|
|
Versão em PDF |
Sumário: Um sujeito passivo de IRC, com sede no território continental português, que desenvolve uma parte da sua atividade comercial na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, através de estabelecimentos estáveis que ali mantém para o efeito, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
-
Em 24 de setembro de 2024, a contribuinte A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede no..., Rua..., ...-... Lisboa (doravante designada “A....” ou “Requerente”), requereu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (a seguir RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou “Requerida”) no dia 30 de setembro de 2024.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, foram designados os árbitros (Dra. Alexandra Coelho Martins-Presidente-
Dra. Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho e Dr. André Festas da Silva -relator-) pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os árbitros aceite nos termos legalmente previstos.
-
O Tribunal Arbitral foi constituído em 03.12.2024 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
-
A AT apresentou a sua resposta em 21.01.2025.
-
Por despacho de 23.01.2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
-
A Requerida apresentou as suas alegações em 05.02.2025.
-
A Requerente apresentou as suas alegações em 06.02.2025.
-
Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral anule a decisão de rejeição do pedido de revisão (proc. n.º...2024...) e consequentemente anule parcialmente a liquidação n.º 2022 ..., de 2 de fevereiro de 2022, referente ao exercício de 2019 e restituída a quantia indevidamente paga de € 2.116.787,15, acrescida de juros indemnizatórios.
I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
-
Entende a AT que, por a Requerente exercer parte da sua atividade nas Regiões Autónomas através de estabelecimento estável, e não de sociedade comercial com a sua sede naquelas Regiões, deve desconsiderar-se, para efeitos de derrama, se o lucro tributável da Requerente é imputável a atividades desenvolvidas no continente ou nas Regiões Autónomas.
-
Tendo a autoliquidação de IRC referente a 2019 ocorrido em 28 de maio de 2020, com a apresentação da Declaração de Grupo Modelo 22 do IRC, conclui-se que o termo do prazo de quatro anos da liquidação de imposto para a apresentação do pedido de revisão oficiosa subjacente a este pedido terminaria a 28 de maio de 2024.
-
Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado no dia 12 de abril de 2024, é manifesto que o pedido de revisão oficiosa na origem dos presentes autos foi apresentado tempestivamente.
-
O conceito de erro imputável aos serviços abrange qualquer ilegalidade que conduza a uma cobrança ilegal de tributos.
-
No caso vertente é evidente a existência de um erro imputável aos serviços decorrente da emissão de ato tributário em violação da lei aplicável, o qual é subsumível na segunda parte do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, configurando, consequentemente, um erro de direito determinante do agravamento da situação fiscal da Requerente e gerando a obrigação de pagamento de montante de imposto que não é devido nos termos da lei.
-
Entende a Requerente que sobre o lucro tributável atribuível aos seus estabelecimentos estáveis na Região Autónoma dos Açores (doravante apenas RAA) e na Região Autónoma da Madeira (doravante apenas RAM) deverá aplicar-se a derrama regional (em vez da derrama estadual, conforme resulta da Liquidação de IRC), e, em consequência, deverá a decisão de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (e a Liquidação de IRC) ser anulada.
-
Para o efeito, alega a Requerente a violação da lei fiscal aplicável, em particular dos artigos 87.º-A do Código do IRC e da LFRA (Lei das Finanças das Regiões Autónomas), mormente no seu artigo 26.º e, bem assim, do artigo 2.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de outubro, para a derrama regional da RAA, e do Artigo 20.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de dezembro de 2020, para a derrama regional da RAM.
-
Quanto à RAA, esta questão já foi esclarecida à saciedade pela jurisprudência, que veio clarificar que o conceito de “não residente com estabelecimento estável” abrange os residentes em território nacional e que têm ali sucursais, instalações ou estabelecimentos ou quaisquer formas de representação, às quais sejam imputáveis os rendimentos.
-
Em face do exposto, segundo a melhor interpretação das normas legais aplicáveis e ao abrigo da jurisprudência sobre esta matéria, conclui-se que a derrama regional criada pela RAA é aplicável (i) a estabelecimentos estáveis localizados na RAA de sujeitos passivos com sede no território continental, nos termos do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de outubro, e (ii) sobre a “proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício”, nos termos do artigo 26.º, n.º 2, da LFRA.
-
Quanto à RAM é da própria redação do Artigo 4.º, n.º 1, do referido Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto que resulta a aplicação da derrama regional da RAM a estabelecimentos estáveis localizados na RAM de sujeitos passivos com sede no território continental, por remissão expressa para o artigo 26.º da LFRA, não restando qualquer margem para dúvidas sobre o preenchimento pela Requerente do critério de incidência subjetiva prevista na derrama regional da RAM.
