Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1249/2024-T
Data da decisão: 2025-04-13  IVA  
Valor do pedido: € 12.123.316,00
Tema: IVA-Taxa Reduzida-Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA- Empreitada de reabilitação urbana; ARU e ORU;
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

  1. Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
  2. Conforme Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA) n.º 0430/16, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, de 26 de Março de 2025, a qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernanda Maçãs (presidente), Clotilde Celorico Palma e António Pragal Colaço (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 10 de Fevereiro de 2025 acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

  1. A..., LDA., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., ..., NIPC ... (adiante designada por «A...» ou «Requerente»), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 10.ºdo Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante «RJAT»), instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à anulação das liquidações adicionais que constituem o objeto do pedido, no valor total de 121.233,16 Euros, decorrente de correções promovidas pelos serviços inspetivos (cfr. Relatórios de Inspeção Tributária [doravante RIT] referentes aos exercícios de 2020 e 2021, peticionando ainda juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 28/11/2024 e foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 2 de Dezembro de 2024.

 

  1.  A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou comos árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 21 de Janeiro de 2025, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de Fevereiro de 2025, sendo que no dia 13 de Fevereiro de 2025 foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Em 19 de Março de 2025, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

  1. A Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese:

 

  1. A A... é uma sociedade comercial que atua no setor da construção, tendo sido constituída em 2010, participou em inúmeros projetos relevantes de construção com particular pendor na zona Norte do país onde desenvolve a sua atividade principal em razão da localização da sua sede em ..., no distrito do Porto.

 

  1. Nos anos de 2020 e 2021, a A... prestou serviços em Áreas de Reabilitação Urbana, tendo, por essa razão, liquidado a taxa reduzida de 6% de IVA nas pertinentes faturas que emitiu.

 

  1. Assim, por referência ao ano de 2020, estão em causa 42 faturas relativas aos seguintes

clientes:

• B...

• CONDOMINIO C...

• D...

• E...

 

  1. Pelo que, com referência a 2020, está em causa uma diferença de imposto (de IVA), calculado com base na diferença entre a taxa de 6% (efetivamente aplicada) e a taxa de 23% (que a AT alega como a que deveria ter sido aplicada), o que se traduz num montante total de 97.391,97 Euros.

 

  1. Por sua vez, por referência ao ano de 2021, estão em causa 10 faturas relativas aos seguintes clientes:

• CARITAS DIOCESANA ...

• B...

• CONDOMINIO C...

• SANTA CASA DA MISERICORDIA ...

 

  1. Assim, com referência a 2020, está em causa uma diferença de imposto (de IVA), calculado com base na diferença entre a taxa de 6% (efetivamente aplicada) e a taxa de 23% (que a AT alega como a que deveria ter sido aplicada), o que se traduz num montante total de  8.629,95 Euros.

 

  1. A Requerente fundamenta a sua posição no facto de contrariamente ao que foi defendido pela Requerida na Inspeção Tributária a que foi sujeita, basta a verificação do requisito de (i) localização da empreitada numa área de reabilitação urbana (ARU), para se enquadrar na verba da Lista I do CIVA, não sendo necessário o requisito de se verificar no quadro de uma operação de reabilitação urbana previamente aprovada (ORU).

 

  1. Mais afirma que todos os imóveis a que se reportam as empreitadas cujas faturas a AT colocou em causa estão localizados em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), chegando a haver em alguns casos a aprovação prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.

 

  1. A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) ofereceu Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:

 

  1. A Requerente foi sujeita a PIT de natureza externa suportado pela ordem de serviço n.º

OI2022... .

 

  1. A Requerente liquidou o imposto, à taxa reduzida, com base na certidão emitida pelos diversos municípios, certificando que a obra se inseria numa ARU, por aplicação da Verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA, mas no entendimento da Requerida importa que se verifiquem os seguintes condicionalismos:

- Tratar-se de uma empreitada;

- De reabilitação urbana;

- Realizada em imóveis localizados em ARU, ou

- No âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse nacional (não aplicável ao caso em concreto)”.

