Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 996/2024-T
Data da decisão: 2025-04-08   Outros 
Valor do pedido: € 119.917,40
Tema: CSR - Incompetência material do Tribunal Arbitral; Ilegitimidade da Requerente.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

1. 1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. O presente Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre atos subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de CSR.

2. A Requerente não é parte ilegítima para pedir a apreciação dos atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela sua fornecedora de combustíveis.

3. Apenas o sujeito passivo responsável pela introdução dos produtos petrolíferos (gasolina e gasóleo rodoviário) no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a apreciação e anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, (Presidente), Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, e Dr. António Melo Gonçalves, (Adjunots), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A... UNIPESSOAL LD.ª, pessoa coletiva com o NIPC..., com sede na Rua ..., ...-... ..., Lousada vem, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B... S.A., C... Ld.ª, D... Ld.ª e E... S.A, na sequência da aquisição de 1.080,337 litros de gasóleo e, em face da qual suportou € 119.917,40.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentado na Alfândega de Braga, contra as liquidações de CSR relativas ao período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2020.

 

1.1. Do pedido

A requerente concretiza o Pedido:

“Nestes termos e nos demais de Direito, deve a presente pronúncia arbitral ser julgada procedente e provada, e em consequência serem anulados os atos tributários melhor identificados no frontispício desta petição com as demais consequências legais, designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de € 119.917,40 (cento de dezanove mil, novecentos e dezassete euros e quarenta cêntimos), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.”

Da análise do PPA, da Resposta e das alegações, entende este Tribunal Arbitral que a Requerente peticiona a apreciação e consequente anulação da legalidade dos atos de liquidação de CSR praticados pela AT e dos atos de repercussão resultante da emissão de faturas pelos seus fornecedores de combustíveis que foram repercutidos na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores, na sequência da aquisição de 1.080,337 litros de gasóleo em face da qual suportou € 119.917,40 acrescido dos respetivos juros indemnizatórios

 

1.2. Do requerimento da AT anterior à constituição do Tribunal Arbitral

Em 24-09-2024 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa com o seguinte teor:

“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 30/08/2024 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A... Unipessoal Ld.ª, NIPC..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta

da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.

Tendo em conta, que:

a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT; b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.

Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

Tendo o Presidente do CAAD entendido por despacho de 24-09-2024, que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD.

A Requerente nas alegações pronunciou sobre a falta de objeto alegado pela AT, defendendo que “

“A requerente é sim uma titular de um interesse legalmente protegido, nos termos do artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, enquanto repercutida que efetivamente suportou o encargo tributário em virtude de ser a consumidora final do combustível.

(...)

Se a repercutida não é responsável pela liquidação do tributo e como tal não lhe foram emitidos os atos de liquidação, como pode ela especificar esses atos?

Como afirmado supra, a requerente juntou ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral todas as faturas de aquisição de combustível, contendo todos os elementos essenciais deste tipo de documento, incluindo a identificação da sua fornecedora.

Com efeito, exigir mais que isto à requerente é manifestamente insustentável.

(...)

Por outro lado, a requerida, dotada de vastos poderes inspetivos, tem acesso a uma ampla rede de informação que certamente facilita a identificação dos atos em causa

(....)

Acrescente-se ainda que tem a AT o poder-dever de efetuar todas as diligências que se afigurem necessárias para a descoberta da verdade material, princípio previsto no artigo 58.º da LGT.”

 

Tendo o Senhor Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD. De mencionar que não cabe ao Tribunal Arbitral praticar quaisquer atos processuais ainda antes da sua constituição e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos atos tributários impugnados e a legitimidade processual apenas releva no âmbito do saneamento do processo.

 

1.3. Tramitação processual

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado no dia 26-08-2024 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-08-2024.

Os Árbitros designados em 14-10-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação no mesmo dia.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 04-11-2024.

Em 03-12-2024 a AT apresentou Resposta em que suscitou exceções e juntou o Procedimento Administrativo.

Por despacho de 04-12-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responder às exceções nas alegações finais.

Em 27-12-2024 a Requerente apresentou alegações e pronunciou-se sobre as exceções.