-
Ora, analisados os requisitos de aplicação das derramas regionais e revertendo ao caso presente, verificamos que a Requerente desenvolve a sua atividade económica nas Regiões Autónomas através dos estabelecimentos estáveis situados na RAM e na RAA, razão pela qual está sujeita às respetivas derramas regionais na proporção do lucro tributável imputável a essas mesmas regiões, nos termos detalhadamente expostos supra.
-
Ora, por estabelecimento estável, nos termos do artigo 5.º do Código do IRC deve entender-se “(…) qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.”.
-
Tendo em conta a atividade exercida pela Requerente, resulta evidente que os aeroportos que a Requerente gere e explora na RAM e na RAA preenchem o conceito de estabelecimento estável constante do Artigo 5.º do Código do IRC, na medida em que é indiscutível que os aeroportos configuram uma “instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
-
A decisão de rejeição liminar objeto do Presente Pedido de Pronúncia Arbitral enferma do vício de violação de lei por não ter respeitado o referido Artigo 87.º-A, do CIRC, na parte referente à parcela da derrama estadual apurada por referência ao lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis da Requerente nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
-
Mais invoca a Requerida a violação do direito europeu no que respeita à liberdade de estabelecimento, plasmado no artigo 49.º do TFUE;
-
Não pode a este propósito esquecer-se que o princípio da liberdade de estabelecimento previsto no artigo 49.º TFUE é vigente em Portugal em virtude do princípio do efeito direto do direito primário da UE, do qual os Tratados fazem parte.
-
Em face do exposto, é evidente que a interpretação legislativa defendida pela AT resulta numa discriminação indireta, na medida em que, ainda que aparentemente se aplique indistintamente a todas as empresas que visem operar na RAA ou na RAM, está a discriminar aquelas que aí querendo operar, querem apenas fazê-lo via estabelecimento estável, uma solução naturalmente mais simples e que, em várias hipóteses, pode ser suficiente.
-
Invoca também a Requerente a violação de normas a que foi reconhecida dignidade constitucional: violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas, plasmado no artigo 227.º da CRP; violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, plasmados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.
-
Para além da ilegalidade da atuação da AT no caso vertente com base nas normas supra invocadas, note-se que existe ainda desconformidade constitucional, em particular a inconstitucionalidade dos artigos 87.º-A do CIRC, e 26.º, n.º 2, da LFRA, em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, para a RAM, e no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, para a RAA, quando interpretados pela Autoridade Tributária no sentido de que está sujeita a derrama estadual a totalidade do lucro tributável apurado por um sujeito passivo de IRC residente em território continental e com estabelecimentos estáveis na RAA e na RAM, incluindo a parte do lucro tributável imputável à atividade efetivamente exercida pelo sujeito passivo na RAA e na RAM, em particular por violação do principio da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas plasmado no artigo 227.º da CRP.
-
Acresce que são também inconstitucionais os artigos 87.º-A do CIRC, e 26.º, n.º 2, da LFRA, em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, para a RAM, e no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, para a RAA, quando interpretados no sentido de que está sujeito a derrama estadual a totalidade do lucro tributável apurado por um sujeito passivo de IRC residente em território continental e com estabelecimentos estáveis na RAA e na RAM, incluindo a parte do lucro tributável imputável à atividade efetivamente exercida pelo sujeito passivo na RAA e na RAM por violação do princípio da igualdade tributária, constitucionalmente previsto no artigo 13.º da CRP e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva, previsto nos artigos 103.º e 104.º da CRP.
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
-
O argumento da Requerente de que estão verificados todos os pressupostos legais para a apreciação da revisão oficiosa dos atos tributários em causa, mais concretamente por alegadamente existir “erro dos serviços” nas DM22 IRC relativas ao período de 2019 improcede.
-
O pedido de revisão oficiosa, cujo indeferimento a Requerente pretende contestar, não era sequer admissível por inexistir qualquer “erro imputável aos serviços”.
-
Assim, perante a intempestividade da reação da Requerente caducou o direito da mesma deduzir impugnação judicial/pedido de pronúncia.
-
Por outro lado e no que concerne à intenção da Requerente de fazer-se aplicar as derramas regionais ao caso concreto, de modo a beneficiar de uma redução de imposto a pagar, dir-se-á prontamente que tal raciocínio assenta no pressuposto erróneo de que a competência atribuída às Regiões Autónomas para adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais permitiria que se introduzissem alterações ou adaptações aos impostos gerais, como é o caso da derrama estadual prevista no art.º 87.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), nos seus elementos essenciais, nomeadamente na sua incidência subjetiva.