- Que esteja aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU).

 

Só assim podemos estar perante uma operação de reabilitação urbana o que é condição de exigibilidade para que se possa enquadrar a referida obra numa empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, pelo que, não é aplicável a taxa reduzida do imposto a que se refere a alínea a) n.º 1 art.º 18.º do CIVA, por aplicação da Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, mas sim a taxa normal (23%), definida na alínea c) do mesmo preceito e normativo legal.

 

  1. Por Despacho Arbitral, de 22 de Março de 2025, notificaram-se as partes da dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cf. artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, bem como para apresentarem alegações escritas.

 

  1. A Requerente e a Requerida não apresentaram as alegações finais.

 

  1. Por requerimento da Requerida de 2/4/2025, foi pela mesma junto cópia do Acórdão Uniformizador do STA proferido no Processo 12/24.9BALSB.

 

  1. - Saneamento

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Não foi suscitada matéria de exceções.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. - Fundamentação

 

  • - Matéria de facto

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente, A..., LDA., possui sede na Rua ..., ..., ...-... ..., ..., NIPC..., e tem por objeto a construção civil;

 

  1. A Requerente, participou em inúmeros projetos relevantes de construção com particular pendor na zona Norte do País, onde desenvolve a sua atividade principal em razão da localização da sua sede em ..., no distrito do Porto;

 

  1. A Requerente no ano de 2020 emitiu 42 faturas aos seus clientes, B..., Condomínio C..., D... e E...;

 

  1. A Requerente no ano de 2021 emitiu 10 faturas aos seus clientes, Caritas Diocesana..., B..., Condomínio C... e Santa Casa da Misericordia ...;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2020, referente à empreitada do cliente B..., dispõe:

“− À data da realização das obras, o prédio em apreço, sito na Avenida ..., n.º..., Freguesia de..., descrito na Conservatória Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., se localiza em Área de Reabilitação Urbana, mais concretamente ARU – ...-...;

− A Delimitação da ARU ...-... foi publicitada em Diário da República através do Aviso n.º 3874/2016, de 21 de março de 2016, tornando-se público que a Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia deliberou em 25 de Fevereiro de 2016, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico da Reabilitação urbana (RJRU);

− Por sua vez, o local em apreço não é objeto de ORU, não obstante, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, “A delimitação de uma área de reabilitação urbana confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural”;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2020, referente à empreitada do cliente Condomínio Edifício Avenida Sito na ... n.ºs ... a ..., dispõe:

“(…) o imóvel localizado na Avenida ..., n.º ... a ..., descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º .../... e Inscrito na Matriz Urbana com o n.º..., se localiza dentro dos limites na ÁREA DE REBAILITAÇÃO URBANA NORDESTE (ARUNe), cuja delimitação foi tornada pública pelo Aviso n.º 12974/2019, incluído no Diário da República, 2.ª Série, n.º 155, de 14 de agosto. Com base na confirmação desta localização, as empreitadas de reabilitação urbana que sobre ele incidam, poderão ser objeto da taxa reduzida de 6% de IVA, nos termos do previsto na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA7 alínea a), n,º 1 artigo 18.º do CIVA.”;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2020, referente à empreitada do cliente D..., dispõe:

“Certifica-se que, para o prédio sito na Rua de ..., da União das freguesias de ... e ..., não existe ORU aprovada para o local, contudo, o citado imóvel insere-se em ARU, com delimitação aprovada nos termos do previsto pelo artigo 13.º do RJRU, nomeadamente:

- ARU da Baixa, aprovada em Aviso n.º 7759/2021 - Diário da República n.º 81/2021, Série II de 27 de abril.”;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2020, referente à empreitada do cliente E..., dispõe:

