SUMÁRIO
1. A falta de apresentação no prazo legal da declaração de rendimentos “Modelo 22 de IRC” determina que a Autoridade Tributária e Aduaneira proceda à emissão de uma liquidação oficiosa (artigo 89.º, alínea b), e artigo 90.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIRC).
2. Tendo a Requerente apresentado a declaração de rendimentos em falta, bem como a informação empresarial simplificada, e tendo carreado diversos documentos contabilísticos no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa oportunamente apresentado, a Autoridade Tributária deve realizar, no decurso do procedimento, todas as diligências necessárias para a confirmação dos valores declarados, em vista à fixação do lucro tributável real, tendo em consideração que a liquidação oficiosa tem natureza meramente presuntiva e provisória.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de agosto de 2024, acorda conforme segue:
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Relatório
A...UNIPESSOAL LDA, titular do NIF ..., com sede na Rua ..., nº... – Algés – ...-... Algés, doravante designada por “Requerente”, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 a) e 10.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Constitui pretensão da Requerente o pedido de anulação do despacho de indeferimento que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2019 com o nº 2020... no valor de 45.908,81€ e, bem assim, a anulação desta última.
Como causa de pedir, a Requerente alega, em suma, vários vícios substantivos.
(i) A errónea quantificação do ato tributário, ao abrigo do artigo 99.º, alínea a) do CPPT;
(ii) A violação do direito da participação do contribuinte nos atos tributários que lhe dizem respeito expresso no artigo 60.º da LGT;
(iii) A ausência de fundamentação legalmente exigida do ato de liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 99.º, al. c) do CPPT, 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP.
Que na liquidação oficiosa relativa ao exercício de 2020, a AT considerou que o lucro fiscal da Requerente seria igual a 75% da sua faturação sem IVA.
Que é inadmissível, diz, efetuar tal liquidação atribuindo uma margem de lucro fiscal de 75% sobre a faturação e que em nenhum sector de atividade isso acontece, muito menos no seu sector de atividade.
E que a AT dispunha de todos os documentos e elementos contabilísticos que contrariavam tal aceção, através da faturação informatizada e do IES que demonstravam que a sua margem de lucro era muito inferior. A isso acresce que em sede de Reclamação Graciosa repetiu os elementos documentais já disponíveis na AT e acrescentou uma série de muitos outros, constantes da sua Reclamação Graciosa.
Que o lucro fiscal que a AT presumiu na liquidação oficiosa que emitiu não tem qualquer aderência à sua realidade, pelo que a respetiva liquidação oficiosa deveria ter sido anulada e substituída pelos elementos reais que constam na declaração modelo 22 de 2019, submetida em 22/01/2023.
Que a declaração modelo 22 que a Contribuinte apresentou, conjugada com as informações constantes da IES de 2019, acrescendo toda a documentação junta na sua Reclamação Graciosa (em especial os documentos das Contas 61 e 62), mostra à saciedade, adjetiva, que a realidade fiscal que deve ser tida em conta na liquidação de IRC do ano de 2019 deve ser a que apresentou e não a liquidada oficiosamente pela AT
Que a liquidação deve atender à realidade substantiva dos Contribuintes e respetiva documentação fiscalmente relevante, como toda a que foi por si apresentada e não baseada em presunções ou ficções erigidas pela AT, como é o caso da liquidação oficiosa impugnada que ficcionou um lucro fiscal de 75% sobre a faturação emitida.
Que estando disponível toda a documentação real afeta ao exercício de 2019, através da IES submetida e dos documentos enviados, deverá ser com base nesta documentação que deve ser calculada a sua matéria tributável e o respetivo lucro.
Diz, igualmente, que houve violação absoluta do princípio obrigatório da participação.
E que a consequência da falta de cumprimento do princípio da participação prévia neste caso é a nulidade do procedimento por preterição de formalidade essencial, com a consequente anulação anterior de todos os atos praticados após o projeto de decisão.
Que é obrigatória a participação no procedimento administrativo tributário que alterou a sua situação contributiva relativa ao exercício fiscal de 2019.
Quanto à falta de fundamentação, vem alegar que a liquidação impugnada não está fundamentada e que a AT violou o disposto no art. 77º da LGT, 125º do CPA e 268º da CRP.
Razão pela qual deve, também por esta razão, diz, o ato tributário impugnado ser nulo e substituído por outro que cumpra os deveres de fundamentação e de participação dos interessados.
