Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 903/2024-T
Data da decisão: 2025-04-06  IRS  
Valor do pedido: € 11.441,78
Tema: IRS. Residente não habitual. Pressupostos. Natureza da inscrição.
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SUMÁRIO:

 

1. O benefício fiscal relativo aos residentes não habituais, previsto no artigo 16.º, do Código do IRS, é um benefício fiscal automático, não dependente de reconhecimento, bastando-se tão-só com a verificação dos pressupostos objectivos contidos naquela norma.

 

2. O dever de inscrição como residente não habitual até 31 de Março do ano seguinte àquele em que o sujeito passivo se torne residente em Portugal, constitui uma mera obrigação acessória, ad probationem, e cujo incumprimento não prejudica a aplicação do regime.

 

3. A inscrição como residente não habitual não tem eficácia constitutiva do direito ao benefício fiscal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Martins Alfaro, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 08-10-2024, profere a seguinte Decisão Arbitral:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerentes da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT):  A..., solteira, portadora do cartão de identificação com o número ..., emitido na República Federal Alemã, com o número de identificação fiscal português..., residente na Rua..., n.º..., apartamento..., ...-... Vila Nova de Gaia, Portugal,

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral:

 

A liquidação de IRS n.º 2023..., de 29-06-2023, referente ao ano de 2022, no valor de € 990,55.

 

A.4 - Pedido: A Requerente formulou o seguinte pedido:

 

Deve ser declarada a ilegalidade do acto impugnado e, em consequência, determinando-se a sua anulação parcial, com a devolução do montante indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios e demais consequências legais.

 

A.5 - Fundamentação do pedido:

 

A Requerente sustenta que a liquidação impugnada é ilegal uma vez que esta foi apurada sem ter em consideração o regime de tributação dos residentes não habituais cujos pressupostos se encontram cumpridos pela Requerente desde Abril de 2020, pelo que foi tributada como mera residente e não como residente não habitual, assim não beneficiando, como deveria, da aplicação da taxa de 20% aos rendimentos de categoria A, nos termos do artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS.

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

A Requerida invocou excepções dilatórias sustentadas no mesmo fundamento, ou seja, no facto de entender que nos presentes autos está em discussão a pretensão da Requerente ao reconhecimento do estatuto do residente não habitual.

 

As invocadas excepções são as seguintes:

 

Incompetência material do Tribunal Arbitral, dado que a pretensão da Requerente almeja o reconhecimento do estatuto dos residentes não habituais, pedido este cujo conhecimento está vedado ao Tribunal Arbitral, uma vez que não figura na lista de competências materiais deste Tribunal, conforme previstas pelo artigo 2.º do RJAMT.

 

Impropriedade do meio processual, dado que que o pedido da Requerente não configura o meio próprio para reagir contra o indeferimento da pretensão de reconhecimento do estatuto de residente não habitual.

 

Litispendência, uma vez que a Requerente interpôs acção administrativa contra o despacho de indeferimento relativamente ao pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual.

 

Em sede de excepção, a Requerente sustentou ainda que, caso se entenda não existir litispendência, deverá, ainda assim, o Tribunal ordenar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269.º nº 1 alínea c) do CPC, por se considerar prejudicial a apreciação jurisdicional pendente do pedido de registo como residente não habitual.

 

Por impugnação, a Requerente defende que o artigo 16.º, do Código do IRS, consagra um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito deste regime, constituindo assim a inscrição como residente não habitual um requisito prévio necessário à concessão do benefício fiscal.

 

Não tendo o mesmo sido reconhecido por falta dos pressupostos legais, não se verifica a ilegalidade da liquidação impugnada.

 

Conclui que devem as excepções invocadas proceder e a Requerida ser absolvida da instância ou, caso estas sejam julgadas improcedentes, o pedido arbitral deve ser julgado improcedente e ser a Requerida absolvida do pedido, com a consequente manutenção do acto impugnado na ordem jurídica.

 

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.


As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 08-10-2024.

 

A Requerida apresentou a sua Resposta, na qual invocou diversas excepções, quanto às quais foi dada oportunidade à Requerente para exercer o direito ao contraditório, o que esta fez.

O Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAMT, bem como a produção de alegações, sem que as partes se tivessem oposto.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

O pedido de constituição do Tribunal arbitral é tempestivo, o processo não enferma de nulidades, nem existem excepções de que cumpra conhecer oficiosamente.

 

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

 

C.1 - Matéria de facto - Factos provados: Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

A Requerente é uma cidadã de nacionalidade alemã.

 

Até Março de 2020, a Requerente residiu na Alemanha, tal como resulta da comunicação de mudança de residência, emitida pela administração fiscal alemã - Doc. n.º 1 da reclamação graciosa.

 

Em Abril de 2020, a Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal, tal como resulta do documento de registo como residente fiscal - Doc. n.º 2 da reclamação graciosa.

 

Em 2020, a Requerente residiu na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-..., Viana do Castelo, tal como resulta do atestado de residência emitido pela União das Freguesias de Viana do Castelo (... e...) e ...- Doc. n.º 3 da reclamação graciosa.

 

No ano de 2022, a Requerente transferiu a sua residência para a Rua..., n.º..., apartamento..., ...-... Vila Nova de Gaia, Portugal - Facto não impugnado.

 

A Requerente mudou-se para território português em virtude de ter celebrado um contrato de trabalho sem termo com a empresa denominada à data de B..., Lda. (actualmente denominada C..., Lda.), na qual desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Gestora da Área Operacional, tal como resulta do contrato de trabalho - Doc. n.º 4 da reclamação graciosa.

 

A relação laboral da Requerente com a aludida empresa terminou a 31 de Março de 2021, tendo celebrado contrato de trabalho sem termo com a empresa D..., Lda.,

partir de 1 de Abril de 2021, na qual presta a actividade correspondente à categoria profissional de Director de Produção, tal como resulta do contrato de trabalho com esta última empresa - Doc. n.º 5 da reclamação graciosa.

 

A Requerente é engenheira e exerce funções nessa qualidade em Portugal, desde 2020, conforme decorre não só dos contratos de trabalho supramencionados, como também das declarações emitidas pelas empresas C..., Lda. e D..., Lda - Doc. n.º 6 da reclamação graciosa.

 

Nos cinco anos anteriores a 2020, a Requerente não foi residente em Portugal, uma vez que era

residente na Alemanha, tal como resulta do certificado de residência fiscal emitido pela administração fiscal alemã - Doc. n.º 7 da reclamação graciosa.

 

A Requerente apresentou atempadamente a Declaração modelo 3, de IRS, do ano de 2022 - Doc. n.º 9 da reclamação graciosa.

 

A Requerente não apresentou o anexo L da declaração modelo 3 - Doc. n.º 9 da reclamação graciosa.

Na referida declaração modelo 3 de IRS, a Requerente inscreveu, para além de rendimentos relativos a uma mais-valia imobiliária, os rendimentos do trabalho dependente obtidos em território português no ano de 2022, decorrentes dos exercícios de funções acima descritas, no montante total de € 74.740,00, assim como as retenções na fonte efectuadas, no valor de € 24.714,00 - Doc. n.º 9 da reclamação graciosa.

 

Na sequência da referida declaração modelo 3, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2023.., de 29.06.2023, referente ao ano de 2022, que apurou um imposto a pagar de € 990,55, a qual constitui objecto da presente impugnação - Doc n.º 1, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

 

O prazo para pagamento voluntário do imposto liquidado recaiu no dia 31-08-2023 - Doc. n.º 1, junto ao pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerente efectuou o pagamento na totalidade do montante liquidado na aludida liquidação de IRS - Doc. n.º 11 da reclamação graciosa.

 

Em 28-12-2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação de IRS, à qual coube o n.º ...2024..., pedindo a anulação parcial da mesma, por referência ao apuramento do imposto relativo aos rendimentos de trabalho dependente - Categoria A, que auferiu durante o ano de 2022 - Doc. n.º 2, junto ao pedido de pronúncia arbitral e Processo Administrativo.

 

Até à data, a Requerente não foi notificada da decisão final no procedimento de reclamação graciosa.

 

Em 29-04-2024 (e não em 28-04-2024, já que se tratou de Domingo), formou-se presunção de indeferimento tácito da referida reclamação graciosa (artigos 106.º e 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, 57.º, n.º 1, da LGT e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT).

