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SUMÁRIO:
Uma sociedade comercial por ações de capital integralmente público que tem como objeto a gestão do porto de Lisboa não pode ser considerada como um «organismo de direito público» nos termos e para os efeitos de aplicação da delimitação negativa de incidência prevista no artigo 2.º n.º 2 do CIVA.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães (Adjunto e relator) e Dr. Paulo Ferreira Alves (Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 07-12-2024, deliberam o seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., sociedade comercial anónima, com sede na ..., ...-..., Lisboa, titular do Número único de Pessoa Coletiva e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... (“Requerente”), vem, ao abrigo dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alínea a), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alíneas a), c) e d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 97.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”) e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral para a apreciação da legalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e das respetivas liquidações de juros compensatórios, de cujas demonstrações de acerto de contas resultou o montante a pagar de 546.009,59 (correspondendo 482.723,22 EUR a imposto e 63.286,37 EUR a juros compensatórios) correspondentes às liquidações descritas e reproduzidas no Doc. 1 junto com o PPA e constantes do seguinte quadro:
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-10-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os acima referidos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 27-11-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 17-12-2024.
Após notificação ao abrigo do artigo 17.º do RJAT a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes por exceção e impugnação em 03-02-2025.
Por despacho de 07-02-2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e marcado o prazo de vinte dias para alegações simultâneas.
Em 07-03-2025 a Requerente apresentou alegações respondendo à exceção invocada pela Requerida na Resposta.
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Questão Prévia
Na Resposta, veio a Requerida dar notícia de que existe pendente processo junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, uma ação administrativa sob o n.º 35/17.4BELRS em que foi impugnado o entendimento da AT dado em pronúncia solicitada no PIV de 17.02.2016 o que, constitui uma causa prejudicial ao julgamento da presente questão, neste processo.
Resulta claro que o pedido de anulação das liquidações identificadas no PPA com base em erro sobre os pressupostos de direito é competência deste tribunal não estando o mesmo tolhido na sua competência pelo resultado da ação administrativa acima identificada. Isto resulta do facto da interpretação feita pela Requerida em relação ao caso em concreto só a esta vincular, podendo a Requerente discordar com as consequências daí resultantes de poder ser corrigida. Perante o dissídio entre as Partes o Tribunal é competente pelo que se nega o pedido da Requerida.
2. Saneamento.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
A) A Requerente é uma sociedade comercial por ações de capitais públicos (sociedade anónima) que se dedica à atividade de gestão do porto de Lisboa nos seus múltiplos aspetos; (cfr. certidão permanente citada no RIT junto como doc. 5 com o PPA).
B) A Requerente foi criada pelo Decreto-lei n.º 336/98, de 3 de novembro, e sucedeu à Administração do Porto de Lisboa (organismo público) conservando a universalidade dos bens, direitos e obrigações desta; (cfr. RIT).
C) Nas atividades constantes do seu objeto encontram-se atividades isentas e atividades sujeitas a IVA; (cfr. RIT).
D) A coberto da ordem de serviço n.º OI2022..., a Requerente foi sujeita a procedimento de inspeção tributária externo, o qual visava a confirmação dos valores por si declarados em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA, a respeito do exercício de 2020; (cfr. Resposta e RIT).
D) A Requerente foi objeto de uma inspeção efetuada ao abrigo da OI 2022..., iniciada em 12-10-2023 relativa ao exercício de 2020, que detetou e valorizou um conjunto de divergências no critério de aplicação do artigo 2.º n.º 2 do CIVA à Requerente; (cfr. RIT).
E) A análise em sede de IVA foi efetuada na sequência dos procedimentos inspetivo anteriores, efetuados aos exercícios de 2017, 2018 e 2019; (cfr. RIT).
E) A Requerente está enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal desde 1986/01/01, pelo exercício da atividade de "auxiliares dos transportes por água", a que corresponde o CAE: 052220, utilizando como método de dedução, a percentagem de dedução (pro rata); (cfr. RIT).
