Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1276/2024-T
Data da decisão: 2025-04-08  IRS  
Valor do pedido: € 10.641,18
Tema: IRS – Residente não habitual; inscrição como residente não habitual; artigo 16.º, n.ºs 8 a 12, do Código do IRS. Competência do tribunal arbitral.
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Sumário:

  1. São considerados residentes não habituais, em território português, os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (cf. artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS).
  2. O pedido de inscrição como residente não habitual, a que se refere o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, tem natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado enquanto residente não habitual.
  3. A partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual, previstos no n.º 8 do artigo 16º do Código do IRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente em território português, a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10 do mesmo artigo 16.º, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 2 de dezembro de 2024, A..., NIF..., residente em ..., ..., CP..., ...-... Loulé (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal Arbitral relativamente à ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2023 e do qual resultou o valor a pagar de € 10.641,18.

O Requerente juntou 6 (seis) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 9 de dezembro de 2024.

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23 de janeiro de 2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 11 de fevereiro de 2025.

 

4. No dia 11 de março de 2025, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual deduziu defesa por exceção (incompetência material do Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de residente não habitual e impropriedade do meio processual) e impugnou os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pugnando pela procedência das exceções invocadas, com a sua consequente absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, nem procedeu à junção aos autos do processo administrativo.

 

5. No dia 26 de março de 2025, o Requerente, notificado para o efeito, pronunciou-se relativamente às exceções invocadas pela Requerida, tendo concluído pugnando pela respetiva improcedência.

 

6. No dia 26 de março de 2025, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações e a indicar o dia 31 de julho de 2025 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído (cf. artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Como foi já referido, a Requerida suscitou duas exceções (incompetência material do Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de residente não habitual e impropriedade do meio processual), para cuja apreciação se mostra necessário fixar a factualidade provada e não provada, após o que nos debruçaremos sobre as mesmas.

Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

III. Fundamentação                             

III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS

8. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) No ano de 2015, o Requerente constava no cadastro da AT como não residente com a morada em..., ..., Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

b) O Requerente é residente fiscal em Portugal desde 24 de junho de 2020. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

c) Em 29 de julho de 2024, o Requerente apresentou a sua declaração Modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos por si obtidos no decurso do ano fiscal de 2023, acompanhada dos Anexos J e L. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]

d) Em virtude de o Requerente não constar do cadastro da AT como residente não habitual, aquela declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS não foi aceite e validada, pelo sistema informático da AT, com o Anexo L. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]

e) Nessa sequência, o Requerente entregou uma nova declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, sem o Anexo L. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA]         

f) Na sequência da entrega dessa declaração de rendimentos, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2023, da qual resultou o montante total a pagar de € 10.641,18. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]        

g) No dia 2 de dezembro de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

h) Até à data de apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral, o Requerente não solicitou a sua inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças.

 

§2. Factos não Provados

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que o Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 10.641,18 resultante da liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2023.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

10. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal resultou da apreciação crítica e de uma adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, de todo o acervo probatório de natureza documental que foi carreado para os autos e que não foi impugnado, em conjugação com as alegações das partes nos respetivos articulados quando reportadas a factos pertinentes para a decisão que não se mostraram controvertidos.

 

11. Relativamente à factualidade não provada, a mesma foi assim considerada em virtude da inexistência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de a comprovarem; com efeito, o documento n.º 6 anexo ao PPA apenas comprova que a liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, foi processada pela AT e que da mesma resultou o valor de imposto a pagar de € 10.607,47, nada daí se extraindo quanto ao respetivo pagamento. 

  

III.2. De Direito

§1. O thema decidendum

12. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, é atinente ao regime fiscal dos residentes não habituais, estando concretamente em causa dilucidar, para além da verificação dos requisitos materiais do estatuto de residente não habitual, se a inscrição enquanto residente não habitual no registo de contribuintes consubstancia um pressuposto específico da aplicabilidade do respetivo regime legal.

A resposta que for dada a esta questão será determinante para o juízo a proferir relativamente à (i)legalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, para a decisão quanto ao pedido de restituição do imposto (indevidamente) pago.