A Requerida apresentou alegações em 10-01-2024.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

Para efeitos de saneamento do processo há que apreciar as exceções invocadas pela Requerida, o que se fará infra.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede na Rua..., ...-... ..., Lousada; (facto não controvertido).
  2.  A Requerente afirma que: “No ano de 2020 (desde Fevereiro) a requerente adquiriu à B... S.A. 266.348,00 (duzentos e sessenta e seis mil, trezentos e quarenta a oito) litros de gasóleo e adquiriu à C... Ld.ª 39.993,00 (trinta e nove mil, novecentos e noventa e três) litros de gasóleo; no ano de 2021 a requerente adquiriu à B... S.A. 54.000,00 (cinquenta e quatro mil) litros de gasóleo, adquiriu à D... Ld.ª 10.000,00 (dez mil litros) de gasóleo e adquiriu à E... S.A. 194.000,00 (cento e noventa e quatro mil) litros de gasóleo; no ano de 2022 a requerente adquiriu à E... S.A. 275.996,00 (duzentos e setenta e cinco mil, novecentos e noventa e seis) mil litros de gasóleo e no ano de 2023, a requerente adquiriu à E... S.A. 240.000,00 (duzentos e quarenta) mil litros de gasóleo – cfr. doc. n.º 2 a 5”.
  3. A Requerente, remeteu por correio registado com AR, a revisão oficiosa no dia 15 de fevereiro de 2024, para a Alfândega de Braga, a requerer que fossem anulados os atos de liquidação indevidamente emitidos, e a devolução do valor invalidamente cobrado, oficiosa recebida no dia 16 de fevereiro do mesmo ano; (cfr. doc. n.º 1, em anexo ao PPA).
  4. A Autoridade Tributária, não decidiu o pedido de revisão oficiosa.

 

3.2. Factos não provados

Considera-se não provado que:

  1. As fornecedoras de combustíveis à Requerente são sujeitos passivos de CSR;
  2. Os sujeitos passivos de CSR, em relação aos combustíveis adquiridos pela Requerente aos seus fornecedores entregaram ao Estado, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas;
  3. As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
  4. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 119.917,40.
  5. A Requerente é um consumidor final.

 

3.3. Motivação da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos ao PPA.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados e não provados com relevo para a decisão, os supra elencados.

 

4. Das exceções

A Requerida na Resposta invoca exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.

São as seguintes exceções invocadas:

  1. incompetência do Tribunal em razão da matéria;
  2. ilegitimidade processual e substantiva da requerente;
  3. ineptidão da petição inicial;

i) Por alegada falta de objeto;

ii) Por alegada ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a sua causa de pedir;

  1. caducidade do direito de ação.

 

Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, dado que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

Porém, e considerada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a questão da natureza jurídica da CSR.

 

4.1. Da natureza jurídica da CSR

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:

“Artigo 4.º - Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado e o destinatário registado;

(...).

Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Adicionamento sobre emissões de CO2 e de CSR.

O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.

Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.

São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.

A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.

De acordo artigo 10.º-A do CIEC, as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.

Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.

Como é afirmado no preâmbulo, à CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal I.P.

Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.

Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:

“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)

Salientamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:

“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”

De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(...)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”

 

Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.

 

4.2. Da competência material do Tribunal Arbitral para apreciação a legalidade de atos de liquidação de CSR

Nestes autos, a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que a CSR é uma contribuição e não um imposto, pelo que as matérias sobre a CSR na sua perspetiva encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributaria, por ausência de enquadramento legal.

A AT alega ainda que os Tribunais Arbitrais não têm competência para sindicarem atos de repercussão de CSR.

 

a) Posição da Requerida

A AT defende que: “Sendo que, no caso em apreço, está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.

Ora, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR encontram- se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

A este propósito, veja-se o artigo 4º da LGT onde o legislador não só definiu no nº 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no nº 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto, no qual, contudo, não se inclui a CSR.

(...)

E não se diga que é necessário discutir a natureza jurídica dos atos de repercussão de CSR, pois, como consta na decisão proferida no Processo arbitral nº 332/2023-T”.

 

b) Posição da Requerente

A Requerente defende nomeadamente o seguinte:

“É verdade que o CAAD apenas tem competência para apreciar pretensões relativas a impostos, em consequência da Portaria n.º 112-A/2011.