F). A atuação da Requerida tem por base uma resposta a um PIV formulado em 17 de fevereiro de 2016 (n.º ...) pela Requerente que considera esta como «organismo de direito público» por ter gestão de bens dominiais e emitir licenças e autorizações administrativas; (cfr. RIT).
G) A AT corrigiu a autoliquidação do IVA procedendo à liquidação adicional liquidando IVA no valor de € 482.723,22 e juros compensatórios no valor de 63.286,37.
H) Esta liquidação feita pelos SIT após o termo da Inspeção tem por base a nova qualificação corretiva feita das atividades prosseguidas pela A... conforme descrito no RIT; (cfr. RIT).
H) A Requerente procedeu ao seu pagamento voluntário a 10 de julho de 2024; (cfr. cópias dos comprovativos de pagamento - documento n.º 6 junto com o PPA)
I) A Requerente apresentou o PPA em 04-10-2024.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.
O Tribunal valorizou os factos que entendeu relevantes e não atendeu aos que ficaram prejudicados pela resposta dada aos que precedem.
3. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
1. Se a AT podia corrigir a liquidação do IVA obrigando a Requerente a liquidar e pagar IVA alegadamente mal qualificado e contabilizado por ser «organismo de direito público».
2. Se a AT podia desconsiderar a liquidação e reembolso de IVA cobrado por atos de gestão praticados pela Requerente em relação a bens dominiais que fazem parte do seu ativo.
3. Qual o efeito jurídico da resposta ao PIV formulado pela Requerente em 2016.
3.1. Posições das Partes
a) A Requerente defende o seguinte, em suma:
- Que, apesar da resposta dada ao PIV de 2016, a sua interpretação e aplicação é a correta em relação à gestão dos bens dominiais que integram o ativo da Requerente e aquela que cumpre o determinado na lei nacional e comunitária. A posição da AT veiculada na resposta ao PIV viola o princípio da neutralidade que é o que rege as relações entre a AT, os SP e os consumidores finais.
- A Requerida já deveria ter corrigido a sua posição face à doutrina e arrestos jurisprudenciais que inculcam e demonstram o erróneo da posição assumida em sede de natureza jurídica da Requerente e papel do IVA em situações de plena concorrência ente bens dominiais e privados na prestação de um mesmo serviço ou serviço equivalente.
b) A Requerida defende:
- Que se pronunciou sobre o PIV elaborado pela Requerente em 2016 e a posição que assumiu é aquela que considera correta e à qual deve obediência, em coerência com o papel e função dos PIV.
- Ordenou e efetuou a correção IVA ao abrigo de norma em vigor e da interpretação a que se vinculou e à qual deve respeito em função da coerência legal e administrativa– artigo 2.º n.º 2 do CIVA.
3.2. Apreciação da questão.
A questão da qualificação da utilização económica de bens dominiais não é nova e foi já objeto de análise doutrinária e jurisprudencial.
Em Portugal, e sem pretender ser exaustivo, tivemos a questão da sujeição a IVA dos parques de estacionamento no Porto, A EMEL em Lisboa, as portagens da travessia da ponte 25 de abril na passagem da gestão do Gabinete de gestão (organismo público) para a concessionária (privada) e até a questão ora em análise, com os mesmos sujeitos, em períodos tributários anteriores.
Uma tão grande panóplia de casos com intervenção dos tribunais portugueses e europeus deveria ter gerado algum consenso. A realidade desmente esta conclusão. Tentemos perceber porquê.
O artigo 2.º n.º 2 do CIVA dispõe:
2 - O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.
Significa isto, que a gestão do património dominial do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, através da obtenção de taxas ou outras contraprestações, não é uma operação de transmissão de bem ou de prestação de serviço nos termos do definido no artigo 1.º alínea a) do CIVA e não está, em consequência, sujeita a IVA.
Em complemento ao assim definido, dispõe o legislador neste mesmo n.º 2 do artigo 2.º que «desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência», ou seja, impõe como limite à possibilidade de gestão do património dominial do Estado e exercício de poderes de autoridade a não existência de distorções de concorrência.
