|
|
Versão em PDF |
Consultar versão completa em PDF
SUMÁRIO
I. As comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA ou ATM, estão sujeitas a Imposto do Selo, concretamente à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
II. A sujeição à verba 17.3.4. da TGIS da TSC e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA ou ATM, encargo das instituições de pagamento adquirentes, nos termos da alínea h) do n.º 3 do art. 3.º do Código do Imposto do Selo, não viola o princípio da capacidade contributiva, não sendo consequentemente inconstitucional.
III. As normas do Código do IRC não são susceptíveis de aplicação analógica ao Código do Imposto do Selo.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
-
A Sociedade A..., S.A., NIPC..., apresentou, no dia 20 de Agosto de 2024, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
-
A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (procedimento n.º ...2024...) apresentada contra os actos de autoliquidação de Imposto de Selo (“IS”) referentes ao ano de 2022, levada a cabo nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), sobre os montantes de Taxa de Serviço do Comerciante (“TSC”) cobrados pela Requerente, num montante de 384.429,71 euros; e, mediatamente, sobre a ilegalidade daqueles actos de autoliquidação de IS, na parte correspondente aos montantes de TSC cobrados pela Requerente em 2022.
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
-
O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
-
As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
-
O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 28 de Outubro de 2024.
-
Por Despacho de 28 de Outubro de 2024, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
-
A AT apresentou a sua Resposta em 4 de Dezembro de 2024, juntamente com o processo administrativo.
-
Por Despacho de 26 de Dezembro de 2024, foi dispensada a reunião prevista no art. 18º do RJAT, e convidadas as partes a apresentar alegações escritas.
-
A Requerente e a Requerida apresentaram alegações em 10 de Janeiro de 2025.
-
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objecto do processo.
-
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
-
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
-
A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
-
O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma instituição de crédito constituída de acordo com a legislação nacional, que, ao abrigo do art. 4.º, 1, c) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”) e do art. 4.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica (“RJSPME”), presta serviços de pagamento, disponibilizando, para o efeito, Terminais de Pagamento Automático (“TPA”) a diversos comerciantes.
-
Nessa qualidade, a Requerente é sujeito passivo e titular do encargo do Imposto do Selo.
-
Nos termos do “Regulamento dos Serviços de Pagamento” (Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015) e do RJSPME, entre o comerciante que disponha de sistema de pagamentos por via de TPA e o cliente titular do cartão bancário estabelece-se um contrato (de compra e venda ou de prestação de serviços); por seu lado, o cliente tem um contrato de utilização de cartão celebrado entre ele uma entidade emissora do cartão bancário; o adquirente (acquirer), como a Requerente, efectua um pagamento a favor do comerciante, e a entidade emissora do cartão reembolsa o acquirer, enquanto este partilha com aquela a taxa de serviço do comerciante (“TSC”), que é a comissão cobrada ao comerciante, por via do pagamento de uma Taxa Multilateral de Intercâmbio (“TMI”); o comerciante obriga-se, perante o acquirer, a aceitar dos seus clientes determinados cartões como meios de pagamento, enquanto o acquirer se obriga a comprar ao comerciante (descontada a TSC) os créditos inerentes aos bens ou serviços transaccionados que tenham sido pagos por meio dos referidos cartões; tudo de acordo com um esquema praticado internacionalmente, que pode representar-se assim[1]:
-
De que resulta que os acquirers, como a Requerente, auferem montantes de TSC junto dos comerciantes, que depois partilham com todos os intervenientes no sistema de pagamentos através da entrega, aos bancos emitentes dos cartões utilizados, dos correspondentes montantes de TMI. Como se esclarece no #10 do Preâmbulo do “Regulamento dos Serviços de Pagamento”, as taxas de intercâmbio são habitualmente aplicadas entre duas classes de prestadores de serviços de pagamento (dentro de um mesmo sistema): os adquirentes, por um lado, e os emitentes de cartões, por outro.
-
Nesse contexto legal e regulatório a Requerente obteve, no ano de 2022, um montante de TSC de € 9.610.742,75, em contrapartida da prestação de serviços de pagamento aos comerciantes.
-
A Requerente incorreu, no mesmo período, em montantes de TMI no valor de € 5.730.928,19, a favor das entidades emitentes dos cartões utilizados nos pagamentos realizados através dos TPA do Requerente.
-
Logo, o montante de TSC auferido pela Requerente em 2022, líquido dos encargos com o pagamento dos montantes de TMI suportados no mesmo período, corresponde a € 3.879.814,56.
-
Nos termos do Código do IS (“CIS”) e da Tabela Geral do IS (“TGIS”), a Requerente procedeu à autoliquidação, numa base mensal, do IS à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4. da TGIS sobre os montantes de TSC auferidos em 2022, ilíquidos de qualquer dedução dos correspondentes montantes de TMI suportados no mesmo período, com os seguintes valores:
-
Esses montantes de IS foram contabilisticamente reconhecidos pela Requerente como gastos do ano de 2022.
-
Não se conformando com a tributação em crise, que entende ser ilegal, a Requerente decidiu apresentar, no dia 17 de Fevereiro de 2024, Reclamação Graciosa (Proc. n.º ...2024...), peticionando o reembolso do montante pago (exclusivamente no que respeita ao IS autoliquidado pelo Requerente sobre os montantes de TSC auferidos em 2022), alegando a violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, capacidade contributiva e tributação do rendimento real.
-
Em 24 de Abril de 2024, a Requerente foi notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação na decisão da Reclamação Graciosa; tendo optado por não exercer tal direito.
-
Essa Reclamação Graciosa (Processo n.º ...2024...) mereceu despacho de indeferimento, notificado em 23 de Maio de 2024.
-
Reagindo a tal decisão, em 20 de Agosto de 2024 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria não-provada
Entre os factos relevantes para esta Decisão Arbitral, nada ficou por provar.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
-
Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos e nos documentos juntos ao PPA.
-
Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
-
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
-
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
-
Além do que precede, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
III. Sobre o Mérito da Causa
III. A. Posição da Requerente
-
A Requerente começa por referir o entendimento da AT, que fundamentou o indeferimento da Reclamação Graciosa, e que, segundo ela, assentaria em três ordens de razões:
-
A TSC tem natureza de remuneração por serviços financeiros prestados pela Requerente, concretamente a aceitação e processamento de operações de pagamento baseadas em cartões;
-
O IS não é um imposto sobre o consumo, assumindo, antes, no caso, a natureza de imposto sobre o rendimento (na medida em que a AT argumentou que a incidência de IS sobre a TSC, por si entendida enquanto tributação sobre o rendimento, não colide contra a teleologia deste imposto, que segundo ela visa operações que revelem rendimento, e não apenas o consumo[2]);
-
A tributação da TSC em sede do IS não viola o princípio da capacidade contributiva[3].