-
Com efeito, é indiscutível que às Regiões autónomas está vedado derrogar normas gerais de incidência, sejam elas de incidência objetiva ou de incidência subjetivas.
-
Assim, o poder tributário das Regiões Autónomas está limitado à criação de impostos relacionados especificamente com as regiões autónomas e à adaptação do sistema fiscal nacional. Tal competência não compreende o poder de revogar ou afastar leis gerais da República em matéria fiscal.
-
No âmbito da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades de cada região, designadamente da Região Autónoma da Madeira (RAM), através do Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 2/2001/M, de 20 de fevereiro, adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da região, “continuando a favorecer o investimento produtivo e contribuindo para a correção das assimetrias de distribuição de rendimento resultantes da insularidade e para a melhoria das condições de vida dos seus residentes”.
-
Da leitura das disposições legais aplicáveis, verifica-se que, relativamente às pessoas coletivas com sede em Portugal, no território continental, apenas beneficiam de taxa de IRC, as que possuam uma «representação permanente sem personalidade jurídica própria» em mais de uma circunscrição, ou seja, em território da região autónoma, e desde que não integrem um Grupo de sociedades, tributado, por opção, pelo RETGS previsto no art.º 69.º do CIRC.
-
Relativamente à Região Autónoma dos Açores (RAA), a taxa de IRC para as entidades que exercem a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, em vigor na RAA, estabelecida no n.º 1 artigo 5.º do DLR n.º 2/99/A de 20 de janeiro, com a redação dada pelo DLR n.º 2/2014/A, de 29 de janeiro, “1- Às taxas nacionais do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, em vigor em cada ano, é aplicada uma redução de 20 %”, em 2018 e 2019.
-
Assim, das disposições legais aplicáveis à Região Autónoma dos Açores, resulta que, relativamente às pessoas coletivas com sede em Portugal, no território continental, apenas beneficiam da redução de taxa de IRC, aquelas que possuam uma “representação permanente sem personalidade jurídica próprias” em mais de uma circunscrição, ou seja, em território da região autónoma e desde que, não integrem um Grupo de sociedades, tributado, por opção, pelo RETGS previsto no art.º 69.º do CIRC.
-
Em relação à RAA e no que concerne à Derrama Regional, constata-se que a mesma foi criada pelo DLR n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, tendo as taxas sido alteradas pelo DLR n.º 1/2018/A, de 3 de janeiro.
-
O n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma determina que a derrama regional é aplicável aos sujeitos residentes na RAA, bem como aos não residentes com estabelecimento estável na RAA, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
-
Pelo que, e com o devido respeito por opinião contrária, no caso sub judice não é possível aplicar a referida norma, porquanto a Requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental.
-
No que se refere à Derrama Regional na Madeira, o Regime jurídico foi criado pelo DLR n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, tendo as taxas sido alteradas, sucessivamente, pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 5-A/2014/M, de 23 de julho e 2/2018/M, de 9 de janeiro.
-
Importa desde já salientar que esta norma apenas pode ser aplicável em caso de grupos de sociedades inteiramente sediados nas Regiões Autónomas, sob pena de extravasar as competências legislativas inerente a um decreto regional.
-
Reitera-se que a Requerente não é residente nas regiões autónomas pelo que, e com o devido respeito, não se lhe pode aplicar a derrama regional.
-
Concluindo, não tem cabimento legal a sustentação por parte da Requerente de que o lucro tributável apurado nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores deveria ser excluído do cálculo da derrama estadual, considerando que tais valores deveriam apenas integrar a base tributável das derramas regionais.
-
Deve o eventual direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios ser enquadrado na alínea c) do nº 3 do art. 43º da LGT, respeitante à revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, sendo o pagamento dos mesmos devidos apenas a partir de 1 ano após o seu pedido de revisão oficiosa, ou seja, no caso dos presentes autos, a partir de 12/04/2025.
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. – MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões que compõem a lide, cumpre estabelecer a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
-
A Requerente é a concessionária do serviço público aeroportuário de apoio à aviação de um total de dez aeroportos nacionais.
-
Do total de 10 aeroportos geridos e explorados em Portugal pela Requerente, 4 localizam-se na RAA e 2 localizam-se na RAM.