A este preceito deverá ser lembrado o que dispõe o n.º 3 do n.º 3 do artigo 2.º do CIVA que dispõe:
3 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público referidas no número anterior são, em qualquer caso, sujeitos passivos do imposto quando exerçam algumas das seguintes actividades e pelas operações tributáveis delas decorrentes, salvo quando se verifique que as exercem de forma não significativa:
a) …
b) …
c) …
d) Prestação de serviços portuários e aeroportuários;
Ora, é o legislador nacional que, na transposição da Diretiva IVA europeia, expressamente qualifica como sujeitos passivos de imposto o Estado e demais pessoas coletivas de direito público na prestação de serviços portuários.
Da leitura dos preceitos suprarreferidos que enquadram a matéria parece resultar claro que:
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O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público não são sujeitos passivos de IVA quando recebem taxas ou outras contrapartidas monetárias pela gestão de bens dominiais ou exercício de quaisquer outras atividades públicas desde que as mesmas não determinem:
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distorções de concorrência;
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Sejam feitas de forma não significativa.
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No caso da A..., estão preenchidas estas duas condições? Parece claro que não.
Fundamentemos o afirmado:
Desde logo, comecemos por notar que a A...– SA, não é uma pessoa coletiva de direito público e, por maioria de razão, não é o Estado em nenhuma das suas representações orgânicas desconcentradas ou descentralizadas. É uma sociedade comercial anónima (de capital social público) que integra o universo empresarial do Estado e se rege pelos seus estatutos e pelo direito privado. Esta sociedade ficou com alguns poderes de gestão dos bens dominiais que eram, e são, da propriedade do Estado e da gestão da anterior A... (organismo público).
A normal conclusão desta constatação é que a A... -SA, está sujeita a IVA nas suas atividades estatutárias de sociedade comercial anónima.
Isto, apesar dos poderes originariamente públicos, agora exercidos ao abrigo de concessão e atribuição pelo Estado na sua formação.
E deverá exercer as suas atividades e exercer esses poderes com sujeição a IVA por assim o exigir a sua natureza de sociedade comercial e ainda que, por absurdo, se pudesse qualificar como entidade pública, a existência de concorrência e dimensão da atividade o exigiriam.
Esta constatação não afasta a verificação de poder estar sob a previsão de isenções previstas no CIVA ou outra legislação afim, ou seja, o estar sujeita ao IVA não impede que beneficie de isenção (sendo aliás uma, condição da outra).
3.3. O contencioso que agora somos chamados a sanar teve já Acórdão transitado no processo arbitral 969/2023-T, de 24.06.2024. Aí, com os mesmos sujeitos, mas em período tributário distinto pode ler-se:
«A questão contravertida dos presentes autos consiste em determinar se o artigo 2º nº2 do CIVA é aplicável ou inaplicável a Requerente. No entendimento da Requerida não se verificam os pressupostos da incidência subjetiva de IVA, por a Requerida ser uma entidade pública que atua com poderes de autoridade que não provoca distorções na concorrência. Em sentido oposto, a Requerente entende que lhe é aplicável a incidência subjetiva de IVA por inaplicabilidade do disposto no artigo 2º nº2 do CIVA. Para o julgamento da questão contravertida é necessário a determinação da natureza jurídica da Requerente, no sentido da verificação se esta consubstancia-se como “uma pessoa coletiva de direito público”, e o exame eventual de possíveis distorções da concorrência que justifiquem a incidência do imposto. Deste juízo resultará a legalidade/ilegalidade das liquidações em crise. E caso a ilegalidade verifique-se, restará julgar se a eventual ilegalidade consigna direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 35º da LGT”.