-
Assinala a Requerente, desde logo, que esses entendimentos extrapolam ilegitimamente da decisão do Proc. n.° 433/2020-T do CAAD, já que nesse processo estava em causa a prestação de serviços de pagamento através de caixas automáticas (ATM), e não através de TPA, pelo que o seu objecto não foi o IS incidente sobre a TSC cobrada entre uma instituição de crédito e um comerciante, em contrapartida da prestação e serviços financeiros, mas antes uma comissão que, pese embora a sua conexão intrínseca à prestação de serviços de pagamento, não se subsume integralmente à TSC.
-
Assim inferindo a Requerente que é natural que naquele processo se pudesse considerar a TMI como uma componente remuneratória do serviço financeiro em causa, para efeitos da sua sujeição à verba 17.3.4., enquanto rendimento auferido pela instituição de crédito, e revelador da respectiva capacidade contributiva.
-
Mas assinalando que, no caso vertente, está em causa a situação inversa, o que, segundo a Requerente, retiraria qualquer fundamento à ficção de que os resultados da actividade de prestação de serviços de pagamento desenvolvidos pela Requerente não são afectados pelos montantes de TMI em que esta não pode deixar de incorrer, para efeitos da partilha dos montantes de TSC pelos outros intervenientes no sistema de pagamentos.
-
Acusando a Requerida de adoptar a ambivalência relativamente à TMI, atribuindo-lhe relevância para efeitos de IS quando ela se configure como um rendimento, e retirando-lhe relevância para efeitos de IS quando ela revista a natureza de um gasto.
-
Transitando de considerações sobre o indeferimento da Reclamação Graciosa para considerações sobre o presente Processo, a Requerente começa por lembrar que, sendo credora de TSC (operação isenta de IVA nos termos do art. 9.º, 2 e 27, c) do CIVA), ela torna-se sujeito passivo de IS, e sobre ela recai a obrigação de liquidar e entregar nos cofres do Estado o imposto (arts. 2.º, 1, b), 3.º, 3, h) e 23.º, 1 do CIS e verba 17.3.4 da TGIS) – ainda que refira a perplexidade doutrinária de ser o Banco, que cobra a comissão / contraprestação, o titular do encargo, o que inverte a regra dominante, que é a de o suporte do IS ser imputado a quem praticou actos de consumo ou realizou a despesa e deu origem à comissão, e não, como no caso, a quem é mero credor dessa comissão / contraprestação[4].
-
Observando a Requerente que havia maior congruência no regime anterior à entrada em vigor da Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, que introduziu a alínea h) do n.º 3 do art. 3.º do CIS, pois nesse regime o encargo do imposto era suportado pelo consumidor do suposto serviço financeiro tributado, solução bem mais congruente, segundo a Requerente, com a índole do IS como imposto sobre o consumo ou despesa.
-
Retoma a Requerente a ideia que já sustentara na Reclamação Graciosa: a de que a tributação da TSC em sede do IS, nos moldes em que foi efectuada, padece de ilegalidade, seja por colidir com a concepção original da tributação em IS e comprometer a unidade do sistema, seja por violar os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade (na vertente da capacidade contributiva) e da tributação do rendimento real.
-
Começando pela concepção original da tributação em sede de IS, conforme idealizada pelo legislador, a Requerente reitera que a intenção era a de incidir sobre o consumo ou a despesa – pelo que a solução do art. 3.º, 3, h) do CIS representa uma inversão do titular do interesse económico, dado implicar que a manifestação de capacidade contributiva a tributar deixa de ser o acto de consumo que dá origem à TSC, mas sim a obtenção deste rendimento pela Requerente – uma solução que colide com a lógica subjacente do IS, enquanto imposto indirecto.
-
Não descortinando a Requerente razões para essa alteração do critério de imputação do encargo do imposto, deslocando-o do consumidor para o prestador do serviço – como se, na verdade, não se tratasse de um imposto indirecto, concorrente com o IVA (veja-se o art. 1.º, 2 do CIS, que procura evitar a dupla tributação por impostos indirectos), e fosse possível inserir nele características da tributação directa[5].
-
Daqui retira a Requerente o argumento de que a verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o art. 3.º, 3, h) do CIS, ao fazer recair o encargo do IS sobre o prestador do serviço, sem que este pratique qualquer acto de consumo ou despesa, viola o princípio da capacidade contributiva, expresso no art. 4.º da LGT e pressuposto-base de toda e qualquer tributação, como decorrência do princípio da igualdade, ínsito no art. 13.º da CRP.
-
Ora, se só os actos de consumo ou despesa são idóneos para demonstrar capacidade contributiva no âmbito do IS enquanto imposto indireto, e nunca o rendimento, a incidência sobre um objecto inadequado a revelar essa capacidade contributiva constituiria uma solução arbitrária e discriminatória – mormente porque não há uma justificação para o afastamento dessa regra, e da correspondente necessidade de ponderação de capacidade económica (arts. 103.º, 1 e 104.º da CRP).
-
A Requerente enfatiza que o princípio da capacidade contributiva é um princípio de justiça fiscal que contém em si o fundamento da comparabilidade objectiva e subjectiva na tributação (essencialmente através da revelação de manifestações de riqueza), e constitui em si mesmo um critério material, e uniformizador, de repartição de impostos – integrando assim a “Constituição fiscal”.
-
A Requerente subscreve, assim, no caso vertente, a opinião de Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins:
“o imposto incidente sobre as comissões bancárias tem uma lógica subjacente, que é a de tributação do consumo ou despesa, e, portanto, a regra é a repercussão do imposto no cliente bancário, apenas com a exceção, aqui em análise, das operações de pagamento baseado em cartões. Ao inverter a regra do encargo do imposto, passando este a pertencer ao Banco que cobra a comissão, o IS converte-se, de forma mais ou menos encapotada, num adicional ao IRC. E, mais do que isso, cria-se um problema para a própria relação comercial entre o Banco e o cliente-se o Banco decide repercutir o imposto ao cliente, este acaba por ter um encargo superior, na medida em que o Código do IRC não permite deduzir ao lucro tributável os encargos com impostos que sejam de terceiros”[6]
-
Ao mesmo tempo que sustenta que é essencial uma classificação de impostos que evite a sua sobreposição, ou conflitos de configuração, interpretação e aplicação, a Requerente conclui que, por não ter existido verdadeiramente uma despesa ou um acto de consumo da sua parte, mas sim a obtenção de um rendimento resultante do exercício da sua actividade, não existe manifestação de riqueza susceptível de ser tributada em sede do IS como imposto indirecto que incide em despesa ou consumo, pelo que os actos de autoliquidação em crise padecem de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva, bem como do princípio da legalidade (arts. 13.º, 104.° e 103.º, 3 da CRP).