-
Cada um dos aeroportos localizados na RAM e na RAA, individualmente considerados, abarcam instalações fixas (o edifício do aeroporto, as pistas, hangares e armazéns que o compõem), dotadas de meios e equipamentos especializados (veículos motorizados, meios mecânicos, informáticos), e do pessoal permanentemente dedicado (pessoal de terra, pessoal de bordo, mecânicos), necessários ao exercício da atividade de exploração e gestão aeroportuária.
-
A Requerente é a sociedade dominada, designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante no contexto de um grupo tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”).
-
A Requerente entregou a sua Declaração Individual Modelo 22 do IRC referente ao exercício de 2019, dentro do prazo, em maio de 2020.
-
Na qualidade de sociedade dominada designada do RETGS, a Requerente apresentou a 28 de maio de 2020 a Declaração de Grupo Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2019
-
Na qualidade de sociedade dominada designada do RETGS, a Requerente apresentou a 28 de maio de 2020 a Declaração de Grupo Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2019
-
As Declarações Modelo 22 de IRC foram entretanto objeto de substituição, por declaração individual de 28 de maio de 2021 e declaração de grupo de 15 de novembro de 2021.
-
Nesta declaração individual de substituição, foi apurada pela Requerente derrama estadual individual de € 39.153.934,23, com base no seu lucro individual de € 452.765.935,84, referente ao exercício de 2019.
-
Na declaração do RETGS apresentada pela Requerente (de substituição) foi incluída a derrama estadual apurada no RETGS que perfez um total de € 39.379.304,43 correspondente ao somatório das derramas estaduais apuradas individualmente por cada sociedade do RETGS.
-
O modelo oficial da Declaração Modelo 22 do IRC vigente à data dos factos não contém quaisquer campos para apuramento de derramas regionais equivalentes aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto Imputável à Região Autónoma da Madeira”) para apuramento do IRC imputável a cada uma das Regiões Autónomas. Estes campos (350 e 370) destinam-se ao imposto imputável (IRC) a cada uma das regiões e não às derramas regionais. A derrama estadual está no campo 373. De acordo com as instruções constante no Despacho n. º616/2019 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Diário da República, 2.ª série — N.º 9 — 14 de janeiro de 2019), no campo 373 deve-se incluir, sem distinguir, o valor da derrama estadual e das regionais.
-
Na sequência daquela declaração de substituição apresentada pela Requerente em representação do RETGS, foi emitida, em 2 de fevereiro de 2022, a Liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, da qual resultou a liquidação de um valor total de derrama estadual de € 39.379.304,43.
-
Da liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, resultou um valor a reembolsar à Requerente de € 162.509,35.
-
A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa no dia 12 de abril de 2024 contestando a legalidade da referida Liquidação de IRC.
-
A Requerente foi notificada por ofício com o n.º ...-DJT/2024, de 25 de junho de 2024, da decisão final de rejeição liminar do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado contra a Liquidação de IRC.
-
A decisão do pedido de revisão tem o seguinte conteúdo:
(…)
(…)
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos alegados relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal e do mérito da causa foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 14 são dados como assentes pela análise dos documentos juntos pela Requerente e pela posição consensual assumida pelas partes em relação aos mesmos.
V. Do Direito
-
Revisão do ato tributário - Erro imputável aos serviços
Liminarmente impõe-se realçar que a revisão dos atos tributários prevista no art. 78º, n. º1 da LGT consubstancia um verdadeiro dever da AT, decorrente da Lei. Não se trata de uma faculdade que está ao dispor da AT e que a mesma possa decidir se deve, ou não, atender. Na verdade, verificados os pressupostos, a Lei impõe que a AT proceda à revisão dos atos.
Trata-se de uma figura que emana dos princípios que enformam o ordenamento jurídico tributário, designadamente os da Legalidade, Justiça, Imparcialidade e o do respeito pelas garantias dos contribuintes.
No sentido do ora propugnado será, porventura, relevante a leitura atenta da obra “A revisão do Acto tributário”, Paulo Marques, Cadernos IDEFF, n.º 19, editora Almedina, 2015:
Páginas 19 a 24
“(…) A importância da revisão do acto tributário radica essencialmente no poder-dever da autoridade tributária e aduaneira assegurar a legalidade ou mesmo restaurar e efectivar a ordem jurídica tributária violada (art.º 100.º, da LGT), enquanto manifestação da prossecução do interesse público (art.º 55.º da LGT) mesmo sem a intervenção dos Tribunais e mesmo, se for caso disso, o pedido expresso do contribuinte (art.º 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT). Daqui decorre que o exercício pelo próprio fisco do controle a posteriori do procedimento de liquidação de imposto, em observância dos artºs 55.º e 78.º da LGT, como iremos analisar mais adiante, impõe-se como uma obrigação e um poder-dever, uma vez que o acto tributário (liquidação) quando ilegal (inválido) não deve ser recepcionado pela ordem jurídica tributária. Pelo que, diferentemente do contribuinte, o qual dispõe apenas da faculdade de reclamar graciosamente ou de solicitar a revisão, o fisco tem o dever de fazer o seu mea culpa e de proceder à consequente reposição da legalidade mediante a revisão do acto tributário.