“(…) conforme exarado no pedido número ... registado em nome de E..., NIF. ... certifica que, a parcela localizada na rua ..., número..., na união de freguesias de ... e ..., se encontra em “Área de Reabilitação Urbana” de Matosinhos publicada em Aviso nº 3340/2018, na 2.ª série do Diário da República, n.º 51, de 13 de março.”;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2021, referente à empreitada do cliente Caritas Diocesana ..., dispõe:

“(…) Cáritas Diocesana..., com o número de identificação fiscal..., que o prédio sito na Rua ..., número ... de polícia, da União das Freguesias de ... e..., inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º..., da União das freguesias de ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º.../..., da extinta freguesia da ..., encontra-se localizado dentro dos limites da ARU - Área de Reabilitação Urbana, cuja delimitação foi aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de Aveiro, de 09 de setembro de 2016, proposta pela Câmara Municipal e publicada no Diário da República, 2.ª Série - n.º 183, de 22 de setembro de 2016, nos termos do Aviso n.º 11614/2016”;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2021, referente à empreitada do cliente B..., dispõe:

“− À data da realização das obras, o prédio em apreço, sito na Avenida ..., n.º..., Freguesia de ..., descrito na Conservatória Registo Predial sob o n.º...e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., se localiza em Área de Reabilitação Urbana, mais concretamente ARU – ...-...;

− A Delimitação da ARU ...-... foi publicitada em Diário da República através do Aviso n.º 3874/2016, de 21 de março de 2016, tornando-se público que a Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia deliberou em 25 de Fevereiro de 2016, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico da Reabilitação urbana (RJRU);

− Por sua vez, o local em apreço não é objeto de ORU, não obstante, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, “A delimitação de uma área de reabilitação urbana confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural”.

(…)

− Mais, atente-se na interpretação adotada pelos serviços da Administração Tributária em procedimento de informação vinculativa, proc. n.º 1478, segundo a qual as empreitadas de reabilitação urbana gozam de uma taxa reduzida de IVA a 6% desde que as mesmas se realizem numa área territorialmente delimitada pelo município nos termos do Decreto-Lei n.º 307/2009, como áreas de reabilitação urbana, o que parece apontar para a suficiência da mera delimitação desta área sem necessidade dos passos posteriores.”;

 

  1. A certidão emitida pelo Município em 2021, referente à empreitada do cliente Condomínio C... n.ºs ... a ..., dispõe:

“(…) o imóvel localizado na Avenida ..., n.º ... a..., descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º .../... e Inscrito na Matriz Urbana com o n.º..., se localiza dentro dos limites na ÁREA DE REBAILITAÇÃO URBANA NORDESTE (ARUNe), cuja delimitação foi tornada pública pelo Aviso n.º 12974/2019, incluído no Diário da República, 2.ª Série, n.º 155, de 14 de agosto. Com base na confirmação desta localização, as empreitadas de reabilitação urbana que sobre ele incidam, poderão ser objeto da taxa reduzida de 6% de IVA, nos termos do previsto na verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA7 alínea a), n,º 1 artigo 18.º do CIVA.”;

 

  • A certidão emitida pelo Município em 2021, referente à empreitada do cliente Santa Casa da Misericórdia ..., dispõe:

“Em cumprimento do despacho exarado no requerimento da Santa Casa da Misericórdia de..., contribuinte número.., com sede na ..., n.º..., freguesia..., deste conselho, arquivado nesta Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística e em face da informação prestada pelos Serviços Técnicos desta Câmara Municipal, certifica que, a edificação sita na Rua ..., n.º..., freguesia de ... deste conselho, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob a descrição n.º .../... e inscrita na matriz sob o artigo urbano n.º..., da freguesia ...(extinta freguesia de...), o prédio está localizado dentro da área de reabilitação urbana, nos termos do disposto no aviso n.º 3855/2016 publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 56 de 21 de Março, que redilimitou a área de reabilitação estão sujeitas a benefícios fiscais, IRS, IVA, IMI e IMT, previstos no ponto 4.1 do supracitado aviso. ”;