(Da Aplicabilidade/Inaplicabilidade do disposto no artigo 2º do CIVA
Sob a premissa de construção do mercado interno, o IVA foi desenhado como um instrumento fiscal com incidência sob o consumo, tendencialmente neutral. O IVA assume-se como um imposto indireto de matriz europeia, profusamente harmonizado, na justa medida que em que os Estados-Membros foram sentido uma necessidade premente de aproximação da tributação indireta sob o consumo para o efetivo funcionamento do mercado interno. Aproximação legislativa derivada da primeira Diretiva IVA que consagrou a obrigatoriedade de adoção do modelo comum de IVA para todos os Estados-Membros. Com a segunda Diretiva IVA, foram definidas as suas características, e com a sexta Diretiva foi concretizada efetivamente o modelo comum de IVA. Sexta Diretiva IVA, hoje atualizada pela Diretiva 2006/112/CE de 28 de Novembro, comummente designada por Diretiva IVA. Enquadramento que exige na interpretação das normas IVA, sempre uma análise da sua conformidade com o Direito da União. O IVA enquanto imposto indireto, incide tendencialmente sobre todos os atos de consumo, procurando a neutralidade sob a fórmula do método subtrativo indireto. O método subtrativo indireto mais não é do que uma técnica de liquidação e dedução do imposto, que tem como resultado que o imposto acaba apenas por incidir sobre o valor acrescentado de cada uma das diversas fases da cadeia de produção e comercialização de produtos e serviços. Método subtrativo indireto que possibilita tributar somente o valor acrescentado em cada uma das fases do circuito económico, repartindo o encargo do imposto pelos sujeitos passivos, garantindo a neutralidade do imposto, evitando efeitos cumulativos ou em cascata de IVA sobre IVA.
Com o IVA pretende-se apenas tributar o valor acrescentado, garantindo-se a neutralidade. O objetivo do IVA é tributar atos de consumo e não a atividade económica realizada pelos sujeitos passivos do imposto, sujeita à tributação direta. Com a neutralidade almeja-se que a tributação não deverá interferir nas decisões e estratégias económica dos agentes económicos, razão pela qual exige-se sob o funcionamento do método subtrativo indireto a extensão do imposto a todas as fases, da produção, da distribuição, e prestação de serviços. Na decorrência deste dever de neutralidade, impõem-se que a carga fiscal sob o consumo seja efetiva e exclusivamente suportada pelo consumidor final. Consequentemente, a maximização da neutralidade do IVA exige uma concessão abrangente do direito à dedução do imposto, o qual esta na dependência do exercício de uma atividade económica. O que obriga que o conceito de atividade económica seja interpretado de forma alargada, ao passo que as isenções concedidas às atividades económicas e as delimitações negativas de incidência deverão ser interpretadas de forma restrita. Sob esta noção ampla de atividade, o artigo 9.º da Diretiva IVA entende por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade. Definindo atividade económica “como qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”.
Solução legal transposta para o artigo 2.º do CIVA que entende sujeito passivo de forma ampla como “as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)”. Como refere Clotilde Celorico Palma / António Carlos dos Santos: “Regra geral, para que uma pessoa singular ou coletiva seja qualificada como sujeito passivo é necessário que, simultaneamente: (i) exerça uma atividade económica, conceito amplo, que, de acordo com o TJUE, inclui os atos preparatórios de uma atividade económica, os atos realizados no decurso de tal atividade e determinadas transações ilícitas; (ii) De forma independente, excluindo-se o caso de contratos de trabalho subordinado; (iii) Com habitualidade, i.e., deve consistir numa prática reiterada”[1]. A conclusão retirada, é por garantia da maximização do princípio da neutralidade, essencial ao funcionamento do mercado interno, o IVA deve incidir, sob funcionamento do método subtrativo indireto (dedução/liquidação), sob todas as pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica.
Não obstante a abrangência subjetiva do IVA, o artigo 13º da Diretiva IVA, e por consequência o artigo 2.º n.º 2 do CIVA, prevê uma delimitação de incidência negativa relativamente aos Estados, as regiões, as autarquias locais, e os outros organismos de direito público, nos seguintes termos:
“Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações. Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.” – Artigo 13.º da Diretiva IVA
Assim, as entidades enquadradas no artigo 13.º da Diretiva IVA, não liquidam IVA nas suas atividades, nem podem em consequência, exercer o direito à dedução do IVA suportado. Refira-se que a problemática da incidência do IVA do Estado e demais organismos de direito Público é matéria relevante para efeitos de concorrência e funcionamento do mercado interno, e para a defesa da neutralidade exigida ao imposto. Afinal, quanto mais abrangente for o âmbito da delimitação negativa de incidência do Estado e demais pessoas coletivas de direito Público, maior será o risco de os setores públicos e privados entrarem em concorrência, permitindo ao setor público apresentar preços inferiores aos consumidores pelos mesmos serviços, com a obtenção de uma vantagem competitiva sobre o setor privado. Ou em sentido oposto, com a penalização do setor público por não poderem exercer o direito à dedução do imposto suportado.