Podemos então falar, com propriedade, na existência de um direito potestativo titulado pelo contribuinte, o qual, pelo menos nos casos em que a liquidação inicial é desfavorável ao contribuinte e o imposto foi liquidado indevidamente, tem o direito a exigir da administração tributária e anulação parcial ou total do acto tributário (revisão de liquidação que seja ilegal), bem como a restituição subsequente do tributo ilegalmente cobrado uma vez que apenas deve ser pago o tributo previsto na lei (artigo 103.º, n.º 3 da Constituição).
Por outro lado, existe a obrigatoriedade da própria administração ter de praticar todos os actos que sejam da sua competência (princípio da oficialidade), independentemente de impulso do sujeito passivo ou de qualquer ordem superior. (…)”
Página 77
“(…) O dever de a administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar e reconhecer (mea culpa) uma ilegalidade pela iniciativa do próprio fisco (controle da legalidade do acto tributário) ou pela iniciativa do próprio contribuinte, existe em relação a todos os tributos, uma vez que os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tem de observar na globalidade da sua actividade (art.º 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) «impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei».”
A revisão oficiosa dos atos tributários constitui assim um poder-dever e não uma faculdade da administração tributária, em face do dever de reconstituição da legalidade (art.º 100.º, da LGT) uma vez detetada e reconhecida a ilegalidade imputável aos serviços.
Os princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé e do inquisitório (artigos 55.º e 58.º da LGT) impõem a revogação dos atos ilegais pelo fisco.
A revisão do ato tributário «por iniciativa da administração tributária» pode efectuar-se «a pedido do contribuinte» como resulta do art. 78.º, n.º 7 da LGT e 86º, n.º 4, alínea a) do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP.
Assim, caso se subsuma a presente situação nesta norma (art. 78º, n. º1 da LGT), a AT deve corrigir esta injustiça.
Para o efeito, tendo em conta o alegado pela Requerente importa apurar se ocorreu um erro imputável aos serviços (78.º, n.º 1 da LGT) que possa justificar a revisão do ato tributário no prazo de quatro anos. “O erro imputável aos serviços não é um qualquer erro, mas um erro relevante (prejuízo efetivo) que tenha conduzido ao errado apuramento da situação tributária do contribuinte (essencialidade) e que tenha causado um prejuízo efetivo e suficientemente grave que justifique a expulsão do ato tributário em causa.” In obra atrás citada, página 235
No caso em apreço a liquidação da derrama estadual onde inclui o valor das derramas regionais da RAM e da RAA a ser ilegal, como se irá apreciar mais à frente, ocorre por erro imputável aos serviços, uma vez que o modelo oficial da Declaração Modelo 22 do IRC não contém quaisquer campos para apuramento de derramas regionais equivalentes aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto Imputável à Região Autónoma da Madeira”) para apuramento do IRC imputável a cada uma das Regiões Autónomas. Estes campos (350 e 370) destinam-se ao imposto imputável (IRC) a cada uma das regiões e não às derramas regionais. A derrama estadual está no campo 373. De acordo com as instruções constante no Despacho n. º616/2019 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Diário da República, 2.ª série — N.º 9 — 14 de janeiro de 2019), no campo 373 deve-se incluir, sem distinguir, o valor da derrama estadual e das regionais. Assim, mesmo que o contribuinte pretendesse declarar tais valores de forma separada, tal como entende a AT, não conseguia. Assim, afigura-se que há um erro imputável aos serviços
Mais, tal como resulta dos presentes autos, para a AT, tal destrinça não deve existir, o que revela que, caso tal interpretação seja ilegal, como iremos apurar infra, o erro é lhe imputável.
Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº 2, da CRP e bem assim no artigo 55. ° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.
Existindo um erro de facto e de direito numa autoliquidação, decorrendo essa errada aplicação da Lei da interpretação efetuada pela AT, que, solicitada para se pronunciar sobre o erro na autoliquidação, por via do pedido de revisão oficiosa, optou por rejeitar a sua correção, o erro em questão considera-se imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei.
