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SUMÁRIO:
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Os incrementos patrimoniais que não se encontrem refletidos no resultado do exercício e cuja sustentação não se enquadre em nenhuma das exceções do artigo 21.º, n.º 1, do CIRC são tributados como variações patrimoniais positivas.
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A AT não demonstrou, de modo concludente, estarem reunidas todas as condições para se considerar que se estava perante uma variação patrimonial positiva.
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Por força deste princípio da especialização dos exercícios, a regra é que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam. Apenas podem ser atribuídos a outros períodos os rendimentos ou gastos que, no momento do fecho das contas do período em questão, eram imprevisíveis ou claramente desconhecidos.
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Em 31.12.2019, a adenda a que a Requerente veio aludir não se encontrava em vigor, o que impunha o reconhecimento, como rendimento imputável ao período de 2019, dos rendimentos resultantes do contrato de cessão de exploração celebrado, ainda que os mesmos não se encontrassem faturados.
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No que tange à correção relativa à depreciação de ativos fixos tangíveis (AFT), a Requerente não logrou apresentar elementos de prova que corroborassem a sua alegação, ónus que sobre si impendia, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, limitando-se a apresentar, de forma abstrata e genérica, cálculos com potenciais valores de aquisição que não se encontram devidamente comprovados e sustentados, como aliás não explicou o facto dos AFT terem sido registados na conta 62 – Fornecimentos e serviços externos.
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A ocorrência de movimentos contabilísticos de “saídas de caixa”, efetuadas pela Requerente em 2020 sem documentação de suporte enquadra-se no conceito de despesas não documentadas, previsto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, representando o exfluxo ou dispêndio de meios monetários contabilisticamente relevados, sem que para tanto esteja identificado um destinatário e documentado/comprovado o seu destino.
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Cabe ao contribuinte o ónus de provar o destino das saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. Nuno Filipe Raposo Jacinto (Adjunto e Relator) e Dr. Júlio César Nunes Tormenta (Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:
I.RELATÓRIO
A..., S.A., doravante abreviadamente designado também por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., ...-..., Porto, apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante “PPA”), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”) e no artigo 99.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).
O presente pedido tem por objeto a ilegalidade das liquidações adicionais lavradas pela AT, por erro nos pressupostos de facto e de direito que a elas conduziu e por assentarem numa base tributável excessiva.
É ainda peticionada a condenação da AT na devolução à Requerente de todos os quantitativos que esta venha a pagar em resultado das liquidações aqui em crise, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal desde o pagamento, até efetivo reembolso.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), em 09-08-2024.
O Requerente optou por não designar Árbitros.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram os árbitros designados pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 24-09-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 14-10-2024.
Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, juntar cópia do processo administrativo e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que apresentou, em 28-11-2024.
Por despacho arbitral de 02-12-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não estar requerida a produção de prova adicional e se revelar inútil para a boa decisão da causa.
Em 06-01-2025, a Requerida veio apresentar as suas alegações, mantendo integralmente o teor da Resposta anteriormente apresentada.
II.SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
II.1. Da Requerente
De acordo com os argumentos apresentados no PPA, a Requerente “foi notificada das liquidações adicionais de IRC, IVA, demonstrações de contas e juros compensatórios, que resultaram das correções efetuadas em sede de inspeção tributária pela Autoridade Tributária Aduaneira (doravante, AT), constantes do Relatório de Inspeção Tributária elaborado ao abrigo da Ordem de Serviço Externa n.º OI2022..., emitida para análise da situação tributária da Requerente, com referência ao período de 2019.
Conforme refere a Requerente, “os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que se impunham correções, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, apontando como causas justificativas dessas correções:
I – Em sede de IRC:
I.1) Conta 287121101 – “Outras Contas a pagar –B... COMPANY”;
I.2) “Cedência de exploração do ... Hotel...– Omissão de rendimentos na determinação do lucro tributável”;
I.3) “Gastos com “Publicidade e Propaganda”, “Eletricidade” e “Água” – Gastos indevidamente considerados para efeitos de determinação do lucro tributável”
I.4) “Ativos fixos tangíveis – Gastos indevidamente considerados para efeitos de determinação do lucro tributável”;
I.5) “Conta 1111 “Caixa A” – Despesas não documentadas – Tributação autónoma em falta”;
I.6) “Conta 122 “Depósitos à ordem – Millenium – Variação patrimonial positiva não refletida na contabilidade fiscalmente relevante para efeitos de determinação da matéria coletável em sede de IRC e despesas não documentadas – Tributação autónoma em falta”;
I.7) “Rendimentos e ganhos – correções relativas a períodos anteriores – Dedução ao lucro tributável – Correção favorável ao sujeito passivo”
II – Em sede de IVA:
II.1) “Cessão de exploração do ... Hotel...– IVA não liquidado”;
II.2) “Aquisição de bens e serviços de “Publicidade e Propaganda”, de “Eletricidade” e de “Água” – Iva indevidamente deduzido”
Em face das correções efetuadas, os valores apurados pelos Serviços de Inspeção Tributária, foram os seguintes:
Em sede de IRC:
Em sede de IVA:
Assim, “a Requerente foi notificada das liquidações, demonstrações de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros que foram emitidas pela Requerida, concretamente e quanto ao IRC:
Ø Liquidação n.º 2024..., relativa ao período de 2019, donde resulta o valor
de € 140.917,27, sendo devidos pela Requerente, uma vez contabilizado um estorno que lhe é favorável de € 3.250,80, um total de € 137.666,57 – cfr. Liquidação que se junta como Doc. 2 e segue acompanhada da Demonstração de Liquidação de Juros e Demonstração de Acerto de Contas;
E, quanto ao IVA:
Ø Liquidação n.º 2024..., relativa ao período 201906T – cfr. Doc. 3 que se junta;
Ø Liquidação n.º 2024..., relativa ao período 201909T – cfr. Doc. 4 que se junta;
Ø Liquidação n.º 2024..., relativa a juros compensatórios referentes ao período
201909T, donde resulta o valor de € 2.135,13, a pagar pela Requerente – cfr. Doc. 5 que se junta;
Ø Liquidação n.º 2024..., relativa ao período 201912T – cfr. Doc. 6 que se junta;
Ø Demonstração de Acerto de Contas n.º 2024 ..., referentes ao período de
2019-07-01 a 30-09.2019, donde, ponderando um estorno favorável à AT e o acerto
de liquidação de 2019 favorável à Requerente, resulta o valor de € 12.940,06, a pagar
por esta última – cfr. Doc. 7 que se junta;
Ø Demonstração de Acerto de Contas n.º 2024 ..., referente a juros
compensatórios por recebimento indevido, donde resulta o valor de € 2.135,13, a
pagar pela Requerente [vide Liquidação n.º 2024 ...] – cfr. Doc. 8 que se junta;
Ø Demonstração de Acerto de Contas n.º 2024..., referentes ao período de 2019-
04-01 a 30-06.2019, com € 0,00 – cfr. Doc. 9 que se junta;”
Notificada das referidas liquidações adicionais em sede de IRC e IVA efetuadas pela AT, a Requerente veio impugnar as mesmas, discordando das causas invocadas pela AT para ter procedido a essas mesmas correções. Assim, peticiona a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC, IVA e juros, estribando essa sua pretensão essencialmente nos argumentos que infra se referirão.
Assim, e no que diz respeito às correções efetuadas em sede de IRC, considera a Requerente que, no que concerne às variações patrimoniais positivas aludidas, o período de tributação em que tais variações concorreriam para a formação do lucro tributável não pode ser outro senão aquele em que tais variações ocorreram, acrescentando que todos os movimentos reconhecidos ocorreram em 2017 e 2018, não tendo sido registado qualquer movimento em 2019.
Ou seja, defende em síntese que tais variações patrimoniais positivas poderiam concorrer para a formação do lucro tributável, mas sempre nos períodos em que efetivamente ocorreram (isto é, 2017 e 2018), em obediência ao princípio da periodização do lucro tributável, previsto no art. 18.º do CIRC.
Com efeito, e quanto ao IRC, a Requerente afirma que: “as correções implementadas pela AT devem-se a um conjunto de fatores, dos quais, pela sua dimensão, começamos por destacar o que os Serviços de Inspeção tributária denominaram de “Variação patrimonial positiva não refletida na contabilidade fiscalmente relevante para efeitos de determinação da matéria coletável em sede de IRC”, que apuraram na “Conta 287121101 – Outros credores –B...–...”, da contabilidade da Requerente – vide ponto V.1.1 do Relatório de Inspeção.
Como se depreende do Relatório de Inspeção, essencialmente nos anos de 2017 e 2018, a sociedade B...– ...LTD (doravante apenas designada por B...), investiu na sociedade A..., S. A., aqui Requerente, um total de € 509.000,00, que vêm devidamente reconhecidos na contabilidade desta última.
Nenhuma quantia foi investida ou depositada na conta da Requerente no período de 2019.
Já no decurso da ação inspetiva realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., de âmbito parcial IRC e IVA e relativa ao período de 2018, os Serviços de Inspeção Tributária tinham sido esclarecidos de que os investimentos da B... se destinavam à aquisição, pela Requerente, de bens imobiliários, sendo remunerados no momento da venda dos imóveis e a uma taxa de juro anual de 3,50% sobre os valores investidos.
Os Serviços de Inspeção Tributária referem ter constatado a existência de algumas omissões, inexatidões e erros no registo contabilístico de alguns dos movimentos (transferências bancárias) da B... para a A..., S. A.
Porém, não deixaram de reconhecer que essas denominadas omissões, inexatidões e erros foram devidamente retificadas no decurso de anterior ação inspetiva, pelo que parece-nos ser consensual que existe reconhecimento contabilístico dos movimentos entre a B... e a aqui Requerente, tal como que em ação inspetiva anterior, este tema foi devidamente analisado.
Seguem-se, no Relatório de Inspeção junto como Doc. 1, um conjunto de considerações a propósito da B... e das suas relações com a aqui Requerente,
Onde se inclui a constatação das relações de parentesco existentes entre a direção da B... (a cargo de J...) e a administração da A..., S. A. (a cargo de C...), apontando-se que aquele é pai deste último e também ele acionista da Requerente.”
Tendo a AT concluído pelo acréscimo ao lucro tributável declarado no período de 2019, no montante de € 509.000,00, alicerça a Requerente a sua discordância quanto a essa liquidação nos seguintes argumentos:
(…) cremos que as conclusões do Relatório de Inspeção em apreço, determinantes para a emissão das guias de liquidação e demonstrações de acerto de contas que aqui expressamente se impugnam, são contraditórias, quer entre si, quer perante as conclusões dos Relatórios de Inspeção relativos aos períodos de 2017 e 2018.
Lido e relido o Relatório de Inspeção, parece-nos que os Serviços de Inspeção Tributária começam por entender que a Requerente não demonstrou a existência de qualquer obrigação futura de pagar à B... os “empréstimos remunerados”.
Insinuam (aliás, afirmam) mesmo que nunca terá “existido intenção de devolver os investimentos...”.
Salvo melhor juízo e opinião, se os montantes que a B... entregou à aqui Requerente não se trataram de investimentos ou empréstimos remunerados, antes, se bem compreendemos o raciocínio desenvolvido, de doações, em tese, poderíamos estar perante variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado liquido do período de tributação, que, por não se configurarem entre as exceções a que se refere o artigo 21.º do CIRC, poderiam concorrer para a formação do lucro tributável.
Entendemos, porém, que o período de tributação em que tais variações patrimoniais concorreriam para a formação do lucro tributável não pode ser outro senão aquele em que tais variações patrimoniais efetivamente ocorreram.”
A propósito, consta do Relatório de Inspeção (Doc. 1), o seguinte:
· Os movimentos reconhecidos em 2017 e 2018 que justificam o saldo credor na conta 278121101 - que em 2019 não registou qualquer movimento -, são os seguintes (transcrição integral do extrato da conta 2782101 B...):
Analisado o quadro transcrito, é constatável que todos os movimentos reconhecidos,
ocorreram em 2017 e 2018.”
Mais alega a Requerente que “as tais variações patrimoniais positivas poderiam, em tese, concorrer para a formação do lucro tributável, mas sempre nos períodos em que efetivamente ocorreram, isto é, em 2017 (€ 60.000,00) e 2018 (€ 449.000,00).
Conclui, assim, que “Por força do princípio da proporcionalidade, a AT está impedida de efetuar um segundo procedimento de inspeção externo sempre que diga respeito ao mesmo sujeito passivo, imposto ou período de tributação, ou seja, ao mesmo facto, exceto se for comprovado que no decorrer da inspeção era impossível detetar determinada situação ou que existiu um qualquer facto novo que só ficou acessível posteriormente à execução do primeiro procedimento.
No caso, não há qualquer facto novo nem algo que previamente não pudesse ter sido detetado pela AT, sendo certo que, no nosso ponto de vista, o período de tributação é e tem de se considerar o mesmo.”
De acordo com a perspetiva da Requerente, “as considerações e juízos a que nos temos vindo a referir materializam-se numa verdadeira segunda inspeção quanto a factos que já haviam sido inspecionados, em clara violação do princípio da proporcionalidade – o que se invoca e deve ter como consequência a anulabilidade do ato.
Acresce que, como se disse, quaisquer variações patrimoniais positivas teriam de concorrer para a formação do lucro tributável dos períodos em que efetivamente se verificaram: 2017 e 2018 – assim o determina o princípio da periodização do lucro tributável, nos termos prescritos no artigo 18.º do CIRC.