Razões que justificam que a exceção de delimitação negativa de incidência ao Estado e demais organismos de direito Público esteja subordinada a um conjunto de requisitos. No Código do IVA a delimitação de incidência negativa, em análise, encontra-se vertida no artigo 2.º n.º 2 do CIVA que estabelece:
“O Estado e demais pessoas coletivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.”
Refira-se contudo, que a regra do artigo 2.º n.º 2 do CIVA não será aplicável mesmo no caso de Estado e pessoas coletivas de direito público, quando a não sujeição ao IVA origine distorções de concorrência relativamente a outras entidades, nomeadamente empresas privadas. E também nos casos em que ainda que não se verifiquem distorções de concorrência, sejam exercidas às atividades expressas no nº3 do artigo 2º do CIVA de forma significativa.
Fixando-nos no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, este apresenta como requisitos cumulativos de aplicação:
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Aplicação ao Estado e pessoas coletivas de direito público;
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Realização de operações no exercício de poderes de autoridade;
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Que a não sujeição não origine distorções de concorrência.
O primeiro requisito de aplicação do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA controvertido nos presentes autos é o conceito de “pessoa coletiva de direito público”. A Requerente defende que não é uma pessoa coletiva de direito público. Em contrapartida a Requerida entende o oposto. O artigo 2.º n.º 2 do CIVA refere o conceito de “pessoa coletiva de direito público”. Todavia, o artigo 13.º da Diretiva IVA utiliza o conceito de “outros organismos de direito público”. Conceitos aproximados, mas não idênticos, mas que face à harmonização do IVA e ao funcionamento do mercado interno exigem uma interpretação no mesmo sentido.
Para a compreensão do conceito de “outros organismos de direito público” devemos ter em consideração a jurisprudência do TJUE, nomeadamente: Acórdão do TJUE Processo C‑174/14 de 29 de outubro de 2015 (Acórdão Saudaçor – parágrafos: 47 a 49) refere:
“Ora, o contexto em que se insere o conceito de «outros organismos de direito público» que figura no artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 é muito diferente.
Com efeito, este conceito não visa definir o âmbito de aplicação do IVA. Pelo contrário, estabelece uma derrogação à regra geral em que assenta o sistema comum deste imposto, ou seja, a regra segundo a qual o âmbito de aplicação do referido imposto é definido de maneira muito ampla de molde a abranger todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, incluindo as efetuadas por organismos de direito público (v., neste sentido, acórdão Comissão/Países Baixos, C-79/09, EU:C:2010:171, n.os 76 e 77).Enquanto derrogação à regra geral da sujeição ao IVA de qualquer atividade de natureza económica, o artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado de modo estrito (v., designadamente, acórdão Isle of Wight Council e o., C-288/07, EU:C:2008:505, n.° 60, e despacho Gmina Wrocław, C‑72/13, EU:C:2014:197, n.° 19).”
O Acórdão do TJUE Processo C‑288/07, de 16 setembro de 2008 (Acórdão Isle of Wight Council, parágrafo 60) refere:
“Há que recordar que, conforme resulta do n.° 30 do presente acórdão, a não sujeição dos organismos de direito público ao IVA por força do artigo 4.°, n.° 5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva constitui uma derrogação à regra geral da sujeição ao imposto de qualquer actividade de natureza económica, e que, por isso, essa disposição deve ser interpretada de modo estrito. Ora, no que concerne ao artigo 4.°, n.° 5, segundo parágrafo, dessa directiva, deve assinalar‑se que esta disposição restabelece a referida regra geral para evitar que a não sujeição desses organismos ao imposto conduza a distorções de concorrência significativas. Esta última disposição não pode, por isso, ser interpretada em sentido estrito.”