A liquidação de IRC impugnada está datada de 02.02.2022 e o pedido de revisão do ato tributário foi apresentado em 12.04.2024. Uma vez que o art. 78º, n. º1 da LGT prevê que pedido de revisão pode ser apresentado no prazo de quatro anos após a liquidação, concluímos que o pedido de revisão do ato tributário foi apresentado tempestivamente.
Acresce que, sendo certo que a AT indefere o pedido de revisão por entender que não estão verificados os condicionalismos impostos pelo artigo 78.º da LGT, não é menos verdade que não deixa de existir uma reapreciação da liquidação em causa, como se retira da seguinte afirmação vertida na decisão «face ao exposto, não nos cabe assumir outra posição senão a rejeitar que Requerente possa desconsiderar o lucro tributável alocado às regiões autónomas dos Açores e da Madeira, para efeitos de apuramento da derrama estadual nos termos do n.º1, do art. 87ºA, do CIRC», tendo tal conclusão sido precedida da análise da não sujeição aos decretos legislativos regionais que estabelecem as derramas regionais.
Portanto, a Requerida não se limitou a apreciar apenas a questão prévia da eventual não admissão do pedido de revisão do ato tributário. Assim, é de concluir que no presente caso, a Requerente ao atacar contenciosamente a decisão de revisão pela via do pedido de pronúncia arbitral utilizou o meio processual adequado. (Ac. do STA de 14 de maio de 2015, no processo n.º 01958/13).
Por outro lado, mesmo que se entendesse que a decisão do pedido de revisão oficiosa tem natureza estritamente formal (nomeadamente de intempestividade), na linha do entendimento mais recente da jurisprudência, tal não seria impeditivo do preenchimento dos pressupostos legais de propositura da ação arbitral tributária. Neste sentido (lembrando que a ação arbitral tributária foi delineada como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial), veja-se o Ac. do STA de 13.01.2021, proc.º 0129/18.9BEAVR, cujo sumário (ponto II) refere: “A impugnação judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do(s) seu(s) fundamento(s) (formais ou de mérito).” – v., ainda, em sentido idêntico, entre outros, o Ac. do STA de 06-03-2024, proc.º 0946/18.0BELRA, e o Ac. do TCA Norte de 27.10.2021, proc.º 0175/21.5BECBR.
Aqui chegados, uma vez que se conclui que o pedido de revisão apresentado em 12.04.2024 foi tempestivo, resta analisar se o direito para apresentar o pedido de constituição tribunal arbitral caducou, como alega a Requerida.
Nos termos do art. 10º, n. º1, al. a) do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral tem de ser apresentado no prazo de 90 dias após a notificação de indeferimento do pedido de revisão.
A decisão de indeferimento o pedido de revisão está datada de 25.06.2024, tendo, pelo menos, sido notificada à Requerente no dia seguinte (26.06.2024). O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 24.09.2024.
Porquanto, concluímos que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.
-
Derrama estadual vs. Derramas regionais
A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, é a de saber se, em vez das taxas de derrama estadual previstas no artigo 87ºA do CIRC, devem ser aplicadas as taxas reduzidas de derramas regionais aos rendimentos do sujeito passivos com sede no Continente, mas obtidos em estabelecimentos estáveis situados nas Regiões Autónomas de Açores e da Madeira.
2.1 Art. 87º do CIRC e Diplomas Regionais (artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro)
Nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas podem «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República».
O regime do exercício desse poder tributário próprio, inclusivamente a «adaptação do sistema fiscal nacional», consta da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA- Lei Orgânica n.º 2/2013 de 2 de setembro de 2013), em que se estabelecem os princípios que devem ser observados (artigo 55.º), e se estabelece que «as Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor» (art. 59.º, n.º 2 da LFRA).
No caso em apreço, para a Madeira, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, e para os Açores o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2026-/A, de 17 de Outubro, são diplomas que, como neles expressamente se refere, fizeram a adaptação do regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, às especificidades regionais, traduzindo-se essencialmente em reduções de taxas aplicáveis a residentes ou não residentes titulares de estabelecimentos estáveis nas respetivas regiões autónomas.
Daqui deriva que, contrariamente ao que invoca a Requerida, não são extravasados os poderes tributários das Regiões Autónomas.
No entanto, alega a Requerida que deve ser aplicado o regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC.
É inquestionável que a situação da Requerente se enquadra no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais. Na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem como justificação o facto de que o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial.
Está ínsito nesta possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.