Não tendo a AT procedido a tais correções, também já não pode diligenciar pelas liquidações, atenta a sua evidente caducidade – o que, ao abrigo do artigo 45.º da LGT, igualmente invocamos.”
Contesta a Requerente o facto da AT ter considerado um acréscimo ao lucro tributável declarado no período de 2019, no montante de € 509.000,00.
Considera que tal sucedeu porque “os Serviços de Inspeção entendem que se justifica é operar um acréscimo ao lucro tributável de 2019, porque “não se encontra demonstrada qualquer obrigação de devolução por parte da A..., desde 2019, E a constatação de que não se encontra demonstrada a obrigação de devolução desde 2019, é associada ao facto de a B... ter sido dissolvida em março desse ano, não se tendo apurado que o crédito tivesse sido cedido a terceiros.”
No entanto, defende a Requerente que “a assunção de que a obrigação de devolução deixa de existir em resultado da B... ter sido dissolvida em março de 2019 não consubstancia nem pode consubstanciar senão a negação de todos os juízos e formulações que antecedem esse segmento do Relatório de Inspeção.”
Continua alegando que “se é a partir da dissolução da B... que deixa de existir a obrigação de restituição e os valores por esta entregues à Requente passam a ter de acrescer ao lucro tributável de 2019 como variações patrimoniais positivas, tal não pode senão significar que a AT aceitou as justificações que a aqui Requerente sempre apresentou e que, até então, existia, de facto, obrigação de restituição dos montantes elencados na tabela supra.”
Mais alega a Requerente que “investiu, de facto, na aquisição de património imobiliário.”
Note-se que no Relatório é feita especial referência à aquisição de dois imóveis contíguos localizados nas ..., na freguesia da ..., no Porto. É igualmente feita referência à apresentação de um Pedido de Informação Prévia, que foi arquivado com emissão de parecer desfavorável (…) Ao que se seguiu posterior pedido de licenciamento de obras.
Segue-se, em Novembro de 2018, a celebração de um contrato promessa de compra e venda desses imóveis com a entidade D..., Lda., NIF..., que alterou a sua designação para E..., Lda.
Dito contrato promessa de compra e venda foi objeto de alteração em 05/02/2019, constando do relatório que nessa sequência, a promitente vendedora, aqui Requerente, comprometeu-se a desistir do seu projeto de arquitetura e permitir que fosse a promitente compradora a apresentar um novo projeto.
De seguida, os Serviços de Inspeção concluem – uma vez mais de modo manifesta e incompreensivelmente conclusivo –, que a “venda não se consomou, não obstante estarem cumpridas todas as condições impostas no contrato promessa e respetiva alteração”,
E isto, não obstante demonstrarem conhecimento de que a aqui Requerente instaurou contra a indicada promitente compradora, ação judicial.
Com o devido respeito, para que melhor compreendamos a leviandade de boa parte das afirmações que são efetuadas no Relatório de Inspeção e porque, de facto, a restituição pela aqui Requerente dos montantes à B... efetivamente ficou dependente da conclusão deste negócio, importa que sobre ele nos detenhamos por alguns momentos.
Corresponde à verdade que em Novembro de 2018 (rigorosamente, em 21 de Novembro de 2018), a aqui Requerente celebrou com a então D..., Lda., contrato promessa de compra e venda por intermédio do qual prometeu vender e esta prometeu comprar, os imóveis a que o Relatório de Inspeção se refere – cfr. Doc. 10 que se junta.
É igualmente verdadeiro que em 05 de Fevereiro de 2019, foi outorgada entre as Promitentes uma alteração (aditamento) ao contrato promessa – cfr. Doc. 11 que se junta.
Porém, com o devido respeito, a afirmação de que estão cumpridas todas as condições para a celebração do contrato não passa de um autêntico absurdo, sem um mínimo de prova, resultante da desconsideração do que foi alterado no contrato promessa de compra e venda e de uma análise enviesada das informações e documentos apresentados.
Com efeito, no referido aditamento ao contrato promessa de compra e venda, as partes acordaram em alterações relevantes, das quais aqui se destaca a alteração à cláusula primeira, n.º 3 do contrato promessa, que passou a ter a seguinte redação: “3. A Promitente Vendedora, promete ainda desistir, de imediato, do seu projeto de arquitetura já apresentado às autoridades competentes da Câmara Municipal do Porto, de acordo com as plantas e memória descritiva do projeto, já junto como anexo II ao contrato inicial e do qual faz parte integrante, e permitir à Promitente Compradora, a apresentação de um novo projeto de arquitetura elaborado pelo arquiteto F..., de acordo com as instruções desta e aprovado pela Promitente vendedora.” – realces e sublinhados nossos.
Ora, com tal alteração passou a competir à Promitente Compradora a responsabilidade de diligenciar pela elaboração, apresentação e, naturalmente, aprovação de novo projeto de arquitetura, que seguiria os seus ditames, ainda que dependente da prévia aprovação da aqui Requerente.
E é da aprovação de tal projeto de arquitetura, da responsabilidade da Promitente Compradora, que depende a celebração do contrato prometido.
Acontece que, até à presente data, não existe qualquer projeto de arquitetura que tenha sido elaborado pela Promitente Compradora e aprovado pelo Município do Porto, que é o da localização dos imóveis.
Como tal, não se compreende porque razão os Senhores Inspetores concluíram que se mostram cumpridas todas as condições impostas no contrato promessa e aditamento para a celebração do contrato prometido...
O que existe é um litígio entre as Promitentes Vendedora e Compradora, pois é entendimento da primeira que esta última assumiu um conjunto de comportamentos justificativos da resolução do contrato promessa de compra e venda.
Diga-se que tal processo foi distribuído com o n.º .../22...T8PRT, para o Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1, onde continua pendente e com julgamento marcado para dia 22/10/2024 – cfr. Doc. 12 que se junta, juntando-se, ainda e como Doc. 13, para melhor compreensão das razões do litígio, a petição inicial apresentada pela aqui Requerente, que, atenda a sua dimensão, segue desacompanhada dos documentos que a instruem e que protestamos juntar aos autos no caso de V. Exas. o considerarem relevante.
Assim e rigorosamente, por razões que contrariam a vontade e expetativa da aqui Requerente, a realidade é que os prédios acima indicados ainda não se mostram vendidos e é incerto o momento em que se verificará a obrigatoriedade de restituição dos montantes à B... .
Aqui chegados, importa analisar as implicações que a dissolução da B... acarreta quanto a esta obrigação:
Pesquisando o site na internet indicado no Relatório de Inspeção [https://www...], a informação obtida é a de que a B... está efetivamente dissolvida desde 06/03/2019 – cfr. Doc. 14 que se junta.
E dessa informação resulta, ainda, que a data para a próxima obrigação declarativa dessa sociedade [“Next Annual Return”], é o dia 04/01/2018 – ou seja, data anterior à da dissolução.
Salvo melhor juízo e opinião, a informação obtida aponta, muito claramente, que a sociedade em questão incumpriu com obrigações declarativas.
Se dúvidas existissem, o Relatório de Inspeção esclarece-as, pois dele também resulta que, a pedido da Administração Fiscal Portuguesa, a informação apurada pela Administração Fiscal Irlandesa junto do “último agente identificado da B...”, foi a de que a sociedade B...“foi involuntariamente excluída do registo de empresas pelo CRO por não apresentar declarações obrigatórias por lei”.
Assim, pensamos que é pacífico concluir que no caso não estamos perante uma dissolução que tenha sido requerida ou promovida pela direção ou sócios,
Antes estamos, claramente, perante uma dissolução involuntária, que foi gerada administrativamente em virtude de não terem sido apresentadas “declarações obrigatórias por lei”.
Afirma a Requerente que “importa sublinhar que a dissolução de uma determinada sociedade não se significa nem confunde ou pode confundir com a sua liquidação e, mais importante, com o término dessa liquidação – o que, diga-se, é válido tanto para os casos de dissolução involuntária, como para a dissolução voluntária, por iniciativa dos sócios.”
Mais alega que “a dissolução de uma sociedade não é mais que uma modificação da sua situação jurídica, que se caracteriza pela sua entrada em processo de liquidação.
Como é consabido, a personalidade jurídica da sociedade conserva-se até à data do registo do encerramento da liquidação.”
E, seguindo a mesma linha de raciocínio, conclui que “não é por uma sociedade estar dissolvida que não é legítimo e/ou se tornou impossível (pelo contrário) proceder à cobrança dos eventuais créditos que ela detenha ao momento da dissolução, bem como à venda de património que, porventura, também exista em tal momento”, acrescentando ainda que “Apenas com o registo do encerramento da liquidação se verificará a extinção da sociedade (artigo 160.º, n.º 2 do CSC) e o cancelamento da matrícula.”
Em súmula, conclui a Requerente o seguinte:
“Contrariamente ao que nos parece ter sido o entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária, a dissolução involuntária da B... não significa que esta sociedade tenha sido liquidada.
Pelo contrário, da informação obtida não resulta – como nos parece que resultaria se tal tivesse ocorrido – que a sociedade já se mostre liquidada e nada aponta para o encerramento da liquidação, nem a AT a tal faz qualquer referência.
Mais, mesmo que a sociedade já se tivesse de considerar como extinta, tal não significa que não continuem a ser exigíveis e passiveis de cobrança os créditos que não tenham sido satisfeitos até ao encerramento da liquidação.
Como tal, é inconcebível e não se mostra juridicamente válido o entendimento de que os créditos que a B... detém sobre a aqui Requerente se tornaram inexigíveis pelo simples facto daquela sociedade ter sido dissolvida.
Pelo contrário, a obrigação de devolução mantém-se inalterada, com o que se pretende significar que a Requerente permanece, de facto, devedora para com a B... das quantias que esta nela investiu, sendo que, nos termos acordados entre as partes, o momento da restituição desses créditos apenas ocorrerá quando forem vendidos os prédios a que nos referimos supra, o que ainda não aconteceu.
No limite e em tese, apenas nesse momento futuro e incerto se poderá vir a constatar que a B... e/ou o seu liquidatário não cobrou os créditos que detém sobre a A... e conjeturar a eventual existência de variações patrimoniais positivas que venham a concorrer com a formação do lucro tributável.
Assim, alega a Requerente que “a liquidação em causa é ilegal, pois não é, nunca será, nem pode ser no exercício de 2019 que se verifica a variação patrimonial positiva a que nos temos referido.”
De seguida e porque a AT também dedica um parágrafo do seu relatório à alusão de que valores mutuados em quantitativo superior a € 25.000,00 só serão válidos se celebrados por escritura pública ou por documento particular autenticado, importa que referíramos o seguinte:
Como resulta dos documentos fornecidos à AT, a B... investiu, em diferentes momentos, todos anteriores ao período de 2019, diversos quantitativos – cfr. Docs. 15 e 16 que se juntam.
Oferecem-nos dúvidas de que tais investimentos devam ser configurados como mútuos e, com o devido respeito, não podemos deixar de realçar que a informação de que a AT dispõe é exatamente a mesma que dispunha quando inspecionou os exercícios de 2017 e 2018, não se compreendendo porque razão suscita agora tais questões.
Em todo o caso, tendo presente o artigo 1143.º do Código Civil, que reza que “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário”,
Pensamos que é pacífico que a consequência da preterição da forma se traduz em nulidade – artigo 220º do Código Civil.
Porém, a eventual declaração de nulidade de um mútuo não significa que o mutuário deixe de ter obrigação de restituir as quantias que lhe foram mutuadas, pois, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”.
Assim, mesmo entendendo-se que no caso estamos perante um mútuo entre duas sociedades e que o mútuo é nulo por preterição de forma (o que, no nosso ponto de vista, a AT não tem competência para declarar),
A obrigação de restituição por parte da Requerente sempre se manteria, sendo-lhe exigível, pela alegada mutuante, a restituição de todos os quantitativos que esta lhe mutuou.
Face a todo exposto, defende a Requerente que “não há nenhuma razão para que o apontado montante de € 509.000,00, acresça ao lucro tributável declarado no período de 2019”.
Conclui nesse tocante que “mal andaram os Serviços de Inspeção quando propuseram o acréscimo ao lucro tributável desse montante, como variações patrimoniais positivas. E mal esteve a AT quando, em claro erro nos pressupostos de facto e de direito, efetuou essa mesma correção, o que justifica que seja declarada a ilegalidade da declaração de IRC supra identificada, bem como de tudo quanto com ela se relaciona, com consequente anulação parcial do ato de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios – o que se invoca e requer.”
No que diz respeito ao acréscimo ao lucro tributável da Requerente no valor de € 26.209,52 (resultantes do diferencial entre o que foi faturado à sociedade G..., S. A. (€ 99.790,48) e o que considera que deveria ter sido (€ 126.000,00) considerado pela AT na liquidação de IRC, alega a Requerente que “o valor ajustado entre as partes no contrato de cessão de exploração foi efetivamente reduzido de € 18.000,00 mensais para € 16.260,16, com efeitos ao início do contrato [em 04/07/2020, por intermédio de uma adenda ao contrato]”, pelo que “o valor que dos rendimentos a considerar não deve ser superior aos € 16.260,16, que efetivamente eram devidos”.
Não ignorando que, o valor que a Requerente deveria ter declarado a este título era de € 113.821,12 (€ 16.260,16 x 7), ao invés de € 99.790,48, o que representa um diferencial de € 14.030,64.