 

  1. A Requerente aplicou, a taxa reduzida de 6% a todas as prestações nos trabalhos desenvolvidos no âmbito das referidas empreitadas com fundamento na verba 2.23 da Lista I do CIVA;

 

  • Em 2022 foi a Requerente alvo de um procedimento inspetivo por parte dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto (DF Porto) suportado nas Ordens de Serviço n.º OI2022..., respeitante ao ano de 2020 e OI2022..., respeitante ao ano de 2021, que com base na inexistência de ORU deram origem a liquidações adicionais, através de demonstração de acerto de contas;

 

  • As correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária com referência a 2020, respeitantes às diferenças das taxas de IVA de 6% para 23% foram as seguintes:

 

 

  1. As correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária com referência a 2021, respeitantes às diferenças das taxas de IVA de 6% para 23% foram as seguintes:

 

 

  1. Ulteriormente, foi a Requerente notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:

 

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento integral de todos os valores constantes da alínea anterior;

 

  • - Factos não provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

  • - Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, os documentos juntos e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. - Matéria de Direito
  • – Impugnação da legalidade das liquidações de imposto

 

A Requerente invoca como causa de pedir a:

  • Ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação da verba 2.23 da Lista I do CIVA, conjugada com alínea a) do artigo 18.º do Código do IVA (quanto aos conceitos de “empreitada” e “reabilitação urbana”; e

 

A questão essencial a decidir gira em torno de saber quando estamos perante uma “empreitada de reabilitação urbana”, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 18.º do Código do IVA, em conjugação com a verba 2.23 da Lista I anexa ao mesmo Código.

Afinal, estão em causa as duas posições divergentes proferidas no âmbito de dois processos (entre outros), que correram os seus termos na CAAD.

Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 517/2023-T, entendeu-se o seguinte:

“Como decorre do teor literal do n.º 1 deste artigo 7.º a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta, cumulativamente, da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da aprovação de uma operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

A necessidade desta dupla aprovação de uma delimitação e de uma operação com ela conexa ressalta do uso da conjunção «e» que separa as duas alíneas do n.º 1 deste artigo 7.º.

O n.º 4 do mesmo artigo corrobora esta interpretação ao estabelecer que «a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana».

Ora, como resulta do artigo 7.º, n.ºs 2 e 3, do RJRU, «a aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo» ou aquela delimitação pode preceder esta operação, podendo mesmo suceder, nos termos do artigo 15.º do mesmo diploma, que caduque a delimitação da área de reabilitação urbana «se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação», como pertinentemente refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo.

Isto é, não existe uma situação legal de “reabilitação urbana” se não for aprovada uma “operação de reabilitação urbana”, como se conclui no acórdão de 14-08-2023, proferido no processo arbitral n.º 93/2023-T.

Por isso, o mero licenciamento de uma construção através de empreitada, em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação urbana nessa área, não permite qualificar uma empreitada como sendo de «empreitada de reabilitação urbana» em «área de reabilitação urbana», para efeitos da verba 2.23 referida.

Assim, como bem se conclui na decisão arbitral de 31-07-2023, proferida no processo n.º 3/2023-T, «uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto».

Por outro lado, como resulta dos artigos 16.º e 17.º do RJRU, «as operações de reabilitação urbana são aprovadas através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana», da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, que contenham, cumulativamente, «a definição do tipo de operação de reabilitação urbana» e «a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática», o que obsta a que se possa concluir pela existência de uma operação de reabilitação urbana decorrente de uma mera certificação, como a que se refere na matéria de facto fixada, efectuada por uma câmara municipal, manifestando o seu entendimento de que a construção consubstancia uma «operação de reabilitação urbana».

