a ver reconhecido o direito a ser tributado de acordo com o regime do dito artigo 16º.

O desfecho desta acção condiciona o destino do presente processo arbitral, porquanto a decisão, a ser-lhe favorável, pode determinar a procedência deste processo. E, a decidir-se já, poder-se-ia estar a produzir uma decisão inútil, e/ou a incorrer em oposição de julgados.

Entende-se, pelo exposto, que, estando o julgamento da causa arbitral dependente da acção que corre no TAF de Sintra, é de suspender a instância, nos termos do nº 1 do artigo 272º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alínea e) do RJAT, até à decisão da causa prejudicial, ou até que surja razão que aconselhe a que se reaprecie o agora decidido.

As partes devem informar este tribunal logo que conheçam a decisão do TAF de Sintra, ou que surja outro motivo que possa conduzir ao levantamento da suspensão”.

Em 18-06-2018, o Tribunal Arbitral solicitou “ao TAF de Sintra informação sobre o estado do processo aí pendente, e previsão, se possível, da data em que será decidido”.

Em 13-07-2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (“TAF de Sintra”) informou o Tribunal Arbitral de que o processo n.º 273/12.6BESNT se encontrava suspenso por o Requerente ter submetido uma questão ao Tribunal Constitucional.

Em 30-08-2018, a AT Requerida veio informar do Acórdão do Tribunal Constitucional, de 16-11-2017, proferido no processo n.º 723/16.

Em 04-09-2018, o Tribunal Arbitral manteve a suspensão antes determinada, “já que a decisão do presente processo depende, como oportunamente se entendeu, da decisão a proferir pelo TAF de Sintra na causa que versa sobre o regime de tributação, e não da do Tribunal Constitucional ora junta”.

Em 06-05-2019, o Tribunal Arbitral solicitou novamente ao TAF de Sintra informação sobre o estado do processo aí pendente.

Em 27-05-2019, o TAF de Sintra informou o Tribunal Arbitral de que a decisão seria proferia assim que possível.

Por Despacho de 21-02-2024, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD determinou a substituição, como árbitro-presidente no presente processo, do Exmo. Conselheiro José Baeta Queiroz pela Exma. Professora Doutora Rita Correia da Cunha.

Por Despacho Arbitral de 14-05-2024, o Tribunal Arbitral solicitou ao TAF de Sintra informação sobre o andamento do processo, designadamente sobre se já foi proferida decisão.

Em 17-05-2024, o TAF de Sintra informou o Tribunal Arbitral de que havia sido proferida sentença em 28-11-2019 no processo n.º 273/12,6BESNT, tendo subido em recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 08-04-2020.

Em 29-01-2025, o Tribunal Arbitral solicitou ao TCAS informação sobre o andamento do processo, designadamente sobre se já foi proferido Acórdão. 

Em 11-02-2025, a AT Requerida veio juntar aos autos o Acórdão do TCAS proferido na Ação Administrativa (processo n.º 273/12.6BESNT), em 07-11-2024, no qual se julgou improcedente o recurso interposto pelo Requerente.

Em 28-02-2025, o Tribunal Arbitral solicitou ao TAF de Sintra para informar sobre se já foi proferida sentença.

Em 26-03-2025, o TAF de Sintra remeteu cópia da sentença proferida em 28-11-2019, na qual foi determinado que não se encontravam verificados os requisitos necessários para o Requerente usufruir do regime dos RNHs a partir de 2011, em virtude de no ano anterior o Requerente ter sido residente em território nacional. Mais informou o TAF de Sintra que a mesma sentença transitou em julgado em 11-12-2024.

Por despacho arbitral de 24-04-2025, o Tribunal Arbitral (i) determinou o levantamento da suspensão do processo arbitral, com efeito desde 27-03-2025 (ou seja, do dia seguinte à última comunicação do TAF de Sintra relativa ao processo n.º 273/12.6BESNT), (ii) notificou as partes para, querendo, e até ao dia 29-04-2025, exercerem o contraditório relativamente às decisões proferidas pelo TAF de Sintra e pelo TCAS no âmbito to referido processo n.º 273/12.6BESNT, e (iii) informou as partes de que o prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT terminaria em 05-05-2025.

As partes não se pronunciaram sobre o teor deste despacho até à presente data.

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades. As exceções e questões prévias suscitadas pela AT Requerida serão apreciadas depois de assente a matéria de facto.

Nas suas alegações, a AT opôs-se à junção de documentos pelo Requerente em sede de alegações. O Tribunal Arbitral admite a junção dos referidos documentos, porquanto (i) a junção de documentos com as alegações escritas do Requerente resultou da alegação, pela AT, de factos ou circunstâncias que não haviam sido ponderadas aquando da apresentação do PPA, e (ii) a AT teve oportunidade e efetivamente pronunciou-se sobre os referidos documentos nas respetivas alegações escritas, tendo, assim, exercido o contraditório sobre os mesmos.

