SUMÁRIO:
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O direito a ser tributado como residente não habitual (RNH) depende do ato da inscrição como residente em território português, conforme n.ºs 8, 9 e 11 do artigo 16.º do Código do IRS
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A inscrição deste estatuto especial em cadastro fiscal assume natureza procedimental, meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado enquanto RNH
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A apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, do art. 16.º do CIRS, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A... (doravante “Requerente”), com o número de identificação fiscal (NIF) ..., residente na Rua ..., ..., ...-... ..., Montijo, correspondente ao serviço periférico local ... Montijo, na sequência da formação de presunção de decisão final de indeferimento tácito da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito da Reclamação graciosa apresentada do processo n.º ...2024...relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do período de tributação de 2022, vem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral pedindo a anulação da liquidação n.º 2023..., de 3 de agosto de 2023, valor de €36.756,12.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 05-08-2024, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14-10-2024.
A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não há nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a matéria, em análise:
1- A Requerente é cidadã brasileira, tendo residido no Brasil até 2018.
2- Em 29 de setembro de 2018, a Requerente alterou a residência fiscal para Portugal, tendo fixado domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa.
3- Não há noticia que a Requerente tenha residido em Portugal de 2013 a 2017.
4- A Requerente obteve o NIF português em 2 de setembro de 2017, ainda na qualidade de não residente.
5- Nos cinco anos anteriores à fixação de residência fiscal em Portugal – 2013 a 2017, a Requerente foi residente fiscal no Brasil, tendo declarado nesse país os rendimentos obtidos.
6- A Requerente obteve o grau de licenciada em Engenharia Informática, pelo ISCTE, em 19 de julho de 2020.
7- Por um período parcial de 2022, a Requerente exerceu funções de “Programador Web e Multimédia” ao abrigo do contrato de trabalho por conta de outrem celebrado, em 10 de fevereiro de 2019, com a B..., S.A. No âmbito do referido contrato de trabalho, a Requerente auferiu, em 2022, rendimentos de trabalho dependente (categoria A) no valor total de 17.537,44 euros.
8- Em 4 de abril de 2022, a Requerente iniciou atividade como trabalhadora independente (categoria B), enquadrando-se no regime simplificado de IRS, com o código principal de atividade CIRS 1332 – Programadores Informáticos, especificamente previsto na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS.
9- No decurso de 2022, a Requerente prestou serviços de “Senior Software Engineer”, ao abrigo do contrato de prestação de serviços celebrado, em 21 de janeiro de 2022, com a C..., Inc., entidade residente para efeitos fiscais nos EUA.
10- O valor total dos serviços prestados em 2022, ao abrigo do referido contrato, ascendeu a 132.393,42 euros, tendo a Requerente procedido à emissão das respetivas faturas-recibo, através do Portal das Finanças, nas datas: 13/04/2022 02/05/2022 12 264,80 € 02/06/2022 01/07/2022 12 635,39 € 12 361,23 € 03/08/2022 02/09/2022 12 748,87 € 13 367,67 € 03/10/2022 31/10/2022 13 263,35 € 14 380,71 € 24/11/2022 30/12/2022 14 194,59 € 14 005,83 € 13 170,98 € TOTAL 132 393,42 €
11- Em 29 de junho de 2023, a Requerente procedeu, na qualidade de residente fiscal em Portugal, à entrega, por via eletrónica, da declaração de IRS (Modelo 3) n.º ..., relativa ao período de 2022, tendo reportado os rendimentos mundiais obtidos no referido período.
12- Na declaração de rendimentos submetida, no que aos rendimentos da Requerente respeitam, foram declarados os seguintes rendimentos de trabalho dependente (categoria A) obtidos em Portugal, no valor bruto de 17.537,44 euros, declarados no quadro 4A do anexo A com o código 401 e Rendimento das atividades profissionais especificamente previstas na Tabela do artigo 151.º do CIRS, obtidos nos EUA, no valor de 132.393,42 euros, declarados no quadro 6A do anexo J.
13- A declaração não compreendeu o anexo L (residente não habitual)
14- A entrega da declaração de IRS foi efetuada em conjunto com o cônjuge da Requerente, D..., NIF ..., também residente fiscal em Portugal em 2022, com opção pela tributação conjunta.
15- A submissão da declaração de IRS deu origem à emissão por parte da AT da demonstração de liquidação n.º 2023..., da qual resultou uma coleta líquida de 41.017,12 euros, resultando num valor de IRS a pagar de 36.759,12 euros, cuja data limite para pagamento ocorreu em 6 de setembro de 2023.