No entanto, como invocado e fundamentado exaustivamente pela requerente no pedido de pronúncia arbitral, a CSR é um imposto e os tribunais arbitrais são competentes para decidir sobre esta matéria.

Com efeito, não é a designação “contribuição de serviço rodoviário” que qualifica este tributo como contribuição financeira, mas sim a sua substância.

(...)

Aliás, já foi a CSR qualificada como imposto pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo C-460/2021.

(...)

A requerente invoca também a inconstitucionalidade do regime da CSR, na medida em que se trata de um imposto que incide sobre um grupo restrito de indivíduos e por isso viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Também aqui não se pede ao Tribunal que declare a inconstitucionalidade da Lei n.º 55/2007.

O que a requerente pretende sustentar é que os atos de liquidação resultaram da aplicação de uma lei contrária não só ao Direito da União, como ao Direito Constitucional, pelo que há um vício de violação de lei.”

 

Vejamos,

 

A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.

O Acórdão do TCAS de 24-10-2024 proferido no Processo n.º 128/23.9BCLSB, decidiu que:

“Os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios.”

 

Como acima concluído, sendo a CSR um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

 

4.2. Da competência material do Tribunal Arbitral para apreciação a legalidade de atos de liquidação de CSR

Para se concluir pela competência material deste Tribunal Arbitral temos ainda de analisar o concreto pedido da Requerente e verificar a sua inclusão ou não nas normas de competência previstas no RJAT e da Portaria de Vinculação.

Como refere SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p.  pág. 399, os atos de repercussão consistem “(...) na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”.

Sobre o conceito de ato de liquidação é dito no Acórdão do TCAN de 30-11-2017, Processo n.º 00598/16.1BEPRT.

“Como referido por Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, em anotação ao artigo 97.2, páginas 34 a 56, transcrição trazida pelo Ministério Público nas suas Contra-alegações:

«5 - Impugnação de atos de liquidação

Atos de liquidação, em matéria tributária, são os atos administrativos, praticados pela administração tributária que determinam o quantitativo do tributo a pagar pelo sujeito passivo, consubstanciando-se na aplicação de uma taxa à matéria coletável.

(…)”

JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 2010, 6.ª edição pág. 317 escreveu:

“A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina ataxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação (stricto sensu) traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais)deduções à colecta.

De entre todas essas operações destaca-se a determinação da matéria colectável, a qual pode ser objecto de mero cálculo ou de avaliação (v. o art. 81.º, n.º 1, da LGT). Será objecto de cálculo se a matéria colectável for determinada com base em elementos exclusivamente objectivos (como a contabilidade e respectiva documentação de suporte), através da verificação desses elementos ou de operações matemáticas elaboradas com base neles.”

 

Entendemos que os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada.

Da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, resulta que não está comtemplada qualquer situação de repercussão legal nem sequer de repercussão económica.

Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399. Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).

Os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada.

Este é o entendimento que vem sendo seguido pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão, nomeadamente nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 297/2023-T; 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T; 250/2024-T.

 

Assim, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

4.3. Exceção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

Nos presentes autos, a Requerente, invocando a qualidade não de sujeito passivo, mas sim de repercutida legal, peticiona a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR, praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consubstanciados nas faturas referentes aos combustíveis que adquiriu à sociedade F..., S.A., no período.

 

a) Posição da Requerida

A AT em síntese defende na Resposta:

“Nos presentes autos, vem a Requerente peticionar que sejam anuladas as liquidações de CSR referentes ao combustível por aquela adquirido às suas fornecedoras no período compreendido entre fevereiro de 2020 a dezembro de 2023, determinando-se o reembolso de todas as quantias alegadamente suportadas pela Requerente a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.

Ora, resulta do articulado da Requerente que esta se considera parte legítima para a presente causa nos termos conjugados do n.º 1 e 2 do artigo 9.º CPPT e artigos 65.º e 18.º n.º 3 e 4 da LGT, por ter, alegadamente, suportado o encargo com a CSR.

Aqui chegados, é importante desde logo salientar que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago (cfr. n.º 2 do artigo 15.º do CIEC).