 

Em 08-10-2021, a Requerente solicitou a inscrição como residente não habitual.

 

Em 24-06-2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento proferida no procedimento de inscrição como residente não habitual, datada de 09-06-2022, proferida pelo Senhor Director de Serviços da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, no âmbito do processo n.º ...2021..., com fundamento na extemporaneidade do pedido - Doc. n.º 12 da reclamação graciosa.

 

A Requerente interpôs então acção administrativa, à qual coube o n.º 1807/22.3BEPRT, o qual se encontra pendente - Processo administrativo e Doc. n.º 1, junto à Resposta da Requerida.

 

A referida acção administrativa teve como objecto o despacho de indeferimento proferido pelo Senhor Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, relativamente ao pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual apresentado pela aqui Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS

 

O respectivo pedido consistiu em que fosse «anulada a decisão de indeferimento melhor identificada no introito, sendo a mesma substituída por outra que defira o pedido de inscrição da Autora como residente não habitual, com efeitos a partir de 2020, ou, caso assim não se entenda, no que não se concede, por outra que confirme a verificação dos pressupostos para aplicação do regime desde 2020 e determine a sua aplicação a partir de 2021».

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 25-07-2024 - Sistema Informático de Gestão Processual (SGP) do CAAD.

 

C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:

 

À míngua de factos alegados - e por natureza, da falta de produção de prova - não ficou provado que a Requerente tenha tido impossibilidade de apresentar o anexo L, da declaração modelo 3 de IRS.

Não existem outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, especificamente referidos facto a facto e que não foram impugnados e ainda no teor do processo administrativo e da Resposta da Requerida.

 

A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

 

 

D - MATÉRIA DE DIREITO:

 

D.1 - Questões a decidir:

 

São as seguintes, as questões a decidir:

 

1.ª questão a decidir: Verifica-se a incompetência material do Tribunal para a presente causa?

 

2.ª questão a decidir: Verifica-se a impropriedade do meio processual?

3.ª questão a decidir: Verifica-se a litispendência da presente causa com a acção administrativa especial n.º 1807/22.3BEPRT ou deve a instância arbitral ser suspensa?

 

4.ª questão a decidir: Deve a liquidação impugnada ser anulada parcialmente, com fundamento em a Requerente gozar do estatuto de residente não habitual, quanto ao ano de 2022?

 

5.ª questão a decidir: Deve a Requerida ser condenada em juros indemnizatórios?

 

Vejamos, então:

 

O artigo 124.º do CPPT não faz alusão às questões processuais, diversamente do que sucede no CPC, no artigo 608.º, n.º 1, o qual estabelece um critério de precedência lógica, que impõe ao tribunal a apreciação prioritária das questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

 

Com efeito, nos termos do artigo 608, n.º 1, do CPC, «sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica».

 

Considera-se aplicável ao processo arbitral o estabelecido no artigo 608, n.º 1, do CPC, ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.

 

E o artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAMT, refere-se expressamente às «excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido».

 

Assim, apreciar-se-ão primeiramente as excepções invocadas pela Requerida.

 

D.1.1 - 1.ª questão a decidir: Verifica-se a incompetência material do Tribunal para a presente causa?

A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a respectiva apreciação, previamente à verificação dos demais pressupostos processuais (cf. artigos 16.º do CPPT, e 13.º do CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAMT).

 

A Requerida excepcionou com a incompetência material do Tribunal Arbitral, uma vez que entende que nos presentes autos está em causa o pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa e, sendo, assim, o Tribunal Arbitral seria incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais aos rendimentos auferidos pela Requerente.

 

Daí concluindo que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para a apreciação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerente, no exercício do contraditório, pronunciou-se pela improcedência desta excepção.

 

Apreciando:

 

A competência dos tribunais arbitrais é delimitada pelo disposto no artigo 2.º do RJAMT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Dali resulta que a competência dos Tribunais Arbitrais compreende exclusivamente a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de actos de fixação da matéria tributável que não dêem origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

 

A definição assim efectuada normativamente em razão da matéria, corresponde, genericamente, às pretensões sindicáveis por via da impugnação judicial (cf. o artigo 97.º, n.º 1, do CPPT).