 Pelo exposto, é de concluir que o conceito de «empreitada de reabilitação urbana» em área de reabilitação urbana só é preenchido quando as obras a realizar se reportam a imóvel localizado em área delimitada como sendo de reabilitação urbana e no âmbito de uma «operação de reabilitação urbana», aprovada nos termos do artigo 16.º do RJRU.

É certo que a alínea b) do artigo 14.º do RJRU, a que a Requerente alude, estabelece que «a delimitação de uma área de reabilitação urbana (...) confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural», o que permite concluir que haverá potencialmente efeitos decorrentes da mera delimitação da ARU.

Mas, esta norma não se aplica à situação da Requerente, pois, como decorre do seu texto, reporta-se apenas aos proprietários e titulares de outros direitos sobre edifícios e fracções, o que não era o caso da Requerente, pois a obra objecto do contrato de empreitada é um edifício novo, a construir em local em que não existia qualquer construção.

Assim, no caso em apreço, não tendo sido aprovada qualquer «operação de reabilitação urbana» para o local em que foi construído o prédio, é de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao recusar a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA.”

Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 2/2023-T, entendeu-se o seguinte:

“1- Constituem-se condições cumulativas para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA: empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico; e empreitada de reabilitação urbana, localizar-se em área de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

2- A delimitação e aprovação de ARU, nos termos do artigo 14º do decreto-lei nº307/2009 confere de forma direta o acesso aos apoios e incentivos fiscais à reabilitação urbana, entre os quais a possibilidade de acesso à taxa reduzida de IVA de 6% constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA.”

Acontece que face a esta diferente interpretação foi já prolatado o Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo número n.º 12/24.9BALSB datado de 26/3/2025, cujo relator foi a Conselheira Anabela Ferreira Alves e Russo, para o qual remetemos na íntegra para fundamentação da decisão no presente processo arbitral e que decidiu:[1]

- Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;

- A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.

Conforme se mencionou o que estava em causa era saber-se, para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, era, ou não, necessária a cumulação de uma ARU e de uma ORU, para estarmos perante a existência de uma reabilitação urbana.

“Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, [2]como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.

2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada.”[3]

 

 

Deve então este Tribunal seguir a mencionada jurisprudência que assim foi firmada, a qual define, mudando-se a opinião que o Relator professou na Decisão Arbitral 947/2023-T.

Por conseguinte, atenta a matéria de facto dada como provada, as empreitadas dos autos não poderão ser qualificadas como “empreitada de reabilitação urbana” por faltar, para as áreas de reabilitação urbana em causa, uma “operação de reabilitação urbana” aprovada pelo competente órgão municipal.

Reitera-se a remissão integral quanto aos fundamentos da presente decisão para o teor do mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência

 

Improcedem assim todos os pedidos da Requerente.

 

 

IV- DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Coletivo:

  1. Julgar totalmente improcedente os pedidos e,
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 121.233.16€ (cento e vinte e um mil, duzentos e trinta e três euros e dezasseis cêntimos), por ter sido esse o valor económico dado à presente ação arbitral e não contestado.

 

VI-CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no montante de 3.060,00 € (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Abril  de 2025.

 

O Tribunal Coletivo,

 

 

Voto o acórdão por respeito ao Acórdão Uniformizador do STA, com a seguinte declaração: adiro integralmente à declaração de voto da Profª. Clotilde Palma, seguindo, aliás, a posição que assumi, entre outras, na Decisão Arbitral n.º 803/2023-T. Salvo o devido e elevado respeito que nos merece a jurisprudência do Douto STA, a tese sufragada inutiliza por completo o benefício que o legislador quis consagrar. Ora, quando assim é, o intérprete e aplicador da lei tem de repensar se os elementos de hermenêutica jurídica colocados à nossa disposição sustentam realmente a solução a que se chega. Uma coisa se nos afigura certa: se o legislador quis consagrar um benefício não faz sentido que ao mesmo tempo na mesma lei o inutilize. Impor-se-ia, pois, realizar o teste imposto pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento.” 