Sendo assim, não tem relevância a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para manter a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, pois o enquadramento das situações nesta norma não basta para assegurar a sua aplicação, sendo afastado se as situações se enquadrarem simultaneamente nas normas especiais.
Por isso, apenas o eventual não enquadramento da Requerente nos regimes especiais de derrama regional, poderá permitir manter a aplicação do regime geral previsto no artigo 87.º-A do CIRC.
Contudo, antes, sendo indubitável que a Requerente não tem a sua sede em qualquer das regiões autónomas, terá estabelecimentos estáveis nesses territórios?
A noção de estabelecimento estável está definida no artigo 5.º do CIRC. De acordo com o n.º 1, "considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola."
Face aos factos provados (n. º2 e n. º3) afigura-se-nos que a Requerente tem estabelecimentos estáveis localizados nos Açores e na Madeira, o que aliás é reconhecido pela Requerida (cf. art. 97º da decisão ao pedido de revisão).
Vejamos, então, os diplomas regionais para verificar se eventualmente se verificam os pressupostos para a sua sujeição.
2.2 RAM -Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto
A RAM aprovou o Regime da Derrama Regional através dos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, que, na alteração introduzida pelo Artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/2018/M, de 31 de dezembro de 2018, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira, passou a ter a seguinte redação (aplicável à data dos factos):
Artigo 4.º
Incidência
“1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do Artigo 26.ºda Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte (…)
O art. 4º, n. º1 do diploma regional remete para o art. 26º da LFRA. O art. 26º, al. b) da LFRA tem o seguinte conteúdo:
1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):
(…)
b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;
Assim, é da própria redação do art. 4.º, n.º 1, do referido Decreto Legislativo Regional aplicável que resulta a aplicação da derrama regional da RAM a estabelecimentos estáveis localizados na RAM de sujeitos passivos com sede no território continental, por remissão expressa para o artigo 26.ºda LFRA, não restando qualquer margem para dúvidas sobre o preenchimento pela Requerente do critério de incidência subjetiva prevista na derrama regional da RAM.
Em abono desta interpretação invocamos também a jurisprudência do STA a qual, reiteradamente tem decido no sentido da aplicação da taxa regional reduzida de IRC aos rendimentos dos sujeitos passivos com sede no Continente, mas obtidos em estabelecimentos estáveis situados na RAM.
Ac. do STA de 18.11.2020, proc. n.º 0958/10.1 BELRS
I - A taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira - n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M de 20 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001/M.
II - O conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
Ac. do STA de 17.06.2009, proc. 0292/09
I - A taxa regional reduzida de 22,5% sobre o IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do DLR n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro (antes da alteração introduzida pelo DLR n.º 3/2007/M, de 9 de Janeiro).
II - O conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
Ac. do STA de 07.01.2009, proc. n.º 0669/08
III - O conceito de «estabelecimento estável» que emana do art. 5.º do CIRC, embora neste Código só tenha utilidade relativamente a entidades não residentes (isto é, sem sede ou direcção efectiva) em território português, é potencialmente aplicável, para efeitos de regimes de tributação especiais das Regiões Autónomas, como reportando-se a entidades que sejam residentes em Portugal, mas não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.
IV - Por força do princípio da igualdade, enunciado no art. 13.º da CRP, que proíbe distinções desprovidas de justificação objectiva e racional, deve interpretar-se em conformidade com a Constituição o art. 2.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, com o sentido de beneficiarem da taxa reduzida de IRC todas os sujeitos passivos deste imposto sem sede nem direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que na área desta Região possuam instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», independentemente de a sua sede ou direcção efectiva ser no estrangeiro ou em área do território nacional exterior aquela Região Autónoma.
V - Na verdade, para além da identidade material da situação real, a nível da Região Autónoma da Madeira, de empresas nacionais e estrangeiras nela não residentes, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.
No mesmo sentido vejam-se as decisões do STA de 14.01.2015, proc. n.º 58/2014, de 21.01.2009, proc. n.º 668/2008 e do TCA Sul de 29.06.2017, proc. n.º 928/2009.
Esta interpretação deverá aplicar-se, mutatis mutandis, ao caso sub judice.
Em face do exposto, conclui-se que a derrama regional criada pela RAM é aplicável aos estabelecimentos estáveis da Requerente localizados na RAM, relativamente aos rendimentos obtidos nesta região (artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto e do nº 1 do Artigo 26.º da LFRA).