16- A Requerente procedeu ao pagamento do valor de 36.756,12 euros, resultante da liquidação n.º 2023..., no dia 3 de agosto de 2023.
17- Os rendimentos declarados pela Requerente foram sujeitos a tributação em Portugal, de acordo com as taxas gerais e progressivas aplicáveis aos sujeitos passivos residentes em Portugal, sem consideração do regime dos residentes não habituais.
18- A Requerente solicitou, em 29 de dezembro de 2023, a inscrição como residente não habitual por via eletrónica, no Portal das Finanças,
19- O pedido apresentado reportou-se ao período de 2023 a 2032,.
20- Na sequência do pedido apresentado foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.
21- No âmbito do direito de audição apresentado, a Requerente clarificou, em particular no que respeita ao período a que se reportou o pedido (período de 2023 a 2032), que, não obstante, por limitações da aplicação informática, o pedido apresentado reportar-se ao período de 2023, a Requerente pretendia, com o pedido apresentado, fazer retroagir a 2018 a inscrição no cadastro fiscal na qualidade de residente não habitual, uma vez que foi este o primeiro ano de residência fiscal em Portugal.
22- Em 4 de janeiro de 2024 a Requerente apresentou, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 140.º do Código do IRS (CIRS) e dos artigos 68.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), Reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2022, que mereceu despacho de indeferimento.
2.1.1 Factos Não Provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, nomeadamente os factos invocados no RI, que não mereceram contestação relevante e a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3- Questões de competência e impropriedadde do meio processual
3.1.- A AT suscitou a questão de (in)competência por entender, em suma, o seguinte:
Conforme resulta da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente ao pedido de pronuncia arbitral (PPA), resulta manifesto, que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual.
Ou seja, sem se apreciar se o Requerente pode ou não estar inscrito como RNH, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre tão só de aplicação deste regime de tributação.
Sem aquele primeiro passo, sem que essa questão prévia seja decidida a seu favor pelo presente Tribunal, não há como imputar o vício de ilegalidade à liquidação de IRS contestada.
Sendo, assim, o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos RNH.
Porquanto, se trata de questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação invocado.
3.1.1- Apreciação da questão
A incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória (artigo 89.º, n.º 4, alíneas a) e k), do CPTA, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigos 89.º, n.º 2, do CPTA e 278.º, n.º 1 al. a), do CPC), bem como é de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT). Por isso, para apreciação da competência material do Tribunal, importa, pois, proceder à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo Requerente no seu Requerimento Inicial.
Ora, do pedido deduzido decorre, inequivocamente, que o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral, anule ou dê sem efeito o indeferimento da Reclamação graciosa que apresentou, solicitando, de forma mediata, a anulação do acto tributário de IRS relativo ao ano de 2022, onde, obviamente, terão de ser analisados e tratados os pressupostos da tributação subjacente, (incluindo vícios e fundamentos respectivos).
Assim, considerando a formulação do presente pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de ato de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, decide-se pela improcedência da excepção da incompetência material suscitada pela AT.
3.2- Impropriedade do meio processual
A Requerida arguiu, também, a impropriedade do meio processual
… o indeferimento do pedido de inscrição como RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA, como se viu, é inquestionável que o P.P.A. apresentado pela Requerente não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão.
Reitera-se, porque apropriado, tudo o referido a propósito da excepcão apreciada infra, remetendo, ainda, nesta matéria para o Acórdão proferido no Processo 705/2022_T, (que faz eco da jurisprudência, quase unânime do CAAD), com o qual se concorda:
…não existe no caso, qualquer ato de não inscrição cadastral ou de não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais que possa operar como ato pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente ao ato de liquidação de imposto ora sindicado, que é, assim, o único ato tributário com que o Requerente foi confrontado e contra o qual foi possível, com oportunidade, suscitar, como ato lesivo, a sua impugnação nos termos do art. 54.º do CPPT.
Note-se que, como não consta da factualidade assente qualquer ato administrativo-tributário da AT de negação da condição de residente não habitual, designadamente qualquer indeferimento de pedido de inscrição como residente não habitual, a situação dos autos não possui comparação com o caso que esteve na base do processo arbitral n.º 514/2015-T, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017 e do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 014/19.7BALSB (o qual, diga-se, não se pronunciou sobre a substância do tema, já que, por estar em causa decisão arbitral que não conheceu do mérito, não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência), espécies jurisprudenciais que são invocadas pela AT na sua resposta em apoio da alegação em apreço.