 

Fernanda Maçãs (Árbitro presidente)

 

 

 Clotilde Celorico Palma (Árbitro Vogal)- com declaração de voto em anexo.

 

 

António Pragal Colaço (Árbitro Vogal Relator)

 

 

Declaração de voto

 

Com o devido respeito que nos merecem os subscritores do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA) n.º 0430/16, proferido no âmbito de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, de 26 de Março de 2025, não podemos concordar com os argumentos expendidos nem com a conclusão a que se chega no mesmo, embora, obviamente, nos encontremos vinculados à mesma.

Como vimos, o STA veio concluir que a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo anterior redacção desta verba 2.23 na Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA) está reservada a “empreitadas de reabilitação urbana”, sendo que estas só podem ser qualificadas como tal caso sejam realizadas não apenas dentro de uma Área de Reabilitação Urbana (ARU) mas também no âmbito de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) em vigor, dando assim razão ao entendimento sufragado pela Autoridade Tributária (AT) neste contexto. O STA vem em resumo decidir que: • "só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana” • «a qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.»

No seu essencial, o sentido da decisão fundamenta-se na interpretação que o STA leva a cabo do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), entendendo que uma empreitada, para se inserir no contexto desse Regime, terá de ser efectuada após a aprovação, pelo Município, da delimitação de ARU e da ORU (simples ou sistemática) a desenvolver, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

O STA conclui que a referida verba do CIVA, ao fazer referência a “empreitadas de reabilitação urbana”, deverá ser interpretada, com base nos elementos sistemático e teleológico, no sentido de que o legislador terá pretendido delimitar a aplicação da taxa reduzida de IVA em empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana, ou seja, em empreitadas realizadas em imóveis situados em ARU e para as quais os municípios já tenham definido uma programação estratégica, concretizada em ORU simples ou sistemática.

Queríamos, contudo, deixar nota de que, como sempre defendemos, decidir no sentido proposto colide com a ratio legis subjacente à aplicação da taxa reduzida do IVA às empreitadas de reabilitação urbana, assim como com a letra da lei e demais elementos de interpretação das normas jurídicas fiscais. Este Acórdão foi proferido em Recurso de oposição de julgados interposto de uma decisão arbitral, na qual o Tribunal Arbitral decidiu no sentido de apenas poder ser aplicada a taxa reduzida de IVA a uma empreitada em que, para além de o imóvel estar inserido em ARU aprovada, fosse executada no contexto de uma ORU também aprovada, tendo a ora signatária feito voto de vencida – Decisão proferida no Processo n.º 517/2023-T, de 11 de Dezembro de 2023. Tal como à data invocámos, o conceito de reabilitação urbana constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, à data dos factos (antes do denominado Programa Mais Habitação que veio alterar a redacção da aludida verba), acolhia um conceito amplo de reabilitação urbana, abrangendo, nomeadamente, construção nova e casos de existência de ARU sem ORU. Transcrevemos para o efeito a parte essencial do nosso voto de vencida: “Neste sentido veja-se nomeadamente, as Professoras Paula Oliveira e Dulce Lopes in, pp. 33 e 35, Note-se que a ratio legis subjacente à introdução do artigo 14.º no RJUR consistiu precisamente em deixar claro que os benefícios são concedidos com a delimitação da ARU, (…) Este artigo foi inserido precisamente para, de forma, clara e expressa, deixar explícito que os benefícios são conferidos com a delimitação da ARU, sendo com esta conferidos os benefícios que devem ser definidos pelo Município. Tal como as Professoras Paula Oliveira e Dulce Neves salientam, in op. cit. [4], pp. 40 e 41, “Uma coisa é certa, o legislador veio expressamente aliar a delimitação de uma ARU à concessão de benefícios fiscais, ao determinar no art. 14.º que a delimitação de uma área de reabilitação urbana: “a) Obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável; b) Confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural. Note-se, para que conste, que o legislador é claro ao determinar que os benefícios fiscais e apoios à reabilitação urbana são conferidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos, indiciando que tais benefícios e apoios apenas podem ser mobilizados quando, à data da delimitação da ARU, tais edifícios ou frações já existam e não quando se trate de edifícios e frações a construir. Um conceito limitado de reabilitação urbana, é certo, mas que pode bem justificar -se no facto de com a mera delimitação da ARU ainda não estar definida a ORU a concretizar nem a sua programação, estando, por isso, o processo de reabilitação numa fase inicial. Em todo o caso, é o próprio art.º 14.º, alínea b), que reconhece aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso a apoios e incentivos fiscais e financeiros, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, o que nos remete para essa legislação.” No mesmo sentido veja-se, nomeadamente, Daniel Bobus Radu, “Reabilitação Urbana na Acepção do IVA: Nota Metodológica, Cadernos IVA 2023, Almedina, Novembro de 2023 e Duarte Lima Mayer, “A taxa reduzida de IVA em áreas de reabilitação urbana para obra s novas: o caso de Lisboa”, Questões Atuai s de Direito Local n.º 24 Outubro / Dezembro 2019.