-
Não aceitando a posição da AT, quando esta recusou a existência de violação do princípio da capacidade contributiva, por entender que o IS não é um imposto sobre o consumo, mas antes um imposto com vocação residual (concebido para atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos), podendo incidir sobre outras manifestações de riqueza, nomeadamente o rendimento.
-
Numa outra linha argumentativa, a Requerente sustenta que se verifica, no caso em apreciação, uma incidência sobreposta de dois tributos sobre a TSC: o IS e o IRC.
-
E chama a atenção para o facto de a atribuição de carácter alegadamente residual ao IS não implicar, nem se confundir, com um argumento de que não valham preocupações de coerência sistemática relativamente a esse imposto. Sustentando a Requerente precisamente o oposto, que a alegação de que o IS abarca todos os tipos de tributação torna indispensável procurar a articulação deste imposto com os demais impostos incidentes sobre rendimento, consumo e património que concorrem com o IS, dependendo da natureza que este assuma em cada circunstância.
-
Ou seja, mesmo aqueles que admitam que a verba 17.3.4. consubstancia um imposto sobre o rendimento, deverão alicerçar e limitar essa solução pelos princípios que norteiam a tributação do rendimento em Portugal, mormente o princípio do rendimento real e da tributação do rendimento líquido.
-
É que a unidade do sistema jurídico impedirá logicamente que, em sede dos impostos sobre o rendimento, determinados impostos incidam sobre rendimentos ilíquidos, quando os restantes impostos da mesma natureza incidem sobre os rendimentos líquidos – sendo que a Requerente sustenta que, no caso concreto, a tributação da TSC na esfera da instituição de crédito, já ocorre em sede do IRC.
-
Ora, argumenta a Requerente que não é aceitável a tese de que o legislador se conformou, consentiu e quis a dupla tributação deste rendimento na esfera da instituição de crédito, a ora Requerente – sobretudo se se aceita a concepção segundo a qual o IS procura tributar manifestações de riqueza que não seriam tributadas em sede do IRC, e não criar um segundo imposto sobre o rendimento, pois que tal levaria a uma dupla tributação do mesmo facto tributário, em violação do princípio da capacidade contributiva e geradora de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação do rendimento real – exigindo-se, pelo contrário, uma delimitação negativa no campo de incidência objectiva do imposto, com a finalidade de evitar a dupla tributação.
-
Assim, se se entendesse que o legislador quis tributar a TSC em sede do IS enquanto rendimento, e não como acto de consumo ou despesa, atento o alegado carácter residual do IS, a única articulação possível entre o IS e o IRC seria aquela que afastasse a tributação em IS quando o rendimento em causa já fosse tributado em sede de IRC – como, no entender da Requerente, sucede no caso dos autos: o que deveria ter determinado que se evitase uma tal sobreposição.
-
Noutra linha argumentativa ainda, a Requerente sustenta a invalidade de uma tributação de rendimentos ilíquidos, por violação do princípio do rendimento líquido.
-
Argumenta que, se se adoptasse o entendimento da AT, segundo o qual estamos perante tributação do rendimento em sede do IS, então a tributação da TSC sempre estaria sujeita aos princípios do rendimento real previsto no art. 104.º, 2 da CRP, e da tributação do rendimento líquido, ambos corolários do princípio da igualdade, e concretizadores do principio da capacidade contributiva no âmbito dos impostos sobre o rendimento. É que no âmbito da tributação do rendimento o princípio da capacidade contributiva concretiza-se através dos conceitos do rendimento real e da tributação do rendimento líquido.
-
Quando o art. 104.º, 2 da CRP estabelece que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, isso significa que haverá que atender, por imperativo constitucional, à contabilidade das empresas para se apurar, caso a caso, qual foi o rendimento líquido, ou “rendimento-acréscimo” – ou seja, o rendimento deduzido das despesas específicas e necessárias para a sua obtenção: já que tais despesas são uma expressão negativa da capacidade contributiva, e só o rendimento líquido é expressão da real capacidade económica e capacidade contributiva do sujeito passivo, sendo apenas por esta que se deve pautar a tributação do rendimento.
-
Especificamente em resposta à fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente reconhece que o recebimento de montantes de TSC é revelador de alguma capacidade contributiva, mas contrapõe que também incorre em montantes de TMI pagos aos emitentes dos cartões utilizados, que são incindíveis dos montantes de TSC cobrados aos comerciantes, e da própria prestação de serviços de pagamento.
-
Afigura-se, assim, arbitrário que se pretenda tributar em IS os montantes brutos de TSC, sem lhes deduzir os correlativos montantes de TMI suportados pela Requerente.
-
Na prática, depois da sujeição a IRC, e correspondentes derramas municipal e estadual/regional incidentes sobre os lucros tributáveis, incidiria agora uma tributação do rendimento adicional, resultante da verba 17.3.4. da TGIS, sendo esta sobreposição agravada pelo facto de os montantes sobre qual este IS incide serem, na ausência de uma norma habilitante da consideração de gastos, montantes ilíquidos de quaisquer deduções, inclusivamente, no caso da Requerente, dos montantes de TMI incorridos no mesmo período de recebimento dos correspondentes montantes de TSC.
-
Pelo que, conclui a Requerente, a imposição do IS sobre os montantes de TSC aqui em causa é arbitrária e contrária aos princípios da capacidade contributiva e igualdade, padecendo, por isso, de ilegalidade e inconstitucionalidade.
-
A Requerente reconhece que o princípio da tributação do rendimento real, plasmado no artigo 104.º, 2 da CRP admite excepcionalmente alguns desvios, motivados por razões de política fiscal, racionalização e eficácia do sistema como um todo (por exemplo, a articulação com princípios de universalidade, igualdade, praticabilidade e operacionalidade) – como é o caso do regime da tributação autónoma, inserido no art. 88.º do CIRC, ou o caso do regime de apuramento da matéria colectável através de métodos indirectos, previsto nos arts. 87.° a 94.º da LGT.
-
Mas lembra, em contrapartida, que a jurisprudência do TC, de resto seguida de forma constante pela restante jurisprudência nacional, tem vindo a exigir que seja dada ao sujeito passivo a possibilidade de ser tributado com base na contabilidade organizada, ou a possibilidade de ilidir, por qualquer meio, eventuais presunções de rendimento, recusando presunções absolutas e inilidíveis, ou qualquer método de tributação não opcional que incida sobre outra realidade que não seja o rendimento real. Por isso, até em situações em que é fisicamente impossível à AT comprovar e quantificar de forma direta e exacta os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do sujeito passivo, o legislador português vincula a AT à obtenção de uma matéria tributável que corresponda a valores líquidos.