Previamente, porém, importa apreciar as seguintes exceções suscitadas pela Requerida: a incompetência material do Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de residente não habitual e a impropriedade do meio processual. 

 

§2. Da incompetência material do Tribunal Arbitral para reconhecer o estatuto de residente não habitual

13. A Requerida invoca esta exceção estribada, nuclearmente, na seguinte argumentação:

- “…, como taxativamente decorre do PPA, o que o Requerente pretende com a presente lide é que lhe seja reconhecido o estatuto de residente não habitual para efeitos de liquidação de imposto em 2023, …”

- “Pois é consabido que só depois de ser reconhecido/concedido/aplicado o estatuto de RNH é que a liquidação impugnada poderia ser anulada.”

- “Parece, assim, não existirem dúvidas que o pedido do Requerente se circunscreve ao reconhecimento do estatuto de RNH e à sua consequente aplicação na liquidação em causa.”

- “Porém, nos termos da lei, o reconhecimento pretendido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo, assim, este conhecer e/ou pronunciar-se sobre o mesmo.”

- “…, tendo em conta que o único vício imputado à liquidação se prende com a apreciação do preenchimento dos pressupostos para que lhe seja reconhecido o regime do residente não habitual, é por demais evidente a incompetência material, absoluta, do CAAD, para apreciar os alegados vícios/ilegalidades que, segundo invocam, ferem de ilegalidade a liquidação.”

- “A incompetência material configura uma exceção dilatória, que desde já se suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.” 

 

14. Notificado para o efeito, o Requerente pronunciou-se quanto a esta exceção, aduzindo, essencialmente, o seguinte:

- “No que se refere concretamente às excepções invocadas, o Requerente remete para as diversas decisões arbitrais em que os árbitros tomaram posição quanto ao alegado – negando provimento à posição da Fazenda Pública, indeferindo as alegações feitas –, de que são exemplo as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 146/2024-T, 706/2024-T, 769/2024-T e 926/2024-T,”

 

Cumpre apreciar e decidir.

15. A invocada incompetência em razão da matéria deste Tribunal Arbitral constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso e prioritário (cf. artigo 16.º, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e artigos 13.º e 89.º, n.º 4, alínea a), do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

A competência material do tribunal, enquanto pressuposto processual, é aferida pela forma como o demandante conforma o pedido e a respetiva causa de pedir, determinando-se, assim, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor e em que são expostos a pretensão deduzida em juízo e os factos com relevância jurídica (cf. acórdãos do TCA Sul proferidos em 28.11.2019, no processo n.º 44/19.9BCLSB e em 07.04.2022, no processo n.º 56/21.2BCLSB).

Destarte, a fim de determinar a competência material do tribunal, importa atender à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo demandante na sua petição inicial.   

 

16. No caso concreto, como resulta do respetivo articulado, o pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade e a consequente anulação, com as legais consequências, do ato tributário controvertido, invocando o Requerente, como fundamento da pretensão deduzida, a “ilegalidade da liquidação de IRS efectuada por referência ao ano de 2023 por violação do disposto nos n.ºs 8 e 9 do art. 16.º devidamente conjugado com a alínea a) do n.º 5 do art. 81.º do Código do IRS”.

Ora, no concernente aos tribunais arbitrais, como decorre do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, a sua competência compreende a apreciação das seguintes pretensões, delimitadas nos termos vertidos nos artigos 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março:

a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e,

b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.      

Ademais, como afirma Carla Castelo Trindade (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 69 e 70), “os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa”, ou seja, os “actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário” apenas “poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral”.  

Assim, uma vez que o Requerente deduz uma pretensão consubstanciada na apreciação da (i)legalidade do ato tributário controvertido, fundada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, afigura-se-nos evidente que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o ato tributário impugnado nos autos, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. 