III. QUESTÕES DECIDENDAS

Face à exposição das partes nos respetivos articulados e aos documentos apresentados, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar as seguintes questões:    

Exceções suscitadas pela AT

- Incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos RNH (exceção dilatória);

- Inidoneidade do meio processual, por erro na forma do processo (exceção perentória);

- Intempestividade do pedido de revisão oficiosa (exceção perentória);

- Caducidade do direito de ação (exceção dilatória);

- Falta de interesse em agir (exceção dilatória inominada);

Matéria de facto (relevante) controvertida:

- Se, entre 2005 e 2009, o Requerente era não residente fiscal em território português?

- Se, entre 2012 e 2015, o Requerente exerceu uma atividade de elevado valor acrescentado para efeitos de aplicação da taxa de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS?

Questões de direito (substantivas) controvertidas:

- Se se encontram verificadas as condições de aplicação ao Requerente do regime dos RNHs nos anos de 2012 a 2015?

- Se os rendimentos auferidos pelo Requerente entre 2012 e 2015 beneficiam da aplicação da taxa de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS?

- Se o Requerente tem direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT?

IV. MATÉRIA DE FACTO

FACTOS PROVADOS

  1. O Requerente tinha residência fiscal em Espanha entre 2005 e 2009 (cf. Documentos 1 e 2 juntos às alegações do Requerente).
  2. O Requerente passou a ter residência fiscal em Portugal em 2010, tendo solicitado a sua inscrição como residente fiscal em 08-04-2010 (cf. Documentos 6 e 7 juntos ao PPA, e alegado no artigo 132.º da resposta ao PPA - facto não controvertido)
  3. O Requerente exerceu funções como administrador da B... S.A. entre 01-05-2010 e 31-08-2013 (cf. Documento 15 junto ao PPA).
  4. Por procuração datada de 29-04-2010, foi conferido ao Requerente poder para vincular a sociedade B... S.A. em diversos atos enquanto o mesmo exercesse funções no Grupo, incluindo o poder de celebrar e rescindir contratos relacionados com o objeto ou fim da sociedade (cf. Documento 3 junto às alegações do Requerente).
  5. Em 24-02-2011, o Requerente solicitou a sua inscrição como RNH, por requerimento entregue no Serviço de Finanças de Cascais ..., tendo junto um documento emitido pelas autoridades fiscais espanholas certificando que o Requerente apresentou a declaração de rendimentos referente ao ano de 2009, e uma declaração da B..., S.A. certificando que o Requerente iria desempenhar as funções de diretor a partir de 01-05-2010 (cf. Documento 7 junto ao PPA - facto não controvertido).
  6. Por despacho de 19-04-2011 do Chefe de Divisão de Identificação de Contribuintes, da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, exarado na Informação n.º 192/2011, o pedido de inscrição como RNH foi indeferido, nos seguintes termos:

“Da análise ao pedido e tendo por base os elementos existentes no processo, constata-se que:

1. No requerimento o contribuinte não refere qualquer actividade que esteja incluída na lista das actividades de elevado valor acrescentado de acordo com o previsto na Portaria n° 12/2010, de 7 de Janeiro;

2. A inscrição em cadastro foi efectuada em 2010-04-08 no Serviço de Finanças de Cascais ..., como residente, situação que mantém até à presente data;

3. Apesar de no requerimento apresentado não ser referida a data da opção pelo início deste regime, atendendo à data da inscrição referida em 2., afigura-se que o contribuinte pretende que o mesmo tenha efeitos ao ano de 2010;

4. Questão a analisar, de imediato, prende-se com a tempestividade da apresentação do ora requerimento;

5. Ora, de acordo com o artigo 143.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), “o ano fiscal coincide com o ano civil”.

6. Acrescenta ainda o número 7 do artigo 13.º do citado código que “a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeita”;

7. Neste sentido, constitui entendimento destes Serviços que, com vista a poder beneficiar do estatuto de Residente Não Habitual, o contribuinte deveria ter solicitado a aplicação deste regime, até ao termo do pretérito ano, ou seja, até 31 de Dezembro de 2010;

8. Contudo, tendo efectuado o pedido de inscrição como residente n/ habitual em 2011- 02-24, deverá o mesmo ser liminarmente indeferido por extemporaneidade, nos termos da alínea d) do artigo 83.º do Código do Procedimento Administrativo;

Pelo exposto, afigura-se ser de indeferir liminarmente o pedido apresentado pelo contribuinte A...”.

 (cf. artigos 5.º e 6.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).