-
Entende, por isso, a Requerente que, sob as vestes de mais um imposto sobre o rendimento, a juntar ao IRC e às derramas municipal e estadual/regional, todos incidentes sobre o lucro tributável, e de uma suposta inexistência de uma norma habilitante da consideração, para efeitos do IS, de gastos directamente conexos com a TSC, estaria aberto o caminho para uma flagrante injustiça.
-
Até porque isso não se conseguiria senão através da aplicação de uma presunção inilidível de que, no âmbito da actividade de prestação de serviços de pagamento, os acquirers não incorrem em qualquer gasto (mormente em montantes de TMI), para legitimar a consideração exclusiva dos resultados líquidos dessa actividade aos rendimentos, sem que haja lugar a qualquer dedução.
-
Quanto a este ponto, a Requerente finaliza assinalando a incongruência estrutural que resultaria da coexistência de impostos sobre o rendimento que incidissem sobre rendimentos líquidos com impostos sobre o rendimento que incidissem sobre rendimentos ilíquidos como seria o caso com o IS que a Requerida entende aplicar-se.
-
Numa última linha argumentativa, a Requerente sustenta que os princípios do rendimento real e da tributação do rendimento líquido se aplicam plenamente ao IS, por imperativo constitucional.
-
E sublinha que a AT já reconheceu que a Requerente, na sua qualidade de acquirer no âmbito da prestação de serviços de pagamento, incorre em montantes significativos de TMI, destinados a repartir por outras entidades os montantes de TSC recebidos, circunstância da qual deveria decorrer que uma tributação adicional em sede dos impostos sobre o rendimento sobre a actividade da prestação de serviços de pagamento, correspondente ao IS da verba 17.3.4. da Tabela Geral do IS, sobre a TSC, seria sempre excessiva e arbitrária – um resultado agravado pela circunstância de o IS incidir, na falta de norma habilitante no CIS que permita a consideração dos montantes de TMI suportados, sob os montantes de TSC auferidos pela Requerente, ilíquidos de quaisquer gastos com pagamentos de TMI comprovadamente suportados por ela.
-
Terminando a peticionar que as autoliquidações do IS relativas ao ano de 2022, nas partes que se referem aos montantes de TSC cobrados, sejam consideradas ilegais e inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 9.° do CC, 73.º da LGT, e 13.°, 103.° e 104.º da CRP, e em especial por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, do rendimento real e do principio da tributação do rendimento líquido, e por isso sejam integralmente anuladas, nos termos do art. 163.º do CPA e do art. 100.º da LGT; sendo, consequentemente, ordenada a restituição integral dos montantes do IS suportados sobre os montantes de TSC auferidos no ano de 2022, no montante de 384.429,71 euros.
-
A título subsidiário, e para o caso de se entender que as referidas autoliquidações de IS não devem ser integralmente anuladas, peticiona a Requerente que, à luz dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da tributação do rendimento líquido, e no mínimo, tal liquidação seja parcialmente anulada e reduzida nos montantes de IS que incidem sobre a parte dos rendimentos auferidos pela Requerente a título de TSC que não ultrapassem os gastos incorridos por ela com o pagamento de TMI no ano de 2022; e, consequentemente, seja ordenada a restituição parcial dos montantes de IS suportados sobre os montantes de TSC auferidos no ano de 2022, no montante de 229.237,13 euros, correspondentes à imposição de IS à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4. da Tabela Geral do IS sobre o valor de TSC que não excede os valores de TMI incorridos pelo Requerente no ano de 2022.
-
A Requerente peticiona, igualmente, juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, alegando existir erro imputável aos serviços.
-
Em alegações, a Requerente reitera, sumariamente, o que argumentou no pedido de pronúncia.
-
Insiste que as questões decisivas são duas
-
Atenta a natureza do IS enquanto imposto residual, e sendo a TSC um rendimento tributado em sede de IRC, consubstanciará a sua tributação em sede de IS uma dupla tributação violadora do princípio da capacidade contributiva, na medida em que a instituição financeira suporta o encargo económico do imposto em ambos os casos?
-
E, caso a resposta seja negativa, poderá o IS recair sobre os montantes brutos de TSC auferidos pela instituição financeira, quando esta incorreu em custos directamente conexos com a obtenção desse rendimento, nomeadamente a título do pagamento da TMI?
-
A Requerente argumenta ser incompreensível que a AT se tenha focado, na sua resposta, única e exclusivamente na questão de saber se a TSC é uma cessão de créditos ou uma prestação de serviços e, nesse sentido, abrangida ou não pelo CIS, na sua Resposta ao RI, uma questão pacífica, dado que a Requerente concorda que a TSC é uma comissão, ou contraprestação, por um serviço financeiro; ignorando por completo questões suscitadas pela Requerente, e, nomeadamente:
-
se a IS é também um imposto sobre o rendimento, e não um mero imposto sobre o consumo ou despesa;
-
se não terá ocorrido dupla tributação da TSC, resultante da sobreposição das incidências de IS e IRC;
-
se não se verificará inconstitucionalidade na imposição do IS a rendimentos ilíquidos.
-
Portanto, as questões que a Requerente coloca são, no seu entender, novas (novas até em relação àquilo que foi questionado em sede de reclamação graciosa), e não se reportam a questões agora consensuais, como a da natureza da TSC. Novo é, segundo ela, o questionamento da legalidade da tributação da TSC em IS, dada a aparente violação do princípio da tributação do rendimento real, através da negação, à Requerente, da possibilidade de dedução dos custos incorridos para a obtenção da TSC, nomeadamente os associados à TMI.
-
Defende-se da alegação de incumprimento de ónus da prova, replicando que produziu a adequada prova documental – sublinhando a presunção de veracidade que se aplica a muita da documentação apresentada, nos termos do art. 75.º, 1 da LGT.
-
E insiste que a Requerida, na resposta, ignorou a referência às normas e princípios constitucionais que, segundo a Requerente, as autoliquidações do IS sub judice violam, nada contrapondo aos argumentos aduzidos pela Requerente.
-
Menciona que a Requerida se engana quando configura o cliente do Banco como o onerado pelo imposto, o que contradiz o disposto no art. 3.º, 3, h) do CIS; e estranha que a Requerida, ao mesmo tempo que reconhece que a cobrança de TSC é um rendimento da Requerente, não admita que a tributação tem de incidir sobre o valor líquido desse rendimento (nomeadamente descontado do TMI, que é rendimento dos emissores dos cartões, e não dos titulares dos TPAs) – não mostrando qualquer sensibilidade à violação dos princípios da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva.