Conclui, peticionando a ilegalidade da liquidação oficiosa reclamada e do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada, pugnando pela anulação da liquidação oficiosa em causa nos autos, e, bem assim, pela revogação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa em causa nos autos, devendo ser emitida nova liquidação oficiosa que declare como válida e legal a declaração modelo 22 apresentada e que ditou o prejuízo fiscal líquido declarado.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 06-06-2024, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído em 13-08-2024 e tendo o processo seguido a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação, em 25-07-2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
A Requerida ou AT veio contestar por impugnação alegando, em síntese, como segue.
Vem dizer que a Requerente não tem qualquer razão.
Que por não ter diligenciado a entrega da DM22 no referido prazo, por Aviso emitido no dia 6 de novembro de 2020, a Requerente foi notificada para, num prazo de 15 dias, apresentar a sobredita declaração de rendimentos.
E que pese embora tenha sido regularmente notificada para o efeito, mais uma vez, a Requerente não cumpriu com as obrigações a que estava adstrita e não procedeu à entrega da DM22, relativa ao exercício de 2019.
Em consequência, foi emitida, em 09 de novembro de 2022, a liquidação oficiosa de IRC n.º 2022..., da qual resultou o montante total a pagar de € 45.908,81.
E que somente no dia 23 de janeiro de 2023, a Requerente submeteu a DM22 de IRC relativa ao exercício de 2019, na qual indicava como como lucro tributável o montante de €2.399,44.
E que o facto de a DM22 ter sido apresentada fora dos prazos legais estipulados para o efeito, tem como consequência a preclusão de presunção de veracidade que as mesmas possuem ao abrigo do disposto no artigo 75.º da LGT, passando a recair sobre a Requerente o ónus de prova dos factos nela inscritos.
Que no que concerne ao valor do resultado líquido negativo do exercício, no montante de €1.224,10, considerado na DM22 de substituição submetida em 2023 pela Requerente, e constante da “Demonstração dos Resultados por Naturezas”, verifica-se que este corresponde ao valor contabilístico negativo apurado no balancete, no montante de €1.224,10, conforme saldo da “Conta 818-Resultado Líquido” constante do “Balancete” entregue, admitindo-o.
Mas que a Requerente não apresentou prova que comprovasse os encargos não devidamente documentados no valor de € 3.279,03 por si declarados, e, bem, assim, o valor de tributações autónomas inscrito na DM22, no montante de € €16,58, pois não foram juntos mapas ou boletins itinerários para sua justificação.
No seu entendimento é forçoso concluir que os elementos apresentados na presente ação arbitral (através da remissão para os documentos exibidos em sede de RG) em sustentação da sua argumentação são manifestamente insuficientes, não constituindo prova credível quanto à matéria tributável do exercício em causa, invoca.
E que lhe cabe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, conforme dispõe o artigo 74.º, n.º 1 da LGT e esta não logrando fazê-lo, o valor de matéria coletável apurado pela Requerida não está ferido por um erro e liquidação oficiosa, sendo legal e não padecendo de nenhum vício.
Pelo que deverá manter-se o montante de € 215.577,67 correspondente à matéria coletável apurado para o período de tributação de 2019, e bem assim, a liquidação do imposto a pagar (e correspondentes juros compensatórios) no valor total de € 45.908,81 e que a Requerente já tinha sido informada, aquando da notificação do projeto de decisão com vista ao exercício do direito de audição em sede de reclamação graciosa, da necessidade de apresentação dos elementos contabilísticos capazes de comprovar que o resultado tributável calculado oficiosamente era excessivo, não o tendo feito.
Quanto à alegada violação do princípio da participação, diz que a Requerente não apresentou a declaração em falta, pelo que a Requerida atuou em conformidade com a legislação em vigor, sem acutilar o princípio invocado, pois estava dispensada, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, de facultar à Requerente o direito de audição prévia.
E que em sede de procedimento administrativo de reclamação graciosa a Requerente foi notificada, no dia 1 de março de 2024 para, querendo, exercer o direito de audição previsto no artigo 60.º, n.º 1, al. b da LGT, não o tendo feito.
Conclui, assim, que, também quanto à violação do direito de participação (artigo 60.º da LGT) não assiste razão à Requerente.
Por fim, quanto à alegada ausência de fundamentação legalmente exigida do ato de liquidação, diz que a Requerente foi notificada pela AT no dia 30 de novembro de 2020, através do Aviso n.º 02...emitido em 06 de novembro de 2020, de que não constava nos seus registos a entrega da DM22 referente a esse ano.
E que nessa notificação se refere expressamente que a Requerente poderia regularizar a situação no prazo de 15 dias e, se o não fizesse nesse prazo, seria emitida uma declaração oficiosa, nos termos da supracitada alínea b) do nº 1 do artigo 90º do CIRC, a qual teria por base o maior dos seguintes valores: - a matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a AT disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; - ou a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; - ou o valor anual da retribuição mínima mensal.