  1. O Requerente não impugnou, por via administrativa ou judicial, nos respetivos prazos previstos para o efeito, esta decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH (cf. alegado no artigo 8.º da resposta ao PPA, e no artigo 4.º das alegações do Requerente - facto não controvertido).
  2. Em 20-04-2011, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos relativamente ao ano de 2010, que deu origem à Liquidação de IRS n.º 2011 ... (cf. referido na sentença do TAF de Lisboa junta aos autos).
  3. Em 08-08-2011, foi repetido o pedido de enquadramento do Requerente no regime do RNHs, agora por referência a 2011, tendo o Requerente junto comprovativo de submissão em Espanha de declaração de rendimentos no ano de 2006, e declarações emitidas pelas autoridades fiscais de Espanha certificando que o Requerente tinha domicílio fiscal nesse país nos anos de 2007 a 2010 (cf. Documento 8 junto ao PPA - facto não controvertido).
  4. Este pedido foi indeferido por Despacho de 23-11-2011, exarado na Informação n.º 713/2011, nos seguintes termos:

“Através de requerimento que deu entrada nestes Serviços, em 2011-08-08, vem o contribuinte A..., NIF ..., solicitar a sua inscrição no cadastro fiscal como residente não habitual, para o ano de 2011, nos termos do nº 7 do art.º 16.º CIRS (aditado pelo art.º 4º do DecretoLei n.º 249/2009, de 23 de Setembro).

Da análise ao pedido e tendo por base os elementos existentes no processo, constata-se que:

1.º No requerimento o contribuinte não refere qualquer actividade que esteja incluída na lista das actividades de elevado valor acrescentado de acordo com o previsto na Portaria nº 12/2010, de 7 de Janeiro;

2.º A inscrição em cadastro foi efectuada em 2010-04-08 no Serviço de Finanças de Cascais ..., como residente, situação que mantém até à presente data, quando para o efeito, o requerente não poderia ser residente nos 5 anos anteriores ao ano para o qual pretende a aplicação do regime (cf Circular nº 2/2010, de 6 de Maio, da DSIRS);

3.º O requerente apresenta um certificado de residência fiscal em Espanha para os anos de 2007 a 2010 e declaração de rendimentos desse país para o ano de 2006, confirmados pela DSRI - Direcção de Serviços de Relações Internacionais, através do ofício nº ..., de 2011-09-29;

4.º Estão por tal em falta, os certificados de tributação referentes aos anos de 2007 a 2010 e o certificado de residência referente ao ano de 2006;

5.º O contribuinte entregou a declaração dos rendimentos relativos ao ano de 2010, como residente, o que contraria o requisito disposto na alínea c) do nº 3 da circular 2/2010, de 6 de Maio, da DSIRS;

6.º Apesar de no requerimento apresentado não ser referida a data da opção pelo início deste regime, em função da documentação apresentada, afigura-se que o interessado pretende que o mesmo tenha efeitos ao ano de 2011;

7.º De notar, que o requerente já tinha solicitado a aplicação deste regime ao ano de 2010, através de requerimento entregue em 2011-02-24, pelo P° 39423/11, o qual foi liminarmente indeferido, por extemporaneidade;

Pelo exposto, afigura-se ser de indeferir o pedido apresentado pelo contribuinte  A..., para o ano de 2011, tendo em conta que o interessado não reúne os requisitos legalmente estabelecidos, a que se referem os pontos 2, 4 e 5 da presente informação.”

(cf. Documento 9 junto ao PPA, e alegado no artigo 10.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).