-
E apela ao Tribunal para que tome em especial consideração os documentos n.º 16 e n.º 17 juntos ao pedido de pronúncia, nos quais se atestam os custos incorridos com a TMI, enquanto taxa destinada à partilha dos montantes da TSC por todos os intervenientes no sistema de pagamentos, uma taxa incindível da TSC, de modo que sejam atendidos esses custos, e ainda os custos com o próprio IS que recaiu sobre os montantes de TSC.
-
Tendo isso em conta, a Requerente reitera que, sendo a TSC um rendimento tributado em sede de IRC, a sua tributação em sede de IS consubstancia uma dupla tributação violadora do princípio da capacidade contributiva, na medida em que a instituição financeira suporta o encargo económico do imposto em ambos os casos; e que, mesmo que assim não fosse, o IS só deverá incidir sobre os montantes líquidos da TSC, ou seja, os montantes deduzidos do valor da TMI que a Requerente, na sua posição de acquirer, tem de pagar aos emitentes dos cartões.
III. B. Posição da Requerida
-
Na sua resposta, a Requerida começa por impugnar genericamente todas as alegações da Requerente, e considerar insuficiente a prova produzida pela Requerente, de acordo com as regras de ónus da prova.
-
Depois, recorda os seguintes fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa:
“Em síntese, somos a concluir:
• A TSC é uma comissão que é cobrada pela entidade prestadora do serviço de pagamento automático (o A...) ao beneficiário da transferência (o comerciante), sobre as vendas liquidadas com cartão bancário de débito ou de crédito, de forma a retribuir o A... nas operações de pagamento baseadas em cartões (tendo subjacente quer o processamento da operação quer a transferência de fundos da conta do cliente/consumidor final para a conta do comerciante);
• O próprio Banco de Portugal (entidade de supervisão) considera a TSC uma comissão;
• A TSC estando sujeita a IVA, encontra-se dele isenta, por se enquadrar na alínea c) do n.º 27) do artigo 9.º do Código do IVA;
• Estando isenta de IVA, a TSC encontra-se sujeita a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 1.º do Código do IS; • Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IS – “Incidência subjetiva”, são sujeitos passivos de imposto, as “[e]ntidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações”, competindo-lhes pelo n.º 1 do artigo 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do artigo 44.º, todos do Código do IS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;
• De acordo com o disposto no n.º 1 e com a alteração introduzida pela Lei n.º 22/2017, de 23 de maio (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação), passou a ser titular do interesse económico nas “operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas”, nos termos da alínea h) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS,
• Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas “…operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações, considerando-se efetivamente cobrados os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito”;
• Nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS,ou seja, corresponde ao valor cobrado nos termos do corpo da verba 17.3;
• O n.º 1 do artigo 22.º do Código do IS remete para as taxas de imposto a aplicar para a TGIS, sendo aplicável a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4; • A comissão TSC tem pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS, por ser uma comissão cobrada pela entidade prestadora do serviço automático (o A...) ao comerciante;
• Esta comissão não se encontra abrangida pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, conforme decorre expressamente do n.º 7 do mesmo artigo, por não estarmos perante “garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito”.
72. Face ao que antecede, tendo por base a informação mensal das comissões (acima referidas) cobradas em 2022, o Reclamante apurou Imposto do Selo, no montante de € 384.429,71, em resultado da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4. da TGIS.
73. Pelo exposto, não pode deixar de concluir-se que as TSC, estão sujeitas a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, encontrando-se preenchidos os pressupostos da tributação, de natureza objetiva e subjetiva, e que estas comissões são isentas de IVA (artigo 9.º, 27), alínea c) do Código do IVA), não beneficiando de qualquer norma de isenção de Imposto do Selo.
74. Concluímos assim pela improcedência do pedido, uma vez que ato tributário de autoliquidação de IS, no montante total de € 384.429,71, referente às comissões correspondentes ás Taxas de Serviço ao Comerciante, é devido, não devendo o mesmo ser anulado. (…).”
-
A Requerida sustenta que a questão decidenda se prende com saber se a TSC é uma cessão de créditos ou uma prestação de serviços; e, nesse sentido, abrangida ou não pelo CIS.
-
Estranhando que a Requerente não tenha admitido já existir abundante jurisprudência sobre o tema (nomeadamente os acórdãos do STA dos Procs. n.º 1711/15.1BEPRT, n.º 1670/15.0BELRS e n.º 1826/15.5BELRS, ou os acórdãos arbitrais dos Proc.s n.º 103/2018-T, n.º 171/2019-T e n.º 110/2022-T).
-
Assinala, depois, que as comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA estão sujeitas a IS por caberem na norma de previsão da verba 17.3.4 da TGIS, ex vi art. 1.º, 1 e 2 do CIS, porquanto se encontram preenchidos os pressupostos da tributação, quer de natureza objectiva, quer subjectiva, tendo em consideração que a Requerente é uma instituição de crédito e que tais comissões são isentas de IVA; nos termos do art. 9.º, 27, c) do CIVA, não beneficiando, por outro lado, de qualquer norma de isenção de Imposto do Selo.
-
Acompanhando a fundamentação da decisão arbitral no Proc. n.º 516/2021-T, a Requerida dá por assente que, como quem cobra as comissões devidas pela utilização de TPA, e sujeitas, como constituem a contraprestação de serviços financeiros, à verba 17.3.4 da TGIS, é a entidade bancária, essa cobrança aumenta o seu rendimento e situação patrimonial.
-
Lembra que o regime de pagamentos aplicável se encontra descrito no Caderno 10 do Banco de Portugal[7]; no caso de pagamento em TPA, que dão origem às TMI, o titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa a uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA; a informação é transmitida pelo Banco do comerciante que forneceu o TPA, designado por adquirente (acquirer), ao Banco emissor do cartão, que autoriza o pagamento e fornece uma “garantia” de pagamento; esse Banco adquirente paga ao comerciante, deduzindo uma comissão, a TSC; e o Banco emissor do cartão, finalmente, cobra ao cliente titular do cartão o valor da transacção, reembolsa o Banco “adquirente” e cobra TMI a este último.
-
E lembra que, com a alteração introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a verba 17.3.4 da TGIS passou a enquadrar no âmbito de incidência do IS não apenas as comissões cobradas aos clientes das instituições, mas também as comissões e contraprestações interbancárias – não tendo cabimento, por outro lado, a ideia de que a TMI não seria senão um mecanismo de partilha de custos e de reequilíbrio financeiro das posições dos bancos intervenientes, entre os quais não existiria um específico vínculo jurídico, e que, por isso, se limitariam a concertar a sua actividade para disponibilizarem aqueles meios aos seus clientes.