O Acórdão do TJUE Processo C-554/07, de 16 julho de 2009 (Acórdão Comissão versus República da Irlanda, parágrafo 42) refere:
“Nestas circunstâncias, o argumento da Irlanda segundo o qual, por um lado, o artigo 13.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado de forma ampla e, por outro, o seu segundo parágrafo deve ser interpretado de forma restritiva, baseia-se a falsa premissa de que os organismos de direito público não devem, em regra, ser equiparados a sujeitos passivos para efeitos de IVA. Enquanto exceção ao princípio da tributação de qualquer atividade de natureza económica, o artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado de forma estrita.”
Jurisprudência do TJUE que nos permite concluir que o conceito de “organismo de Direito Público” e por inerência os conceitos de “Pessoa Coletiva de Direito Público” devem ser interpretados de forma estrita.
Conclusão igualmente relevante a expressa no Acórdão do TJUE Processo C-154/08, de 12 Novembro de 2009 (Acórdão Comissão versus Espanha, parágrafo 119) refere:
“Embora a designação de um organismo pelo direito administrativo de um Estado-Membro como organismo de direito público seja relevante para determinar o seu tratamento para efeitos de IVA, não pode ser considerada decisiva quando a natureza e a substância reais da atividade desenvolvida por esse organismo revelam que os requisitos estritos para a aplicação da referida regra de não restrição não são cumpridos.”
Devemos ainda regressar ao Acórdão do TJUE Processo C-174/14 de 29 de outubro de 2015 (Acórdão Saudaçor – parágrafos: 56 e 57):
“No que respeita, especificamente, ao primeiro dos dois requisitos impostos no artigo 13.°, n.° 1, da referida diretiva, isto é, o relativo à qualidade de organismo público, o Tribunal de Justiça já declarou que uma pessoa que pratica atos na qualidade de autoridade pública, de modo independente, não estando integrada na organização da Administração Pública, não pode ser qualificada de organismo de direito público no sentido dessa disposição (v., neste sentido, designadamente, despacho Mihal, C‑456/07, EU:C:2008:293, n.° 18 e jurisprudência referida).O Tribunal de Justiça precisou igualmente que a qualidade de «organismo de direito público» não pode resultar apenas do facto de a atividade em causa consistir na prática de atos de autoridade pública (v., neste sentido, designadamente, despacho Mihal, C‑456/07, EU:C:2008:293, n.° 17 e jurisprudência referida)”
E, ao acórdão do TJUE Processo C-235/85, de 26 Março de 1987 (Acórdão Comissão versus Países Baixos parágrafos: 19, 20 e 21):
“Como se deu por assente no quadro da análise do conceito de atividades económicas, a sexta diretiva caracteriza-se pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas. A este respeito, deve observar-se que o artigo 4.°, n.° 5, prevê uma isenção apenas em benefício dos organismos de direito público e unicamente para as atividades e operações que levem a cabo na qualidade de autoridades públicas. A análise desta norma à luz dos objectivos da directiva põe em evidência que duas condições devem estar cumulativamente preenchidas para que a isenção ocorra: o exercício de actividades por um organismo público e o exercício de actividades na qualidade de autoridade pública. O que significa, por um lado, que os organismos de direito público não estão automaticamente isentos relativamente a todas as actividades que desenvolvem, mas apenas relativamente àquelas que se enquadram na sua missão específica de autoridade pública (ver acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/República Federal da Alemanha, 107/84, Recueil, p. 2663) e, por outro, que uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de consistir na prática de actos que constituem prerrogativas da autoridade pública.”