  1. Desta decisão o Requerente propôs a Ação Administrativa Especial em 08-03-2012, que correu os seus termos no TAF de Sintra sob o n.º 273/12.6BESNT (cf. artigo 11.º da resposta ao PPA e referido na sentença do TAF Sintra junta aos autos - facto não controvertido).
  2. Em 30-12-2014, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IRS referente ao ano de 2010, solicitando a atribuição do estatuto de RNH com efeitos a 2010 e a anulação parcial da mesma (cf. artigo 12.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).
  3. Do indeferimento tácito deste pedido de revisão oficiosa, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, cujos termos correram sob o n.º 514/2015-T, tendo o Tribunal Arbitral julgado o mesmo procedente, por entender que, mesmo sem reagir contenciosamente ao despacho de indeferimento em causa – no prazo de 3 meses –  ainda assim podia, como veio a fazer, o Requerente impugnar o ato de liquidação do imposto a ele subjacente (cf. artigos 13.º, 14.º e 128.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).
  4. A AT emitiu as liquidações de IRS n.ºs 2015... referente a 2012, com o valor de € 764,75; 2014... referente a 2013, com o valor de € 16.960,19; 2015... referente a 2014, com o valor de € 27.642,63; e 2016... referente a 2015, com o valor de € 29.724,15 (cf. Documentos 1 a 4 juntos ao PPA - facto não controvertido), as quais foram pagas pelo Requerente (cf. Documentos 11 a 14 juntos ao PPA - facto não controvertido).
  5. Em 22-12-2016, o Requerente pediu a revisão oficiosa das liquidações de IRS ora impugnadas, relativas aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, pretendendo a correção das mesmas por aplicação do regime dos RNHs (cf. Documento 5 junto ao PPA, e alegado no artigo 16.º da resposta ao PPA - facto não controvertido).
  6. Da presunção do indeferimento tácito deste pedido de revisão oficiosa, o Requerente apresentou o presente PPA, em 11-07-2017, que deu origem aos presentes autos.
  7. Na sequência da prolação do Acórdão n.º 718/2017 do Tribunal Constitucional, em recurso da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 514/2015-T (relativa à liquidação de imposto do ano de 2010), o Tribunal Arbitral, em 04-01-2019, procedeu à reforma da Decisão Arbitral anteriormente prolatada, concluindo agora que “o Requerente ao não impugnar autonomamente o acto que determinou a sua não inscrição no regime fiscal dos residentes não habituais, deixa de poder impugnar a consequente liquidação do IRS de 2010, com fundamento em vícios daquele acto” (cf. Acórdão do TCAS junto aos autos).
  8. Em 28-11-2019, com base no Acórdão n.º 718/2017 do Tribunal Constitucional, o TAF de Sintra proferiu sentença na Ação Administrativa Especial que correu termos sob o n.º 273/12.6BESNT (contra o Despacho de 23-11-2011, exarado na Informação n.º 713/2011, que indeferiu o pedido de inscrição do Requerente como RNH apresentado em 08-08-2011, por referência ao ano de 2011), (a) decidindo que, não tendo o Requerente requerido a sua inscrição como RNH em 2010 (ano em que passou a residente fiscal em Portugal), “consolidou-se no ordenamento jurídico a situação relativamente ao ano de 2010, quanto à não inscrição do A. no regime de residente não habitual”, “deixando desta forma de reunir os pressupostos para usufruir do referido regime para o ano de 2011, uma vez que no ano anterior foi tributado como residente em Portugal”, e (b) concluindo que o Requerente “não cumpre os requisitos necessários para usufruir do regime de residente não habitual a partir de 2011, em virtude de no ano anterior ter sido residente em território nacional” (cf. sentença do TAF Sintra junta aos autos - facto não controvertido).
  9. Em recurso apresentado pelo Requerente da sentença proferida pelo TAF de Sintra, o TCAS proferiu Acórdão em 07-11-2024 (processo n.º 273/12.6BESNT), no qual se pode ler:

“atenta a consolidação no ordenamento jurídico da situação relativamente ao ano de 2010, quanto à não inscrição do A. no regime de residente não habitual, e face, outrossim, à factualidade constante nos autos, mormente, a alínea F) da qual resulta que o A. apresentou a sua declaração de rendimentos em sede IRS, em Portugal, como residente em território nacional tal implica que deixou “desta forma de reunir os pressupostos para usufruir do referido regime para o ano de 2011, uma vez que no ano anterior foi tributado como residente em Portugal. Consequentemente, impõe-se concluir que nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 6 do CIRS, não cumpre os requisitos necessários para usufruir do regime de residente não habitual a partir de 2011, em virtude de não ano anterior ter sido residente em território nacional.””

(cf. Acórdão do TCAS junto aos autos - facto não controvertido).

FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão, considera-se como não provado que o Requerente tenha exercido funções como diretor da B... S.A. após 01-09-2013.

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta ao PPA, bem como o PA junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Quanto ao facto não provado (i.e. “que o Requerente tenha exercido funções como diretor de negócio da B... S.A. após 01-09-2013”), note-se que a procuração junta às alegações como Documento 3 (com data de 29-04-2010) nada refere sobre a posição do Requerente no Grupo C... após 01-09-2013, nem que os poderes de representação se estenderam para além da data em que o Requerente cessou funções como administrador da B... S.A.. Tendo a AT Requerida contestado o exercício do cargo de diretor pelo Requerente após 01-09-2013, cumpria a este o ónus de provar a atividade que desenvolveu após 01-09-2013, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o que não logrou fazer.

V. MATÉRIA DE DIREITO

Da legislação aplicável

O artigo 23.º do Código de Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, sob a epigrafe “Investidor com residência não habitual em território português”, dispunha que:

“1 - Considera-se que não têm residência habitual em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.

2 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI.

3 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no número anterior requer que o sujeito passivo nele seja considerado residente para efeitos de IRS.

4 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior num ou mais anos do período referido no n.º 2 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, contando que nele volte a ser considerado residente para efeitos de IRS.” (sublinhado nosso)

Através da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, o regime dos RNHs passou a constar, no que releva, do artigo 16.º do Código do IRS:

“6 - Considera-se que não têm residência habitual em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos.

8 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no número anterior requer que o sujeito passivo nele seja considerado residente para efeitos de IRS.