E que no que respeita à falta de fundamentação salienta que os requisitos legais da fundamentação dos atos constam do artigo 77.º da LGT, o qual determina que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária e pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão parte integrante do respetivo ato.
Bastando, invoca, que a Requerente analisasse a notificação que lhe foi enviada para apresentar a declaração em falta, bem como a notificação respeitante à demonstração da liquidação, para identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor da liquidação oficiosa, ficando a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão e os factos que o levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro.
Mostrando-se evidente, qualifica, que a Requerente teve conhecimento da fundamentação do ato de liquidação, o que lhe permitiu vir discuti-lo através da reclamação graciosa, bem como na presente ação arbitral.
Conclui que resulta claro que a liquidação cuja falta de fundamentação vem alegada não padece de tal vício, porquanto de toda a sucessão de atos levada a cabo pela AT, que teve início com a informação constante do Aviso n.º 02..., respeitante à falta de entrega da declaração modelo 22 e culminou com a notificação da liquidação oficiosa, constam expressa e minuciosamente descritos todos os elementos essenciais dos atos praticados - as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários.
Pugna, a final, pela improcedência da ação arbitral e a manutenção da liquidação em crise nos autos.
Entendeu o Tribunal, por despacho arbitral, proceder à realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT e inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.
Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo, reforçando a sua argumentação.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação
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Dos Factos
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
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Em 06-06-2024, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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O presente pedido arbitral tem por objeto o pedido de anulação do despacho de indeferimento que indeferiu a Reclamação Graciosa no processo n.º ...2023... apresentada pela Requerente contra a liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2019, com o nº 2020..., no valor de 45.908,81€ e, bem assim, a anulação desta última – cf. PA junto aos autos.
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A Requerente é uma Sociedade por quotas, que se encontra registada pela atividade principal classificada com o CAE Principal 47782 – Com. Ret. Material Ótico, Fotografia, Cinema. Instrumentos de precisão, Estab. Espec. tendo iniciado a sua atividade em 01-01-2016, estando enquadrada no regime normal trimestral em sede de IVA, e no regime geral em sede de IRC - cf- PA junto aos autos – apreciação pela AT da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente.
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Em sede de Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou os seguintes documentos contabilísticos comprovativos do apuramento do seu lucro tributável: - Faturas de compras intracomunitárias realizadas, - Cópias de documentos relativos à conta 61 – CEVC, - Cópias de documentos relativos à conta 62 - FSE, - Cópias de documentos relativos à conta 63 – Gastos com o pessoal, - Cópias de documentos relativos à conta 64 – Depreciações e amortizações, ¬- Cópias de documentos relativos à conta 68 – Outros gastos, - Cópias de documentos relativos à conta 69 – Gastos de financiamento, - Cópias de documentos relativos à conta 71 – Vendas, - Conta 81 – resultado líquido do período – saldo final constante do 2º balancete, - Balancetes analíticos antes e após fecho de contas - Extrato de contas das contas 3112 (compras no mercado intracomunitário) e 6431 (Goodwill) - cf. PA junto aos autos – apreciação pela AT da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente.
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Quanto ao valor do resultado líquido negativo do exercício, no montante de €1.224,10, considerado na declaração de rendimentos modelo 22 de substituição, submetida em 23-01-2023, e constante da “Demonstração dos Resultados por Naturezas”, verifica-se que este corresponde ao valor contabilístico negativo apurado no balancete, no montante de €1.224,10, conforme saldo da “Conta 818-Resultado Líquido” constante do “Balancete” - cf. PA junto aos autos – apreciação pela AT da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente.
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Na modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2019 e entregue em 22/01/2023, a Requerente inscreveu os seguintes valores no Q07: - Campo 731: Encargos não devidamente documentados – 3.279,03€ - Campo 728: Multas, coimas e demais encargos – 178,71€ - Campo 733: Encargos com combustíveis – 165,84€ - cf. PA junto aos autos – apreciação pela AT da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente.
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Na sua apreciação a AT entendeu que não foi apresentada qualquer justificação para as despesas não devidamente documentadas, uma vez que apenas foram apresentadas “cópias de documentos das sub-rubricas com valores mais significativos no sentido de comprovar os valores declarados” sem qualquer referência à eventual relação com esta rubrica. Em relação ao valor de tributações autónomas inscrito na modelo 22, no montante de €16,58, verifica-se que não foram apresentados mapas ou boletins itinerários para sua justificação - Cf. PA junto aos autos – apreciação pela AT da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente.