 A Requerida excepcionou com a incompetência deste Tribunal, em razão da matéria, alegando que «é consabido que só depois de ser reconhecido/concedido/aplicado o estatuto de RNH é que a liquidação impugnada poderia ser anulada», pelo que «parece, assim, não existirem dúvidas que o pedido da Requerente se circunscreve ao reconhecimento do estatuto de RNH e à aplicação do mesmo na liquidação em causa».

 

A argumentação da Requerida assenta no pressuposto de que o acesso ao benefício fiscal aplicável aos residentes não habituais tem a natureza jurídica de um benefício fiscal dependente de reconhecimento,

 

Referindo do mesmo passo, como pressuposto do referido benefício, a concessão do estatuto de RNH.

 

Ora, reconhecidamente, quer a jurisprudência judicial, quer a jurisprudência arbitral tributária - com a qual este Tribunal concorda - consideram que o artigo 16.º, nrs. 8 a 12, do Código do IRS, constitui um benefício fiscal automático, isto é, não dependente de reconhecimento.

 

Deste modo, o referido benefício fiscal não depende de qualquer acto administrativo de reconhecimento da AT, nem muito menos de uma qualquer concessão do estatuto de RNH.

 

Neste último caso, não só a lei não prevê a concessão do estatuto de RNH como pressuposto do acesso ao benefício fiscal,

 

Como, tratando-se de um benefício fiscal automático, a respectiva usufruição não se encontra sequer dependente de pedido de reconhecimento efectuado pelo particular perante a AT, ou seja, a eficácia do benefício fiscal não depende de declaração do particular

 

Como muito bem se refere no acórdão do STA, de 14-03-2018, processo n.º 01044/17:[1]

 

«Há isenções que dependem do cumprimento de certas formalidades, identificadas neste e outros artigos que visam averiguar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos legais que permitem a concessão de isenções. Há isenções que são de reconhecimento automático quando os requisitos para a concessão da isenção não dependem de averiguação por parte da Administração Tributária do respectivo preenchimento, no caso concreto».

 

Ou seja, o benefício fiscal em causa não depende de reconhecimento pela AT, bastando-se tão-só com a verificação dos pressupostos objectivos, contidos no artigo 16.º, do Código do IRS.

 

Daí que, ainda segundo o acórdão do STA, de 14-03-2018, processo n.º 01044/17:

 

«[…] permitir, ou impor, que a concessão da isenção dependesse de requerimento apresentado perante a Administração Tributária ou seria mero acto de inútil burocracia, ou, permitiria conferir à Administração Tributária o poder de considerar que a isenção se aplicava numas circunstâncias e não em outras, o que cremos que o legislador não deu o menor sinal de achar adequado que ocorresse, e, por isso, não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário nesta matéria».

 

De tudo isto decorre com clareza que o Tribunal está em condições de conhecer do pedido - o qual, recorde-se, tem por escopo a anulação parcial da liquidação impugnada -, sem que seja necessário entrar no conhecimento do reconhecimento da inscrição como residente não habitual.

 

Acresce que a jurisprudência mais recente do STA se pronunciou no sentido de que, sendo o pedido do sujeito passivo dirigido à anulação por ilegalidade do acto tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, qualquer que seja a razão ou o vício que conduziram à rejeição ou indeferimento dessa pretensão.

 

Veja-se, por todos, o acórdão do STA, de 13-01-2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR:

 

A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação - artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).

[…]

Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva.

 

Deste modo, o facto de a AT ter recusado à aqui Requerente a inscrição como residente não habitual, não impede nem compromete a apreciação, por este Tribunal Arbitral, do pedido identificado no pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, a saber: a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto tributário impugnado.

 

E assim, configurando a Requerente aquele acto tributário como objecto do processo arbitral, é em relação a ele que deve ser aferida a competência do Tribunal.

 

Tal pretensão tem cabimento na jurisdição arbitral tributária, pelo que este Tribunal Arbitral se considera materialmente competente e julga improcedente a excepção deduzida pela Requerida.

D.1.2 - 2.ª questão a decidir: Verifica-se a impropriedade do meio processual?

