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SUMÁRIO:
I – A emissão dos certificados não pode deixar de considerar-se reconhecimento pela Administração Tributária e Aduaneira da verificação dos requisitos da renúncia à isenção que no momento da sua emissão tinha possibilidade de controlar, com base nos «elementos na posse dos serviços centrais da Direção-geral dos Impostos» a que se refere o n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2007.
II – O prazo de 8 anos constante do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, é o limite máximo temporal para exercício do direito à dedução do IVA incorrido, contando-se, o mesmo, a partir da obtenção da renúncia da isenção de IVA e inerente transmissão imobiliária.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Cristina Coisinha
Francisco Nicolau Domingos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., doravante apenas “Requerente”, empresa intermunicipal, com capital social de € 50.000,00, titular do NIPC..., com sede social sita na Rua..., ..., ..., ...-... ..., abrangida no âmbito territorial do Serviço de Finanças de ... (C.R. ...), notificada a 20 de junho de 2024, por carta registada, na pessoa do seu aqui-Mandatário, pela Direção de Finanças de Aveiro - Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), da decisão de indeferimento expresso do procedimento tributário de reclamação graciosa que seguiu termos junto daquela Direção de Finanças sob o n.º ...2023..., e que incidiu sobre a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), identificada sob o n.º 2023..., período 202106T, emitida a 19 de julho de 2023, no valor a pagar de € 7.777,09, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 547,16, com datas-limite de pagamento fixadas a 6 de setembro de 2023, bem como sobre a liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202109T, emitida a 5 de julho de 2023, no valor a pagar de € 104.872,37, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 6.447,49, com datas-limite de pagamento fixadas a 31 de agosto de 2023, todas lançadas no seguimento das correções de natureza meramente aritmética, sem recurso a avaliação indireta, efetuadas pela Equipa 02, da Divisão de Inspeção Tributária I, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro, tendo por base procedimentos de inspeção tributária externos credenciados pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2022..., vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.3 do artigo 5.º, na alínea a) no n.2 do artigo 6.º, e nos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua redação legal atual, diploma este que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com o artigo 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), com o artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributária (CPPT), com o artigo 97.º do Código do IVA, e com base nos fundamentos de facto e de direito que infra se desenvolvem, apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO com vista, no âmbito do subjacente pedido de pronúncia arbitral, à obtenção da declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso do procedimento tributário de reclamação graciosa sobredito, bem como, em termos mediatos, à obtenção da declaração de ilegalidade e correspondente anulação das liquidações adicionais de IVA melhor identificadas supra, incluindo os respetivos juros compensatórios, com a consequente restituição dos montantes já pagos pela Requerente, acrescidos dos juros indemnizatórios que venham ser devidos à taxa legal aplicável.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 2 de setembro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 21 de outubro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 11 de novembro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários de IVA, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 18 de dezembro de 2024.
Por despacho de 8 de janeiro de 2025, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 5 dias a contar desta notificação.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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O presente pedido de constituição de tribunal arbitral e respetiva pronúncia arbitral visa a obtenção da declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso do procedimento tributário de reclamação graciosa que seguiu termos junto da Direção de Finanças de Aveiro sob o n.º ...2023..., bem como, em termos mediatos, a declaração de ilegalidade e correspondente anulação da liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202106T, emitida a 19 de julho de 2023, no valor a pagar de € 7.777,09, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 547,16, com datas-limite de pagamento fixadas a 6 de setembro de 2023, bem como da liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202109T, emitida a 5 de julho de 2023, no valor a pagar de € 104.872,37, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 6.447,49, com datas-limite de pagamento fixadas a 31 de agosto de 2023 (cf. documentos n.ºs 1 e 5).
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Os atos de liquidação aqui impugnados, melhor identificados supra, advieram de dois procedimentos de inspeção tributária externa efetuados à Requerente pela Equipa 02, da Divisão de Inspeção Tributária I, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro, de âmbito parcial - IVA, credenciados pela Ordem de Serviço n.º OI2021..., período de 2021/06T, e pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., para o período de 2021/09T.
Da Ordem de Serviço n.º OI2021... – 2021.06T
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De acordo com o teor do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que decorreu do procedimento de inspeção tributária credenciado pelo Ordem de Serviço n.º OI2021..., referente ao período 2021.06T, notificado através do ofício n.º 2023..., de 29 de junho de 2023, a mesma foi emitida “tendo como objetivo verificar a legitimidade do pedido de reembolso do IVA por si apresentado, no valor de 46.532,51 EUR”, conforme decorre do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 6).
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Mais acrescendo este RIT que: “A justificação do reembolso deve-se ao facto de cerca de 84% do VN do período respeitar a transmissões do direito de propriedade de terreno para construção a favor de outros sujeitos passivos, tendo ocorrido a renúncia à isenção prevista no n. 31 do artigo 9.º, ao abrigo do permitido pelo n. 5 do art.º 12 do CIVA, sendo que, nesses casos, cabe ao respetivo adquirente proceder à liquidação do imposto devido por essa operação, aplicando-se a regra de inversão do sujeito passivo (cf. n.1 do artigo 11.º do Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo DL n.º 21/2007), motivo pelo qual não foi liquidado IVA pelo SP em análise.” (cf. documento n.º 6).
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Todavia, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Aveiro referem terem constatado: “a existência de IVA indevidamente deduzido por se reportar a imposto suportado pelo SP para além do prazo referido no n.3 do art.º 8.º do referido diploma.” (cf. documento n.º 6) – negrito pela Requerente.