Por outro lado, deve-se ainda assinalar que esta jurisprudência respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º 20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).
No mais, antecipando o que a seguir se expõe em sede de apreciação do mérito, entende-se que o n.º 10 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08: (“O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária - LGT), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados. Trata-se, aliás, de entendimento que está em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.
Assim, face à regulação legal aplicável, abaixo melhor examinada, julga-se que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obrigue, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.
3.3- Configura-se, pois, como apropriado, no caso, o recurso a procedimento arbitral no CAAD, para impugnar a liquidação de IRS de 2022.
4. Matéria de direito/merito
4.1- Posições das Partes
4.1.1- Entende a Requerente, em suma:
Decorre das disposições legais, que o regime dos residentes não habituais, na redação em vigor em 2018, ano de fixação pela Requerente de morada fiscal em Portugal, apresentava como pressupostos cumulativos de aplicabilidade: O sujeito passivo tornar-se fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.º s 1 e 2 do artigo 16º do CIRS; e O sujeito passivo não ter sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS.
Resultava inequivocamente do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 16.º do CIRS, que, para que o sujeito passivo fosse “considerado residente não habitual” e adquirisse o “direito a ser tributado como tal”, a lei não exigia como requisito a inscrição no registo como residente não habitual, sendo a obrigação de inscrição como residente não habitual, prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, uma mera obrigação declarativa, e não um requisito necessário nem constitutivo do direito a beneficiar do respetivo regime e dos benefícios fiscais dele emergentes.
Entende a Requerente que esta obrigação de inscrição deve reputar-se a um dever acessório do contribuinte, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º da LGT, que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do benefício fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado não foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos.
Assim, como dever acessório, a Requerente reconhece que o seu incumprimento pode gerar uma contraordenação tributária, mormente por aplicação do artigo 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, mas não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime dos residentes não habituais, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas e não pressupõe, como requisito formal autónomo, a inscrição cadastral como tal.
Sendo, da verificação dos requisitos materiais, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.
Motivo pelo qual, a não inscrição no cadastro como residente não habitual não obviava (nem obvia) à aplicação do regime, verificados os pressupostos materiais exigidos para aplicação do benefício fiscal.
Não obstante a Requerente reconhecer que não procedeu ao pedido de inscrição como residente não habitual dentro do prazo legal previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, tendo apenas solicitado este enquadramento em 2023, verifica-se que a Requerente satisfaz todos os pressupostos legais, constantes do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, que são necessários e suficientes para ser considerada como residente não habitual e tributada como tal, em conformidade com o n.º 9 daquele mesmo preceito. Rendimentos da categoria A – Rendimentos do Trabalho Dependente 64. Nos termos do artigo 2.º do CIRS, consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes, entre outros, de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho.
As funções exercidas são enquadráveis no CPP 2513 – Programador Web e de multimédia, para efeitos da aplicação da taxa especial de 20% prevista no n.º 10 o artigo 72.º do CIRS.
Face a tudo o exposto, entende a Requerente que a liquidação de imposto, resultante da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2023..., objeto do presente pedido, mostra se ilegal por erro nos pressupostos, por não ter aplicado à Requerente o regime dos residentes não habituais, em particular a taxa especial de prevista no n.º 10 do artigo 72.º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos, aos rendimentos das categorias A e B obtidos em 2022.
4.1.2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, entre o mais, o seguinte:
Nos termos do disposto no n.º 8 do art.º 16.º do CIRS, consideram-se residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS.
A inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal, conforme estabelece o n.º 10 artigo 16.º do CIRS.
Ou seja, o artigo 16.º do CIRS consagra um procedimento de verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito deste regime, nomeadamente, que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e, que a pessoa em causa não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
Igualmente se afigura necessário que, em todos os anos em que se obtenham rendimentos elegíveis para o regime em causa, o Residente Não Habitual opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance. O benefício fiscal só se concretiza anualmente se existir facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e desde que o contribuinte declare e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, e caso o sujeito passivo tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos. Na situação dos autos, como a própria Requerente reconhece, o pedido não foi feito no prazo consignado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.