 

17. Como afirmado na decisão arbitral proferida no processo n.º 705/2022-T, em que igual questão excetiva foi objeto de apreciação, contra a conclusão a que se chegou no sentido da competência material deste Tribunal, não procede a argumentação da Requerida “de que, apesar de solicitar a anulação da liquidação de IRS em crise, a causa de pedir centra-se na condição de residente não habitual, pelo que estaria em causa o pedido de reconhecimento dessa condição, que é suscetível, em termos contenciosos, perante o seu indeferimento, designadamente tácito, de reação mediante ação administrativa (art. 97.º, n.º 2 do CPPT), matérias e meio processuais que são alheios à competência dos tribunais arbitrais. Sucede que, se é certo que o Requerente questiona na sua PI a natureza da inscrição no registo dos contribuintes da condição de residente não habitual para efeitos da aplicação do competente regime, os termos da configuração do pedido de pronúncia arbitral, pelos quais se afere a competência, não correspondem ao que assim indica a Requerida, sendo claro que se impugna a liquidação de IRS em crise, à qual se imputa o vício de erro sobre os pressupostos por não aplicação das regras de tributação dos residentes não habituais que corresponderia à situação tributária do Requerente. Por outras palavras, o objeto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual do Requerente (…), mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.

Por outro lado, não há que confundir a competência para a declaração de ilegalidade de ato de liquidação de imposto com a inviabilidade de isso se fazer com base em fundamentos que respeitem a atos destacáveis autonomamente impugnáveis, que envolvem a consequência, na falta da sua impugnação tempestiva, de se consolidarem como caso resolvido. O sujeito passivo pode impugnar uma liquidação de imposto perante Tribunal arbitral, o qual é competente para a sua apreciação (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT); questão distinta é verificar se, no exercício dessa competência, o Tribunal arbitral está vinculado a não acolher, como fundamentos de anulação, vícios imputados em relação a antecedentes atos que, por não terem sido objeto oportunamente dos competentes meios de reação autónoma, se consolidaram em definitivo na ordem jurídica – trata-se, neste último caso, de questão que concerne à inimpugnabilidade da liquidação em atenção à verificação de caso decidido ou caso resolvido, não à competência do Tribunal.”

Acresce que, como é ainda salientado na mesma decisão arbitral, a jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Requerida (acórdão n.º 718/2017) “respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º 20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).”

Nesta conformidade, é julgada improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida.

 

§3. Da impropriedade do meio processual

18. A Requerida invoca esta exceção esgrimindo, essencialmente, os seguintes argumentos:

- “…, o reconhecimento do regime jurídico do residente não habitual só pode ser peticionado junto do tribunal tributária por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, pelo que, (…), é inquestionável que o P.P.A. apresentado pelo Requerente não é o meio próprio para fazerem valer a sua pretensão.”

- “Porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo.”

- “Sendo que a verificação do erro se afere em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão, in casu, a aplicação do estatuto de residente não habitual.”

- “A impropriedade do meio consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.”  

 

19. Notificado para o efeito, o Requerente pronunciou-se quanto a esta exceção nos mesmos termos em que o fez relativamente à anterior exceção e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

             

Cumpre apreciar e decidir.

20. Neste conspecto, desde logo, reafirmamos tudo quanto anteriormente se deixou dito quanto à exceção da incompetência em razão da matéria deste Tribunal Arbitral. 

Acresce que, conforme decidido no citado acórdão do STA, de 22.03.2018, proferido no processo n.º 01263/16, que, embora referente à impugnação judicial, se afigura inteiramente aplicável ao processo arbitral tributário:

“I - Porque o erro na forma do processo – excepção dilatória que, nos casos em que a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, determinará a anulação de todo o processo e a absolvição do réu da instância [cfr. arts. 193.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea b), todos do CPC] – decorre do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, deve aferir-se pelo pedido e não pela causa de pedir.

II - Quando o pedido formulado é de que seja anulada uma liquidação de imposto, não há como não considerar a impugnação judicial como meio processual próprio [cfr. art. 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT].

III - Questão diversa, mas que se situa no âmbito do mérito da causa e já não no âmbito das excepções dilatórias (que é onde se situa o erro na forma do processo), é a de saber se a procedência da impugnação judicial está condicionada pela prévia reacção contenciosa contra um acto antecedente.”

Nesta conformidade, sem necessidade de acrescidas considerações, entendemos que não se verifica o invocado erro na forma de processo.