2.2 RAA- Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro
A RAA aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de outubro, através do qual estabeleceu a derrama a vigorar naquela região, no qual se estabelecia no seu art. 2º, n. º1 o seguinte:
1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros)sujeito a não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:
Poder-se-ia, em face da redação do Artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de outubro, questionar se o conceito de “não residente com estabelecimento estável” se reporta a entidades que não sejam de todo residentes em qualquer circunscrição do território português e que tenham na Região Autónoma dos Açores estabelecimento estável, tal como é defendido pela AT, ou, pelo contrário, se para além destes também inclui os sujeitos passivos que, apesar de terem naquela região um estabelecimento estável, são residentes no território continental português.
O art. 26º, n. º1, al. b) da LFRA, relativo ao IRC, indica que é receita da região autónoma o valor devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica na região autónoma. Assim, em coerência com o universo jurídico onde a norma se integra, afigura-se-nos que o art. 2º, n. º1 do DL R 21/2016-A de 17 de outubro, deve ser interpretado no sentido de na sua previsão se incluir os sujeitos passivos residentes no território continental português que tenham na região autónoma um estabelecimento estável.
Esta é a interpretação mais ajustada face às decisões jurisprudênciais atrás referidas relativas às reduções regionais das taxas de IRC que aqui se invocam.
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direção efetiva fora da Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma atividade, possam beneficiar de taxas de IRC e derrama diferentes pelo facto de a sede ou direção efetiva, fora da área daquela Região, se situar no território nacional ou no estrangeiro.
Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, no sentido da aplicação da taxa reduzida de derrama a todas as entidades que não tenham sede ou direção efetiva na Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP).
2..3 Conclusão
Do exposto, conclui-se que a autoliquidação de IRC do exercício de 2019 e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que a confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação do artigo 87.º-A do CIRC e dos artigos 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redações do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.
Estes vícios justificam a anulação parcial da autoliquidação e anulação total da decisão do pedido de revisão oficiosa que a confirmou, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
No mesmo sentido vejam-se as decisões do CAAD n.º 437/2022, de 06.03.2023, n. º792/2022 de 21.08.2023, n.º 85/2023 de 11.03.2024, n.º 857/2023 de 04.08.2024, n.º 1056/2023 de 08.05.2024, n.º 11/2024, de 20.05.2024 e n.º 342/2024 de 24.10.2024.
Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.
3. Reembolso e juros indemnizatórios
A Requerente peticiona o reembolso do imposto pago indevidamente. Na sequência da anulação parcial da autoliquidação e da anulação da decisão do pedido de revisão, a Requerente, que pagou a quantia autoliquidada, tem direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente, o que é consequência da anulação. Contudo, competindo à AT praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral, esse valor deverá ser determinado em execução da presente decisão (art. 24º do RJAT).
A Requerente pede também a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:
1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).
A anulação parcial da liquidação de IRC objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se a uma incorreta aplicação da Lei. A incorreta aplicação da Lei conduz à consequente anulação do ato tributário que o tenha por base.
A incorreta aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.
Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em virtude da anulação parcial das liquidações de IRC controvertida, nos termos previstos no art. 43º, nº 1, da LGT, naturalmente restringida à parte anulada.
Sucede que, alínea c), n.º 3, do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios «quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 12.04.2024 e foi decidido pela AT em 25.06.2024.
Assim, é manifesto que não decorreu mais de um ano entre a data do pedido e a da decisão da revisão, nem da presente decisão arbitral.
Por isso, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios na condição de o reembolso da quantia indevidamente paga pela Requerente ocorrer em data posterior a 12.04.2025 e até efetivo pagamento.
VI) DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação;
b) Anular parcialmente a autoliquidação de IRC n.º 2022..., referente ao exercício de 2019, nas partes respeitantes à derrama estadual e na medida em que no seu cálculo foi considerado o lucro tributável obtido pela 2.ª Requerente com a atividade desenvolvida através das instalações situadas nas regiões autónomas;
c) Anular a decisão da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024...;
d) julgar procedente o pedido de reembolso do valor do IRC (derrama estadual) liquidado em excesso, a determinar em execução da presente decisão arbitral, acrescido de juros indemnizatórios se o referido reembolso não se efetivar até ao dia 12 de abril de 2025, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, calculando-se os juros a partir de 13 de abril de 2025.
Fixa-se o valor do processo em € 2.116.787,15 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 27.540,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de abril de 2025
A Presidente do Tribunal Arbitral
(Alexandra Coelho Martins)
O Árbitro vogal - relator
(André Festas da Silva)
O Árbitro vogal
(Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho)
|
|