Ainda assim, defende quanto a tal questão que “a correção proposta e implementada pela AT ascende a um valor manifestamente superior ao que efetivamente pode ser admissível, pelo que também por esta razão se justifica declarar a ilegalidade da liquidação em crise, em conformidade.”
Relativamente às despesas que estiveram subjacentes à liquidação de IRC, alega a Requerente que as mesmas foram consideradas pela AT como “gastos indevidamente considerados para a determinação do lucro tributável”, sendo que as mesmas “respeitam a equipamento em imóvel arrendado de que a empresa viria a ser proprietária em Fevereiro de 2020 e contabilisticamente não deveriam ser considerados gastos do período, mas sim elegíveis para a formação de ativos tangíveis” e a correção ao lucro tributável declarado ascende € 40.903,45.
Em sede de defesa, vem a Requerente chamar à colação o regime jurídico constante do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, nomeadamente o teor do seu artigo 19.º, n.º 1.
Mais alega que “o valor unitário de cada um dos diversos bens que ali vêm referidos é inferior a € 1.000,00 e cremos que não se pode nem devem considerar que tais bens façam parte integrante de um conjunto de elementos que devam ser depreciados ou amortizados como um todo.”
Do aludido Quadro 17 do Relatório de Inspeção, destacamos os seguintes registos:
Como nos parece ser evidente, o valor unitário de cada um dos diversos bens cuja soma perfaz as quantias indicadas no campo “Valor a deb. (€)”, não é o que vem indicado na tabela.
Argumenta, assim, a Requerente que “o valor unitário de cada um desses equipamentos é inferior a € 1.000,00, razão pela qual os bens em questão podem ser totalmente depreciados ou amortizados num só período, e por conseguinte, para estes não pode nem deve haver IRC adicional a liquidar.” Conclui pugnando pela anulabilidade, que invoca e requer que seja declarada, com as devidas e legais consequências.
No que concerne às despesas não documentadas consideradas pela AT na liquidação impugnada, e que se cifram em € 17.330,70, alega a Requerente que “o raciocínio expresso no Relatório de Inspeção é, uma vez mais, sustentado em meras deduções e não, como se impõe, em provas concretas.” Uma vez que “Se bem compreendemos o raciocínio desenvolvido pela AT, será por considerarem que o saldo da conta “Caixa” no dia 31 de Dezembro de 2019 tem necessariamente que coincidir com o saldo dessa mesma conta em 01 de Janeiro do ano seguinte (2020), que concluem que o saldo de € 17.330,70, corresponde a despesas em que a sociedade incorreu e que não se mostram documentadas, razão pela qual se justifica a tributação autónoma à taxa de 50% (artigo 88.º, n.º 1 do CIRC).”.
Faz notar a Requerente que, “à luz do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, é a divergência entre o saldo de caixa e o seu registo contabilístico que justificará a tributação autónoma.”, pelo que “não deveria a AT ter lançado mão da norma de incidência contante do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, por não se mostrarem verificados os pressupostos de que depende a tributação autónoma”, uma vez que “os movimentos censurados foram devidamente confirmados pelos extratos bancários das contas de depósito à ordem e foram efetuados os registos de entrada em caixa desses montantes, pelo que não descortinamos que provas existam ou possam existir de molde a que se conclua, como inadvertidamente se concluiu, que o saldo de caixa em 31/12/2019 era nulo.”
Conclui neste ponto alegando que “a liquidação é ilegal e inexigível também por englobar a tributação autónoma a que nos temos vindo a referir, impondo-se a sua anulação em conformidade”.
No que diz respeito à tributação autónoma de variações patrimoniais positivas, não refletidas na contabilidade fiscalmente relevante para efeitos de determinação da matéria coletável, em sede de IRC, e despesas não documentadas considerada na liquidação da AT, defende a Requerente, a título de exemplo, que “O segundo movimento a débito corresponde ao pagamento da fatura de eletricidade do ... Hotel ... respeitante ao mês de outubro e que será objeto de melhor análise adiante neste relatório”, assim “a AT poderia muito bem ter confirmado que todos estes valores foram comunicados pela entidade EDP, como fornecedora de eletricidade da A..., e, portanto, estes valores dizem respeito a gastos reais e efetivos da Requerente, tratando-se, indubitavelmente, de despesas que, por lapso, não foram registadas em gastos e que assim até prejudicaram o sujeito passivo, que apresentou um resultado superior ao devido”, concluindo “Do mesmo modo que os Serviços de Inspeção concluíram que o movimento a débito de € 3.118,02, é justificado pelo pagamento de fatura à EDP,
Não descortinamos porque foram ignorados os movimentos a que aludimos, correspondentes a pagamentos efetuados também à mesma EDP.”
Afirma a Requente, neste tocante, que “Não se tratam nem podem tratar de despesas não documentadas e sujeitas a tributação autónoma, pois a verdade é que, se assim quisesse, a AT comprovaria de forma idónea os beneficiários dos fluxos financeiros indicados, bem como a natureza das despesas e a ligação com a atividade, pois as faturas constam, seguramente, das comunicações feitas pelos fornecedores ao e-fatura.”
Reitera, ainda, que “a AT facilmente conseguiria comprovar de forma idónea os beneficiários dos fluxos financeiros indicados, bem como a natureza das despesas e, também, a ligação com a atividade.”
Conclui pugnando que, pelo menos todas as despesas por si elencadas, “não devem nem podem considerar-se como despesas não devidamente documentadas e de modo algum dever ser sujeitas a tributação autónomas à taxa de 50%, impondo-se a anulação do ato de liquidação, em conformidade.”
Em suma, defende a Requerente que “inexistem motivos para todas as correções que a AT decidiu implementar” e que, desse modo, “impõe-se declarar a ilegalidade da guia de liquidação de IRC, demonstração de acerto de contas e juros e de tudo quanto com tal se relaciona, ex vi dos artigos 99.º, n.º 1, al.ª a) e 100.º do CPPT”
Por outro lado, defende também a Requerente que “deve ser declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, juros moratórios e tudo quanto delas depende.”
Assim, argumenta que “a AT procede à correção do que configurou como IVA não liquidado decorrente da cessão de exploração do ... Hotel...”, mas que “em 04/07/2020, as partes, por intermédio de uma adenda ao contrato, materializaram a redução da contrapartida mensal da cessão de exploração do mencionado Hotel, para € 16.260,16, a que acresce o IVA, com efeitos retroativos à data do início do contrato.
Deste modo, a contrapartida da cessão de exploração é, efetivamente3, de € 16.260,16 + IVA. Não obstante, o certo é que as correções efetuadas e que deram origem às liquidações impugnadas, quantificam o valor tributável em € 18.000,00” a que acrescia o IVA.
Entende assim que “o valor a considerar não deve ser outro que não o que efetivamente a cessionária no contrato de cessão de exploração tem obrigação de suportar perante si, isto é, € 16.260,16, com o que se apuram € 3.739,84 de IVA.”
Defendendo que “o IVA do período não pode ascender a mais de € 26.178,88. Uma vez que, como resulta do Relatório de Inspeção, foram liquidados e entregues € 22.949,52, o diferencial é de € 3.229,38, não de € 6.030,48.”
Conclui que, em consequência, “deve o ato de liquidação deve ser anulado nesta conformidade”.
Em sede de conclusão, argumenta a Requerente que “inexistem motivos para todas as correções que a AT decidiu implementar, razão pela qual se impõe declarar a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e IVA a que nos referimos.”
Defende que, em sede de IRC, “estamos perante claro vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação de IRC e juros compensatórios, determinantes da sua anulação (pelo menos, parcial).”
E que “em sede de IVA, porque se considerou como não liquidado IVA em montante manifestamente excessivo, em face do valor que a AT sabe que é o devido como contrapartida pelo serviço de cessão de exploração do Hotel, Cremos que também as liquidações, demonstrações de contas e, por inerência, juros compensatórios, padecem de ilegalidade, que se impõe que seja declarada com as devidas e legais consequências.
Em conformidade, deve também declarar-se que a contribuinte não praticou todas as infrações que lhe vêm imputadas.”
Peticiona, ainda, que seja determinado “o reembolso à Requerente de todos os valores que esta venha a pagar na decorrência das liquidações aqui em crise, acrescidos de juros à taxa legal, contabilizados desde o momento em que se verifiquem os pagamentos.”
II.2. Da Requerida
Sintetizam-se, desta feita, os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida, nos termos que se seguem.
Segundo a AT, “os serviços da Requerida profusa e minuciosamente fundamentaram as correcções efectuadas em sede de procedimento inspectivo.”
Como (…) se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul 26-06- 2014, proferido no processo 07148/13: “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (..) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas".
Ademais, a Requerida menciona ainda que “A produção de efeitos das correções efetuadas neste procedimento inspetivo consubstanciou-se no ato de liquidação adicional de IRC n.º 2024 ... de 2024-03-20 e respetivas liquidações de juros compensatórios n.sº 2024 ... (referente a PEC), 2024 ... e juros de mora n.º 2024 ... e correspondente Demonstração de acerto de contas n.º 2024 ..., no valor total a pagar de €137.666,57, que por não ter sido pago no prazo que lhe foi concedido, foi instaurado o PEF n.º ...2024..., que se encontra na fase de “Garantia em Apreciação” e onde já foi regularizado parte desse valor (o montante €6.796,59).”
A Requerida alega factos “relevantes em geral”, referindo que “A Requerente é uma sociedade que tem como objeto social: a Animação turística, terrestre e marítima; Transporte de passageiros até 9 lugares, incluindo o condutor; Exploração de atividades lúdicas, culturais, desportivas e de lazer; Organização e promoção de eventos; Hotelaria, nomeadamente hotéis, alojamento local, aparthotel e hostel; Restauração, nomeadamente restaurantes, snack-bar e cafetaria; Construção e exploração de parques temáticos; Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; Publicidade e marketing e Investimentos turísticos, tendo iniciado a sua atividade no ano de 2016.
A Requerente utiliza, na preparação e apresentação das suas demonstrações financeiras, como referencial contabilístico as normas que integram o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) (…) a Requerente objeto de uma ação inspetiva externa [ordem de serviço n.º OI2022...], a qual incidiu sobre o período de 2019.
Os Serviços de SIT, apuraram que em 2016, “[c]om vista ao exercício da atividade de “Hotéis com restaurante” a A..., na qualidade de arrendatária, celebrou em 30 de setembro de 2016, com a H..., SA (H...), NIF..., um Contrato de Arrendamento para Fim Não Habitacional pelo prazo de 15 anos”, ficando a Requerente de “diligenciar junto dos organismos competentes na obtenção de licenças e outras autorizações necessárias para a correta utilização do imóvel”.
Neste contrato ficou prevista “a cláusula décima fixa o valor de €1.000.000,00 (um milhão de euros) como preço de venda nas seguintes condições: se “a escritura se realizar até Dezembro de 2021, o Senhorio compromete-se a descontar 50% do valor das rendas pagas ao valor da venda”.
Sendo que a venda se veio a concretizar em fevereiro de 2020, com a celebração de escritura pública, por €1.000.000,00. Os imóveis objeto deste contrato (localizados em Gaia) dariam azo à implementação do ... Hotel..., cujas obras foram concluídas e obtida a necessária licença de autorização de utilização, em 2019. Já em 2019.06.01, celebrou um contrato de cessão de exploração daquele hotel, com a entidade G..., SA, NIF..., cessionária, ficando estipulada uma renda mensal de €18.000,00.
Os SIT evidenciam que a entidade G... SA encontrava-se em situação de relações especiais com a A... (ora Requerente), tendo o mesmo administrador, C... . Também em 2017, a Requerente adquiriu, por €275 000,00, dois imóveis contíguos localizados nas ..., na freguesia da ..., no Porto - (artigos matriciais... ,...) - com o objetivo de aí instalar um Hotel. Posteriormente, em 2018, esses dois imóveis foram objeto de um contrato promessa compra e venda (cpcv) com eficácia real celebrado com a entidade D... LDA (atualmente com a designação E..., LDA), NIF..., onde a Requerente prometeu alienar os imóveis pelo preço de €4.000.000,00. Já em 2019-02-05, foi alterado o referido CPCV, tendo em vista que a Requerente desistisse de imediato do projeto de arquitetura que tinha, entretanto, apresentado na Câmara Municipal do Porto e permitisse que a promitente compradora apresentasse um novo projeto. Porém, até à data da Inspeção tributária, tal venda ainda não se tinha consumado, não obstante estarem cumpridas todas as condições impostas no contrato promessa e respetiva alteração.
Por se sentir lesada, a Requerente apresentou, em 2022-09-23 uma ação de processo comum no Tribunal Judicial da Comarca do Porto requerendo que o negócio se efetive ou que se determine a perda do sinal de €400.000,00, por parte do promitente comprador”.
Quanto às correções efetuadas e contestadas, a Requerida alega o seguinte:
A. Variação patrimonial positiva não refletida na contabilidade fiscalmente relevante para
efeitos de determinação da matéria coletável em sede de IRC em valor de €509.000,00 - correção nos termos do art.º 21.º do CIRC
“Em resultado de outros procedimentos inspetivos anteriores, os SIT apuraram que sociedade não residente (sediada na República da Irlanda), a B... LTD (adiante apenas B...), financiou a Requerente durante os anos de 2017 e 2018, através de transferências bancárias, com o propósito de financiamento da aquisição dos dois imóveis sitos nas ... [ao contrário do que espelhava a contabilidade, que reconheceu parte desse financiamento como suprimentos (artificialmente reconhecidos) na conta 258111 - “C...”, acionista e administrador único, e que, serviram para, mais uma vez, de forma criativa, constituir prestações suplementares no montante de €200.000,00 – cfr. apurado nos procedimentos inspetivos anteriores ].