-
Só que, mesmo que se tratasse de meras “relações de facto” no seio de uma “convenção interbancária de colaboração recíproca” – que não são, havendo verdadeiras relações jurídicas – isso não interferiria com o facto de a TMI ter sido cobrada, nem provaria que o seu montante fosse estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações – em termos que pudessem obstar ao preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos da tributação.
-
Subscreve a tese de que, na sua actual modelação, o IS se configura como um meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual.
-
E que a TSC reveste a natureza de uma comissão cobrada aos beneficiários de operações de pagamento (em regra, comerciantes) pelos respectivos prestadores de serviços de pagamento, por cada transacção realizada com cartão nos TPA - correspondendo a TSC, normalmente, a uma percentagem do valor da transacção – pelo que a prestação de serviços de pagamento cabe no conceito “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, estando, por conseguinte, sujeita a IS, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.
-
Refere ainda a Requerida que foi a Directiva 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 (transposta pelo Dec.-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro), que estabeleceu a base jurídica para a criação de um mercado interno de pagamentos na União Europeia, ao facilitar a actividade dos prestadores de serviços de pagamento, criando regras uniformes aplicáveis à prestação desses serviços.
-
No que se refere à TSC, ela encontra-se expressamente prevista no Regulamento (UE)2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões. E que o Banco de Portugal define a mesma TSC como “comissão cobrada aos beneficiários de operações de pagamento (em regra, os comerciantes) pelos respectivos prestadores de serviços de pagamento, por cada transacção realizada com cartão nos terminais de pagamento automático (TPA)”.
-
Assim, a TSC visa remunerar a execução da operação de pagamento em si, em virtude da disponibilização daquele serviço, sendo esta operação de pagamento baseada num cartão e não em numerário, pressupondo por isso um intermediário financeiro, que é o prestador de serviços; não correspondendo, assim, a qualquer valor devido em contrapartida de uma mera cessão de créditos – ou seja, é uma verdadeira e própria contraprestação por um serviço financeiro, sujeita a IS, e não uma operação de cedência de créditos, que não estaria sujeita a IS.
-
A Requerida lembra que é o próprio regulador, o Banco de Portugal, que caracteriza as taxas de serviço ao comerciante como formas de remunerar o prestador de serviços de pagamento, com quem o beneficiário de operações de pagamento celebra um contrato de utilização de TPA, pela aceitação de marcas de pagamento e pela garantia de que os fundos são recebidos pelo beneficiário.
-
Ou seja, por cada utilização do meio de pagamento em TPA, é cobrada pela entidade gestora uma comissão (a TSC), pelo que estamos perante "serviços financeiros" com enquadramento na Verba 17.3.4 da TGIS, na justa medida em que a TSC constitui a contrapartida cobrada por entidades financeiras (Instituições de Crédito ou Instituições de Pagamento) aos comerciantes pela prestação de serviços de pagamento, qualificados como serviços financeiros.
-
A esta sujeição a IS, por sua vez, não é aplicável a isenção prevista no art. 7.º, 1, e) do CIS, desde logo porque o comerciante não é uma das entidades identificadas nessa alínea.
-
Por outro lado, a Requerida sublinha que o art. 2.º do CIS estabelece que quem está obrigado a liquidar o imposto e a entregá-lo ao Estado é quem, no âmbito da sua actividade económica e face às suas obrigações contabilísticas, já esteja familiarizado com operações sujeitas a IS, até para mais facilmente poder reconhecê-lo para efeitos de IRC ou IRS. E assim, ainda que o encargo do IS recaia sobre os utilizadores, no caso os clientes do Banco, a obrigação de liquidação e entrega recai sobre a entidade concedente do serviço, no caso, o Banco, que é assim sujeito passivo do imposto, de acordo com o estatuído no art. 2.º, 1, c) conjugado com os arts. 23.º, 41.º e 44.º, todos do CIS.
-
Finalmente, sustenta a Requerida que, não se verificando erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido qualquer direito a juros indemnizatórios.
-
Alega que a AT se limitou a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às autoliquidações efectuadas, já que, no caso em análise, não subsistem dúvidas quanto à existência de uma prestação de serviços de pagamento, e esta prestação de serviços cabe dentro do conceito de “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, estando, por conseguinte, sujeita a IS, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.
-
As alegações da Requerida limitam-se a reiterar o que foi argumentado na resposta.
III. C. Fundamentação da decisão
III. C. 1. Quadro normativo
A incidência do IS nesta situação resulta dos arts. 1.º, 1, 2.º, 1, b) e c) e 3.º, 1 e 3, h), todos do CIS, que dispõem o seguinte:
“Artigo 1º
Incidência objectiva
1 – O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
“Artigo 2º
Incidência subjectiva
1 – São sujeitos passivos do imposto: (…)
b) Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações;
c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes;”
“Artigo 3º
Encargo do imposto
1 – O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º (…)
3 – Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico: (…)
h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;”
Por sua vez, dispõe a verba 17.3.4. da TGIS que se incluem na incidência do imposto de selo:
“17.3. Operações financeiras - Operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado (…):
17.3.4. Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4%”.
III. C. 2. Delimitação do objeto do litígio
Dado que existe consenso entre as partes em muitos pontos que, na jurisprudência anterior, tinham suscitado divergências – como a relativa à natureza da TSC, ou à possibilidade de o IS incidir tanto no consumo e despesa como no rendimento –, as questões que subsistem no presente processo arbitral são:
-
A alegada inconstitucionalidade da incidência de IS sobre a TSC, por dupla tributação (em IS e em IRC), com violação, por essa via, de princípios da igualdade, da capacidade contributiva, do rendimento real e do principio da tributação do rendimento líquido;
-
A alegada inconstitucionalidade da incidência de IS sobre o valor ilíquido da TSC, desconsiderando, como custos necessários à formação desse rendimento, os valores de TMI incorridos, dada a incindibilidade entre TSC e TMI – porque só a incidência sobre o valor líquido de TSC respeitaria os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da tributação do rendimento líquido.
III. C. 2. A. A questão da dupla tributação
O Imposto do Selo tem já uma história longa: introduzido em 1926, e complementado em 1932 pela Tabela Geral do Imposto de Selo, começou por incidir exclusivamente sobre a formalização de actos jurídicos, como um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, configurando-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. A partir de 1999, o IS passou a configurar-se como um tributo que recai sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza – incindindo nalguns casos sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, tornando-se num meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, tendendo, assim, a assumir uma função residual (ver Acórdão do STA de 29 de Maio de 2024, Proc. nº 451/19.7 BELRS).
Isso retira validade a inferências que usem como premissa uma alegada natureza exclusiva do IS como imposto sobre o consumo ou despesa – uma premissa inválida desde 1999.