2.2 Aplicação dos benefícios em caso de ARU sem ORU

Apurar se é possível conceder os benefícios em causa bastando a existência de uma ARU sem ORU importa, naturalmente, proceder a uma cuidadosa interpretação das normas controvertidas e, igualmente de forma cuidadosa, subsumir os factos em apreço. Desde logo, no que toca ao elemento literal, importa desde logo salientar, que, distintamente do que se verifica em sede de concessão dos benefícios a que se refere o n.º 4 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que podem ser mobilizados quando estejam em causa encargos suportados pelo proprietário, com a reabilitação de imóveis, localizados em áreas de reabilitação urbana e recuperados nostermos das respectivas estratégias de reabilitação e no n.º 5 do mesmo artigo, a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA não utiliza, não contém, nem emprega, em nenhum momento, o conceito de “operação de reabilitação urbana” e muito menos refere ou remete para qualquer certificação pela Câmara Municipal a “consubstanciar” tal operação. Mas importa atender à respectiva ratio legis. Sendo um dado público que tal regime foi elaborado pelo Professor Doutor Carlos Baptista Lobo, concluímos claramente que, em conformidade com os elementos histórico, teleológico e sistemático da interpretação das normas, o conceito acolhido é intencionalmente amplo, abrangendo construção nova e não exigindo aprovação de ORU (veja-se neste sentido, Vídeo Conferência IVA e Reabilitação Urbana, dos Colégios da Especialidade dos Impostos sobre o Consumo e sobre o Património da Ordem dos Contabilistas Certificados e da Associação Fiscal Portuguesa, ocorrida a 7 de Março de 2023, disponível em https://www.afp.pt/calendario/764-webinar-iva-e-reabilitacao-urbana Neste mesmo sentido veja-se nomeadamente, as Professoras Paula Oliveira e Dulce Lopes, op. cit., pp. 30 e 31 – “ Com a Lei n.° 32/2012, de 14 de agosto, veio permitir -se (mas não impor-se) que a decisão complexa (traduzida num conjunto de decisões parcelares ou preliminares anteriormente referidas) seja faseada, procedendo-se, primeiro, à identificação dos concretos limites físicos da área a sujeitar à operação de reabilitação urbana (arts. 7.º, n.º 3, e 13.º), apenas depois se aprovando essa operação (art. 16.º), aprovação que integrará, para além da definição do tipo de operação a realizar (simples ou sistemática), também a estratégia ou programa estratégico a prosseguir ( 9). Pretendeu-se, com esta alteração, promover, o mais antecipada mente possível, em área de reabilitação urbana, a reabilitação de edifícios e frações pelos seus proprietários (mesmo antes da aprovação da correspetiva operação de reabilitação urbana), já que a delimitação daquela área tem como efeitos a definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável, bem como a concessão aos proprietários e titulares de outros direitos , ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela com pretendidos do direito de acesso ao s apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável , sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural.” Para a final, as autoras concluírem a p. 45, que o benefício pode ser concedido sem existência de ORU - “Entendemos, como resultado da melhor ponderação dos vários interesses em confronto, que se pode interpretar o referido benefício constante do Código do IVA como extensível a intervenções que, estando integradas em áreas de reabilitação urbana, não prejudicam (ou potenciam) os objetivos estratégicos antecipados aquando da delimitação destas áreas. Achamos até adequado que assim seja, na medida em que, se assim se entender, não são apenas os municípios que têm de abdicar de receitas fiscais ( já que aqueles de que estes beneficiam , IMI e IMT, têm necessariamente de ser definidos aquando da delimitação da ARU ), fazendo também impender esse "encargo " sobre o Estado .”