Ainda que assim não fosse, como é, e que a posição defendida pela Requerente tivesse acolhimento legal, resulta claro que não estão preenchidos os pressupostos, para que a Requerente pudesse ser tributada, em 2022, como residente não habitual. pois para tal era imprescindível que não tivesse sido residente em Portugal nos cinco anos anteriores a 2022, tal como estabelece o n.º 8 do artigo 16.º do CIRS. O que efetivamente não sucedeu, tendo em conta que, como a própria confessa, reside em Portugal desde 2018. Tendo sido nessa qualidade de residente em Portugal que entregou as declarações de rendimentos modelo 3 para o ano de 2019, 2020 e 2021.
Nesta conformidade, sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário e imprescindível à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo sido tal benefício reconhecido por falta dos pressupostos legais, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação reclamada que sustente o peticionado.
Ainda que assim não fosse, como é, impõe-se ressalvar que os rendimentos da categoria B a que alude a Requerente foram auferidos no estrangeiro, e, como tal, foram incluídos pela Requerente no quadro 6A, do anexo J. Razão pela qual nunca poderiam beneficiar da taxa prevista no n.º 10 do artigo 72.º do CIRS.
4.2- Decidindo
Centremo-nos, pois, na questão principal objecto do presente pedido arbitral, que é a de saber se o pedido de inscrição como residente não habitual tem natureza substantiva ou meramente declarativa. Mas também, quais os efeitos dessa consideração na (i)legalidade da liquidacão, já que a influenciará de forma decisiva.
4.2.1- É conhecida a forte inclinação, da jurisprudência do CAAD, nesta materia.
Veja-se, entre muitos, os processos 67/2023, 550/2022T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, 705/2022-T, 57/2023-T, 581/22-T, 777/2020-T, 319/2022-T, 891/2023-T, 894/2023-T.
Face a tal forte inclinação, e com ela, então, concordando, sobrescrevemos algumas decisões e acórdãos nesse sentido.
Assumimos, pois, então, concordância com o massivamente defendido, invocando, por exemplo, o acordão proferido no Proc. 487/2023-T, que - pela especifica apreciação e resenha jurisprudencial citada - seguimos de perto, pouco cabendo acrescentar:
(...) O regime do RNH foi inicialmente previsto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, tendo criado o regime fiscal para o RNH em sede de IRS, tendo em vista atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro.
O regime jurídico do RNH é enformado por uma política fiscal de atração de investimento estrangeiro no âmbito da realidade económico-financeira que resulta da crise (financeira) que limitou o crescimento económico em Portugal no início do século XXI. Ou, dito de outro modo, pretende promover o crescimento económico através da formação de capital humano, da transferência de inovação tecnológica e know-how e, assim, o desenvolvimento das empresas no país recetor de residentes e da competitividade do tecido empresarial.
Esse regime exige, assim, o cumprimento dos seguintes requisitos: i) que o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (àquele ano em que se pretende a tributação como RNH).
O direito à tributação como RNH fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “da inscrição como residente em território português”, e não da inscrição como RNH .
Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável à data dos factos (2019 a 2021), anos nos quais o regime do Estatuto do Residente não Habitual rege-se pela redação dos n.ºs 8 a 10 do Código do IRS, conforme segue:
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo n.º 8 do artigo 16.º CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo.
Critério positivo: tornarem-se fiscalmente residentes nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS);
Critério negativo: não terem sido residentes em território português nos cinco anos anteriores (2.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS).
Por seu turno, o n.º 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até ao dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal. Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo do início da entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.
Deste modo, do confronto dos números 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam de que os requisitos estão unicamente previstos no respectivo n.º 8.
Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.
Voltando ao caso dos autos, dúvidas não restam de que o Requerente não foi residente fiscal antes de 2012, e apenas nesse ano se tornou residente fiscal. Facto que, aliás, nem sequer é contestado pela Requerida.
Acresce que, pela entrega das respetivas declarações modelos 3 do IRS com o anexo L, e com o pedido de inscrição como residente não habitual, ainda que em data posterior, é inequívoco que pretende beneficiar de tal regime, dado que cumpre os respetivos requisitos de atribuição.
Acompanha-se a fundamentação da decisão arbitral do processo n.º 777/2020-T, no sentido de que vale “(…) a junção dos anexos L à declaração de rendimentos como pedido, dirigido à AT, para ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais (…)”
E concorda-se igualmente com a mesma decisão arbitral na parte em que decidiu que:
“(…) o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.
Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.
Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo, pelo contrário, o n.º 6 é inequívoco ao estabelecer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem os dois requisitos, positivo e negativo, a que já nos referimos; não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.
Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual seja requisito substancial, ou constitutivo, de aplicação do regime.
Acompanha-se igualmente a fundamentação do processo nº 188/2020-T:
“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.
Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional - deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.