Pela mesma razão, são inválidas as inferências que assentem em preocupações de coerência sistemática, relativamente a uma forma de tributação que é assumidamente orientada por outras prioridades.
Sempre se dirá que, não obstante, o IS deve atender ao princípio da capacidade contributiva, já porque ele pode ser considerado afloramento do princípio constitucional da igualdade (art. 13.º da CRP), já porque a LGT identifica tal princípio como pressuposto de todos os impostos (art. 4.º, 1 da LGT).
Lembremos que a presente Constituição não reconhece explicitamente o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva; ou seja, não contém qualquer preceito equivalente ao do art. 28º da Constituição de 1933, que determinava que todos os cidadãos deviam, sem distinção, contribuir, segundo os seus haveres e na medida fixada por lei (como o tinham feito anteriormente o art. 145.º, § 14º da Carta Constitucional de 1826, e art. 24.º da Constituição de 1838). Razão pela qual, na falta de relevância constitucional autónoma, a capacidade contributiva deve extrair-se indirectamente do princípio da igualdade tributária, em conjugação com os demais preceitos e princípios da constituição fiscal portuguesa.
No caso ora analisado, não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na simples capacidade contributiva – na medida em que as comissões tributadas são reveladoras de incrementos patrimoniais de quem as recebe, nada indiciando que esses incrementos patrimoniais sejam nulos, isto é, sejam absorvidos por custos de valor igual ou superior (ou, mais rebuscadamente, nada indicando que se trate de mera cobertura de despesas incorridas no processamento das operações realizadas em TPAs e ATMs). O recebimento das comissões constitui um rendimento, e esse rendimento incrementa a capacidade contributiva, pelo que aquele é tributável em sede de IS sem violação deste princípio constitucionalmente protegido.
E trata-se, efectivamente, de tributação de rendimento, como é hoje possível em sede de IS – dada a amplitude da letra do art. 1.º, 1 do CIS, e dada a notória variedade de situações abarcadas na TGIS –; e se, nesse caso, o imperativo constitucional é o de que a tributação incida sobre o rendimento real (art. 104.º, 2 da CRP), não deve perder-se de vista o advérbio “fundamentalmente” que qualifica essa norma, do qual resulta que a simples consideração do lucro tributável pode não ser exclusiva, não impedindo até tributos de sobreposição – como tributações autónomas em IRC, derramas (municipais e estadual), e várias contribuições especiais sobre determinados sectores de actividade.
E a confirmá-lo está o art. 2.º da Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, quando esta veio a estabelecer uma regulamentação específica para as operações com cartões, tributadas nos termos da verba 17.3.4. da TGIS, que consta da nova redação da alínea h) do art. 3.º do CIS – aliás, na sequência da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que veio a abarcar na incidência de IS, através da nova redacção do art. 7.º do CIS, as operações intra-bancárias, com excepção das directamente destinadas à concessão de crédito.
No caso presente, a Requerente alega que a violação do princípio da capacidade contributiva decorre sobretudo de um fenómeno de dupla tributação – resulta do facto de o IS se converter (em violação do art. 103.º, 2 e 3 da CRP) num adicional ao IRC, ou seja, de se transmutar num imposto (directo) sobreposto ao IRC, desrespeitando, com essa dupla oneração tributária, a incidência sobre o rendimento real da Requerente, podendo gerar até problemas de proporcionalidade (na vertente de proibição do excesso e da adequação).
Sucede que há pressupostos totalmente distintos na incidência de IRC e de IS: o IRC está centrado no rendimento global que concorre, por acréscimo anual, para o lucro de pessoas colectivas (art. 3.º do CIRC), enquanto o IS incide sobre actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos, ou situações jurídicas, previstos na Tabela Geral, desde que não sujeitos a IVA, praticados indiferentemente por pessoas singulares ou colectivas (arts. 1.º e 2.º do CIS); e isto, independentemente de uma reponderação global aferida pelos resultados lucrativos, ou não-lucrativos, no final de cada exercício anual, de cada um dos pressupostos objectivos da incidência de IS.
A confusão que parece ter-se estabelecido resulta da circunstância de o legislador ter onerado com o encargo do IS o Banco “acquirer”, reportando-o às comissões cobradas por este, como forma de minimizar os custos administrativos que, em alternativa, resultariam da necessidade de imputação do imposto operação a operação, junto dos Bancos emissores dos cartões.
Dadas as particularidades do sistema de pagamento com cartões, poderá, com efeito, debater-se se a solução encontrada pelo legislador foi, ou não, a mais adequada.
Mas o que é certo é que:
-
Não se trata de uma questão de inconstitucionalidade, ao contrário do que a Requerente alega;
-
Não cabe a este Tribunal emitir juízos de pertinência sobre soluções consagradas pela Lei.
Não ocorre, em suma, qualquer duplicação de tributos, já que IRC e IS têm objectos e pressupostos distintos, e nem mesmo uma tributação regular e volumosa em IS poderá constituir um pseudo-“rendimento global” susceptível de exonerar (totalmente, supõe-se) os tributados em IRC dos pagamentos devidos em IS – lembrando-se que o “fundamentalmente” do art. 104.º, 2 da CRP impede que sejam consideradas ipso facto inconstitucionais outras formas de tributação do rendimento não baseadas no lucro tributável, nem mesmo aquelas em que haja genuína sobreposição (relembrando tributações autónomas, derramas, e várias contribuições especiais).
III. C. 2. B. A questão da incidência sobre o valor ilíquido de TSC
A Requerente defende também que se verifica violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento líquido em virtude de a base tributável da TSC cobrada pela utilização de TPA incidir sobre os valores brutos da mesma, e não sobre valores líquidos, ao contrário do que exigiria o art. 104.º, n.º 2 da CRP.
A solução, aqui, decorre do que já ficou esclarecido no ponto anterior: nas operações sobre cartões, o IS recai, não sobre o lucro tributável, mas sobre um rendimento bruto, não deduzido dos encargos necessários à sua obtenção, que é um valor diferente.
Por essa razão, a alegada incindibilidade de TSC e TMI, mesmo que se comprovasse, seria irrelevante para esse efeito; isto é, mesmo que se comprovasse que a TMI é um custo necessário à formação do rendimento representado pela cobrança da TSC, esse raciocínio, que é válido em termos de IRC, não o é em sede de IS. E é em sede de IS que estamos cingidos a apreciar a legalidade das autoliquidações ora impugnadas.
Por outras palavras, o princípio da tributação do rendimento real não impõe que a contraprestação referida na verba 17.3.4 seja deduzida dos custos suportados para obtenção do rendimento, como se o IS fosse o IRC; tal solução contrariaria a lógica de funcionamento do IS, que permite que o encargo do imposto suportado seja custo para efeitos de IRC, mas não do próprio IS.