 

A Requerida, sustentando que «o reconhecimento do estatuto de RNH só pode ser objeto de impugnação junto do tribunal tributário por via da ação administrativa prevista e regulada no CPTA […]», invocou que «é inquestionável que o presente P.P.A. não é o meio próprio para fazer valer a sua pretensão […] sendo que a verificação do erro se afere em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão, in casu, a aplicação do estatuto de residente não habitual»

 

A Requerente, no exercício do contraditório, pronunciou-se pela improcedência desta excepção.

 

Para o TCA - Norte:

 

O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção, e constitui nulidade de conhecimento oficioso (artigos 193.º e 196.º do Código de Processo Civil).

 

Por outro lado, a verificação de tal erro afere-se em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão (efeito jurídico, finalidade ou resultado) que o autor pretende obter do tribunal com recurso à acção – pedido que constitui vinculação temática para o tribunal – sendo que “a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo” – Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição 1948 (reimpressão, 2005) Coimbra Editora, a págs. 285 a 289.

 

Neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31.01.2008, no processo 00620/04.BEBRG:

“…a forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, sendo que esta pretensão deve ser entendida como um certo pedido enraizado em certa causa de pedir”.[2]

 

Ora, a propósito da anterior análise da invocada excepção de incompetência material deste Tribunal, vimos já que o pedido da Requerente consiste na anulação parcial da liquidação impugnada e que radica num benefício fiscal automático - e, por isso, não dependente de reconhecimento pela AT.

 

Daqui decorre que a denominada, pela Requerida, «aplicação do estatuto de residente não habitual», tal como conformada pela Requerente, não decorre de um qualquer “reconhecimento” desse “estatuto”, mas tão-só de esta entender encontrar-se em condições de usufruir do referido benefício fiscal sem nenhuma intermediação administrativa e ser desse modo que conforma a causa de pedir.

 

Haverá, assim, que concluir que a acção arbitral foi apropriadamente utilizada no caso concreto, pois visa obter o efeito anulatório parcial do acto de liquidação e não a modificação da decisão final de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.

 

Termos em que este Tribunal Arbitral considera que a acção arbitral constitui meio processual adequado, julgando-se improcedente a excepção deduzida pela Requerida.

 

D.1.3 - 3.ª questão a decidir: Verifica-se a litispendência da presente causa com a acção administrativa n.º 1807/22.3BEPRT ou deve a instância arbitral ser suspensa?

 

A Requerida suscitou a excepção da litispendência, invocando a pendência, no  TAF do Porto, de uma acção administrativa, a correr termos sob o n.º de processo 1807/22.3BEPRT, e que tem como objecto o despacho de indeferimento proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, relativamente ao pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual apresentado pela ora Requerente, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS.

 

Para a Requerida, a decisão a proferir no presente processo é susceptível de colidir com o sentido da decisão do TAF do Porto e de originar a coexistência na ordem jurídica de duas decisões jurisdicionais que produzem efeitos, sobre a mesma situação jurídica, irreconciliáveis e com sentidos opostos, o que resulta numa situação de litispendência.

 

A Requerida sustenta, ainda, ser evidente e incontroversa a sobreposição, em ambos os processos, de pedido e causa de pedir no sentido de que, em ambos, a Requerente pretende obter o mesmo efeito jurídico com fundamento nos mesmos factos.

 

Mais defende a Requerida que, caso se entenda não existir litispendência, deverá, ainda assim, o Tribunal ordenar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269.º nº 1 alínea c) do CPC, porquanto não poderá deixar de se considerar prejudicial a apreciação jurisdicional em curso do pedido de inscrição como residente não habitual, cujos efeitos se projectarão na validade das liquidações subsequentes, mormente na liquidação impugnada na presente acção arbitral.

 

A Requerente, no exercício do contraditório, pronunciou-se pela improcedência desta excepção.

 

Este Tribunal entende não se verificar as identidades do pedido e da causa de pedir entre a presente acção arbitral e a acção administrativa já referida.

 

Com efeito, enquanto na acção administrativa se impugna apenas e só a decisão de recusa de inscrição da Requerente no registo dos residentes não habituais, com fundamento na extemporaneidade do pedido, no presente processo arbitral contesta-se a legalidade de um acto de liquidação, com fundamento em a Requerente se encontrar em condições de gozar do benefício fiscal sem precedência de reconhecimento prévio deste ou da aceitação, pela AT, do pedido de inscrição como residente não habitual.