E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.”
Deste modo, é patente a diferença de redacção com a anterior versão do n.º 2 do artigo 23.º Código Fiscal do Investimento, como bem se observa na decisão do processo n.º 705/2022-T:
“Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.”
Conclui-se assim que o Requerente cumpre com os requisitos previstos no nº 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais, como já se viu, são os únicos requisitos exigidos por lei para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH.
Igualmente se conclui que, por seu turno, a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime.
O pedido de inscrição como residente não habitual, estabelecido no n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT), que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição, e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos.
Sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como RNH.
Assim, considerando que se trata de um dever acessório, ao respetivo incumprimento pode corresponder uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas isso não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do RNH, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas, e não pressupõe, como requisito substancial adicional, a inscrição cadastral.
Conclui-se, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação de dois requisitos – de o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores –, mas não depende da correspondente inscrição no cadastro.
Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente.
Destarte, pelo facto de não ter sido aplicado o regime dos residentes não habituais, os actos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.(...)
4.2.2- Neste sentido se pronunciou o STA - processo n.º 0842/23.9BESNT - firmando o seguinte entendimento:
“I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.”
Argumentando
“(…) decorre dos elementos acima descritos com referência ao art. 16º do CIRS que é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “
O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).
Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.
No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente.
4.2.3- Este entendimento foi reafirmado no acórdão do STA, de 15.01.2025, proferido no processo n.º 01750/22.6BEPRT, no qual foi decidido que “não resulta do normativo sob exegese que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr. artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais).”
Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo a inscrição obrigatória para aplicação do mesmo regime fiscal. Por outras palavras, o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto. No entanto, não resulta do normativo supra transcrito que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr. artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais; (…)”
4.2.3- Assim, suportado em tão consistência jurisprudencial, foi considerado e considera este Tribunal, que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem qualquer efeito constitutivo, mas meramente declarativo, impondo pois, no fundamento referido, concluir, que o Requerente cumpre os requisitos necessários para que possa beneficiar do Regime dos RNH.
Nestes termos, a liquidação impugnada enfermaria de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Tal conclusão foi a seguida, como se referiu, e massivamente decidida nas decisões/acórdãos do CAAD, algumas que subscrevemos, como também se disse.
4.2.4- Contudo os acórdãos do STA, referidos, vêm concluir que a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, do art. 16.º do CIRS tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.
“(…), a questão que ora se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período fiscal anual, que não a exclusão do regime em geral, contrariamente ao defendido pelo apelante.
Nesta sede, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no artº.16, nº.8, do C.I.R.S., os quais, conforme aludido supra, são aferidos em função do ano de inscrição como residente (…), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual (cfr.artº.12, do C.Civil).”
4.2.5- É certo, que, aparentemente, tal posição, não parece ser compatível com o que estabeleciam os n.os 8 e 9 do art. 16º do CIRS, em vigor à data dos factos:
"8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português."
O direito à tributação como RNH ficaria, pois, condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos nos n.os 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “da inscrição como residente em território português”, e não da inscrição como RNH;
E o nº 9 do art. 16º do CIRS deixava claro que o efeito era "ex tunc", dado que, independentemente do momento em que ocorresse a inscrição como RNH, o direito a ser tributado como RNH começava no ano da sua inscrição como residente - e não, no ano da sua inscrição como RNH.
4.2.6- Contudo, não podemos olvidar e deixar de levar em conta a referida linha de orientação jurisprudencial do STA, pelo que, alterando posição, consideramos que a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.
No caso, tendo o pedido ocorrido em finais de 2023, não poderia englobar o ano de 2022.
4.2.7- Face a esta posição, fica, naturalmente, prejudicada a discussão das questões arguidas pela AT, bem como a apreciação dos restantes pedidos formulados pela Requerente.
Nestes termos, a liquidação impugnada não enferma de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justifiquem a sua anulação, pelo que se deve manter, bem como o indeferimento da Reclamação Graciosa, ficando, obviamente, prejudicado o pedido de juros indemnizatórios, que pressupõe a anulação.
5- DECISÃO
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
- julgar improcedentes as excepções de incompetência material do Tribunal e impropriedade do meio processual.
- julgar improcedente o pedido arbitral de anulação do indeferimento da Reclamação Graciosa e ato tributário subjacente.
- Não condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto indevidamente pago.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €36.756,12, valor económico do dissenso, (anulação do ato tributário de liquidação) e indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.836,00,, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 14abr2025
O árbitro
Fernando Miranda Ferreira