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Em face disto, os SIT da Direção de Finanças de Aveiro implementaram correções de natureza meramente aritmética ao período de 2021.06T, no valor de € 7.777,09, por considerarem ter havido “IVA indevidamente deduzido por violação do n.º 1 a 3 do artigo 8.º do “Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis”, conjugado com o artigo 19.º, 20.º e n.2 do artigo 98.º todos do CIVA” (cf. documento n.º 6).
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De qualquer forma, o pedido de reembolso já havia sido concedido à Requerente, tal como resulta do RIT: “Aquando da análise ao reembolso pelo S.P., e que esteve na génese da abertura da presente ordem de serviço, encontravam-se, estes serviços de inspeção, a aguardar resposta da DSIVA ao pedido de enquadramento de determinadas operações realizadas pelo mesmo com renúncia à isenção do IVA ao abrigo do n.5 do artigo 12.º do CIVA (pedido datado de abril de 2018). Como tal, foi proposto o deferimento total do pedido de reembolso do período 2021/06T, no valor de 46.532,51 EUR (o qual foi validado em 2021.09.08), uma vez que não existia qualquer fundamento legal para o seu indeferimento (n.1 do artigo 22.º do CIVA) ou para a suspensão do prazo de pagamento (artigo 5.º do Despacho Normativo n.º 18-A/2010).” (cf. documento n.º 6) – negrito pela Requerente.
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Assim, no tocante à declaração periódica de IVA, período 2021.06T, apresentada pela Requerente a 12 de agosto de 2021, conforme decorre do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 7), os SIT referem que no campo 8 – operações que conferem direito à dedução, a Requerente inscreveu o valor de € 156.000,00, relativos à alienação de dois lotes com renúncia à isenção do IVA, nos termos do artigo 12.º do Código do IVA, sendo estes parte integrante da operação de loteamento da Requerente, a saber:
(cf. documento n.º 6).
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No que respeita aos valores inscritos a título das operações passivas, indicam os SIT: “destaca-se das mesmas, o montante inscrito no campo 22 da declaração periódica relativamente ao imposto suportado com a construção dos referidos lotes, em função do critério de rateio escolhido” (cf. documento n.º 6).
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E sobre o âmbito dessas operações passivas, os SIT referem: “Analisando as faturas de aquisição de bens e/ou serviços para a construção do parque, verificou-se que a primeira é datada de março/2012 e a última é de março/2016. Existe, também, um contrato de empreitada (anexo 8) datado de 2012.11.29 e ainda as plantas de síntese datadas de 2007, o que indicia que a preparação da operação urbanística de loteamento começou em data anterior a 2012, o que nos leva a concluir que a construção (devendo-se entender este conceito de construção num sentido mais lato, isto é, no sentido de considerar que a construção envolve, também, a preparação e a apresentação a licenciamento da operação urbanística de loteamento excedeu os 4 anos” (cf. documento n.º 6) - negrito pela Requerente.
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Deste modo, concluem os SIT da Direção de Finanças de Aveiro:
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o processo de construção do loteamento prolongou-se por mais do que quatro anos;
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pelo que o prazo para o exercício do direito à dedução é elevado para o dobro, o que significa 8 anos, nos termos do n.3 do artigo 8.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro de 2007.
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Feito este enquadramento, os SIT da Direção de Finanças de Aveiro propuseram-se então analisar a data das faturas que oneraram as aquisições de bens/serviços por parte da Requerente durante a fase de construção e que totalizaram € 2.827.251,71.
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Nessa altura, concluíram os SIT que, por intempestividade do exercício do direito à dedução, haveria lugar à exclusão de parte do valor do IVA deduzido pela Requerente no período em causa (i.e. 2021.06T), uma vez que “as faturas mais antigas remontam ao período de março/2012 e março/2013 (dedutíveis até março/2021)”.
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Estas faturas “mais antigas” totalizavam, a título de IVA, € 465.968,000, conforme aqui se detalham:
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Neste sentido, os SIT da Direção de Finanças de Aveiro determinaram:
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Em face disto os SIT da Direção de Finanças de Aveiro referem: “Dado que, aquando da análise ao reembolso solicitado pelo S.P., estes serviços de inspeção se encontravam a aguardar resposta da DSIVA ao pedido de enquadramento de determinadas operações realizadas pelo mesmo com renúncia à isenção do IVA ao abrigo do n.5 do artigo 12.º do CIVA (pedido datado de abril de 2018), foi proposto o deferimento total do pedido de reembolso do período 2021/06T, no valor de 46.532,51 EUR (o qual foi validado em 2021.09.08), uma vez que não existia qualquer fundamento legal para o seu indeferimento (n.1 do artigo 22.º do CIVA) ou para a suspensão do prazo de pagamento (artigo 5.º do Despacho Normativo n.º 18-A/2010).” – negrito pela Requerente.
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Sucede que: “de acordo com a resposta/entendimento da DSIVA relativamente aos temas questionados, foram detetadas as irregularidades, nomeadamente no que diz respeito ao IVA dedutível, constante das faturas emitidas entre março/2012 e março/2013 (dedutíveis até março/2021), ou seja, estas já se encontram fora do prazo para o exercício do direito à dedução (8 anos) previsto no n.3 do artigo 8.º do “Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis”. Em suma, apura-se uma diferença entre o imposto efetivamente deduzido (47.384,32 EUR) e o imposto que, de acordo com o exposto anteriormente no presente relatório, poderia deduzir (39.607,23 EUR), pelo que se propõe uma correção ao IVA deduzido (campo 22 da DP) no montante de 7.777,09 EUR.”.
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Não obstante, importa sublinhar que os SIT da Direção de Finanças de Aveiro tinham eles próprios fundadas dúvidas sobre qual a forma de contagem do período para a dedução do imposto, tendo, para o efeito de serem esclarecidos, colocado a questão aos Serviços Centrais da AT, conforme se constata no anexo 4 do RIT: “6 – O período de quatro anos previsto no n.2 do artigo 8.º quanto ao exercício do direito à dedução conta-se da data da operação de venda com renúncia em diante? Ou desse marco temporal para trás?”.