 

§4. O regime fiscal dos residentes não habituais: enquadramento normativo

21. Resolvidas as questões excetivas, centremos agora a nossa atenção na apreciação da questão jurídico-tributária de fundo que, como vimos, se prende com a aplicação ao Requerente do regime fiscal dos residentes não habituais, estando o pomo da discórdia entre as partes centrado na questão atinente à natureza de que se reveste a inscrição no registo como residente não habitual, ou seja, saber se possui uma natureza meramente declarativa – e, nessa medida, “a inscrição do Requerente como residente não habitual junto da AT é irrelevante para efeitos de aplicação do respectivo regime, havendo apenas que determinar se, em concreto, estão preenchidos os requisitos legais para atribuição de tal estatuto fiscal”, como é propugnado pelo Requerente – ou, pelo contrário, se tem uma eficácia constitutiva e, por isso, constitui um pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar desse estatuto de residente não habitual, como advoga a Requerida.

A análise da enunciada questão jurídico-tributária deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos; assim, desde logo, importa ter presente o disposto no artigo 16.º, n.ºs 8 a 12, do Código do IRS, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto:

“Artigo 16.º

Residência

(…)

8. Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9. O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10. O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11. O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12. O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

(…)”  

Por outro lado, importa ainda convocar o artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS que estatui o seguinte: 

“Artigo 81.º

Eliminação da dupla tributação jurídica internacional

(…)

5. Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; (…)”

 

22. A questão de saber se a inscrição no registo como residente não habitual, a que alude o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, possui uma natureza meramente declarativa ou, pelo contrário, se tem uma eficácia constitutiva, foi objeto de apreciação no acórdão do STA, de 29.05.2024, proferido no processo n.º 0842/23.9BESNT, no qual foi firmado o seguinte entendimento:

“I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.

II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.”

Subjacente a este entendimento está a seguinte argumentação que é aduzida naquele aresto:

“(…) decorre dos elementos acima descritos com referência ao art. 16º do CIRS que é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.

Neste ponto, a AT encara a aposição deste termo final do prazo de inscrição da qualidade de residente não habitual como uma condição preclusiva do direito à aplicação deste regime fiscal, posição acolhida na decisão recorrida, quando se considera, a este propósito, que o legislador não previu qualquer hipótese de relevar a apresentação tardia do pedido de inscrição, como está previsto noutras situações de gozo de benefícios fiscais e de que foram dados alguns exemplos.

Ora, perante o destacado efeito preclusivo da apresentação tardia do pedido de inscrição, crê-se, tal como aponta o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, que o efeito gravoso de tal situação imporia uma previsão mais expressa por parte do legislador.

Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).

Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.

No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente.

Por outro lado, nos termos do artigo 12º do EBF, “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.”   

Perfilhando o mesmo entendimento, foi decidido o seguinte no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27.06.2024, proferido no processo n.º 02281/21.7BEPRT:

“II. Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código de IRS, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

III. O pedido de inscrição como residente não habitual para efeitos de aplicação do Regime dos Residentes Não Habituais não tem efeitos constitutivos do direito a ser considerado como RNH e a beneficiar do respetivo regime fiscal, consubstanciando-se como uma mera formalidade para operar o benefício fiscal, revestindo mera natureza declarativa.”

Muito recentemente, tal entendimento foi reafirmado no acórdão do STA, de 15.01.2025, proferido no processo n.º 01750/22.6BEPRT, no qual foi decidido que “não resulta do normativo sob exegese que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr. artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais).”     

O esteio argumentativo que fundamenta este entendimento é, essencialmente, o seguinte:

Nas palavras da lei, consideram-se residentes não habituais, em território português, os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2 do preceito, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (cfr.nº.8 da norma sob exegese).

O legislador faz apelo, desde logo, a uma não residência fiscal pretérita num período de cinco anos para definir o conjunto de beneficiários do regime. Os sujeitos passivos devem tornar-se residentes fiscais em Portugal ao abrigo de qualquer das regras constantes dos nºs.1 ou 2, do artigo sob exegese. O direito ao regime de tributação dos residentes não habituais adquire-se, nos termos dos nºs.9 e 10 do preceito, com a respectiva inscrição por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao acto da inscrição como residente em território português e até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território, mais vigorando tal regime por um prazo de dez anos. Contudo, nos termos da lei os residentes não habituais não perdem, duradouramente, os benefícios do regime pelo facto de num ou mais anos do citado período de dez anos não cumprirem com esse requisito. Deste modo, é possível retomar o gozo do regime com o reatar da residência fiscal portuguesa em qualquer dos anos deste período (cfr.nº.12 da norma sob exegese).