9 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior num ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, contando que nele volte a ser considerado residente para efeitos de IRS”. (sublinhado nosso)

A Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, alterou a redação destes preceitos, estabelecendo o seguinte:

“6 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

8 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

9 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 7 depende de o sujeito passivo ser, nesse ano, considerado residente em território português.

10 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português”. (sublinhado nosso)

Com relevância para os autos, o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, estabeleceu o seguinte:

“O novo prazo previsto no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS não é aplicável aos sujeitos passivos que se tenham tornado residentes em território português até 31 de dezembro de 2011 e tenham solicitado, até à data da entrada em vigor da presente lei, a inscrição como residente não habitual nos termos da redação anterior daquela disposição, a qual não previa qualquer limite temporal para a apresentação deste pedido”.

Da se retira que (1) só com a Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, passou a ser estipulado um prazo para a inscrição como RNH, e que (2) quando o Requerente se inscreveu como residente fiscal em Portugal, em 2010, tal prazo não havia sido ainda estipulado pelo nosso legislador fiscal.

A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, alterou novamente a redação dos preceitos em apreço:

“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português”. (sublinhado nosso)

Na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, os preceitos em causa tinham a seguinte redação:

“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português”. (sublinhado nosso)

O artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, estipulava o seguinte:

“Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20%”.

Nos termos da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, a atividade desenvolvida por “Quadros superiores de empresas” constitui uma atividade de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico que releva para o novo regime fiscal do RNH. Na Circular 2/2010, a AT veio clarificar que “Quadros superiores de empresas” incluem “pessoas com cargo de direcção e poderes de vinculação da pessoa colectiva”.

Da jurisprudência relevante

Antes de passarmos à apreciação das exceções suscitadas pela AT, interessa primeiramente atentar ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, de 16-11-2017, proferido no processo n.º 723/16 (com origem na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 514/2015-T). Quanto à questão de saber se, à luz do princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, o artigo 54.º do CPPT (“Impugnação unitária”) pode ser interpretado no sentido de que a não impugnação judicial do ato administrativo de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de RNH impede a impugnação da liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele, veio o Tribunal Constitucional esclarecer, entre o mais, o seguinte:

 

 

 

Daqui se retira que os princípios constitucionais da tutela judicial efetiva e da justiça não impõem que o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH seja considerado um ato lesivo de impugnação autónoma para efeitos do artigo 54.º do CPPT. Significa isto que, in casu, o Requerente tinha o ónus de impugnar autonomamente o ato administrativo de indeferimento do pedido de inscrição como RNH (em respeito do princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT), e que, tendo incumprido tal ónus, ficou precludida a possibilidade de impugnação das liquidações de IRS em apreço com fundamento em vícios relacionados com o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH.

A este propósito, interessa também atentar ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 370/2022, de 12-05-2022, com origem na Decisão Arbitral proferida processo n.º 188/2020-T, na qual se decidiu que (i) o pedido de inscrição como residente não habitual (previsto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS) não tem efeito constitutivo mas meramente declarativo, e que (ii) in casu, o sujeito passivo poderia beneficiar do regime dos RNH do n.º 8 do aludido preceito, mesmo não tendo requerido a respetiva inscrição nos termos do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS. No Acórdão em apreço, o Tribunal Constitucional concluiu que a Decisão Arbitral amparou o sentido decisório veiculado na aplicação do artigo 16.º, n.º 8, do CIRS, não tendo desaplicado as normas constantes do artigo 16.º, n.º 10, do CIRS ou do artigo 54.º, do CPPT, nem aludido a qualquer vício de desconformidade constitucional. Com este fundamento, o Tribunal Constitucional julgou inadmissível o recurso interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

A orientação subjacente à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 188/2020-T (no sentido de que a inscrição como RNH prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS constitui uma mera obrigação declarativa) foi seguida subsequentemente em diversos processos arbitrais (e.g., Decisão Arbitral de 08-09-2023, processo n.º 76/2023-T; Decisão Arbitral de 04-09-2024, processo n.º 1041/2023-T; Decisão Arbitral de 22-11-2024, processo n.º 350/2024-T).

Mais recentemente, o Acórdão do Douto Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2024, processo n.º 0842/23.9BESNT, veio esclarecer que: (1) tendo o ato de inscrição do sujeito passivo como RNH pela AT natureza meramente declarativa, a aplicação do regime dos RNH não depende do mesmo; (2) a apresentação do pedido de inscrição como RNH pelo sujeito passivo é obrigatória para aplicação do referido regime fiscal; (3) o incumprimento do prazo para apresentação do pedido de inscrição como RNH previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto), tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro (ou seja, só será aplicável a partir do ano de inscrição como RNH):

“o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).

Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.

No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente.

Por outro lado, nos termos do artigo 12º do EBF, “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.

Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.

Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).

Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018 (...)”.