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A resposta dos Serviços Centrais da AT começou por assentar a sua fundamentação numa pretensa salvaguarda do direito à dedução, enquanto princípio estruturante do IVA, não o tornando, pasme-se, “impossível” ou “excessivamente difícil” o seu exercício:
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No seguimento disso, os Serviços Centrais da AT convocaram diversos preceitos legais do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, na redação aplicável aos factos:
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Exposto o quadro legal, e aquilo que entendem como dever ser um “prazo de caducidade do direito à dedução” autorizado pelas instâncias comunitárias, os Serviços Centrais da AT avançam logo para a sua conclusão:
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Constata-se, assim, que os Serviços Centrais da AT, e por consequência os SIT da Direção de Finanças de Aveiro, entendem que a sua interpretação, que consideram estar já exposta em diversas informações vinculativas, é de que o prazo se conta a partir do momento em que o imposto se tornou exigível na esfera do prestador de serviços ou do transmitente dos bens e não a partir do momento em que a renúncia à isenção opera.
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Acrescem ainda que o teor do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no processo n.º 01455/12, de 7 de outubro de 2015, não é aplicável à presente situação já que visa um caso ocorrido durante a vigência da anterior legislação, i.e. o Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto.
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E que o artigo 8.º, n.3, do atual Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis é uma norma sem paralelo no regime anterior, i.e. uma norma inovadora, cujo propósito na ótica daqueles Serviços assentou no “reforço” do princípio da efetividade do direito à dedução.
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Ora, as liquidações subjacentes ao aqui caso concreto demonstram a total incoerência desta interpretação.
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É que pretensamente este regime visou o reforço da efetividade do direito à dedução, mas, na prática, restringe-o!
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Constata-se que a liquidação adicional de IVA, período de 2021.06T, no montante de € 7.777,09, tem como fundamento único a pretensa intempestividade do exercício do direito à dedução do IVA por parte da Requerente, já que para os SIT, e com a interpretação apresentada supra, esse exercício deveria ocorrer no prazo de 8 anos contados “para trás” a partir do momento em que operou a renúncia à isenção de IVA.
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Tal como se afere:
Da Ordem de Serviço n.º OI2022... – 2021.09T
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Mutatis mutandis, o mesmo ocorreu na ação inspetiva atinente ao período de 2021.09T, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., conforme se afere: “A presente ordem de serviço, externa, emitida em nome do sujeito passivo em referência foi efetuada tendo como objetivo verificar a legitimidade do pedido de reembolso do IVA por si apresentado, no valor de 354.042,29 EUR, referente ao período de 2021-09T. A justificação do reembolso deve-se ao facto de cerca de 97% do VN do período respeitar a transmissões do direito de propriedade de terreno para construção a favor de outros sujeitos passivos, tendo ocorrido a renuncia à isenção prevista no n.º 31 do artigo 9.º, ao abrigo do permitido pelo n.º 5 do art.º 12.º do CIVA, sendo que, nestes casos, cabe ao respetivo adquirente proceder à liquidação do imposto devido por essa operação, aplicando-se a regra de inversão do sujeito passivo (cf. n.º 1 do artigo 11.º do Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo DL n.º 21/2007), motivo pelo qual não foi liquidado IVA pelo SP em análise. Contudo, constatou-se a existência de IVA indevidamente deduzido, por se reportar a imposto suportado pelo SP para além do prazo referido no n.º 3 do art.º 8.º do referido diploma.”, conforme decorre do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 8).
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Em face disto, os SIT da Direção de Finanças de Aveiro lançaram correções de natureza meramente aritmética ao período de 2021.09T, no valor de € 104.872,37, por considerarem ter havido “IVA indevidamente deduzido por violação do n.º 1 a 3 do artigo 8.º do “Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis”, conjugado com o artigo 19.º, 20.º e n.2 do artigo 98.º todos do CIVA.” (cf. documento n.º 8).
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De qualquer forma, o pedido de reembolso já havia sido concedido à Requerente, tal como resulta do RIT: “Aquando da análise ao reembolso solicitado pelo S.P., encontravam-se, estes serviços de inspeção, a aguardar resposta da DSIVA ao pedido de enquadramento de determinadas operações realizadas pelo mesmo com renúncia à isenção do IVA ao abrigo do n.º 5 do artigo 12.º do CIVA (pedido datado de abril de 2018). Como tal, foi proposto o deferimento total do pedido de reembolso do período 2021/09T, no valor de 354.042,29 EUR (o qual foi validado em 2021.11.29).” (cf. documento n.º 8).
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Assim, no tocante à declaração periódica de IVA 2021.09T, apresentada pela Requerente a 16 de novembro de 2021, com o n.º ..., conforme decorre do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 9), os SIT referem que no campo 8 – operações que conferem direito à dedução, a Requerente inscreveu o valor de € 1.170.000,00, relativos à alienação de cinco lotes com renúncia à isenção do IVA, nos termos do artigo 12.º do Código do IVA, sendo estes parte integrante da operação de loteamento da Requerente, a saber:
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Nessa declaração periódica de IVA, a Requerente apurou o montante de € 354.042,29 de crédito de imposto a seu favor, pelo que, e nos termos do n.5 do artigo 22.º do Código do IVA, efetuou o pedido de reembolso no mesmo montante (cf. documento n.º 9).