Na verdade, o Tribunal perfilha o entendimento da jurisprudência de que «[…] não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa […]».[3]

 

Deste modo, não se encontrando o benefício fiscal relativo ao estatuto de residente não habitual dependente de reconhecimento pela AT - nem sequer da aceitação do pedido de inscrição como residente não habitual -, fácil se torna concluir que não é possível surpreender nem qualquer identidade entre ambas as acções, nem qualquer relação prejudicial,

 

Daí que não nos encontremos, in casu, perante “causas repetidas” que possam dar origem a juízos contraditórios: o TAF do Porto não irá apreciar a legalidade da liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral e este Tribunal não irá decidir - ou sequer tomar posição - sobre a decisão final de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.

 

Assim não se verificando, quanto a ambas as causas de pedir e ambos os pedidos, a identidade a que se refere o artigo 581.º, n.º 1, do CPC, bem como uma relação de interdependência que obste ao julgamento da presente causa,

 

Improcedem, em consequência, a excepção invocada e o pedido de suspensão da instância.

 

 

D.1.4 - 4.ª questão a decidir: Deve a liquidação impugnada ser anulada parcialmente, com fundamento em a Requerente gozar do estatuto de residente não habitual, quanto ao ano de 2022?

Irá de seguida decidir-se quanto à invocada ilegalidade parcial da liquidação do IRS relativa ao ano de 2022, com fundamento na verificação dos pressupostos legais de que depende a aplicação, à Requerente, do regime de tributação em IRS dos residentes não habituais.

 

Por impugnação, veio a Requerida defender que «sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo o mesmo sido concedido/reconhecido por falta dos pressupostos legais, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação reclamada que sustente o peticionado».

 

A Requerida insiste no (único) argumento de que:

 

[…] o artigo 16.º do CIRS consagra um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito deste regime, nomeadamente, que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e, que a pessoa em causa não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.[4]

 

Vimos já, em momento anterior da presente decisão arbitral, que o benefício fiscal relativo aos residentes não habituais, previsto no artigo 16.º, do Código do IRS, é um benefício fiscal automático, não dependente de reconhecimento.

 

Daí que, contrariamente ao defendido pela Requerida, a inscrição como residente não habitual não constitui um requisito prévio necessário ao gozo do benefício fiscal relativo aos residentes não habituais.

 

Por isso, o Tribunal irá tão-somente apurar se dos factos alegados pela Requerente e considerados provados, resultam preenchidos os pressupostos para o gozo do benefício fiscal relativo aos residentes não habituais.

 

O regime fiscal dos residentes não habituais consta do artigo 16.º, nrs. 8 a 12, do Código do IRS:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nrs. 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

 

A jurisprudência judicial e a do CAAD tem entendido que os únicos pressupostos para a aplicação daquele regime e do benefício fiscal que estabelece são os que constam do artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS, a saber:

 

1. Que o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos no artigo 16º, n.rs. 1 e 2, do Código do IRS e

 

2. Que o sujeito passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores.

 

Diga-se que, contrariamente ao sustentado pela Requerida, o dever de inscrição como residente não habitual até 31 de Março do ano seguinte àquele em que este se torne residente em Portugal, constitui uma mera obrigação acessória, ad probationem, e cujo incumprimento não prejudica a aplicação do regime.

 

Ou seja, a inscrição como residente não habitual não tem eficácia constitutiva do direito ao benefício fiscal.[5]

 

Quanto à verificação dos dois pressupostos atrás elencados, consta dos factos dados como provados que:

 

Até Março de 2020, a Requerente residiu na Alemanha, tal como resulta da comunicação de mudança de residência, emitida pela administração fiscal alemã;

 

Em Abril de 2020, a Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal, tal como resulta do documento de registo como residente fiscal;

 

Em 2020, a Requerente residiu na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-..., Viana do Castelo;

 

No ano de 2022, a Requerente transferiu a sua residência para a Rua..., n.º ...,  ..., ...-... Vila Nova de Gaia, Portugal;

 

A Requerente mudou-se para território português em virtude de ter celebrado um contrato de trabalho sem termo com a empresa denominada à data de B..., Lda. (actualmente denominada C..., Lda.), na qual desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Gestora da Área Operacional;

 

A relação laboral da Requerente com a aludida empresa terminou a 31 de Março de 2021, tendo celebrado contrato de trabalho sem termo com a empresa D..., Lda., partir de 1 de Abril de 2021, na qual presta a actividade correspondente à categoria profissional de Director de Produção;

 

A Requerente é engenheira e exerce funções nessa qualidade em Portugal, desde 2020;

 

Nos cinco anos anteriores a 2020, a Requerente não foi residente em Portugal, uma vez que era residente na Alemanha.