Esta orientação jurisprudencial do STA encontra-se refletida na Decisão Arbitral de 03-02-2025, processo n.º 745/2024-T, e na Decisão Arbitral de 20-01-2025, processo n.º 692/2024-T, nas quais foi decidido que a apresentação do pedido de inscrição como RNH fora do prazo legalmente previsto para o efeito tem como consequência que o regime dos RNH só será aplicável para o futuro.

Das exceções e questões prévias suscitas pela AT na resposta ao PPA

A Requerida invocou, na resposta, a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos RNHs. Em sede de alegações, o Requerente veio salientar que o PPA visa anular as liquidações de IRS relativas aos anos de 2012 a 2015, e não impugnar as decisões de indeferimento dos pedidos de inscrição do Requerente como RNH apresentados em 2011, sublinhando que o princípio da impugnação unitária contido no artigo 54.º do CPPT não obsta a que o Requerente beneficie do regime dos RNHs no caso sub judice, por se verificarem os correspondentes pressupostos.

O Tribunal Arbitral julga esta exceção improcedente por duas principais razões.

Em primeiro lugar, in casu, o objeto do PPA não corresponde a qualquer ato de indeferimento de pedido de inscrição do Requerente como RNH, mas a liquidações de IRS de 2012, 2013, 2014 e 2015, e a um ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa. Conforme decorre do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, como pretende o Requerente.

Em segundo lugar, o Requerente fundamenta o pedido de anulação das liquidações de IRS de 2012, 2013, 2014 e 2015 e do ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa em apreço na ilegalidade dos mesmos, por violação do disposto no artigo 16.º do Código do IRS (por se encontrarem verificados os pressupostos de aplicação do regime do RNHs), e não na ilegalidade dos atos de indeferimento dos pedidos de inscrição do Requerente como RNH em causa.

Ora, se o Tribunal Constitucional deixou claro que os princípios constitucionais da tutela judicial efetiva e da justiça não precludem a interpretação do princípio da impugnação unitária contido no artigo 54.º do CPPT no sentido de que os sujeitos passivos que não impugnaram o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH não podem posteriormente impugnar liquidações de IRS com fundamento em vícios do ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017, de 16-11-2017), também é verdade que o mesmo Tribunal já veio esclarecer que a nossa Constituição não impede que os sujeitos passivos impugnem liquidações de IRS com fundamento em ilegalidade (i.e. violação do artigo 16.º do Código do IRS), por efetivamente se encontrarem verificados os pressupostos de aplicação do regime dos RNHs (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 370/2022, de 12-05-2022).

Acresce que o Douto Supremo Tribunal Administrativo veio recentemente esclarecer que, não obstante a apresentação do pedido de inscrição como RNH pelo sujeito passivo ser obrigatória para aplicação do referido regime fiscal, o ato de inscrição do sujeito passivo como RNH pela AT tem natureza meramente declarativa, não dependo a aplicação do regime dos RNH do mesmo (cf. Acórdão de 29-05-2024, processo n.º 0842/23.9BESNT).

Desta jurisprudência retira-se que (1) os sujeitos passivos podem contestar a legalidade de liquidações de IRS com fundamento em ilegalidade (por efetivamente se encontrarem verificados os pressupostos de aplicação do regime dos RNHs), independentemente de terem impugnado anteriormente o ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, e (2) os tribunais judicias e arbitrais têm competência para apreciar a legalidade das ditas liquidações de IRS, independentemente de ato de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, visto que o ato de inscrição do sujeito passivo como RNH pela AT tem natureza meramente declarativa.

Com estes fundamentos, julgam-se também improcedentes as exceções de (1) inidoneidade do meio processual (por erro na forma do processo), visto que as liquidações de IRS impugnadas poder ser revistas ao abrigo do meio procedimental previsto no artigo 78.º da LGT e impugnadas em sede arbitral; (2) caducidade do direito de ação (por o prazo de 3 meses para impugnar o ato administrativo que indeferiu o pedido de inscrição como RNH não ter sido observado), visto que, na presente ação arbitral, o Requerente não contesta o ato administrativo que indeferiu o pedido de inscrição como RNH, mas as liquidações de IRS de 2012, 2013, 2014 e 2015; (3) falta de interesse em agir, já que a presente ação arbitral tem um objeto diverso da ação que correu no TAF de Sintra (ação administrativa especial cujo objeto foi a legalidade do o ato administrativo que indeferiu o pedido de inscrição como RNH, com efeitos a 2011).

Quanto à exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 22-12-2016, note-se que, quando o Requerente apresentou os pedidos de inscrição como RNH em 2011, a lei não estipulava qualquer prazo para apresentação dos mesmos (como aliás resulta claro do artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio), sendo vedado à AT exigir (arbitrariamente) aos sujeitos passivos o comprimento de qualquer prazo, e negar o pedido de inscrição como RNH com fundamento em extemporaneidade. O pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente teve como objeto as liquidações de IRS de 2012 e 2015, sendo a notificação das mesmas o momento relevante para aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT. Nestes termos, julga-se também improcedente esta exceção.