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Nessa altura, os SIT entenderam sustentar o mesmo raciocínio já utilizado na inspeção tributária credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2021...: “Analisando as faturas de aquisição de bens e/ou serviços para a construção do parque, verificou-se que a primeira é datada de março/2012 e a última é de março/2016. Existe, também, um contrato de empreitada (Anexo 8) datado de 2012.11.29 e ainda as plantas de síntese datadas de 2007, o que indicia que a preparação da operação urbanística de loteamento começou em data anterior a 2012, o que nos leva a concluir que a construção (devendo-se entender este conceito de construção num sentido mais lato, isto é, no sentido de considerar que a construção envolve, também, a preparação e a apresentação a licenciamento da operação urbanística de loteamento) excedeu os 4 anos.”.
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Pelo que: “pela aplicação do n.º 3 do artigo 8.º do “Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis”, assiste ao S.P. o direito a deduzir o correspondente IVA até junho de 2021. Na medida em que o período em análise respeita a 2021/09T, conclui-se haver lugar à exclusão do direito à dedução de parte do valor do IVA deduzido pelo S.P. no período em causa, uma vez que as faturas mais antigas remontam ao período de março/2012 e junho/2013 (dedutíveis até junho/2021) e tendo por base o referido normativo legal e considerando, por um lado, que a obra em questão teve um período de construção superior a 4 anos e, por outro lado, que a atividade por si desenvolvida consubstancia a construção, com carácter de habitualidade, de imóveis para venda.”.
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Deste modo: “Perante isto, e uma vez que no período 2021/09T o S.P. já não poderia ter em consideração todos os documentos constantes do mapa, ao montante do IVA inicialmente considerado (2.827.251,71 EUR) retiramos o valor correspondente às faturas não dedutíveis (835.643,46 EUR), apurando-se IVA passível de dedução, conforme o n.º 3 do artigo 8.º do Regime de Renúncia, no montante de 1.991.608,25 EUR.”, conforme se afere:
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Concluindo os SIT: “No entanto, de acordo com a resposta/entendimento da DSIVA relativamente aos temas questionados, foram detetadas as irregularidades, nomeadamente no que diz respeito ao IVA dedutível constante das faturas emitidas entre março/2012 e junho/2013 (dedutíveis até junho/2021), ou seja, estas já se encontram fora do prazo para o exercício do direito à dedução (8 anos) previsto no n.º 3 do artigo 8.º do “Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis”. Em suma, apura-se uma diferença entre o imposto efetivamente deduzido (355.420,65 EUR) e o imposto que, de acordo com o exposto anteriormente no presente relatório, poderia deduzir (250.548,28 EUR), pelo que se propõe uma correção ao IVA deduzido (campo 22 da DP) no montante de 104.872,37 EUR.”.
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Em suma, a liquidação adicional de IVA e acrescidos, período de 2021.09T, aqui impugnada, no montante de € 104.872,37, advém exclusivamente da pretensa intempestividade do exercício do direito à dedução do IVA por parte da Requerente, já que para os SIT esse exercício deveria ocorrer no prazo de 8 anos contados “para trás” a partir do momento da renúncia à isenção de IVA, tal como exposto com mais detalhe aquando da análise à inspeção tributária credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2021..., período 2021.06T.
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E por não poder concordar com os fundamentos supra-expostos tecidos pelos SIT da Direção de Finanças de Aveiro, a Requerente vem submeter a presente ação arbitral tributária visando, com isso, obter o restabelecimento do Direito e da Justiça aplicáveis ao caso concreto.
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No seguimento destas ações inspetivas, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202106T, emitida a 19 de julho de 2023, no valor a pagar de € 7.777,09, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 547,16, com datas-limite de pagamento fixadas a 6 de setembro de 2023, bem como da liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202109T, emitida a 5 de julho de 2023, no valor a pagar de € 104.872,37, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 6.447,49, com datas-limite de pagamento fixadas a 31 de agosto de 2023 (cf. documentos n.ºs 2, 3, 4 e 5).
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Ora, em face destas liquidações, e por não poder concordar com as mesmas, a Requerente decidiu apresentar, num primeiro momento, e nos termos legais aplicáveis, um procedimento tributário de reclamação graciosa.
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A Requerente é uma sociedade intermunicipal constituída a 25 de junho de 2009, que resultou de uma parceria entre a B..., onde se incluem os municípios de Arouca, Oliveira de Azeméis, São João da Madeira, Santa Maria da Feira e Vale de Cambra e pelas sociedades, C..., S.A., titular do NIPC ... e D..., S.A., titular do NIPC..., detentoras, respetivamente, de ações representativas de 51%, 44,10% e 4,90% do capital social da Requerente, conforme decorre do documento que aqui se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 13).
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De acordo com a certidão permanente da Requerente (cf. documento n.º 13), a mesma tem por objeto social:
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A criação, gestão e dinamização de áreas de acolhimento empresarial, incluindo a conceção, construção, comercialização, gestão e exploração do parque empresarial para a recuperação de materiais (A...) das Terras de ..., e que se destina, preferencialmente, ao armazenamento e recuperação de materiais, nomeadamente, veículos em fim de vida, resíduos metálicos, resíduos elétricos, eletrónicos e afins, etc.;
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A elaboração de todos os estudos e projetos necessários à conceção, construção, gestão e exploração do A...;
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O desenvolvimento do conjunto de ações que visem a promoção do A..., designadamente junto de todos os eventuais interessados em ali sediar a sua empresa; e
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Acessoriamente, a sociedade poderá desenvolver atividades e operações relacionadas direta ou indiretamente, no todo ou em parte, com o objeto principal, e adquirir, alienar, onerar, locar ou construir quaisquer outros direitos reais sobre imóveis necessários à prossecução do objeto social.