Jurisprudência do TJUE relativa ao conceito de “outros organismos de direito público” presente no artigo 13.º da Diretiva IVA, de que extraímos algumas conclusões:
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Que conceito de “organismo de Direito Público” e por inerência os conceitos de “Pessoa Coletiva de Direito Público” devem ser interpretados de forma estrita;
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Que a designação de uma entidade pelo direito administrativo de um Estado-Membro como organismo de direito público apesar de ser relevante para a identificação da sua natureza para efeitos de IVA, não pode ser considerada decisiva quando a natureza e a substância reais da atividade desenvolvida por esse organismo revelam que os requisitos estritos para a aplicação da referida regra de não restrição não são cumpridos;
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Que uma pessoa que pratica atos na qualidade de autoridade pública, de modo independente, não estando integrada na organização da Administração Pública, não pode ser qualificada de organismo de direito público no sentido dessa disposição.
Feito o enquadramento da temática é o momento de efetuarmos a caracterização jurídica da Requerente.
A Requerente foi criada através do Decreto-Lei n.º 336/98, de 3 de novembro, por via da transformação da Administração do Porto de Lisboa, instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, em sociedade de capitais exclusivamente públicos. A Requerente sucedeu assim à Administração do Porto de Lisboa, tendo continuado a personalidade jurídica desta e conservado a universalidade dos seus bens, direitos e obrigações à data da transformação, sob a forma de entidade privada de índole empresarial.
De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 336/98:
“A adoção de uma forma jurídica de direito privado com o seu enquadramento no sector público, face à detenção pelo Estado ou outras pessoas coletivas públicas da totalidade do capital, é o que melhor corresponde à diversidade de atribuições que caracteriza o escopo da Administração do Porto de Lisboa e no qual se conjugam e desenvolvem, em simultâneo, atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial com o exercício de poderes decorrentes do seu estatuto de autoridade portuária”. (o sublinhado é nosso)
Reconhecendo assim o legislador, que a Requerida, desenvolve funções de autoridade (as previstas no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 336/98) sendo-lhe atribuída competência para: licenciamento de atividades portuárias de exercício condicionado e concessão de serviços públicos portuários; expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados e exercício e servidões administrativas necessárias à expansão ou desenvolvimento portuários; fixação das taxas a cobrar pela utilização dos portos, dos serviços neles prestados e pela ocupação de espaços dominiais ou destinados a atividades comerciais ou industriais; uso público dos serviços inerentes à atividade portuária e sua fiscalização.
Mas também atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial tais como: a)Prestação de serviços a navios – a qual compreende a disponibilização e uso dos sistemas relativos à entrada, estacionamento e saída de navios, à operação de navios, cargas e passageiros, armazenagem, à segurança e conservação do ambiente, disponibilização de piloto da barra, recolha de resíduos a navios, fornecimento de equipamento, assinalamento marítimo e dragagens;
b) Gestão direta de docas de recreio (Doca do Bom Sucesso, Doca de Belém, Doca de Santo Amaro e Doca de Alcântara) – a qual compreende a disponibilização de lugares de estacionamentos a nado e a seco para embarcações de recreio e outros serviços complementares;
c) Atividade marítimo-turística – a qual compreende a permissão do uso de recursos hídricos do domínio público do Estado, que lhe são afetos, a embarcações com utilização para fins lucrativos e que prestam serviços de natureza cultural, de lazer, de pesca turística, promoção comercial e táxi;
d) Cedência de exploração de terminais de serviço público de movimentação de carga ou de passageiros – a qual compreende a cobrança pela Requerente (i) de uma taxa fixa pelo uso de instalações – tais como, cais/terminal, muro cais, terraplenos, edifícios e outros – e (ii) de uma taxa variável pela prestação de serviços de movimentação de mercadorias – tais como, contentores, granéis sólidos e líquidos, embarque e desembarque de passageiros;
e) Cedência de utilização privativa de parcelas do domínio público do Estado (disponibilização de terminais portuários de utilização privativa) – a qual compreende a cedência de utilização e a concessão de exploração quer a entidades públicas quer a entidades privadas;
f) Cedência de utilização privativa de parcelas do domínio público do Estado – a qual compreende a permissão do uso de imóveis para bares, restaurantes e afins, sem infraestruturas portuárias ou similares, correspondendo à exploração de um bem imóvel integrado numa zona portuária, com a finalidade de prossecução de uma atividade económica, mas sem o uso de quaisquer infraestruturas portuárias;
g) Eventos – a qual compreende a permissão pela Requerente do uso de parcelas do domínio público do Estado, seja em zona terrestre ou flúvio-marítima, em área coberta ou descoberta, para realização de atividades de curta duração, de duração inferior a um ano, e de eventos, atividades promocionais ou publicidade;
É assim a Requerida, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, regendo-se nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 336/98 pelos seus estatutos, e em tudo que neles não estiver previsto, pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas e pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objeto da sociedade.