Estes erros contabilísticos ocorridos em 2017, foram retificados no exercício de 2018, quando a Requerente reconheceu o valor de €232.000,00 como parte do financiamento da B... e reverteu o registo contabilístico referente à constituição de prestações suplementares em 2017.
Destarte, apuraram os SIT que a B...:
a) foi constituída em 2016-07-04, cerca de um mês antes da data de constituição da
A...;
b) foi constituída para exercício da atividade “Agentes do Comércio por Grosso de máquinas, equipamento industrial, embarcações e aeronaves” (cfr. Sistema de Troca de Informações do IVA (VIES));
c) B... foi dissolvida em 2019-03-06 (informação confirmada pela Administração Fiscal Irlandesa)
A documentar este financiamento, existe uma declaração intitulada “Investment in ... properties” assinada pelos representantes das entidades envolvidas em 2017-12-11, e adenda à mesma declaração, celebrada em 2018-01-04. E ainda sobre a sociedade B..., os SIT apuraram, através de um pedido de cooperação administrativa dirigido à Administração Fiscal (AF) da República da Irlanda, que:
I. A direção da B... encontrava-se, desde 2016, a cargo de J... (adiante apenas J...), atrás melhor identificado, acionista minoritário da A... e pai do administrador único desta última – que permite concluir pela existência de relações especiais com a Requerente;
II. De acordo com os arquivos da “...”, a B... registou-se para efeito de imposto sobre as sociedades em 2016-09-01 e cancelou para os mesmos efeitos, com efeito a partir de 1 de março de 2019.
A pedido da Administração Fiscal Portuguesa, a AF Irlandesa contactou o último agente identificado da B..., a I..., que fez chegar a confirmação de que:
i. não atuavam como agente da B... desde meados de 2019, por considerar insatisfatória a natureza da sua relação de trabalho com aquela, tendo levado a cabo um trabalho muito limitado por conta da mesma;
ii. Não tiveram contacto com mais nenhum indivíduo relacionado com a B... que não C...;
iii. A B... foi involuntariamente excluída do registo de empresas pelo CRO por não apresentar declarações obrigatórias por lei;
iv. As transferências bancárias a favor da A... realizadas em 2016, 2017, 2018 foram descritas pelo responsável da B... como investimentos naquela;
v. Não têm qualquer informação a respeito de perdões de dívida ou de pagamentos efetuados pela A... para quitação/devolução dos valores transferidos pela B... .
Notificada a Requerente para vir prestar esclarecimentos quanto à dívida que se mantinha para com a B... (€509.000,00), esta veio dizer que desconhecia que aquela sociedade estivesse dissolvida e que a dívida não se encontrava vencida pois só se venceria na data da escritura do imóvel alvo do investimento.
Concluiram, e bem, os SIT que “se considera não demonstrada a existência de qualquer obrigação futura da A... para com a entidade relacionada de direito Irlandês, a B..., na medida em que a mesma se encontra dissolvida desde março de 2019, nem perante qualquer terceiro a quem esta tivesse cedido o crédito”. E mais, o “saldo evidenciado na conta 278121101 - “Outros credores -B...” corresponde a entradas efetivas de ativos monetários, relativamente aos quais não se encontra demonstrada qualquer obrigação de devolução por parte da A.-.., desde 2019, estamos perante uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado que, por não configurar entre as exceções a que se refere o artigo 21.º do CIRC, concorre para a formação do lucro tributável, propondo-se, consequentemente, o acréscimo ao lucro tributável declarado no período de 2019, no montante de €509.000,00”.
Alega a AT que “Importa ter presente que a variação patrimonial positiva aqui em causa aconteceu quando a Requerente fica, sem mais, desobrigada de pagar uma divida por si constituída, por ser nesse momento que se dá uma variação no seu património (através da redução de um passivo). No caso em apreço, a Requerente, em 2019, tinha uma obrigação de pagar uma dívida (€509.000,00) a uma sociedade não residente, a B..., mas nesse mesmo ano, essa mesma sociedade foi dissolvida, deixando de existir o credor e a não lhe ter sido exigido aquele pagamento, deve ser entendido que o montante em causa reverteu para o seu património naquele ano de 2019 (ainda que não reconhecido contabilisticamente nos resultados), independentemente de quando tenha sido obtida informação que permitisse à Requerente reconhecer aquela variação patrimonial.
Ora, a dar-se tal variação patrimonial positiva no ano de 2019 e a não estar refletida no resultado líquido daquele período de tributação, será nesse mesmo ano que deve ser refletido no resultado tributável de 2019, conforme exige o disposto no art.º 21.º do CIRC. Daqui decorre, que não houve qualquer violação do princípio da proporcionalidade e da periodização do lucro tributável conforme defende a Requerente.
Mais acresce referir, que a utilização de factos apurados em procedimentos inspetivos anteriores (aos períodos de tributação de 2017 e 2018) não fere de todo o princípio da proporcionalidade, mas sim, segue de perto o que o mesmo pressupõe, ou seja, a AT aproveitou a informação que detinha (e que também já era do conhecimento da Requerente) para compreender os registos contabilísticos da Requerente em procedimentos inspetivos seguintes (para o ano de 2019), sem, contudo, impor um novo procedimento inspetivo àqueles períodos de 2017 e 2018.
Importa aqui evidenciar o facto apurado pelos SIT: a direção da B..., desde 2016, esteve a cargo de J..., melhor identificado no RIT,
-
acionista minoritário da Requerente e
-
pai do administrador único desta última
Ora, daqui decorre que dificilmente se pode entender que a Requerente desconhecesse que a B... se encontrava dissolvida desde março de 2019.
Importa aqui salientar, se por hipótese à data de fecho de contas de 2019, a Requerente desconhecesse que a B... tinha sido dissolvida, o que não se concede, a verdade, é que aquando do procedimento inspetivo ao período de tributação de 2018 (cujo término foi a 2021.04.28), a Requerente foi confrontada com essa informação, e daí: a) não existem evidências que decorreram quaisquer diligências, por parte da Requerente, para apurar (no seu interesse) qual a situação de facto; b) não foi corrigido o apuramento do lucro tributável de 2019 já declarado, em resultado daquela variação patrimonial, podendo tê-lo feito.
Mais, ainda que por hipótese (entende-se como hipótese, porque quem o refere é o agente identificado da B..., a I... e não a administração fiscal irlandesa que comunicou que a B... registou-se para efeitos de imposto sobre as sociedades em 2016-09-01 e cancelou para os mesmos efeitos, com efeito a partir de 1 de março de 2019), estando em causa uma figura de dissolução da sociedade irlandesa B..., por via administrativa, em resultado do desrespeito pelas respetivas obrigações declarativas, considerando as relações especiais existentes entre esta sociedade irlandesa e a Requerente, não existem motivos para aquela dissolução “por via administrativa” se manter, todavia, em bom rigor, não existem evidências que tenha havido diligências no sentido de ser regularizada tal situação junto da administração fiscal irlandesa.
Em suma, a eventual falta de entrega de declarações obrigatórias, bem como, a ausência de quaisquer diligências para reverter a dissolução por parte dos representantes daquela sociedade irlandesa (atos que poderiam traduzir-se em atos voluntários dos respetivos representantes), a falta de comunicação/preocupação partilhada entre as sociedades quanto à morosidade da concretização do negócio de transmissão dos imóveis financiados pela sociedade irlandesa, são reveladores de total inatividade daquela entidade naquele estado-membro, e, que de facto aquela sociedade se encontra dissolvida tal como informou a af irlandesa.
No que concerne à distinção apresentada pela Requerente entre dissolução e liquidação e quais os seus efeitos na incobrabilidade da dívida (cfr. §§81.º a 94.º do ppa), apoiada na legislação nacional, por aplicação do disposto no Código das sociedades Comerciais (CSC), cabe aqui salientar que a sociedade B... tem sede na Irlanda, regendo-se pelas disposições legais daquele país e não aquelas que vigoram para as sociedades nacionais.
B. Da omissão de rendimentos na determinação do lucro tributável em montante €26.209,52 – correção nos termos do art.º 17.º, 18.º e 20.º do CIRC
A AT alega que “Do contrato de cessão de exploração do ... Hotel ..., com a entidade G..., SA, (…), ficou estipulada uma renda mensal de €18.000,00 e a começar a partir de 2019.06.01, o que determinaria um rendimento para a Requerente, para 2019, no montante de €126.000,00 (7 meses x €18.000,00).
Ora, os SIT verificaram que a Requerente apurou um total de rendimentos reconhecido e declarado em 2019, derivados deste contrato, em num montante €99.790,48, verificando-se assim uma diferença considerável para com aquilo que era suposto reconhecer contabilisticamente e declarar para efeitos de tributação em sede de IRC. Neste desiderato, para efeitos de esclarecimento, os SIT notificaram a Requerente.
Em resposta, a Requerente veio dizer que tal contrato foi revisto para €16.260,16, através de
adenda de 07/04/2020, com efeitos ao início da cessão à exploração (01/06/2019) e explica
que o valor a faturar deveria ter-se fixado em €113.821,12, mas apenas foi faturado o valor de €99.790,48, tendo o valor em falta (€14.040,64) sido faturado somente em 2020, embora não tenha demonstrado esta faturação tardia.
Os SIT evidenciaram que, “em 2019-12-31, tal adenda não estava em vigor, nem sequer existia, e nessa medida, respeitando o princípio da periodização do lucro tributável, nos termos prescritos no artigo 18.º do CIRC, a A... deveria ter reconhecido como rendimento imputável ao período de 2019, ainda que não se encontrassem faturados, rendimentos resultantes do contrato celebrado em montante equivalente a 7 meses de renda, isto é, €126 000,00”.
Assim, concluíram “nos termos dos artigos 17.º e seguintes do CIRC, nomeadamente os artigos 18.º e 20.º do referido normativo, o acréscimo para efeitos de determinação do lucro tributável de 2019, dos rendimentos obtidos no âmbito da cessão de exploração do hotel imputáveis ao período em questão, no montante de €26.209,52 [= €126.000,00 - €99.790,48]”.
A AT considera que “a determinação do lucro tributável para efeitos de IRC segue o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade – artigo 17.º do CIRC –, segundo o qual, como regra, a primeira segue a segunda, ressalvados alguns ajustamentos ao resultado líquido apurado pela contabilidade consagrados no CIRC.
Nesse sentido, o Acórdão do STA no processo n.º 0610/15.1BELRA, de 2021.10.27, que refere, “[o] princípio constitucional da tributação do rendimento empresarial pelo lucro real, que está na base do princípio da dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, determina ou conduz a soluções diferentes conforme se trate de externalizar de forma padronizada (tendo em vista a comparabilidade) a situação financeira de uma entidade económica (a empresa) – sendo essa a finalidade a que se destinam as normas de contabilidade e relato; ou antes de apurar o rendimento líquido do exercício, ou seja, aquilo que expressa a efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo”.
Naqueles termos, refere o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC, que o apuramento do lucro tributável “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado”, porém, para o efeito, a contabilidade deve “estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste código” (alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC).
Também nesse sentido, temos o preâmbulo do Código do IRC, republicado pela Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, que refere: “As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correções – positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade”
Dispõe a Norma Contabilística para Microentidades (NC-ME), no seu §12.2 que “o rédito deve ser mensurado pela quantia da contraprestação acordada a qual, em geral, é determinada por acordo entre a entidade e o comprador ou utente do ativo, tomando em consideração a quantia de quaisquer descontos comerciais e de quantidade concedidos pela entidade”
Diante a fundamentação apresentada no RIT e não havendo elementos que contrariam os factos apresentados, no ano de 2019, a Requerente não tinha como não reconhecer como rendimento e exigir a renda mensal de €18.000,00 pela cessão de exploração do hotel, já que àquela data, era o valor acordado no contrato de cessão de exploração que vigorava.
Ainda que, em 2020, tivesse sido elaborada uma adenda àquele contrato (em 2020.04.07), que determinaria uma redução no valor da prestação mensal e que surtiria efeitos retroativos a 2019, esse facto deveria ser reconhecido contabilisticamente naquele período de tributação de 2020, ainda que respeitando a redução de rendimentos referentes a 2019, não justificando a contabilização daquele rendimento ajustado (pelo valor da adenda que ainda não existia), em 2019.
Por outro lado, a justificação oferecida pela Requerente (de que o preço praticado em 2019
foi ajustado pela adenda assinada em 2020 – fixando para 2019 o valor €113.821,12) não
permitiu validar o valor de rendimentos reconhecido em 2019 que ascenderam a €99.790,48.
Saliente-se que a Requerente não demonstrou que a diferença entre o suposto preço ajustado para o ano de 2019 (€113.821,12) e o valor reconhecido como rendimento naquele ano (€99.790,48) foi reconhecido contabilisticamente, ainda que indevidamente, no ano de 2020.
Ora, o desrespeito pelas regras contabilísticas e pelo princípio da periodização económica por parte da Requerente, relativamente ao reconhecimento destes rendimentos, pode dar azo,
que a Requerente não tenha considerado, em 2019, parte do rendimento referente à cessão à exploração relativa ao ano de 2019 (quando supostamente desconsiderou os valores inicialmente acordados ajustando-os aos valores acordados por adenda em 2019) e, posteriormente, em 2020, aquando da assinatura da adenda, volte a proceder ao ajustamento do preço inicialmente acordado em consequência dos efeitos retroativos ao ano anterior, deduzindo novamente os valores neste último período de tributação.