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Assim, no normal exercício destas atividades empresariais, a Requerente efetuou a alienação de diversos lotes de terreno (dois no 2.º trimestre de 2021 e cinco no 3.º trimestre de 2021), melhor identificados nos respetivos RIT’s, tendo, previamente, e cumprindo todos os requisitos legais aplicáveis, solicitado e obtido certificados de renúncia à isenção do IVA para as respetivas alienações.
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Por conseguinte foi reconhecido pela AT o direito à dedução do IVA incorrido por parte da Requerente nas respetivas despesas relacionadas com a operação de loteamento, devidamente contabilizadas e suportadas documentalmente, tais como, despesas com movimentação de terras e arruamentos, execução de redes de abastecimento de águas, execução de redes de águas residuais e pluviais, execução de infraestruturas de gás e telecomunicações, execução de redes de iluminação pública, pavimentações, obras acessórias e arranjos exteriores.
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O exercício do direito à dedução pela Requerente ocorreu nas respetivas declarações de IVA (i.e. nas declarações periódicas de 2021.06T e de 2021.09T) atinentes aos períodos das transmissões dos referidos lotes.
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Contudo, este direito à dedução veio a ser limitado pelos SIT da Direção de Finanças de Aveiro, dada a interpretação perfilhada pelos mesmos e que assentou numa pretensa intempestividade de parte do direito à dedução exercido pela Requerente, já que, na ótica daqueles, parte das despesas teria sido incorrida há mais de 8 anos contados com referência à data da obtenção dos certificados de renúncia à isenção de IVA e, como tal, não seriam dedutíveis.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
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Em síntese, a Requerente contesta as correções promovidas em sede inspetiva, por defender que, nos termos do artigo 8.º do Regime de Renúncia à Isenção, em especial o seu nº 3, o prazo para o exercício do direito à dedução respeita a um período temporal após a venda dos imóveis (momento em que renunciou à isenção), ou seja, em seu entender o IVA por si suportado nas faturas respeitantes à transmissão de bens e prestação de serviços com vista ao exercício da sua atividade são dedutíveis seja qual for a sua data de emissão e até 8 anos após a renúncia à isenção).
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Contudo, sem razão, não só por a Requerente convocar jurisprudência que não respeita à legislação aplicável ao caso concreto (porquanto se refere ao anterior Regime de Renúncia à Isenção), equivocando-se na leitura que faz do disposto no artigo 8.º do Regime de Renúncia à Isenção pois olvida a diferença entre o direito à dedução, o momento em que tal direito deve ser exercido (na declaração do período ou do período posterior, estando este momento fixado, na situação sub judice, no artigo 8.º do Regime de Renúncia) e a caducidade do exercício do direito.
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Os princípios subjacentes ao exercício ao direito à dedução do IVA estão previstos nos artigos 19º e 20º do CIVA, que consagram que, para ser dedutível, o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.
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Tendo em atenção as exceções constantes no artigo 21º do CIVA, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas ou sejam isentas com direito a dedução.
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Por sua vez, nos termos do artigo 22º, nº 1 do CIVA, o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível de acordo com as regras dos artigos 7º e 8º do CIVA, ou seja, em regra geral, o sujeito passivo adquire o direito à dedução do imposto suportado a partir do momento em que lhe é faturado o preço dos bens adquiridos ou dos serviços prestados.
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E, no artigo 22º, nº 2 do CIVA, determina-se que a dedução de imposto deverá ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação ou de recibo de pagamento do IVA, sem prejuízo da possibilidade de correções legalmente previstas no artigo 78º do CIVA.
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Assim, verifica-se que o direito à dedução e o exercício de tal direito configuram duas situações distintas, pois:
- no artigo 22º, nº 1 do CIVA estabelece-se que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível de acordo com as regras dos artigos 7º e 8º do CIVA, e,
- no artigo 22º, nº 2 do CIVA estabelece-se que a dedução de imposto deve ser efetuada, ou seja, exercida na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA.
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Em regra, as operações imobiliárias estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9º, nº 29 e 30 do CIVA.
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E, assim, o IVA suportado nos respetivos inputs não é dedutível.
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Porém, no artigo 12º, nº 5 do CIVA refere-se que “Os sujeitos passivos que efetuem a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos, frações autónomas destes ou terrenos para construção a favor de outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no nº 30 do artigo 9º”.
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Assim, nos termos do diploma que estabelece o Regime de Renúncia à Isenção, no artigo 4.º do Regime de Renúncia à Isenção, quanto as formalidades necessárias, determina-se que:
«1 - Os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem dirigir à Direcção-Geral dos Impostos, por via electrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:
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O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respectivos números de identificação fiscal;
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A identificação do imóvel;
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Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;
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A actividade a exercer no imóvel;
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O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda;
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A declaração de que se encontram reunidas todas as condições para a renúncia à isenção, previstas no Código do IVA e no presente regime.
2 - A Direcção-Geral dos Impostos, após a recepção do pedido de emissão de certificado, deve, por via electrónica, dar conhecimento do mesmo ao sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, para efeitos de confirmação por este, pela mesma via, dos elementos que lhe dizem respeito.
3 - Não obstante o disposto no número anterior, quando a informação disponibilizada no pedido não corresponder aos elementos na posse dos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, a decisão de emissão do certificado é tomada pelo chefe do serviço de finanças da área da sede, do estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do transmitente ou locador, após a apreciação da conformidade dessa informação.
4 - O certificado para efeitos de renúncia é emitido no prazo de 10 dias a contar da data da confirmação a que se refere o n.º 2.
5 - O certificado emitido é válido por seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos Impostos a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efectivasse.»
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E, no artigo 5.º deste Regime, quanto ao momento em que se efetiva a renúncia à isenção, determina-se que:
«1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.
2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.
3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.»