Ou seja, a Requerida, assume a forma de sociedade anónima, sendo regida pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas de Direito privado, exercendo paralelamente a funções no exercício dos seus poderes de autoridade, atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial. Pelo que nos parece ser claro que a Requerente adota uma estrutura jurídica de direito privado, não podendo assim ser qualificada como “Pessoa Coletiva de Direito Público” ou mesmo “outros organismos de direito público”.
Ao nível da jurisprudência nacional veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 3857/07.0 TVPRT–A.P.1.S1 de 11 de fevereiro de 2010 que refere:
“A circunstância desta sociedade anónima ser de capitais exclusivamente públicos não lhe retira a qualidade de sociedade comercial e, portanto, de uma pessoa coletiva de direito privado, como todas as sociedades comerciais. Como dispõe o nº 2 do artº 1º do Código das Sociedades Comercias «são sociedades comercias aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples e de sociedade em comandita por ações» (…) Por outro lado, certo é que as sociedades comerciais podem constituir Empresa Púbicas, desde que obedeçam aos requisitos previstos no artº 3º do Dec-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro, isto é, desde que sendo sociedades constituídas nos termos da lei comercial, possam o Estado ou outras entidades públicas estaduais, exercer nelas, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude de alguma das circunstâncias referidas nas duas alíneas daquele preceito legal. Porém o conceito de pessoa coletiva pública ou de pessoa coletiva de direito público não se confunde com o de empresa pública. (…) A sociedade anónima, sendo uma típica sociedade comercial (criada e regida pela lei comercial) é uma pessoa coletiva de direito privado, não colhendo também o argumento de que por ser uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, tal a converteria em ente coletivo dotado de personalidade jurídica de direito público.” (o sublinhado é nosso)
Resulta claro desta longa transcrição (que foi utilizada parcialmente no PPA pela Requerente) que dúvidas não parecem subsistir de que o artigo 2.º n.º 2 do CIVA não se aplica à Requerente por esta não ser uma pessoa coletiva de direito público, nem um organismo de direito público, pelo que, não estando preenchido o requisito de incidência subjetivo não pode proceder a tese da Requerida, devendo ser dado provimento ao PPA por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Ficam prejudicadas as questões subsequentes devendo ainda ser analisada a obrigação de indemnização ao abrigo dos artigos 100.º e 43.º da LGT.
4. Juros indemnizatórios.
Dispõem os artigos 100.º e 43.º da LGT:
Artigo 100.º
Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo
1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
2 - No procedimento tributário, a reconstituição da situação através da reposição da legalidade deve ser executada no prazo de 60 dias.
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
Resulta do atrás afirmado que a Requerida fez uma errada aplicação do direito aos factos pelo que são devidos juros indemnizatórios desde a 10-07-2024, data do pagamento feito pela Requerente até efetivo reembolso.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar:
1. Procedente o pedido de pronúncia arbitral relativo às liquidações em IVA acima referidas e identificadas, no montante global de EUR 546.009,59 (quinhentos e quarenta e seis mil e nove euro e cinquenta e nove cêntimos) que incluem imposto pago e juros compensatórios;
2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data de 10-07-2024 até efetivo reembolso.
3. Condenar a Requerida nas custas.
6. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em EUR 546.009,59 (quinhentos e quarenta e seis mil e nove euro e cinquenta e nove cêntimos) nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.262,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 09 de abril de 2024
Notifique-se
Os Árbitros
(Regina de Almeida Monteiro - Presidente),
(Vasco António Branco Guimarães – Adjunto e Relator)
(Paulo Renato Ferreira Alves - Adjunto)