Recorde-se que Requerente não veio demonstrar quais os efeitos contabilísticos, em 2020, consequentes dos ajustamentos efetuados nesse ano relativamente aos efeitos retroativos de 2019, ainda que reconheça, que deixou de reconhecer em rendimentos de 2019, o valor de €14.030,64 (§127.º do PPA).
Saliente-se ainda que o normativo contabilístico dispõe de vários princípios que conduzem ao correto reconhecimento contabilístico das operações e, nesse conspecto, importa realçar a importância redobrada que o legislador deu ao princípio de especialização dos exercícios (regime do acréscimo ou da periodização económica), quando, sabendo-o ser um dos princípios basilares da contabilidade, ainda assim, fez questão de o incorporar nas regras do IRC, através do art.º 18.º do Código do IRC.
Ora, ficou aqui demonstrado, que a Requerente
1. não só violou as regras do normativo contabilístico, que por força do disposto no art.º 17.º do CIRC,
2. incorreu em erro no apuramento do lucro tributável, por violação do art.º 20.º do CIRC,
3. como violou o princípio da periodização económica e com isso o disposto no art.º 18.º do CIRC, quando não reconheceu no período respetivo a correspondente realidade factual.
C. Dos gastos indevidamente considerados para efeitos de determinação do lucro tributável (correção de €40.903,45 ora parcialmente contestada no valor de €15.585,80) – correção nos termos do art.º 17.º do CIRC
Refere a AT, nesta sede, que “Foi apurado pelos SIT um valor de €40.903,45, reconhecido em diversas rubricas de gastos, referente as aquisições de bens e serviços, designadamente, no que respeita ao sistema de aquecimento, exaustão e ventilação, à decoração de interiores, com a aquisição de candeeiros, tapetes, alcatifas, cortinas, colchões, espelhos e TV Led, e, apetrechamento da cozinha, que dizem respeito à conclusão dos trabalhos no ... Hotel ... .
Entenderam os SIT, que estas despesas não deveriam ser gastos do período, mas sim elegíveis para a formação de ativos tangíveis, invocando os §§3.3, 7.1 e 7.7 da NC-ME, porquanto respeitam a equipamento em imóvel arrendado de que a empresa viria a ser proprietária em fevereiro de 2020. Fundamentando, conclusiva e corretamente, que contabilidade das empresas deve estar de acordo com a normalização contabilística em vigor, conforme define o n.º 1 e n.º 3 do art.º 17.º do Código do IRC, devendo-se entender como os ativos fixos tangíveis.
Mais, tratando-se de ativos fixos tangíveis, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 29.º do Código do IRC e do arts.º 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro de 2009, são aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento.
Assim concluíram os SIT, que “a empresa contabilizou indevidamente como gasto diversas despesas que deveriam ser reconhecidas como ativo, e como tal apenas poderiam ser depreciadas durante o seu período de vida útil, a partir da sua entrada em funcionamento, e não consideradas como gasto na sua totalidade no momento da aquisição, atento o enquadramento legal em vigor”, e face a tudo o quanto vem ante exposto, procederam, nos termos do artigo 17.º do Código do IRC, uma correção ao lucro tributável declarado no montante de €40.903,45.
Contudo, “A Requerente não vem contestar a correção na sua totalidade, mas somente o valor de €15.585,80, referente aos itens:
a) 14 Led TV 32" e 14 espelhos + montagem (€6.760,00);
b) Utensílios de cozinha diversos (€5.133,80); e,
c) 40 Colchões ortopédicos (€3.692,00).
Note-se que, facto que não é de somenos, a Requerente não questiona se tais bens devem ou não serem considerados como ativos fixos tangíveis, aliás, ao utilizar o Decreto regulamentar n.º 25/2009, na sua defesa é porque entende que tais bens são ativos da sociedade.
Mais, a Requerente ao referir que deve ser aceite o valor (de aquisição) do ativo como um gasto do período na sua totalidade (recorde-se que utilizou contas de gastos com a natureza de Fornecimentos e Serviços Externos - conta #62 – pág.28 do RIT), pretende justificar pelo disposto no n.º1 do art.º 19.º do DR n.º 42/2009, a sua dedutibilidade fiscal.
Ora, a Requerente não só parece fazer por obnubilar, como parece querer afastar-se das regras contabilísticas (mais precisamente o disposto na NC-ME) e do modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade resultante do disposto no art.º 17.º do CIRC, conforme resulta da lei e que a Requerente está obrigada (…)
Quanto ao normativo contabilístico, a NC-ME, no seu §3.3, refere, “um ativo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade”.
Ora, diante dos bens adquiridos (objeto de correção) é bem patente estarmos diante de ativos que revestem a natureza de Ativos Fixos Tangíveis (AFT) por tratarem-se de itens que são detidos para “uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos e se espera que seja usado durante mais do que um período” (§7.1 da NC-ME).
Aqui chegados, não restam dúvidas que estamos perante AFT cujo reconhecimento contabilístico deve constar do Balanço – o que, claramente, não aconteceu no caso em apreço – a Requerente reconheceu tais ativos em resultados, através de gastos do período.
Sublinhe-se e recalque-se que a referida NC-ME (§7.4) também prevê o reconhecimento contabilístico de um conjunto de itens por uma só quantidade e quantia fixa, quando reúnam cumulativamente as três condições ali identificadas, entre elas, quando “representem, bem a bem, uma quantia imaterial para a entidade”.
Daqui resulta, que no normativo contabilístico, está previsto o reconhecimento contabilístico
de todos os bens a reconhecer como AFT, onde se incluem os bens aqui em questão.
Por outro lado, os bens aqui em questão tinham de estar contabilizados como AFT, para que
os gastos correspondentes às respetivas depreciações fossem aceites fiscalmente, independentemente do valor de aquisição do referido bem (se de elevado ou reduzido valor), sob pena de omissão de ativos da empresa e de o balanço da empresa não revelar com fiabilidade a situação financeira da empresa num determinado período de tempo (quais os seus ativos, passivos e consequentemente o capital próprio da empresa em determinado período).
Acresce ainda notar que NC-ME, no seu §7.12 determina que “A depreciação de um ativo começa quando este esteja disponível para uso, i.e. quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar na forma pretendida. A depreciação de um ativo cessa na data em que o ativo for desreconhecidos.”
No mesmo sentido, vide o disposto no n.º 1 do art.º 1.º do DR n.º 25/2009, quando refere, “podem ser objeto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando -se como tais os ativos fixos tangíveis” Também nesse sentido, o disposto a alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do CIRC.
E é nesta parte, que os SIT corrigiram os gastos correspondentes a 100% do valor de aquisição daqueles bens, porquanto não podem ser entendidos como gastos com depreciação de bens que não constam como AFT no Balanço da Requerente, violando o disposto no art.º 17.º do CIRC.
Quanto à consideração como gasto referente à depreciação do valor total do ativo (e não do valor de aquisição do ativo como fez a Requerente), de facto, prevê o n.º 1 do art.º 19.º do DR n.º º 25/2009, essa possibilidade, quando os custos unitários de aquisição daqueles ativos não ultrapassem €1.000,00.
Todavia, a sua aceitabilidade fiscal, depende numa primeira instância, de tais bens serem reconhecidos como AFT (em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 1.º do DR n.º 25/2009 e alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do CIRC), o que não se verificou no caso em apreço, conforme já referido anteriormente.
E só em segunda instância, caberia avaliar se tais bens não seriam abrangidos pela exceção prevista na parte final do n.º 1 do art.º 19.º do DR n.º 25/2009 (“excepto quando façam parte integrante de um conjunto de elementos que deva ser depreciado ou amortizado como um todo” pois relembramos que, in casu, estamos perante a aquisição de 14 Led TV 32" e 14 espelhos + montagem pelo montante total de €6760,00, utensílios de cozinha diversos no total de €5.133,80 e 40 Colchões ortopédicos no montante de €3.692,00), mas se, e só se, respeitado o requisito exigido no n.º 3 do mesmo artigo [“Os activos depreciados ou amortizados nos termos do n.º 1 devem constar dos mapas das depreciações e amortizações pelo seu valor global, numa linha própria para os elementos adquiridos ou produzidos em cada período de tributação, com a designação «Elementos de custo unitário inferior a € 1000» (…)] que logo à partida é sabido que não se encontra preenchido pela Requerente, atendendo ao reconhecimento contabilísticos do valor dos bens como gastos do período.
D. Correção a nível do imposto – Tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 1
do CIRC – em valor total de €21.188,04 [€8.665,35 (conta de caixa) e €12.522,69
(conta de depósitos à ordem)]
A Requerida alega que “Os SIT verificaram que a conta de caixa (#1111- Caixa A), à data do fecho, em 2019.12.31, tinha um saldo de montante €17.330,70, que resultava, em grande medida, de três (3) levantamentos bancários, ocorridos nos meses de março, maio e junho de 2019, de montante total €21.150,00.
Por se tratar de um valor elevado para saldo de caixa, os SIT a Requerente, para vir demonstrar em que despesas foi utilizado o referido valor e trazer os extratos de conta e referente a anos seguintes, já que da contabilidade, naquele ano de 2019, os SIT não conseguiram apurar a correspondência a qualquer aquisição de bens ou serviços.
É referido no RIT que “[e]m resposta, o contribuinte limitou-se a apresentar o extrato da conta 1111 “Caixa A” referente à movimentação contabilística no período de 2019 – ao qual, evidentemente, a Inspeção Tributária já tinha tido acesso – sem quaisquer esclarecimentos adicionais que pudessem dissipar as dúvidas que a situação descrita levanta relativamente à veracidade ou efetividade do saldo de caixa”.
Cabe aqui salientar, que a Requerente, não obstante não ter reconhecido contabilisticamente as despesas (nem na conta de caixa (#1111- Caixa A) nem na conta de bancos (#122 - deposito à ordem -Millennium)) e (eventuais) gastos correspondentes no ano de 2019 (ainda que passíveis de não serem aceites fiscalmente), também não veio apresentar em momento algum, a respetiva documentação. Daqui decorre, que se, mantem o facto constado pelos SIT: as despesas não se encontram documentadas na contabilidade da Requerente.
Como bem refere o Acórdão do CAAD de 2021.05.18, no processo n.º 412/2020-T, “[a]s despesas não documentadas referidas no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, reconduzem-se a quaisquer saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário”. Também no mesmo sentido, vai a Decisão Arbitral no Proc. n.º 486/2019-T.
Os SIT consultaram a IES/DA para 2020 e verificaram que o saldo de caixa apresentado no Balanço, à data de 2020.01.01, era nulo (valor zero) e não o valor de €17.330,70 (apresentado no fecho de 2019, em 2019.12.31).
Em resultado da falta de colaboração tendo em vista clarificar o destino de tais montantes e a incoerência encontrada entre o saldo de caixa à data do fecho de 2019 e de abertura de 2020, concluíram os SIT que é “evidente que o saldo de caixa em 2019-12-31 era nulo e que, consequentemente, o saldo de €17.330,70 evidenciado corresponde a despesas em que a A... incorreu que não se encontram documentadas nem tão pouco evidenciadas na sua contabilidade”, tendo para o efeito enquadrado, corretamente, essas despesas não documentadas sujeitando-as a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, à taxa de 50%, apurando a correção a nível de importo de montante €8.665,35 (€17.330,70 * 50%).
Refere, ainda, que “tal redução de valor em caixa, sem qualquer justificação em contrário, só pode ser entendida como havendo saídas de caixa, de valor €17.330,70 (valor que deixou de constar no saldo em 2020.01.01), que ao não estarem documentadas, não permite aferir quais os seus beneficiários e qual tipo de natureza que se revestem, enquadrando no disposto no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, devendo ser tributadas autonomamente. Como bem é referido no sumário da Decisão n.º 348/2021-T do CAAD, em 2022.04.05: “As despesas não documentadas a que se refere o artigo 88º, nº 1 do CIRC, reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem documento de suporte que permita apurar o seu destino, o seu beneficiário, natureza, origem ou finalidade”.
Não pode a Requerente considerar que apenas enquadram no conceito de despesas não documentadas sujeitas a tributação autónoma, aquelas que resultam da diferença de saldos de caixa apurado na contabilidade e físico (cfr, §150.º do ppa), porquanto tal determinação não resulta do disposto no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.
Ficou, portanto, demonstrada pelos SIT, a saída de meios financeiros da conta de caixa, pela
redução de saldo a transitar de 2019 para 2020 – facto que não é contrariado no presente ppa – é que a prova resulta da contabilidade e declaração efetuada pela Requerente.
Como bem refere o Acórdão do CAAD, de 2021.05.18, no processo n.º 412/2020-T, “[n]ão pode recair sobre a AT o ónus de prova (probatio diabolica) das saídas de meios monetários e das concretas despesas realizadas, justamente aquilo que só a própria Requerente se encontraria em condições de provar, através, nomeadamente, da apresentação de mapas e documentos internos como as folhas de Caixa, por cuja elaboração é responsável o órgão de gestão, ou de documentos externos (faturas e recibos)”
Mais acresce referir, que no caso em apreço não estamos diante de ausência de prova de factos invocados pelos SIT, para que a Requerente venha agora invocar que a AT tem de apresentar “provas concretas” daquelas saídas de meios monetários (§147.º do ppa), porquanto os factos apurados em sede de procedimento inspetivo são os mesmos que resultam da contabilidade
O ónus da prova previsto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT apenas recai sobre AT, se esta invocar
factos que não decorram da contabilidade e declaração apresentada pelo contribuinte. O que
não acontece no caso em apreço, como já demonstrado.