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Por sua vez, no artigo 8.º do Regime de Renúncia à Isenção, determina-se que:
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os sujeitos passivos intervenientes em operações em que tenha ocorrido a renúncia à isenção no âmbito do presente regime têm direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada bem imóvel, segundo as regras definidas nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.
2 - Os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção, tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA.
3 - O prazo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA é elevado para o dobro para efeitos da dedução do imposto suportado na construção de bens imóveis por sujeitos passivos cuja atividade tenha por objeto, com carácter de habitualidade, a construção de imóveis para venda ou para locação, quando essa construção, comprovadamente, tenha excedido o prazo referido naquela disposição.
4 - Os sujeitos passivos adquirentes de bens imóveis podem deduzir o imposto liquidado pela respectiva aquisição na declaração do período de imposto em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º, tem lugar a renúncia à isenção.»
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No caso sob apreciação a renúncia à isenção verificou-se aquando da transmissão de cada lote, pelo que apenas nesse momento a atividade exercida pela Requerente deixou estar enquadrada como uma atividade isenta e sem direito à dedução.
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Pelo que, aquando da receção das faturas relativas aos inputs necessários à sua atividade, incorridos pela Requerente até à venda dos referidos lotes, o IVA ali aposto não era dedutível, nos termos das disposições legais acima referidas.
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Por esse motivo, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 e 3 do Regime de Renúncia à Isenção vem estabelecer-se que, quando a renúncia tem lugar nos termos do artigo 5.º, n.º 1 deste Regime (ou seja, no momento da celebração do contrato de compra e venda, como sucede na situação sob análise), é possível a dedução do IVA suportado em tais faturas anteriores.
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Mas, contrariamente ao que pretende a Requerente, esta situação excecional, ou seja, permitir aceitar-se como dedutível o IVA contido nas faturas recebidas relativamente a uma atividade que à data estava isenta, tem limites, pois o legislador, no regime de renúncia que aqui nos ocupa, expressamente fixou que tal dedução é «tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA», ou seja, de 4 anos ou 8 anos, consoante a situação concreta; in casu, 8 anos, como referido no RIT.
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Defende, no entanto, a Requerente que «o prazo de 8 anos é antes o limite máximo temporal para exercício do direito à dedução do IVA incorrido, contando-se, o mesmo, a partir da obtenção da renúncia da isenção de IVA e inerente transmissão imobiliária» (cf. ponto 88 do ppa).
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Ou seja, em vez de atentar na caducidade do direito à dedução em função do IVA suportado em faturas referentes a operações que tenham ocorrido nos 8 anos anteriores à celebração dos correspondentes contratos de venda dos lotes, vem defender que o IVA aposto nas mesmas é dedutível durante um prazo de 8 anos a contar da renúncia à isenção.
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Todavia, repare-se, sem que consiga explicar qual a razão desta discricionariedade conferida ao sujeito passivo que, não obstante ter uma atividade tributada que se esgota no momento exato dessa renúncia, com a venda do imóvel, possa deferir a seu bel-prazer o IVA suportado nos inputs incorridos a montante.
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Importa verificar que no artigo 8.º, n.º 3 do Regime de Renúncia, quando se estabelece que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA é elevado para o dobro, se refere expressamente que é «para efeitos da dedução do imposto suportado na construção de bens imóveis por sujeitos passivos cuja atividade tenha por objeto, com carácter de habitualidade, a construção de imóveis para venda ou para locação, quando essa construção, comprovadamente, tenha excedido o prazo referido naquela disposição».
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Assim, é esclarecido quanto à formulação contida no artigo 8.º, nº 2 deste Regime, pelo seu n.º 3 que o prazo fixado respeita à dedução e não ao momento do seu exercício.
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Ou seja, o direito à dedução do imposto só passa a ser possível com a renúncia, mas o seu nascimento é aferido em relação às faturas a que o mesmo respeita.
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Sendo que, contrariamente ao que a Requerente pretende fazer crer no ppa, não há novas faturas a considerar, nem faturas corretivas, nem um qualquer ato novo que implique um direito à dedução de IVA que a Requerente desconhecesse no momento da venda dos lotes e da renúncia à isenção.
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O IVA em causa nos autos foi o suportado nas faturas que a Requerente recebeu e pagou ao longo da construção dos imóveis, e em cuja escritura pública de compra e venda a Requerente exerceu a renúncia à isenção.
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Assim, da análise conjugada do n.º 2 e do nº 3 do artigo 8.º do Regime de Renúncia à Isenção resulta que a previsão de um período de dedução mais dilatado (8 anos), nos casos em que o prazo de construção tenha comprovadamente excedido o prazo de 4 anos, apenas apresenta sentido se, nesses casos, se permitir a dedução de IVA que onerou as suas aquisições durante a fase de construção, ainda que com o limite máximo de 8 anos.
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Por outro lado, recorde-se aqui que o sistema do IVA se assemelha a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com reporte para os períodos seguintes, sendo certo que tanto o reporte como o reembolso, enquanto formas de materializar o exercício do direito à dedução, pressupõem um acerto de contas periódico entre o Estado e o contribuinte.
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Ora, se aquando da renúncia da isenção de IVA todas as operações passivas já foram praticadas, porque estabeleceria então o legislador em simultâneo a obrigação de exercício do direito de dedução do IVA suportado «na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção», mas permitindo que o direito à dedução, como o entende a Requerente, fosse possível até oito anos após a emissão do certificado de renúncia?
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Este raciocínio, para além de não ter suporte na letra da lei, é destituído de qualquer sentido lógico.
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Para além disso, se assim fosse, correr-se-ia o risco de obter reembolso de operações com 10, 20, 30 anos desde que referentes àquele imóvel e no período de 8 anos subsequentes à emissão do certificado de renúncia e transmissão imobiliária.