E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo, como já referido no artigo 29.º da presente resposta.

Pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto, cabendo somente às mesmas identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).”

 

b) Posição da Requerente

No PPA a Requerente alega que:

“Nos termos do artigo 9.º, n.os 1 e 2, da LGT:

«1 - É garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efetiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Todos os atos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei».

Esta disposição legal consubstancia uma decorrência do princípio fundamental do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsito no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, assumindo-se como princípio basilar dos direitos dos contribuintes e não podendo, em consequência, a sua aplicação ser restringida ou coartada sem um motivo válido.

De acordo com o artigo 65.º da LGT, «[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido».

Dispondo, por sua vez, o artigo 9.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”):

«Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido».

 

Por sua vez,

Nos termos do artigo 95.º n.º 1 da LGT está exposto que:

«O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, seguindo as formas do processo prescritas na lei».

Assim, tanto de acordo com a LGT como com o CPPT, têm legitimidade para intervir no procedimento e no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido cuja tutela dependa desse procedimento ou processo, ainda que não sejam legalmente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações tributárias.

De facto, a legitimidade no procedimento e processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que, como os n.os 3 e 4 do artigo 18.º da LGT indiciam, é atribuída legitimidade procedimental e processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto.

(...)

Em qualquer situação de repercussão do pagamento do imposto – independentemente de se tratar de repercussão legal ou voluntária –, verifica-se uma diminuição do património pessoal do repercutido, o qual suporta um encargo tributário sem ter qualquer participação no procedimento de liquidação.

Neste contexto, não se descortina qualquer razão que justifique distinguir a repercussão legal de outras situações de repercussão de facto para efeitos de aferição da legitimidade procedimental ou processual do repercutido, contanto que a transmissão do encargo do imposto seja provado, como é o presente caso.

De facto, os fundamentos que justificam a atribuição dessa legitimidade em caso de repercussão legal – fundamentos esses assentes em dotar o titular do encargo tributário de meios que lhe permitam reagir quando confrontado com uma liquidação ilegal – têm plena aplicação em qualquer outra situação de repercussão, sendo as situações factualmente idênticas.

Assim, terá de se concluir necessariamente que o repercutido será, independentemente da modalidade de repercussão, titular de um interesse legalmente protegido justificativo da atribuição de legitimidade procedimental e processual para discussão da legalidade da dívida tributária, tudo nos termos dos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 65.º da LGT, e 9.º, n.º 1, do CPPT.

Esta interpretação encontra respaldo no Despacho proferido pelo TJUE a 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do Processo Vapo Atlantic (C-460/21), o qual, pese embora se refira à legitimidade ativa do sujeito passivo da CSR e não do repercutido, faz uma interpretação da repercussão que vai ao encontro do que aqui defendemos.

(...)”

 

Vejamos

 

O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.

Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.

E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;

2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.

A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E, o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.

 

Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade neste caso, para questionar os atos de liquidação da CSR, só poderia advir da comprovação de a Requerente é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM, nos termos da qual se refere “(...). V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.

Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.

A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo, bem como, a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.

A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu à fornecedora de combustíveis e junta ao pedido arbitral cópia das faturas emitidas pelas suas fornecedoras de combustíveis.

As faturas não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.

Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais”; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.

Das faturas mencionadas não se pode considerar que delas resultaria qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Por definição uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.

Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.

As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e que estejam registadas como tal, são os sujeitos passivos da CSR e têm a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, se submeteu as DICs respetivas, se procederam ou não a esse pagamento porque não é junto qualquer documento que se possa considerar como prova desse pagamento.

E, das faturas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).

De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.

Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.

Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou nas Alfândegas as DICs, o sujeito passivo de ISP/CSR, teria legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.

Pelo exposto, considera-se que a Requerente não tem legitimidade processual para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira, com base nas DIC submetidas pelas entidades que introduziram no consumo os combustíveis, porque no âmbito dos impostos especiais de consumo apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.

 

Acresce ainda o seguinte:

O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.

Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).

A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.

Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).

O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E, o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.

Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, constituiu-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.

Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal, que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.

A LGT determina e pressupõe que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). Não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.