Só invocando outros factos (não declarados pelo sujeito passivo) é que recaí sobre a AT o ónus de provar a sua existência e quantificação, na medida que contrariam a fé da declaração do contribuinte – neste sentido, escreve LIMA GUERREIRO in LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, pág.327 e seguintes
Em suma, o facto que deu azo à presente tributação autónoma – é que foram efetuadas saídas da conta de caixa (despesas) cujo beneficiário em algumas saídas monetárias, poderá ser (eventualmente) identificado, mas para as quais a Requerente não apresenta a respetiva documentação e nem evidencias do seu reconhecimento contabilístico. Ficando assim, por se concluir a que título ocorreram os pagamentos daquelas despesas, em 2019. Adiante, importa ficar claro, que também o não reconhecimento contabilístico dos correspondentes gastos não obsta à tributação autónoma daquelas despesas.
Não pode ficar ao livre arbítrio do sujeito passivo a pretensão de reconhecer ou não aquela operação, desrespeitando as normas contabilísticas e fiscais, no apuramento do seu resultado contabilístico e consequente resultado tributável (…) Saliente-se o disposto na alínea a) do nº 2 do artº 123º do CIRC que refere: “Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário”.
Também foi feita uma análise, por parte dos SIT, à conta depósitos à ordem (#122 - deposito à ordem -Millennium), onde foi detetada, logo à partida uma diferença de saldos (€26.866,51), em 2019.12.31, entre a contabilidade (€41.097,76) e o que consta no extrato bancário (€14.231,25).
Tendo sido solicitada à ora Requerente que apresentasse uma conciliação bancária para justificar a diferença apurada entre aqueles dois saldos (em 2019.12.31), a Requerente apresentou como justificação diversos pagamentos efetuados ao longo do ano de 2019 (€34.163,40) que não haviam sido contabilizados naquele ano (cfr. anexo 1 ao RIT), dos quais os SIT, perante a falta de colaboração demonstrada pela ora Requerente, apenas conseguiram identificar os beneficiários e a natureza daquelas despesas, relativamente ao valor de € 9.118,02. De notar que “ainda que venha a Requerente, apresentar as supostas “justificações” para quem foram transferidas aquelas verbas (a partir dos nomes de empresas, que facilmente poderíamos associar a diversos consumos e prestações de serviços, a saber, eletricidade, comunicações, combustível, etc), a verdade é que essas despesas e eventuais gastos correspondentes não estão reconhecidos na contabilidade, porquanto esses documentos não estarão, certamente, na posse da Requerente – recorde-se que nem em sede procedimento inspetivo nem na presente sede, cuidou a Requerente vir trazer aos autos tal documentação.
A Requerida faz notar, ainda, que “a Requerente, que não entende porque os SIT admitiram a dedução de uma despesa paga à EDP, em outubro de 2019, de valor € 3 118,02 (cfr. pág.35 do RIT e §158.º do ppa) e não aceitam aqueles SIT o valor de €9.840,21 referentes à mesma entidade (§§159.º a 162.º do ppa). (…) Dito isto, para a despesa relacionada com o pagamento à EDP de valor €3.118,02, foi conseguido o respetivo documento, que permitiu apurar a natureza e finalidade do correspondente gasto – eletricidade referente a imóvel que estava associado à atividade da Requerente – e ficou constatado, ainda que tardiamente, o seu reconhecimento contabilístico.
Ora, as despesas que a Requerente vem indicar como sendo referentes a gastos, nomeadamente, supostas despesas pagas à EDP, à Águas Gaia e pagamentos de restantes serviços e consumos (cfr. §§159.º a 179.º do PPA), não só não estão documentadas como não estão reconhecidas contabilisticamente.
Saliente-se aqui o facto de a Requerente não ter junto ao presente ppa, documentação de gastos que correspondam a tais despesas não documentadas incorridas em 2019 e vir afirmar que esses gastos não se encontram contabilizados (§§162.º, 165.º, 169.º do ppa).
Pelo que, importa ter presente que “[a]s despesas não documentadas serão tributadas autonomamente, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, “autenticar” a operação contabilizada, provando o seu destinatário e o seu fim”. (§II do sumário do Acórdão do TCA N n.º 00380/07.7BECBR, de 03-03-2022), o que não aconteceu no presente caso.”
Sendo “de todo impossível, perceber quem tirou partido desse serviço que resultou da redução de ativos monetários da Requerente, ou seja, não é possível percecionar o beneficiário e a natureza daquele serviço.”
Deste modo, os SIT concluíram que “Quanto às demais saídas financeiras da conta de depósitos à ordem, não refletidas na contabilidade em 2019, apenas se conhece o descritivo constante dos respetivos extratos bancários, em certos casos indiciador da entidade beneficiária do pagamento, noutros casos, nem isso. Não obstante, é transversal a todas essas saídas o facto de que se desconhece:
· a operação económica subjacente ao pagamento;
· a relação de cada uma dessas operações com a atividade da A... e
· o efetivo beneficiário”.
Em suma, ainda que se possa admitir que o beneficiário das despesas não documentadas esteja apurado (no caso de alguns dos prestadores de serviços), a verdade é que ficou por explicar qual a finalidade daquelas despesas (dos pagamentos efetuados). Pelo que, concluíram os SIT estar-se perante despesas não devidamente documentadas sujeitas, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, a tributação autónoma à taxa de 50%. Procedendo à respetiva correção de valor €12.522,69 [= (€34.163,40 - €9.118,02) x 50%].
Em 2024-02-15, a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição, conforme
dispõe o artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e o artigo 60.º do RCPITA. Tendo optado por não exercê-lo.
E. Correcção do IVA não liquidado decorrente da cessão de exploração.
A Requerida ficou perplexa com a apresentação da “adenda ao contrato celebrado a 11 de dezembro de 2017” datada “de 4 de janeiro de 2018”, mas que “nunca foi apresentado (…) em sede inspetiva”.
Mais nota a AT que “não pode deixar causar perplexidade que surja agora mais de 1 ano e meio após as correções aqui em dissensão e, pasme-se, cerca de 7 anos após a sua alegada celebração.
A circunstância e o momento em que surge este “documento” não pode deixar de ser considerado por este Tribunal na avaliação do seu valor probatório.
Note-se que a Requerente sindica a correção em causa, porquanto alega que “….por via de uma adenda ao contrato em epígrafe, o valor da renda mensal referente à cessão de exploração do Hotel foi, por acordo entre as entidades envolvidas, reduzido para € 16 260,16, mais IVA.”
Porém, como bem notaram os SIT “De referir que, apesar de alegar que o valor em falta (quando considerada a renda de € 16 260,16) foi faturado em 2020, o sujeito passivo não exibiu qualquer elemento que demonstre o invocado.”
Termos em que vai impugnado genericamente o “documento” (…) pelo facto de não se poder retirar dele o efeito pretendido pela Requerente.
Vejamos, a Requerente imputou ao período de 2019, rendimentos resultantes do contrato de cessão de exploração do ... Hotel ... num montante inferior ao que estava obrigado, nomeadamente para efeitos de cumprimento das regras em vigor no CIRC.
Pelo que, sem necessidade de maiores lucubrações “As operações económicas subjacentes aos rendimentos não reconhecidos na contabilidade enquadram-se no artigo 4.º do Código do IVA (CIVA), não beneficiando de qualquer isenção.
Atendendo a que não foram objeto de faturação, também não foi, consequentemente, efetuada a devida liquidação de IVA sobre tais operações.
O artigo 7.º, n.º 1, al. b) do CIVA dispõe que o imposto é devido e torna-se exigível, quando estamos perante prestações de serviços, no momento da sua realização. Todavia, se estivermos perante prestações de serviços de carácter continuado, como é o caso, o n.º 3 do mesmo normativo determina que as mesmas se consideram realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, tornando-se o imposto devido e exigível pelo respetivo montante.
Tendo em consideração que as prestações de serviço em epígrafe têm subjacente a obrigação de emitir fatura nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, então, segundo o n.º 1 do artigo 8.º do CIVA o imposto será exigível no momento da emissão dessa fatura se o prazo estipulado para o efeito for respeitado ou se não for o caso no momento em que esse prazo termina, isto é, 5 dias após o momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º do CIVA (cf. artigo 36.º do CIVA).
Em face do que antecede, conclui-se que o contribuinte estava obrigado a faturar o serviço de cessão de exploração do hotel e liquidar o IVA nos seguintes momentos e pelos montantes indicados:
III.SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
IV.MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A sociedade A... S.A. (Requerente) foi constituída em 2016, sendo o capital social integralmente detido por C... .
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A Requerente é uma sociedade que tem como objeto social: a Animação turística, terrestre e marítima; Transporte de passageiros até 9 lugares, incluindo o condutor; Exploração de atividades lúdicas, culturais, desportivas e de lazer; Organização e promoção de eventos; Hotelaria, nomeadamente hotéis, alojamento local, aparthotel e hostel; Restauração, nomeadamente restaurantes, snack-bar e cafetaria; Construção e exploração de parques temáticos; Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; Publicidade e marketing e Investimentos turísticos, tendo iniciado a sua atividade no ano de 2016 (cfr. pág. 8 e 9 do RIT).
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Em 30/09/2016, e para o exercício da atividade de “Hotéis com restaurante”, a Requerente, na qualidade de arrendatária, celebrou com a H... Soc. Imobiliária, SA (H...), NIF..., um Contrato de Arrendamento para Fim Não Habitacional pelo prazo de 15 anos; (cfr. pág. 11 do RIT).
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Ficou igualmente previsto neste contrato um valor de venda de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) e, caso a escritura se realizasse até Dezembro de 2021, a H... comprometia-se a descontar 50% do valor das rendas pagas ao valor de venda; (cfr. pág. 11 do RIT).
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A venda, de facto, veio-se a concretizar em fevereiro de 2020, com a celebração de escritura pública, com o valor de € 1.000.000,00; (cfr. pág. 12 do RIT).
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Os imóveis objeto deste contrato dariam azo à implementação do “... Hotel...”, cuja licença de autorização de utilização foi emitida em 2019.
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Em 01/06/2019, a A... celebrou um contrato de cessão de exploração daquele hotel, com a entidade G..., S.A. (NIF...), ficando estipulada uma renda mensal de € 18.000,00; (cfr. pág. 12 do RIT).
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A entidade G... S.A. encontrava-se em situação de relações especiais com a A... (Requerente), tendo o mesmo administrador, i.e. C...; (cfr. pág. 12 do RIT).
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Em 04/07/2020, as entidades acima mencionadas, celebraram uma adenda ao contrato, materializando uma redução da contrapartida mensal da cessão de exploração do mencionado Hotel, para € 16.260,16.
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Em 2017, a Requerente adquiriu, por €275.000,00, dois imóveis contíguos localizados nas ..., na freguesia da ..., no Porto - (artigos matriciais ... e ...) - com o objetivo de aí instalar um Hotel; (cfr. pág. 12 do RIT).
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Em 21/11/2018, esses dois imóveis foram objeto de um contrato promessa de compra e venda (CPCV), com eficácia real, celebrado com a entidade D... Lda. (NIF...) - atualmente com a designação E..., Lda. - onde a Requerente prometeu alienar os imóveis pelo preço de € 4.000.000,00; (cfr. doc. n.º 10 junto com o PPA e pág. 12 do RIT).
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Em 05/02/2019, foi alterado o referido CPCV, tendo em vista que a Requerente desistisse de imediato do projeto de arquitetura que tinha, entretanto, apresentado na Câmara Municipal do Porto e permitisse que a promitente compradora apresentasse um novo projeto; (cfr. doc 11 junto com o PPA e art.º 21 da Resposta).
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Até à apresentação do PPA, não existe qualquer projeto de arquitetura que tenha sido elaborado pela Promitente Compradora e aprovado pelo Município do Porto; (cfr. PPA e Resposta e pág. 12 do RIT).
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Em 23/09/2022, a Requerente apresentou uma ação de processo comum no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, requerendo que o negócio se efetive ou que se determinasse a perda do sinal de € 400.000,00, por parte do promitente comprador; (cfr. doc. 13 junto com o PPA)
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Até à data da Inspeção tributária, a venda dos imóveis acima mencionados não tinha ocorrido; (cfr. pág. 12 do RIT).
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Durante os anos de 2017 (€ 60.000,00) e 2018 (€ 449.000,00), a Requerente obteve um financiamento da “B... LTD” (sociedade de direito Irlandês) num total de € 509.000,00; (cfr. pág. 21 do RIT).
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Em 2018, ocorreram entre a Requerente e a B... movimentos financeiros superiores a € 25.000,00 sem que tivesse sido celebrada escritura pública ou existisse documento particular autenticado; (cfr. pág. 21 do RIT).
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Em 2019, nenhuma quantia foi investida ou depositada na conta da Requerente.
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O financiamento da B... à Requerente destinava-se à aquisição de bens imobiliários (artigos matriciais ... e ...), sendo remunerados no momento da venda dos imóveis - a uma taxa de juro anual de 3,50% sobre os valores investidos.