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Também não tem razão a Requerente quando afirma que o “Legislador não utilizou a expressão “no período imediatamente posterior”, mas antes em período posterior àquele, qualquer que este seja, desde que observado o prazo máximo”. (cf. ponto 85 do ppa).
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Seja do artigo 22º, nº 2 do CIVA, em que refere expressamente que a “dedução deve ser efetuada na declaração do período ou período posterior”, seja do artigo 8.º, n.º 2 do Regime de Renúncia à Isenção, em que se refere que «Os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção», resulta que os sujeitos passivos não têm qualquer possibilidade de escolha quanto ao momento em que podem exercer o direito à dedução.
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Pelo que, a interpretação da Requerente carece de sentido.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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A Requerente é uma sociedade intermunicipal constituída a 25 de junho de 2009, que resultou de uma parceria entre a B..., onde se incluem os municípios de Arouca, Oliveira de Azeméis, São João da Madeira, Santa Maria da Feira e Vale de Cambra e pelas sociedades, C..., S.A., titular do NIPC ... e D..., S.A., titular do NIPC..., detentoras, respetivamente, de ações representativas de 51%, 44,10% e 4,90% do capital social da Requerente. (cf. documento n.º 13).
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De acordo com a certidão permanente da Requerente (cf. documento n.º 13), a mesma tem por objeto social:
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A criação, gestão e dinamização de áreas de acolhimento empresarial, incluindo a conceção, construção, comercialização, gestão e exploração do parque empresarial para a recuperação de materiais (A...) das Terras de Santa Maria, e que se destina, preferencialmente, ao armazenamento e recuperação de materiais, nomeadamente, veículos em fim de vida, resíduos metálicos, resíduos elétricos, eletrónicos e afins, etc.;
-
A elaboração de todos os estudos e projetos necessários à conceção, construção, gestão e exploração do A...;
-
O desenvolvimento do conjunto de ações que visem a promoção do A..., designadamente junto de todos os eventuais interessados em ali sediar a sua empresa; e
-
Acessoriamente, a sociedade poderá desenvolver atividades e operações relacionadas direta ou indiretamente, no todo ou em parte, com o objeto principal, e adquirir, alienar, onerar, locar ou construir quaisquer outros direitos reais sobre imóveis necessários à prossecução do objeto social.
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Assim, no normal exercício destas atividades empresariais, a Requerente efetuou a alienação de diversos lotes de terreno (dois no 2.º trimestre de 2021 e cinco no 3.º trimestre de 2021), melhor identificados nos respetivos RIT’s, tendo, previamente, e cumprindo todos os requisitos legais aplicáveis, solicitado e obtido certificados de renúncia à isenção do IVA para as respetivas alienações.
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Por conseguinte foi reconhecido pela AT o direito à dedução do IVA incorrido por parte da Requerente nas respetivas despesas relacionadas com a operação de loteamento, devidamente contabilizadas e suportadas documentalmente, tais como, despesas com movimentação de terras e arruamentos, execução de redes de abastecimento de águas, execução de redes de águas residuais e pluviais, execução de infraestruturas de gás e telecomunicações, execução de redes de iluminação pública, pavimentações, obras acessórias e arranjos exteriores.
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O exercício do direito à dedução pela Requerente ocorreu nas respetivas declarações de IVA (i.e. nas declarações periódicas de 2021.06T e de 2021.09T) atinentes aos períodos das transmissões dos referidos lotes.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A renúncia à isenção do IVA nas transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelos nºs 29 e 30 do artigo 9.º do Código do IVA, encontra-se prevista nos nºs 4 a 6 do artigo 12.º do mesmo Código, podendo ser atualmente exercida nos termos e condições definidos no Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis (doravante apenas “Regime”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, na sua redação aplicável.
Efetivamente, e no que tange à tipologia do caso concreto, estipula o artigo 12.º, n.º5, do Código do IVA: “Os sujeitos passivos que efetuem a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos, frações autónomas destes ou terrenos para construção a favor de outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 30) do artigo 9.º.”.
Acrescentando o n.6 do sobredito artigo 12.º do Código do IVA: “Os termos e as condições para a renúncia à isenção prevista nos n.ºs 4 e 5 são estabelecidos em legislação especial.”.
Esta “legislação especial” é, atualmente, a referida supra do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro.
Deste diploma legal decorre que a renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, e desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido, e se continuem a verificar naquele momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no referido regime – artigo 5.º, n.1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, com epígrafe “Momento em que se efetiva a renúncia à isenção”.
Além disso, enuncia o Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, no seu artigo 8.º - Exercício do direito à dedução:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os sujeitos passivos intervenientes em operações em que tenha ocorrido a renúncia à isenção no âmbito do presente regime têm direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada bem imóvel, segundo as regras definidas nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.
2 - Os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção, tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA.
3 - O prazo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA é elevado para o dobro para efeitos da dedução do imposto suportado na construção de bens imóveis por sujeitos passivos cuja atividade tenha por objeto, com carácter de habitualidade, a construção de imóveis para venda ou para locação, quando essa construção, comprovadamente, tenha excedido o prazo referido naquela disposição.
4 - Os sujeitos passivos adquirentes de bens imóveis podem deduzir o imposto liquidado pela respetiva aquisição na declaração do período de imposto em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º, tem lugar a renúncia à isenção.”
Constata-se, assim, que o momento da renúncia à isenção do IVA, que ocorre com a obtenção do respetivo certificado de renúncia e sua utilização, consubstancia o momento em que nasce o direito à dedução na esfera do transmitente.