 

Em face dos factos atrás elencados, conclui-se assim que:

 

1. Em Abril de 2020, a Requerente tornou-se fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 16º, n.rs. 1 e 2, do Código do IRS e

 

2. A Requerente não foi considerada residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores àquele.

 

Em consequência, o Tribunal considera que a Requerente preenche os pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS, encontrando-se em condições de usufruir do respectivo regime legal quanto aos rendimentos auferidos no ano de 2022 (ano a que se refere o acto impugnado).

 

Nestes termos, o Tribunal irá decidir a final no sentido da procedência do pedido arbitral no que respeita à impugnada liquidação.

 

D.1.5 - 5.ª questão a decidir: Deve a Requerida ser condenada em juros indemnizatórios?

 

A Requerente pediu a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios por o valor do imposto a pagar ter sido superior ao que seria devido por aplicação do regime dos residentes não habituais, já que desta regime resultaria, não imposto a pagar, mas a reembolsar.

 

O artigo 24.º, n.º 5, do RJAMT, estabelece que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário».

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estabelece o direito do particular a juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ficou provado que a Requerente não apresentou o anexo L, da declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2020.

 

À míngua de factos alegados e de prova, não ficou provado que a Requerente tenha tido impossibilidade de apresentar o anexo L, da declaração modelo 3 de IRS.

 

Assim, tendo a liquidação impugnada sido praticada com base nos elementos declarados pela Requerente, torna-se necessário determinar a existência de erro imputável aos serviços.

 

No que à liquidação impugnada se refere, é certo que esta foi emitida pela AT de estrito acordo com os elementos inscritos pela Requerente na declaração modelo 3 de IRS, do que resulta que o acto tributário foi praticado sem que possa imputar-se aos serviços da AT qualquer erro.

Com efeito, com base nos elementos declarados pela Requerente na declaração modelo 3, a única liquidação possível seria, precisamente, aquela que foi praticada pela AT.

 

Contudo, também é certo que a partir do momento em que foi apresentada a reclamação graciosa, tendo por objecto a liquidação aqui impugnada, a AT ficou a conhecer os motivos pelos quais seria de anular parcialmente a liquidação.

 

Deste modo, com o indeferimento - ainda que tácito - da reclamação graciosa, a manutenção da liquidação na ordem jurídica lei passa a ser imputável à AT, constituindo-se esta, a partir desse momento, na obrigação de indemnização prevista no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

Como bem refere JORGE LOPES DE SOUSA:[6]

 

Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte […], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos […].

 

Nestes termos, a Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde o dia 29-04-2024, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

 

 

E - DECISÃO:

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julga improcedentes as excepções invocadas pela Requerida.

 

  1. Julga procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2023..., de 29-06-2023, referente ao ano de 2022, nos estritos termos pedidos pela Requerente.

 

  1. Julga procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra-referidos.

 

 

F - VALOR DA CAUSA:

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 11.441,78, o qual não foi impugnado pela Requerida.

 

Considera o Tribunal não existir fundamento bastante para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 11.441,78.

 

 

G - CUSTAS:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, indo a Requerida condenada nas custas do processo.

 

Notifique.

Lisboa, em 06 de Abril de 2025.

 

O Árbitro,

 

 

 

 

( Martins Alfaro )

Assinado digitalmente

 



[2] Acórdão de 14-07-2017, processo n.º 00290/15.4BEBRG, disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/2660922EC67E81A3802581C60031B540 . Negritos e itálicos do próprio texto.

[4] Realçado do Tribunal.

[5] Neste sentido, cfr. as Decisões Arbitrais prolatadas nos processos nrs.188/2020-T e 777/2020-T, deste CAAD.

[6] Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª ed., 2011, Lisboa, pág. 537.