A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.

Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civill.

De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que a Requerente reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.

Interessa ainda sublinhar que a Requerente não alega nem prova a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).

Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a AT e solicitar o reembolso do imposto (CSR) se comprovasse que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Assim, teria que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes). 

Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal.

Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).

De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. o Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).

Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelas fornecedoras de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.

A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).

A referida norma (artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC) estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.

Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 297/2024-T; 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.

Importa, ainda, notar que, contrariamente ao que a Requerente afirma, sem, contudo, indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.

 

Pelo exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

Assim, ficam prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.

 

5. Decisão

a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;

b) Julgar procedente a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR;

c) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;

d) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.

 

6. Valor do processo

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 119.917,40, indicado pela Requerente, sem oposição da Requerida.

 

7. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de abril de 2025

 

Os Árbitros

 

 

_____________________

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora por vencimento)

 

 

 

(Luís Menezes Leitão – Adjunto)

 

 

___________

(António Melo Gonçalves – com declaração de voto de vencido)

 

 

Declaração de voto

 

1. Muito embora, no uso da faculdade concedida pelo artigo 22.º, n.º 1 do RJAT, relativa a pronúncias parciais, concorde com o sentido decisório e com a fundamentação que sustenta a decisão, o voto de vencido tem a ver com o entendimento de que a jurisdição arbitral não será a mais adequada para apreciar a pretensão da Requerente, podendo estar em causa uma pronúncia indevida, pelas razões que sinteticamente se passam a expor.

2. Entre a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República através do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28.04.2010, e o texto da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.2011, (portaria de vinculação) houve uma sucessiva redução do alcance da arbitragem tributária, facto que o Prof. Doutor Sérgio Vasques, que à época exercia as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, explicou num artigo publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD.

Escreveu ele que «A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento de estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora, que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidas na Portaria» [1].

3. De facto, de uma autorização legislativa que previa a possibilidade de incluir a generalidade dos litígios relativos à liquidação de tributos, o legislador veio circunscrever a vinculação da administração tributária à apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT  e, dentro dos impostos cuja administração lhes está cometida, ainda criou uma restrição dentro da restrição, excluindo da arbitragem o conhecimento de certas pretensões relacionadas com a tributação por ela assegurada que tem uma especificidade própria.

Nuns casos, pretensões relacionadas com o interesse da União Europeia no  apuramento dos seus recursos próprios resultantes da aplicação da Pauta Aduaneira Comum, noutros casos, relativos a pretensões em que a administração tributária instituiu uma espécie de sistema  de funcionamento da tributação em «piloto automático», e só deixa correr para a litigância na via arbitral depois de ela própria administrativamente se ter envolvido na apreciação das concretas razões de discordância e assumido na plenitude a responsabilidade do ato tributário.   

4.  O artigo 2.º do RJAT, enquanto norma quadro, tem de ser interpretado e conjugado com as demais normas do diploma, e o facto de o legislador no artigo 4.º ter remetido para portaria, os termos e condições da vinculação não tem significado jurídico relevante, uma vez que agiu no quadro da autorização legislativa, sem ultrapassar os limites por ela impostos.

O que se constata é que, em vez de fixar no diploma, de forma imediata, aquilo que veio a fazer constar na portaria de vinculação, o legislador usou esta técnica legislativa pela incerteza do funcionamento de um mecanismo novo de resolução de conflitos tributários, tendo em conta, por um lado, a eventual necessidade de corrigir algum aspeto que se viesse a revelar mais disfuncional e, por outro, pela possibilidade de alargar gradualmente a amplitude da arbitragem, consoante os resultados que a mesma venha a apresentar.

Com efeito, ao remeter a responsabilidade da aplicação do regime tributário da arbitragem para os responsáveis que tutelam as áreas das finanças e da justiça, envolvendo apenas dois ministérios e não o Governo como um todo, qualquer ajustamento que se mostre necessário é, assim, muito mais fácil de concretizar. 

5. O artigo 2.º da portaria de vinculação ao referir que os serviços e organismos (de administração de impostos), se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida mencionadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, só faz sentido à luz da Lei Orgânica da AT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, a qual estabelece as missões e o quadro geral de atuação dos diversos serviços técnico-normativos, com a tipicidade e especificação próprias da administração de cada tributo.