E como refere o n.3 do artigo 8.º do Regime, esse prazo máximo do artigo 91.º, n.2, do Código do IVA, atual artigo 98.º, é elevado para o dobro (i.e. oito anos) em casos como o aqui em análise:
“3 - O prazo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA é elevado para o dobro para efeitos da dedução do imposto suportado na construção de bens imóveis por sujeitos passivos cuja atividade tenha por objeto, com carácter de habitualidade, a construção de imóveis para venda ou para locação, quando essa construção, comprovadamente, tenha excedido o prazo referido naquela disposição.”.
Isto significa que o prazo de 8 anos é antes o limite máximo temporal para exercício do direito à dedução do IVA incorrido, contando-se, o mesmo, a partir da obtenção da renúncia da isenção de IVA e inerente transmissão imobiliária.
Ao invés, a posição defendida pelos SIT da Direção de Finanças de Aveiro de considerar que o prazo para o exercício do direito à dedução nasce e está já a correr em momento anterior à data em que foi obtido o certificado de renúncia à isenção de IVA e inerente transmissão imobiliária, olvida o facto primordial de que, naquela altura, o sujeito passivo ainda nem sequer era titular do direito à dedução.
Por outras palavras, a conceção dos SIT da Direção de Finanças de Aveiro coloca em causa o princípio da neutralidade do imposto, e em que o mecanismo de dedução se revela de natureza imprescindível, ao defenderem que o prazo de caducidade do direito à dedução começou a correr em data anterior à data do nascimento do próprio direito de dedução.
Não podemos concordar com a posição da Requerida.
Na verdade[2], o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a emissão do certificado de renúncia constitui um ato administrativo constitutivo do direito à renúncia[3].
Embora a jurisprudência referida tenha por objeto casos a que era aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, à face do sentido e alcance da autorização legislativa referida, não poderá haver válida restrição do alcance da natureza do ato que consubstancia a emissão do certificado, pois trata-se de matéria que se insere no âmbito das garantias dos contribuintes, também inserida na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, como decorre do n.º 2 do artigo 103.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, e, em que, como se referiu, a validade constitucional da legislação emitida pelo Governo depende da sua conformidade à lei de autorização legislativa (artigo 112.º, n.º 2, da CRP).
Aliás, as exigências de emissão do certificado e da sua detenção no momento da celebração do contrato, que a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, até terão primacialmente o alcance de assegurar que a renúncia à isenção está em sintonia com os elementos na posse da Administração Tributária, pois a opção conjunta de locador e locatário optarem pelo regime de tributação e a afirmação destes de que se encontram reunidas as condições legais da renúncia à isenção pode ser expressa diretamente por estes no próprio contrato, não carecendo, por isso, de ser certificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Assim, numa interpretação constitucionalmente admissível e compaginável com a legislação anterior e a autorização legislativa, a emissão dos certificados não pode deixar de considerar-se reconhecimento pela Administração Tributária e Aduaneira da verificação dos requisitos da renúncia à isenção que no momento da sua emissão tinha possibilidade de controlar, com base nos «elementos na posse dos serviços centrais da Direção-geral dos Impostos» a que se refere o n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2007.
De onde decorre, à luz da referida jurisprudência, que da emissão dos certificados decorre o direito do contribuinte a renunciar à isenção, enquanto se mantiver a situação que existia quando eles foram emitidos, dentro do prazo da sua validade.
Assim, é de concluir no normal exercício destas atividades empresariais:
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a Requerente efetuou a alienação de diversos lotes de terreno (dois no 2.º trimestre de 2021 e cinco no 3.º trimestre de 2021), melhor identificados nos respetivos RIT’s, tendo, previamente, e cumprindo todos os requisitos legais aplicáveis, solicitado e obtido certificados de renúncia à isenção do IVA para as respetivas alienações
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e só depois, por conseguinte foi reconhecido pela AT o direito à dedução do IVA incorrido por parte da Requerente nas respetivas despesas relacionadas com a operação de loteamento, devidamente contabilizadas e suportadas documentalmente, tais como, despesas com movimentação de terras e arruamentos, execução de redes de abastecimento de águas, execução de redes de águas residuais e pluviais, execução de infraestruturas de gás e telecomunicações, execução de redes de iluminação pública, pavimentações, obras acessórias e arranjos exteriores.
Em suma, o exercício do direito à dedução pela Requerente só poderia ocorrer nas respetivas declarações de IVA (i.e. nas declarações periódicas de 2021.06T e de 2021.09T) atinentes aos períodos das transmissões dos referidos lotes.
Pelo que temos de concluir pela total procedência do pedido no sentido da anulação da liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202106T, emitida a 19 de julho de 2023, no valor a pagar de € 7.777,09, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 547,16, com datas-limite de pagamento fixadas a 6 de setembro de 2023, bem como da liquidação adicional de IVA, identificada sob o n.º 2023..., período 202109T, emitida a 5 de julho de 2023, no valor a pagar de € 104.872,37, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e sua respetiva liquidação de juros compensatórios sob o n.º 2023..., com o valor a pagar de € 6.447,49.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, entre os quais o de apreciar pedidos de juros indemnizatórios.
Em consequência da procedência do pedido de anulação dos atos tributários na componente dos juros compensatórios e moratórios, fica a AT vinculada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
De igual modo, o n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao
processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do
RJAT, estabelece que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de
procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo
judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não
tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros
indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o
momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1
e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a
consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
No caso em análise, fica a Requerida obrigada ao pagamento a favor da Requerente de juros indemnizatórios sobre o valor da prestação tributária paga em excesso, a liquidar nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências;
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Condenar a Requerida ao pagamento das custas.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 119.644,11, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.060,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de abril de 2025
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Cristina Coisinha)
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] Acórdãos de 03-07-2002, processo n.º 0139/02, e de 25-11-2009, processo n.º 0486/09.
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