Como é sabido, uma ORU consiste num instrumento aprovado pelos Municípios que define a sua estratégia para as intervenções a promover na ARU a que respeite. A respectiva aprovação é da responsabilidade dos Municípios que, nos termos do RJRU, podem fazê-lo em simultâneo com a aprovação da ARU ou posteriormente dentro de um prazo de 3 anos, sob pena de caducar a ARU, não tendo sido o STA sensível a tal faculdade.

Note-se em particular que nenhuma disposição do RJRU faz depender da aprovação da ORU a eficácia da delimitação da ARU, antes pelo contrário, esta produz efeitos no tocante a benefícios fiscais por via do disposto no artigo 14.º, alínea b), do RJRU. Ora, se a lei admite que a aprovação da ORU pode ser desfasada sem que tal determine limitações ao acesso a outros benefícios fiscais, não se nos afigura, com o devido respeito, existir qualquer fundamento jurídico para se conceder um tratamento distinto em sede de IVA.

Isto é, à luz do aludido artigo 14.º do RJRU, a aprovação da ORU apenas vem consolidar as situações jurídicas envolvidas – eliminando o risco hipotético de caducidade da ARU avançado pela AT em sede de interpretação restritiva. Com efeito, a ORU não pode ter um efeito constitutivo, i.e., criar novas situações jurídicas, sendo certo que a lei não lhe atribui esse efeito. Acresce que com o mencionado Programa Mais Habitação se veio alterar a redacção da aludida verba 2.23, no sentido de limitar a sua aplicação à “reabilitação de edifícios”, excluindo-se expressamente a construção nova, deixando de ser condição a verificação de uma empreitada de “reabilitação urbana” mas apenas uma empreitada de reabilitação de um edificado existente localizado numa ARU, sem que seja necessária a respectiva integração no âmbito de uma ORU em vigor. A própria Administração Fiscal, no seu Ofício Circulado n.º 25003, de 30 de Outubro de 2023, já tinha expressamente prescindido do requisito da aprovação da operação de reabilitação urbana relativamente ao conceito de “área de reabilitação urbana” utilizada na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA na sua actual redacção.

Acresce ainda, finalmente, que o entendimento ora sufragado pelo STA se afigura susceptível de suscitar eventuais questões de constitucionalidade, dado a aludida verba 2.23 nem sequer fazer qualquer menção ao requisito de aplicação ora imposto atinente à necessidade de aprovação de ORU, assim se questionando o respeito pelo princípio da legalidade tributária e da reserva de lei. Naturalmente respeitando e devendo acatar o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sempre foi este o nosso entendimento.

 

Clotilde Celorico Palma

 

 


[1] Por unanimidade;

[2] “In casu” leia-se Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 982/10.4TBPTL.G1-A.S1, Abrantes Geraldes, de 12-05-2016, in.www.dgsi.pt;

[4] Referimo-nos à obra “Reabilitação urbana em ARUS sem ORUS: que conceito de reabilitação e que benefícios fiscais em matéria de IVA”, Questões Atuais de Direito Local, n.º 13, Janeiro/Março 2017.