Doutro modo, se quisesse regular de forma extensiva a intervenção arbitral, bastava ter feito uma simples referência aos organismos, (a DGCI e a DGAIEC), os quais, por natureza, são estruturados por serviços (técnico normativos, serviços de finanças e alfândegas), não havendo qualquer justificação para que o legislador no n.º 1, do artigo 3.º da portaria de vinculação, tenha repetido a mesma formulação da vinculação dos «serviços e organismos».

A persistência nesta aparente dupla redundância da referência aos serviços, tem de ser interpretada num quadro de adequada expressão do pensamento legislativo e não a uma mera e solta imprecisão terminológica, devendo ser tido em conta que o artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil estabelece que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

6. Os quadros gerais das atribuições dos respetivos serviços técnico normativos da AT, decorrentes da publicação da portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, e sucessivas alterações, que enformam o poder de administração dos impostos não permitem vislumbrar esse exercício relativamente à CSR, configurando-se a AT como uma mera prestadora de serviços de cobrança, pela qual é remunerada em função de uma percentagem de 2% do produto da CSR, cobrada a título de encargos de liquidação e cobrança, como é previsto no artigo 5.º, n.º 2 da Lei 55/2007, ou seja, os ideais custos de tais operações, tal como acontece, por exemplo, com a cobrança da contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos para o Serviço Nacional de Saúde ou da contribuição especial para a conservação dos recursos florestais.

7.  O quadro classificativo atribuído pelo legislador à CSR, enquanto tributo, parece-nos dever ser respeitado e não ser afastado, sem mais, pelo intérprete, pois é a ele que cabe legislar, o que não deve impedir os demais poderes de exercerem a sua atividade de controlo judicial.

Não é indiferente o facto de o intérprete assumir que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR, disputando essa competência em plano de igualdade com os tribunais tributários de primeira instância, pois essa assunção tem consequências a nível do exercício de direitos e da realização da justiça. 

No conjunto de direitos e obrigações atribuídos à concessionária Infraestruturas de Portugal por intermédio do quadro de concessão, foi-lhe conferido, no quadro dos direitos, entre outros, ter como receita o produto da CSR, (alínea b) da Base 3, do anexo ao Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13.11.2007). 

Estando em causa o cumprimento de obrigações contratuais do Estado para com entidades terceiras, igualmente pertencentes à esfera pública, o Ministério Público, enquanto defensor da legalidade e da promoção do direito público, deve, conforme o artigo 14.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ser ouvido nos processos judiciais antes de ser proferida a decisão final, situação que não se mostra acautelada na jurisdição arbitral.

Por outro lado, considerando que estão em causa direitos do Estado fruídos por entidades autónomas, nos termos do artigo 24.º n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, as referidas entidades autónomas deveriam ter a possibilidade de intervir no próprio processo, através de mandatário próprio, situação igualmente não assegurada na jurisdição arbitral.

8. A Portaria de Vinculação que quis proteger a AT do efeito surpresa de atos tributários massificados sob os quais tem um menor controlo e da ingerência da arbitragem em atos tributários que relevam da aplicação das normas comunitárias em matéria de importação de mercadorias, por via interpretativa acaba por se ver confrontada com a defesa de um tributo relativamente ao qual não possui poderes de administração e em que se limita a uma «cobrança de prestação de serviço», donde, eventualmente, a sua atitude de não se pronunciar e deixar formar os indeferimentos tácitos.  

9. Em conclusão, independentemente de a CSR poder ser considerada uma contribuição ou um imposto, nos termos em que se encontra estabelecida a vinculação, não está abrangida pela jurisdição arbitral, em razão de não pertencer a um tributo do universo dos impostos administrados pela AT, cabendo o conhecimento dos atos de liquidação à esfera de competências dos tribunais tributários, conforme decorre do artigo 49.º, n.º 1, alínea a), i), da Lei n.º 13/2022, de 19 de fevereiro, (ETAF).

António Manuel Melo Gonçalves

 

 

 

 

 



[1]  In https://www.caad.pt.files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.