Aqui chegados haverá que saber se é correcta, de acordo com a exegese da norma sob exame, a posição da entidade recorrente, quando defende que a consagração do citado termo final de 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente no território português, da inscrição da qualidade de residente não habitual (cfr.nº.10 da norma sob exegese), como uma condição preclusiva do direito à aplicação deste regime fiscal.

Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo a inscrição obrigatória para aplicação do mesmo regime fiscal. Por outras palavras, o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto. No entanto, não resulta do normativo supra transcrito que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr. artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais); (…)”

A nossa posição relativamente à questão em apreço é consonante com este entendimento jurisprudencial e, por isso, consideramos que o pedido de inscrição como residente não habitual, previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, para efeitos de aplicação do regime dos residentes não habituais, tem natureza meramente declarativa.

Acresce, no entanto, dizer que, como resulta do citado acórdão do STA, de 29.05.2024, proferido no processo n.º 0842/23.9BESNT,“a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual”.

A fundamentação subjacente a este entendimento está, nuclearmente, assente na seguinte argumentação:

“(…), a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.

Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).

Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, (…)”.

O citado acórdão do STA, de 15.01.2025, proferido no processo n.º 01750/22.6BEPRT, veio reafirmar tal entendimento – “IV - O acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto.” –, nos seguintes termos que se extratam da respetiva fundamentação:   

“(…), a questão que ora se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período fiscal anual, que não a exclusão do regime em geral, contrariamente ao defendido pelo apelante.

Nesta sede, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no artº.16, nº.8, do C.I.R.S., os quais, conforme aludido supra, são aferidos em função do ano de inscrição como residente (…), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual (cfr.artº.12, do C.Civil).”

            Em linha com esta orientação jurisprudencial do STA, constitui nosso entendimento que a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

 

§5. O caso concreto: subsunção normativa

23. Volvendo ao caso sub judice, atenta a factualidade que resultou provada, designadamente os factos provados a) e b), temos que o Requerente tornou-se fiscalmente residente em território português em 24 de junho de 2020, não tendo sido aqui residente em qualquer dos cinco anos anteriores.

Destarte, verificam-se os requisitos legais, constantes do artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS, que se afiguram necessários para que o Requerente seja considerado como residente não habitual e tributado, como tal, em conformidade com o n.º 9 do mesmo artigo 16.º.

No entanto, conforme também resultou provado, o Requerente, residente fiscal em Portugal desde 24 de junho de 2020 (cf. facto provado b)), não solicitou a sua inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, até à data de apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo, ou seja, até 2 de dezembro de 2024 (cf. factos provados g) e h)).

Ora, em consonância com a orientação jurisprudencial decorrente das sobreditas decisões do STA, vertidas nos acórdãos proferidos nos processos n.º 0842/23.9BESNT e n.º 01750/22.6BEPRT – que não podem, naturalmente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa e, portanto, na decisão a ser proferida por este Tribunal Arbitral –, pese embora o pedido de inscrição como residente não habitual, previsto no nº 10 do artigo 16.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação do regime dos residentes não habituais, ter natureza meramente declarativa, a sua apresentação fora do prazo ali previsto (que, in casu, era 31 de março de 2021) tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano da inscrição do Requerente como residente não habitual, o que ainda não se verificava no ano de 2023.

Consequentemente, a liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2023, não enferma dos invocados vícios de violação de lei, pelo que o respetivo pedido de anulação tem necessariamente de improceder.   

Atenta a improcedência do pedido de anulação do ato tributário controvertido, improcede necessariamente o pedido de restituição do imposto pago.

 

24. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
  1. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos formulados, com as legais consequências;
  2. Condenar o Requerente no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 10.641,18 (dez mil seiscentos e quarenta e um euros e dezoito cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), cujo pagamento fica a cargo do Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de abril de 2025.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)