Julgadas improcedentes as exceções suscitadas pela AT na resposta ao PPA, interessa agora apurar se se encontravam verificadas as condições para o Requerente beneficiar do regime dos RNHs nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015.

Da verificação das condições do regime dos RNHs

Em 2010 (ano em que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal), o regime dos NNHs exigia que os sujeitos passivos (1) se tornassem residentes fiscais em Portugal, não o tendo sido nos cinco anos anteriores (in casu, 2015-2019), e (2) se inscrevessem como RNHs, ou seja, pedissem a sua inscrição como RNH à AT (não havendo até à entrada em vigor da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, prazo para este pedido ser efetuado).

Tal como resulta da matéria de facto assente, o Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal em 2010, não o tendo sido nos cinco anos anteriores (2015-2019). Não há assim dúvida que a primeira das referidas condições se verificou.

Quanto ao pedido de inscrição como RNH, também resulta da matéria de facto assente que o Requerente apresentou dois pedidos em 2011. Não havendo, em 2010 ou 2011, prazo legal para apresentação de pedidos de inscrição como RNH, cumpre concluir que se encontra também verificada a condição de inscrição como RNH. Tal como observado no Acórdão do Douto Supremo Tribunal Administrativo de 29-05-2024, processo n.º 0842/23.9BESNT, a inscrição como RNH sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal dos RNHs, e constitui condição de aplicação do respetivo regime fiscal (sendo através desse ato que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respetivos benefícios fiscais). Contudo, do mesmo Acórdão resulta também que o deferimento do pedido de inscrição como RNH tem efeito meramente declarativo.

Considerando que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal em 2010, que não foi residente fiscal em Portugal entre 2005 e 2009, e que apresentou pedido de inscrição como RNH, nada na lei impede que o Requerente beneficie do regime dos RNHs pelo período de 10 anos (desde 2010), incluindo os períodos de tributação entre 2012 e 2015.

Por último, sublinhe-se que, se o ato de inscrição do sujeito passivo como RNH pela AT tem natureza meramente declarativa, não dependo a aplicação do regime dos RNHs do mesmo (cf. Acórdão do STA de 29-05-2024, proferido no processo n.º 0842/23.9BESNT), nem os atos de indeferimento dos pedidos de inscrição do Requerente como RNH, nem as decisões proferidas pelo TAF de Sintra e pelo TCAS no âmbito da Ação Administrativa Especial que correu termos sob o n.º 273/12.6BESNT (contra o Despacho de 23-11-2011, exarado na Informação n.º 713/2011, que indeferiu o pedido de inscrição do Requerente como RNH apresentado em 08-08-2011, por referência ao ano de 2011), obstam a que o presente Tribunal Arbitral determine que se encontram verificadas as condições de aplicação ao Requerente do regime dos RNHs nos anos de 2012 a 2015, e que julgue procedente o pedido de anulação das liquidações de IRS referentes aos mesmos anos, com fundamento em ilegalidade das mesmas.

Por todo o exposto, o Tribunal Arbitral julga como verificadas as condições de aplicação ao Requerente do regime dos RNHs nos anos de 2012 a 2015. Questão diversa é a de saber se os rendimentos auferidos pelo Requerente entre 2012 e 2015 beneficiam da aplicação da taxa de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS?

Da elegibilidade dos rendimentos auferidos pelo Requerente para efeitos do regime dos RNHs

Tal como resulta da matéria de facto e respetiva fundamentação, o Tribunal considerou como (a) provado que o Requerente exerceu funções como administrador da B... S.A. entre 01-05-2010 e 31-08-2013, (b) provado que, por procuração datada de 29-04-2010, foi conferido ao Requerente poder para vincular a sociedade B... S.A. em diversos atos enquanto o mesmo exercesse funções no Grupo, e (c) não provado que o Requerente tenha exercido funções como diretor da B... S.A. após 01-09-2013.

Nos termos do artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, são tributados à taxa de 20% os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. Nos termos da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, e da Circular 2/2010, estas atividades incluem a atividade desenvolvida por “Quadros superiores de empresas”, ou seja, por “pessoas com cargo de direcção e poderes de vinculação da pessoa colectiva”.

Nestes termos, no caso sub judice, os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos pelo Requerente entre 01-05-2010 e 31-08-2013, pelo exercício das funções como administrador da B... S.A., beneficiam da taxa reduzida de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS. Já os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos pelo Requerente após 01-09-2013 não beneficiam da referida taxa de 20%, visto que não ficou provado que o Requerente tenha exercido funções como diretor da B... S.A. (não sendo a procuração datada de 29-04-2010 suficiente para sustentar que o Requerente exerceu uma atividade de “Quadros superiores de empresas” após 01-09-2013).