No CIS não se prevê essa possibilidade, e há muito que se aceita que, até no próprio âmbito da tributação em IRC, o princípio da tributação segundo o lucro real, que deve ser “fundamentalmente” observado por imperativo constitucional, possa ser ponderado conjuntamente com outras considerações (por exemplo, dificuldades de quantificação técnica do imposto, ou dificuldades de inserção da despesa na esfera empresarial ou na actividade lucrativa, ou, ainda, dificuldades de desenho de deduções específicas), daí resultando um respeito mitigado pela consideração exclusiva do rendimento líquido.
Em conclusão, inexiste fundamento legal para aplicar a taxa de IS prevista na verba 17.3.4. da TGIS sobre o montante “líquido” das comissões e contraprestações cobradas, e nomeadamente, da TSC.
Cabendo citar, aqui, o Acórdão arbitral do Proc. n.º 516/2021-T:
“Sobre o valor que constitui a base de incidência de Imposto do Selo, retira-se do disposto na verba 17.3 da TGIS que o mesmo corresponde ao valor cobrado das comissões e contraprestações e não a um valor “líquido” compensado de comissões e contraprestações pagas. Assim, em linha com o decidido nas ações arbitrais n.ºs 433/2020-T e 763/2020-T, inexiste suporte textual para aplicar a taxa de imposto [4%] apenas à compensação líquida que o Requerente aufere com as comissões recebidas “depois de saldados os diversos feixes de taxa multilateral de intercâmbio entre os diversos bancos”.
Acresce salientar que […] não se retira do Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, que a compensação a considerar deva ser, para efeitos de Imposto do Selo, líquida. O artigo 2.º, ponto 10) deste diploma delimita a “taxa de intercâmbio”, como a taxa paga, “direta ou indiretamente (ou seja, através de terceiros), por cada operação realizada entre o emitente e o adquirente das operações de pagamento baseadas em cartões”, referindo de forma expressa que “[a] compensação líquida9 ou qualquer outra remuneração acordada faz parte da taxa de intercâmbio”. (sublinhado nosso) Assim, a contraprestação acordada integra a TMI, devendo ser nesse sentido, sujeita a tributação integral.”
Devendo, portanto, concluir-se que não somente não há qualquer base legal para se considerar os valores de TMI incorridos pela Requerente como custos necessários à formação desse rendimento (não sendo possível recorrer à analogia para aplicar, ao IS, normas do CIRC), como o regime legal de incidência de IS sobre valores “ilíquidos” de TSC não implica, por si mesmo, qualquer interferência “fundamental” no preenchimento dos pressupostos de tributação do rendimento das pessoas colectivas; não sendo, por isso, violadora dos correspondentes princípios constitucionais.
III. C. 3. Aplicação uniforme do Direito.
Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 348/2016, 756/2016, 496/2017, 431/2018, 171/2019, 433/2020, 763/2020, 516/2021, 358/2022, 572/2023, e 600/2023-T, todos do CAAD.
III. C. 4. Matérias de conhecimento prejudicado
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria, por isso, inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
IV. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica os actos tributários ora sindicados;
-
Absolver do pedido a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 384.429,71 (trezentos e oitenta e quatro mil, quatrocentos e vinte e nove euros e setenta e um cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. Custas
Custas no montante de € 6.426,00 (seis mil, quatrocentos e vinte e seis euros) a cargo da Requerente, nos termos da Tabela I do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT.
Lisboa, 15 de Abril de 2025.
Os Árbitros
Fernando Araújo
Gonçalo Marquês de Menezes Estanque
Gustavo Gramaxo Rozeira
[1] Fonte: Aleksandra Bal, “Credit Card Transactions – The German VAT Treatment”, IBFD, International VAT Monitor, Nov-Dec 2015, p. 374.
[2] Louvando-se a AT no entendimento veiculado pelo acórdão do STA de 4 de Maio de 2022 (Proc. n.º 01711/15.1BEPRT), que estabeleceu que o IS “nalguns casos incide sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, situação que, inevitavelmente, introduz um elemento perturbador da coerência do imposto e, por isso, um desafio acrescido para o intérprete. Na sua actual modelação, o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual”; e pela decisão do Proc. n.° 433/2020-T do CAAD, que esclareceu que o IS abarca “todas as situações reveladoras de capacidade contributiva que legislativamente se pretendem tributar que não são, como tal, incluídas no âmbito de incidência de outros impostos (...) sobretudo quando tais valores, ou bens, não tenham podido ser tributados por outra via (...) por isso, não valem em relação ao Imposto do Selo preocupações de coerência sistemática, nem derivadas do facto de a tributação destas comissões não ser tributação do consumo, pois o âmbito de incidência objetiva do Imposto do Selo não se restringe a este tipo de tributação”.
[3] Louvando-se a AT, neste caso, no entendimento veiculado pela decisão do Proc. n.° 433/2020-T do CAAD, que sustentou que as TSC “revelam que quem as aufere dispõe de uma capacidade contributiva superior a quem não as recebe. Por outro lado, não há qualquer indício de que o montante dessas comissões seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações”, e que a cobrança das TSC “representa operações económicas de relevo, num mercado dinâmico, e como tal não pode deixar de ser considerado como elemento da sua capacidade contributiva efetiva" ou, por outras palavras, que "a capacidade contributiva do Requerente resulta justamente da receção do montante correspondente à cobrança da aludida taxa e comissão”.
[4] A Requerente lembra uma situação similar, que é o da oneração do mediador no caso das comissões de mediação recebidas por mediadores de seguros – sendo que a semelhança desaparece quando nos apercebemos de que se prevê na verba 22.2 da TGIS que, nas comissões cobradas pela actividade de mediação, a base tributável do IS é o valor da comissão líquido do próprio IS, o que significa que, por via de “gross-up”, o encargo incide, em substância, sobre quem adquire o serviço, ou seja, a seguradora e não o mediador de seguros – o que se compreende, dada a necessidade de não onerar duplamente a actividade de mediação através da tributação, em sede do IS, de um facto tributário que, pela sua natureza de rendimento, já seria tributado em IRS ou IRC.
[5] A Requerente cita um acórdão do STA (de 5 de Abril de 2022, Proc. n.° 02822/18.7BEPRT) e um acórdão do TC (n.° 566/2020, de 21 de Outubro de 2020), que ambos expressamente caracterizam o IS como imposto indirecto.
[6] Laires, Jorge Belchior e Martins, Rui Pedro, Uma visão sobre o futuro do Imposto do Selo», in Nós e os impostos II - Um contributo para o futuro dos impostos, Almedina, 2023, pág. 194.
[7] https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/10_terminais_de_pagamento_e_c aixas_automaticos.pdf
|
|