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Como consta nos autos o Doc. 15 anexo ao PPA - Investimento em valores imobiliários relativa a um contrato de financiamento entre a B... e a Requerente ao abrigo do qual aquela financia a Requerente na compra de bens imobiliários em que se identificam as tranches efetuadas pela B..., em 2027, num total de € 297.000, com uma taxa de juros de 3,5% e, igualmente para 2018, no Doc. 16 - Adenda ao Contrato de celebrado em 11 de dezembro de 2017, identificam-se as tranches a serem efetuadas pela B... a favor da Requerente com o mesmo objetivo e condições, num montante total de €217.000.
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Nestes documentos, também é possível constatar-se que a Requerente fica numa situação devedora perante a B... e o capital mutuado em 2017 e 2018, devendo o mesmo ser reembolsado com o produto da venda dos imóveis ou a dívida da Requerente poderá ser convertida em ações da Requerente a serem entregues à B..., como forma de pagamento.
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A AT através dum pedido de cooperação administrativa com as autoridades fiscais irlandesas, apuraram que a B... foi constituída em 4 de julho de 2016, com o n.º de registo ...; (cfr. pág. 22 do RIT).
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A B... encontra-se dissolvida (administrativamente) desde 06/03/2019, uma vez que “foi involuntariamente excluída do registo de empresas pelo CRO por não apresentar declarações obrigatórias por lei”; (cfr. pág. 25 do RIT).
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A direção da B... encontrava-se desde 2016, a cargo de J..., pai do acionista maioritário da Requerente - Eng. C... (Administrador Único da Requerente); (cfr. pág. 22 do RIT).
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J... é acionista minoritário da Requerente.
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A pedido da AT, a AT Irlandesa contactou a I... (último agente identificado da B...) que informou que: desde meados de 2019 já não eram agentes da B...; o único contacto que tinham tido eram com J..., pai do acionista maioritário; a B... já tinha sido excluída do registo comercial irlandês por não ter cumprido as sua obrigações legais previstas na lei irlandesa; as transferências bancárias ordenadas pela B... a favor da Requerente em 2016, 2017 e 2018, segundo o responsável da B...- J...- tinham sido efetuadas com o intuito de financiar os investimentos que a Requerente viesse a fazer e que eram vistos como isso mesmo; não têm conhecimento de qualquer perdão de dívida ou de pagamentos da Requerente à B...; e desconhecia qualquer relação especial (por exemplo parentesco) entre a B... e a Requerente; (cfr. RIT).
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Não existia uma participação direta entre a B... e a Requerente, mas em contrapartida existiam relações especiais entre a B... e a Requerente devido à relação de parentesco entre o Administrador Único da Requerente - Eng. C... - e o Acionista minoritário – J... (pai do Administrador Único) que foi diretor da B... à data dos factos controvertidos; (cfr. RIT).
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A AT estava na posse desta informação ainda no decorrer da inspeção ao período de 2018.
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A AT, através da Ordem de Serviço interna n.º OI2022..., requereu a análise do período de tributação de 2019 da Requerente, em sede de IRC e IVA.
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Os exercícios de 2017 e 2018, também foram objeto de inspeções prévias (Ordens de Serviço Externas n.ºs OI2019... e OI2019..., respetivamente).
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Por força do princípio da proporcionalidade, a Requerida está impedida de efetuar um segundo procedimento de inspeção externo sempre que diga respeito ao mesmo sujeito passivo, imposto ou período de tributação.
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Os Serviços de Inspeção Tributária constataram que determinados gastos, nomeadamente, despesas da EDP, Águas Gaia e pagamentos de serviços e consumos (cfr. §§159.º a 179.º do PPA), não estão documentadas nem estão reconhecidas contabilisticamente.
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Relativamente aos gastos indevidamente considerados para efeitos de determinação do lucro tributável (correção de € 40.903,45), a Requerente contesta somente o valor de € 15.585,80.
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A Requerente também não contesta que os bens são ativos da sociedade, embora os tenha contabilizado (na sua totalidade) na conta #62 - Fornecimentos e Serviços Externos.
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Resultou do Relatório de Inspeção a imputação de correções à Matéria Tributável de € 474.423,01, correções às Tributações Autónomas de € 21.188,04 e correções, em sede de IVA, no montante de € 9.898,74.
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Resultaram estas correções, em sede de IRC, num valor adicional de € 137.666,57 (já adicionado de juros compensatórios e de mora).
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E, em sede de IVA, num valor de € 12.940,06 (por recebimento de reembolso indevido), acrescido de juros compensatórios, no montante de € 2.135,13.
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Por Despacho da Ex.ma Senhora Chefe de Divisão da AT, de 11-03-2024, foi fixada a matéria coletável de IRC, do ano de 2019, no montante de € 470.683,35, nos termos do n.º 3 do artigo 16.º do Código do IRC.
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Em consequência, foram emitidas, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, as Liquidações Adicionais de IRC e IVA, bem como das Demonstrações de Acerto de Contas e Liquidação de Juros compensatórios nestes autos impugnadas.
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Na sequência das notificações acima mencionadas, a Requerente apresentou o presente PPA.
IV.2. Factos não provados:
a) Não resultou provado que os créditos que a B... detém sobre a Requerente se tornaram inexigíveis no exercício de 2019.
b) Não se provou que a Requerente realizou qualquer pagamento relativo às liquidações adicionais aqui em crise.
Com relevo para a decisão da causa, não existem mais factos que não tenham ficado provados.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
V.DO DIREITO
A. Variação patrimonial positiva não refletida na contabilidade fiscalmente relevante para efeitos de determinação da matéria coletável em sede de IRC em valor de €509.000,00 - correção nos termos do art.º 21.º do CIRC
Impõe-se, proceder ao enquadramento normativo à data dos factos e, posteriormente, à sua interpretação com vista à subsequente aplicação ao caso sub iudice.
O artigo 21.º do CIRC dispõe que:
1 — Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;
(…)
Mais estabelece o artigo 17.º n.º 1 do CIRC:
1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
GUSTAVO COURINHA[1] observa que as “variações patrimoniais são uma demonstração da pretensão de completude do IRC e da proximidade ao rendimento real (de que são um corolário), não deixando zonas por tributar. Elas ultrapassam os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos) apuradas no período de tributação”.
Analisando esta questão, importa ter presente que uma variação patrimonial, na terminologia do Código do IRC, corresponde a uma alteração de valor nos capitais próprios de uma entidade, e, tratando-se de uma variação patrimonial positiva, deverá traduzir-se num aumento dos capitais próprios, ou seja, num rendimento obtido ou numa anulação de um gasto, que é contabilizado numa conta dos capitais próprios, e não numa conta de rendimentos (classe 7 do SNC) ou numa conta de redução de gastos (classe 6 do SNC) [2].
Dito de outro modo, podem considerar-se variações patrimoniais positivas as ocorrências que fazem aumentar o património líquido de uma empresa sem que esse aumento tenha passado a integrar os capitais próprios pela via do resultado líquido do período 2.
As variações no capital próprio (positivas ou negativas), apesar de não influírem no resultado contabilístico, implicam um acréscimo ou uma diminuição do património da empresa e, por isso, se compreende que constituam uma componente do lucro tributável, a par dos rendimentos e dos gastos. É esse o princípio-regra que resulta das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, 21.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, do CIRC, segundo o qual as variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no mesmo período e não refletidas no resultado contabilístico do exercício concorrem para a formação do lucro tributável 2.
Em resumo, todas as variações patrimoniais que não estejam refletidas no resultado líquido do período de tributação são consideradas para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo se se encontrarem expressamente excluídas pelo legislador – artigo 21.º, n.º 1, alíneas a) a e), do CIRC.
Vejamos a questão sub iudice.
Em 2017 e 2018, a sociedade B... - detida pelo progenitor de C..., acionista da sociedade Requerente - realizou um contrato de “Investimento em valores imobiliários” no valor de 509.000€ com a Requerente.
Todos os valores mencionados neste contrato dizem respeito aos exercícios de 2017 e 2018, ou seja, nenhuma quantia foi atribuída durante o exercício de 2019.
A Requerente afirma, no ponto 108.º do PPA que “Oferecem-nos dúvidas de que tais investimentos devam ser configurados como mútuos” o que pode explicar o facto de inicialmente, esta entrada de dinheiro ter sido classificada (erradamente) como suprimento (ainda que, entretanto, isto tenha sido corrigido).
A devolução do empréstimo - remunerado a uma taxa de 3,5%/ano - está dependente da venda de um imóvel (sito nas ..., no Porto), não tendo ficado fixada data de reembolso, nem tendo existido comunicações entre as sociedades acerca do tema.
De acordo com a informação prestada pela Administração Tributária Irlandesa, a B... não registou outras operações para além das relacionadas com a A... e (desde 06/03/2019) “foi involuntariamente excluída do registo de empresas pelo CRO por não apresentar declarações obrigatórias por lei”
A Requerente afirma que “a dissolução de uma determinada sociedade não se significa nem confunde ou pode confundir com a sua liquidação“, mas toda a argumentação sobre a diferença entre dissolução e liquidação (ponto 82.º e ss do PPA) foi realizada à luz da legislação portuguesa.
Ora, tendo em consideração que estamos perante uma sociedade de direito irlandês, o descrito consubstancia uma mera suposição de que a mesma legislação é aplicável.
A conclusão do Relatório de inspeção é que “tendo em conta que o saldo evidenciado na conta 278121101 – “Outros credores –B...” corresponde a entradas efetivas de ativos monetários relativamente aos quais não está demonstrada qualquer obrigação de devolução por parte da A..., desde 2019, estamos perante uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado que, por não configurar entre as exceções a que se refere o artigo 21.º do CIRC, concorre para a formação do lucro tributável, propondo-se, consequentemente, o acréscimo ao lucro tributável declarado no período de 2019, no montante de € 509.000,00”.
A Requerente argumenta que “o período de tributação em que tais variações patrimoniais concorreriam para a formação do lucro tributável não pode ser outro senão aquele em que tais variações patrimoniais efetivamente ocorreram” e continua “Parece-nos que as tais variações patrimoniais positivas poderiam, em tese, concorrer para a formação do lucro tributável, mas sempre nos períodos em que efetivamente ocorreram, isto é, em 2017 (€ 60.000,00) e 2018 (€ 449.000,00).”
Sucede, porém, que os exercícios de 2017 e 2018 já foram inspecionados pela AT e estão encerrados.
A Requerente tem disso conhecimento e expõem o seguinte “Por força do princípio da proporcionalidade, a AT está impedida de efetuar um segundo procedimento de inspeção externo sempre que diga respeito ao mesmo sujeito passivo, imposto ou período de tributação, ou seja, ao mesmo facto, exceto se for comprovado que no decorrer da inspeção era impossível detetar determinada situação ou que existiu um qualquer facto novo que só ficou acessível posteriormente à execução do primeiro procedimento.”
Ora, como já ficou provado, tendo a AT tido conhecimento de que a B... estava dissolvida em 2021 (ano em que decorria a inspeção de 2018), não pode deste modo alegar o desconhecimento da situação. Não existe assim, qualquer situação ou facto novo.
Concluindo a Requerente que “Não tendo a AT procedido a tais correções, também já não pode diligenciar pelas liquidações, atenta a sua evidente caducidade – o que, ao abrigo do artigo 45.º da LGT, igualmente invocamos.”.
Igualmente refutado pela Requerente é o facto da AT afirmar “Seguramente que por saber que já não pode nem deve proceder às liquidações nos períodos em que se verificaram as variações patrimoniais positivas que foram agora descortinadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, estes, surpreendentemente face à linha argumentativa que decidiram seguir, introduzem que, afinal, será “desde 2019” que se verifica a tal variação patrimonial positiva.”
Acrescentando ainda: “Como procuramos expressar, nenhum sentido faz considerar que é a dissolução da B... que consubstancia o momento da necessidade de devolução, se não se admitir que essa obrigação existiu até então (…) Se a obrigação existiu até então, não se trataram de doações ou liberalidades” e “importa apontar que, como se extrai do Relatório de Inspeção, a Requerente investiu, de facto, na aquisição de património imobiliário”, “em Novembro de 2018, a celebração de um contrato promessa de compra e venda desses imóveis (por 4 milhões de €) com a entidade D..., Lda., NIF ... (sem relação com a Requerente a não ser a ação judicial que a mesma lhe moveu)”, “Dito contrato promessa de compra e venda foi objeto de alteração em 05/02/2019”, “a aqui Requerente instaurou contra a indicada promitente compradora, ação judicial”, “até à presente data, não existe qualquer projeto de arquitetura que tenha sido elaborado pela Promitente Compradora e aprovado pelo Município do Porto” e finalizando “Como tal, não se compreende porque razão os Senhores Inspetores concluíram que se mostram cumpridas todas as condições impostas no contrato promessa e aditamento para a celebração do contrato prometido”.
Conjugando todos os argumentos, conclui-se que:
- a Requerida deveria ter ido mais longe na verificação das condições estarem reunidas para se considerar que se estava perante uma variação patrimonial positiva, em face das repostas obtidas plasmadas no RIT;
- ao abrigo do princípio do inquisitório, a Requerida podia (e devia) ter ido mais longe, ao abrigo da cooperação administrativa que tem ao seu dispor;
- ficou assim por provar se nos termos de direito irlandês o regime é igual (ou não) ao que consta da legislação portuguesa;
- a Requerida não logrou também provar se tinha havido, por exemplo, um perdão de dívida resultante da dissolução da B..., de acordo com o regime societário irlandês relevante para efeitos tributários.