Por todo o exposto, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula parcialmente as liquidações de IRS de 2012 e 2013 impugnadas (com os n.ºs 2015..., no valor de € 764,75, e 2014..., no valor de € 16.960,19), na parte relativa aos rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos pelo Requerente entre 01-05-2010 e 31-08-2013, pelo exercício das funções como administrador da B... S.A., na medida em que estão verificadas as condições para que os mesmos rendimentos beneficiem da taxa reduzida de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS. Na mesma medida e com o mesmo fundamento, o Tribunal Arbitral declara ilegal e anula parcialmente o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado com as referidas liquidações de IRS. Em consequência, o Tribunal Arbitral condena a AT no reembolso do imposto pago em excesso pelo Requerente.

Já quanto às liquidações de IRS com os n.ºs 2015..., referente a 2014, no valor de € 27.642,63, e 2016..., referente a 2015, com o valor de € 29.724,15, julga-se improcedente o PPA, pelo que as mesmas se mantém na ordem jurídica.

Dos juros indemnizatórios

Dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso sub judice, embora o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido tenha decorrido das declarações de rendimentos apresentadas pelo Requerente, a verdade é que o Requerente não apresentou tais declarações de rendimento na qualidade de RNH por a AT não lhe ter atribuído o estatuto de RNH. Assim sendo, temos que se verificou um erro imputável aos serviços para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

Do exposto supra resulta que o Tribunal Arbitral declarou a ilegalidade das liquidações de IRS de 2012 e 2013, na parte referente aos rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos pelo Requerente entre 01-05-2010 e 31-08-2013, pelo exercício das funções como administrador da B... S.A. (que beneficiam da taxa reduzida de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS), e determinou o reembolso do imposto pago em excesso.

Tendo o Requerente apresentado, em 22-12-2016, um pedido de revisão oficiosa contra as liquidações de IRS ora anuladas, o qual foi indeferido tacitamente em 22-04-2017 (nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT), os juros indemnizatórios, calculado sobre o montante a reembolsar ao Requerente, contam a partir de 23-12-2017 (ou seja, um ano após a apresentação do referido pedido de revisão oficiosa), nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, até ao integral reembolso ao Requerente, nos termos do artigo 61.º do CPPT, o que se determina.

 

VI. DECISÃO

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:

  1. Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela AT na resposta ao PPA;
  2. Declarar ilegais e anular (parcialmente) as liquidações de IRS de 2012 e 2013 impugnadas (com os n.ºs 2015... no valor de € 764,75, e 2014..., no valor de € 16.960,19), na parte relativa aos rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos pelo Requerente entre 01-05-2010 e 31-08-2013, pelo exercício das funções como administrador da B... S.A., porquanto estão verificadas as condições para que os mesmos rendimentos beneficiem da taxa reduzida de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS;
  3. Na mesma medida e com o mesmo fundamento, declarar ilegal e anular (parcialmente) o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente contra as referidas liquidações de IRS;
  4. Condenar a AT no reembolso do imposto pago em excesso pelo Requerente nos termos expostos supra, acrescido de juros indemnizatórios contados a partir de 23-12-2017, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, até ao integral reembolso ao Requerente, nos termos do artigo 61.º do CPPT;
  5. Manter na ordem jurídica as liquidações de IRS com os n.ºs 2015..., referente a 2014, no valor de € 27.642,63, e 2016..., referente a 2015, com o valor de € 29.724,15.

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de 75.091,72, correspondente ao montante das liquidações de IRS que o Requerente impugnou - v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT.

CUSTAS

Custas no montante de 2.448,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Quanto à responsabilidade pelas custas, dado que o PPA é apenas parcialmente procedente e que não é possível, com base na informação constante dos autos, ao Tribunal Arbitral determinar o montante de imposto anulado, o Tribunal Arbitral considera que (i) o Requerente solicitou a anulação de liquidações de IRS referentes a 4 anos (2012 a 2015), ou seja, 48 meses, e que (ii) o Requerente auferiu rendimentos como administrador da B... S.A. entre 01-01-2012 e 31-08-2013 (20 meses), sendo estes rendimentos elegíveis para a taxa reduzida de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 6, do Código do IRS.

Assim sendo, do montante total das custas (€ 2.448,00), fica o montante de € 1.020,00 a cargo da AT Requerida (€ 2.448,00 x 20 meses / 48 meses), e o montante de € 1.428,00 a cargo do Requerente (€ 2.448,00 x 28 meses / 48 meses).

Notifique-se.

CAAD, 5 de maio de 2025

 

O Tribunal Arbitral,

 

 

Professora Doutora Rita Correia da Cunha

 

 

 

 

 

Professor Doutor Miguel Patrício

 

 

Professora Doutora Nina Aguiar