- o que consta dos autos, é a existência de um passivo, e, nada mais, não se podendo retirar a ilação de que estão reunidas as condições para o reconhecimento de uma variação patrimonial positiva pelo desreconhecimento do passivo relevado nas contas;
- ainda que, hipoteticamente, estivéssemos perante uma variação patrimonial, a mesma não poderia ser incluída ao lucro tributável do exercício de 2019, uma vez que os movimentos de entradas de capital ocorreram nos exercícios de 2017 e 2018 e este facto já era do conhecimento da AT;
- ao abrigo do princípio da proporcionalidade, a AT está impedida de efetuar um segundo procedimento de inspeção externo sempre que diga respeito ao mesmo sujeito passivo, imposto ou período de tributação [exceto se for comprovado que no decorrer da inspeção era impossível detetar determinada situação ou que existiu um qualquer facto novo que só ficou acessível posteriormente à execução do primeiro procedimento – algo que, tal como acima mencionada, já era do conhecimento da AT durante a inspeção ao exercício de 2018].
Deste modo é forçoso concluir que as alegações apresentadas pela Requerida não constituem prova suficientemente consistente e convincente para que o mesmo afaste a presunção de veracidade dos elementos constantes da contabilidade do sujeito passivo estabelecida no citado artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
Nesta questão, e conforme o anteriormente exposto, conclui-se pela ilegalidade da liquidação adicional em apreço, e em consequência procedente o PPA nesta matéria.
B. Da omissão de rendimentos (decorrente da cessão de exploração) na determinação do lucro tributável em montante €26.209,52 – correção nos termos do art.º 17.º, 18.º e 20.º do CIRC e correção do IVA não liquidado.
Como já referido, da análise realizada pela AT, em sede de procedimento inspetivo realizado em 2024, respeitante ao período de 2019, resulta existir uma divergência na cedência à sociedade G..., S. A. sobre a exploração do ... Hotel..., tendo a mesma sido contratualizada em 01/06/2019, contemplando “uma contrapartida mensal a pagar pela cessionária no valor de € 18.000,00, a que acrescia o IVA”. Adicionalmente, “em 04/07/2020, as partes, por intermédio de uma adenda ao contrato, materializaram a redução da contrapartida mensal da cessão de exploração do mencionado Hotel, para € 16.260,16, a que acresce o IVA (..) tal redução tinha efeitos retroativos à data do início do contrato.”
Por outro lado, entende a AT que “por força do princípio da periodização do lucro tributável e uma vez que a adenda que reduziu o valor da contrapartida mensal ainda não vigorava no período de 2019, foram omitidos rendimentos que têm de acrescer a esse período, pois teriam de ter sido declarados € 126.000,00, ao invés de € 99.790,48, o que gerou a correção de € 26.209,52”.
Vejamos, então.
Prevê o artigo 18.º, n.º 1 do CIRC, sob a epígrafe “princípio da periodização do lucro tributável”, que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”
Assim, e por força deste princípio da especialização dos exercícios, a regra é que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.
Como cristalinamente referido na decisão tomada no processo do CAAD n.º 334/2018-T,
“O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde» (…) desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.» (…)
A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:
a) Diferir no tempo os lucros;
b) Fracionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objetivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;
c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efetivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).» (…)
“Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt).
À luz do enquadramento teórico e jurisprudência acima expostos cumpre, assim, apreciar da aplicabilidade do invocado princípio da especialização dos exercícios, no caso concreto, bem como das consequências daí advenientes.
Relativamente à aplicação de tal princípio, cremos não restarem dúvidas, na medida em que o artigo 18.º do CIRC estabelece que os rendimentos e gastos devem ser reconhecidos e tributados no período em que são obtidos ou incorridos, independentemente do seu efetivo recebimento ou pagamento. Como tal, apenas podem ser atribuídos a outros períodos os rendimentos ou gastos que, no momento do fecho das contas do período em questão, eram imprevisíveis ou claramente desconhecidos.
Recorde-se que, tal como alega a AT, em 31.12.2019, a adenda a que a Requerente veio aludir não se encontrava em vigor, nem sequer existia, o que impunha, de acordo com o supra mencionado princípio, a reconhecimento, como rendimento imputável ao período de 2019, os rendimentos resultantes do contrato de cessão de exploração celebrado, ainda que os mesmos não se encontrassem faturados.
Pelo que, improcede o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IVA e IRC.
C. Dos gastos indevidamente considerados para efeitos de determinação do lucro tributável (correção de €40.903,45 ora parcialmente contestada no valor de €15.585,80) – correção nos termos do art.º 17.º do CIRC
Conforme resulta do RIT elaborado pela AT, “Em causa estão as despesas elencadas no Quadro 17 do Relatório de Inspeção, que “respeitam a equipamento em imóvel arrendado de que a empresa viria a ser proprietária em Fevereiro de 2020 e contabilisticamente não deveriam ser considerados gastos do período, mas sim elegíveis para a formação de ativos tangíveis” (nosso sublinhado).
Do Quadro 17 do Relatório de Inspeção, destacam-se os seguintes registos:
Neste sentido, importa referir que no artigo 19.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, se encontra explicitado: “Os elementos do activo sujeitos a deperecimento, cujos custos unitários de aquisição ou de produção não ultrapassem (euro) 1000, podem ser totalmente depreciados ou amortizados num só período de tributação, excepto quando façam parte integrante de um conjunto de elementos que deva ser depreciado ou amortizado como um todo.”
Por outro lado, a Requerente afirma que: “Pelo contrário, o valor unitário de cada um dos diversos bens que ali vêm referidos é inferior a € 1.000,00 e cremos que não se pode nem devem considerar que tais bens façam parte integrante de um conjunto de elementos que devam ser depreciados ou amortizados como um todo.”
Contudo, a Requerente não apresentou qualquer prova conclusiva do valor dos ativos fixos tangíveis (por exemplo, faturas com o descritivo individualizado), limitando-se a apresentar meros cálculos com potenciais valores de aquisição.
Adicionalmente, a ficha doutrinária relativa ao processo 2010 000157, especifica que “O Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, mantém os elementos essenciais que já constavam do regime aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro (…) Relativamente aos designados “elementos de reduzido valor” manteve-se inalterável o regime que se encontrava previsto no diploma anterior (…) De acordo com esse regime, era (e é) fiscalmente dedutível a totalidade do custo de aquisição ou de produção, quando o sujeito passivo atribuísse (atribua) a esses elementos um período de vida útil de apenas um ano, ainda que nas Tabelas anexas ao Decreto Regulamentar estivesse (esteja) previsto um período de vida útil superior.”
Da conjugação das narrativas de Requerida e da Requerente conclui-se que a relação desta com a contabilidade e com os registos contabilísticos é pouco fiável, justificando-se as dúvidas que a AT manifestou. Esse é um problema que a Requerente parece reconhecer, embora não tenha demonstrado evidências de que o esteja a tentar ultrapassar e que, neste caso, originou a obtenção de um ganho fiscal, uma vez que efetivou a totalidade do registo dos bens na conta 62 – Fornecimento de Serviços Externos.
Pelo que, improcede o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRC.
D. Correção a nível do imposto – Tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 1
do CIRC – em valor total de € 21.188,04
A AT aplicou uma tributação autónoma relativa ao exercício de 2019, no valor de € 21.188,04, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, com fundamento em despesa não documentada, que resulta da divergência entre os saldos da conta de caixa (€ 8.665,35) e do saldo da conta de depósitos à ordem (€ 12.522,69) e os registos contabilísticos da Requerente.
A Requerente invoca que não estamos perante uma despesa para efeitos do disposto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, entendida esta como um exfluxo financeiro, invocando que as reduções dos saldos foram devidamente confirmados pelos extratos bancários das contas de depósito à ordem e foram efetuados os registos de entrada em caixa desses montantes.
Por outro lado, entende a AT que “considera-se evidente que o saldo de caixa em 2019-12-31 era nulo e que, consequentemente, o saldo de € 17 330,70 evidenciado corresponde a despesas em que a A... incorreu que não se encontram documentadas nem tão pouco evidenciadas na sua contabilidade”.
Relembra-se que nos termos do artigo 123.º, n.º 2 e 3, do Código do IRC, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário, devendo as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos. Aí se dispõe, igualmente, que não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.
E, acrescenta a AT que “Apesar de solicitado, por escrito, a A... não manifestou qualquer interesse em esclarecer as dúvidas e clarificar as incoerências registadas”.
Impõe-se determinar o que se deve entender por “despesa não documentada” e, consequentemente, apurar se, in casu, estamos ou não perante o preenchimento desse conceito normativo.
Na falta de uma definição legal do que é uma despesa não documentada, tem sido evidenciado pela jurisprudência que ao termo “despesa” dever ser atribuído o significado que tem na linguagem comum, i.e., saída de dinheiro do património de uma empresa (cf. nesse sentido, decisão arbitral proferida no processo n.º 412/2020, do CAAD).
São várias as decisões na jurisprudência que vão densificando o conceito de “despesa não documentada”. Assim, devem considerar-se “despesas não documentadas” aquelas que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, e não apresentam, assim, qualquer documento de suporte que as justifique (cf. Acórdão do STA de 3/12/2002[2], entre outros).
Como se pode ler no sumário do Acórdão do STA de 3/12/03, no Proc. nº 01283/03:
«São despesas confidenciais as que não especificam a sua natureza, origem e finalidade. Tais despesas são, por natureza, indocumentadas. Não é confidencial a despesa, titulada por documento, do qual constam as identidades do vendedor e do adquirente e a designação do bem transmitido e respetivo preço. Esta despesa não é suscetível de tributação autónoma nos termos do art. nº 4 do D.L. 192/90, de 9/6».
O conceito de despesa não documentada aparece, não raras vezes, associado a casos de divergências entre o saldo de caixa e o respetivo registo contabilístico, quando não existe documento de suporte da saída dos meios monetários (cf. decisões do CAAD proferidas nos processos 412/2020-T, 70/2023-T, 7/2011-T, entre outras), bem como à correção de saldos contabilísticos (cf. decisão do CAAD proferida no Processo 504/2022-T, de 20 de Abril de 2023.
A Requerente alega ainda que não estamos perante uma “despesa não documentada”, porquanto os titulares dos créditos são conhecidos (cf. ponto 158 e ss do PPA).
Ora, o desconhecimento do beneficiário da “despesa não documentada” não é essencial. Com efeito, o desconhecimento do destinatário poderia ser relevante no passado, quando o pretérito regime das “despesas não documentadas” fazia menção às chamadas “despesas confidenciais”. Com a eliminação, do texto legal, da expressão “despesas confidenciais”, operada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (LOE para 2008), o desconhecimento do beneficiário das mesmas perdeu relevância.
Neste sentido, o conhecimento ou o desconhecimento do destinatário/beneficiário da despesa deixou de ser um elemento relevante para fazer operar a qualificação de certa despesa como “despesa não documentada”, para efeitos do disposto no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC (neste sentido, decisões arbitrais proferidas no Processo n.º 256/2023-T e Processo n.º 620/2023-T, bem como acórdão do STA de 22 de Fevereiro de 2017, Processo n,º 837/05), em que se considerou estar-se perante uma despesa não documentada, apesar de estar identificada a natureza da despesa (juros) e o beneficiário (a instituição bancária), porquanto não havia sido feita prova da origem e finalidade da despesa.
Assim, as despesas pagas ou devidas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa, ficando fora da sua esfera de disponibilidade e nestas condições, está preenchido o conceito de «despesas» utilizado no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
Pelo que, improcede o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de tributação autónoma.
VI.PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente peticiona ainda a condenação da AT na restituição de todos os quantitativos que esta venha a pagar em resultado das liquidações aqui em crise, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal desde o pagamento, até efetivo reembolso,
Contudo, não constam dos autos comprovativos do pagamento das quantias e, em consequência, não há fundamento factual para se decidir neste processo se há ou não direito ao reembolso das quantias pagas e a juros indemnizatórios.
Assim, têm de ser julgados improcedentes os pedidos de restituição das quantias pagas e de juros indemnizatórios formulados no presente processo arbitral, sem prejuízo de, se necessário, em sede de execução de sentença, caso se provem os respetivos pressupostos, serem reconhecidos esses mesmos direitos.
VII.DECISÃO
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral coletivo:
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Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral quanto à variação patrimonial positiva no montante de 509.000 euros, determinando-se, consequentemente, a anulação parcial da liquidação adicional de IRC e dos juros compensatórios e de mora impugnada relativa à procedência parcial, a calcular em execução de sentença;
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Julgar improcedente o pedido arbitral quanto às restantes matérias;
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Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de poderem vir a ser reconhecidos em execução da presente decisão;
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[3]Condenar a Requerida e a Requerente nas custas do processo, nas percentagens de 75,77% e 24,23%, respetivamente correspondentes ao seu decaimento.
VIII.VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 152.741,76 (Cento e cinquenta e dois mil, setecentos e quarenta e um euros e setenta e seis cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;
IX.CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a [4]cargo da Requerida e Requerente nas percentagens de 75,77% e 24,23% respetivamente correspondentes ao seu decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de abril de 2025
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)
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(Nuno Filipe Raposo Jacinto – Adjunto e Relator)
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(Júlio César Nunes Tormenta – Adjunto)
[1] Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, p. 93.
[2] Decisão arbitral n.º 377/2020-T, de 7 de julho de 2021.
[3] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-05-12
[4] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-05-12