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Por referência ao exercício de 2019 o resultado líquido contabilístico declarado pela Requerente foi de 2.399,48 €, conforme consta da IES de 2019 datada de 04-02-2023, constante das bases de dados da Autoridade Tributária e encontrando-se em estado “validada” – cf. PA junto aos autos.
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No dia 22-01-2023 a Requerente submeteu a declaração modelo 22 de 2019, a qual ficou com o código 2019-...-... -... de identificação, tendo declarado o supramencionado lucro tributável de 2.399,48€ - cf. PA junto aos autos.
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Por não concordar com a liquidação oficiosa de que se viu objeto, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa no dia 07-04-2023, tendo a mesma sido indeferida – cf. PA junto aos autos.
2. Factos Não Provados
Não existem factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.
3. Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes, e, bem assim, do depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente que revelou um conhecimento dos factos e da atividade comercial da Requerente.
De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.
III. Do Direito
Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (cfr. artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (cfr. artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
Neste sentido começar-se-á por apreciar o vício de violação de lei da invocada errónea quantificação do ato tributário, ao abrigo do artigo 99.º, alínea a) do CPPT.
Na medida em que a Requerente não apresentou até ao último dia do mês de maio de 2020, a sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao período de tributação de 2019, tal motivou a emissão de uma liquidação oficiosa– artigo 89.º, n.º 1, alínea b) e artigo 90.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIRC – tendo por fonte o incumprimento da aqui Requerente. Tal não representa qualquer facto controvertido nos autos.
O artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, dispunha que:
1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
(…)
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o maior dos seguintes montantes
1) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75;
2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada;
3) O valor anual da retribuição mínima mensal. (Aditado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
c) (Revogada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
Paralelamente, o artigo 60.º, n.º 2, alínea b), da LGT determina a dispensa do direito de audição quando: “[a] liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.” o que, diga-se, também não representa qualquer facto controvertido nos autos.
Assim, a liquidação oficiosa exige que o contribuinte seja chamado a participar na sua efetivação, salvo se persistir no incumprimento, após notificação para apresentar a declaração em falta.
A liquidação oficiosa reveste uma natureza provisória e tem por base um rendimento presumido pelo facto de inexistirem elementos declarados, no prazo legal, pelo contribuinte.
Pelo que até aqui andou e bem a AT. Disso não pode haver dúvidas, face à inação da Requerente.
Sucede, no entanto, que a Requerente apresentou mais tarde uma declaração de rendimentos para o exercício de 2019 e que apresenta um lucro tributável consideravelmente afastado do lucro tributável presumido que a AT lhe aplicou por via da aplicação do regime simplificado de tributação, sem atender, portanto, a quaisquer gastos.
A Requerente veio a reagir contra a liquidação oficiosa impugnada nos presentes autos, tendo, inclusive, apresentado uma Reclamação Graciosa e carreado extensa prova contabilística, mormente contas de Gastos - FSE’s, custos com pessoal e custos com mercadorias.
Mais, a AT admite expressamente na apreciação que fez da Reclamação Graciosa que o valor do resultado líquido negativo do exercício de 2019, no montante de €1.224,10, declarado na declaração de rendimentos modelo 22 submetida em 23-01-2023, e constante da “Demonstração dos Resultados por Naturezas”, corresponde ao valor contabilístico negativo apurado no balancete, no montante de €1.224,10, conforme saldo da “Conta 818-Resultado Líquido” constante do “Balancete” - cf. Ponto E) da matéria de facto dado como provada.
Ora, se admite tal resultado, não pode ignorar as consequências que isso acarreta na definição da situação tributária real da Requerente relativamente a esse mesmo exercício, “fechando os olhos” para, com base na não aceitação de despesas não documentadas de valor reduzido e da tributação autónoma, desconsidere toda a prova carreada pela Requerente em sede de Reclamação Graciosa, designadamente os gastos havidos com a sua atividade, para lhe imputar um resultado presumido apurado cegamente mediante a aplicação do regime simplificado de tributação, e não cuidando de ordenar qualquer diligência probatória suscetível de conduzir ao apuramento da situação tributária real da Requerente.
Convocando o aresto tirado no Processo n.º 78/2022-T, deste CAAD, a que se adere e citando-o:
“ (…)
Como é sabido, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade.
Um afloramento deste princípio surge no artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
Podemos então defender que “no âmbito do procedimento tributário está consagrado o princípio da verdade material, que alguns reconduzem à menção ´justiça`, do qual resulta que o objetivo fundamental de toda a atuação no procedimento tributário é o da prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade, apenas alcançável com uma avaliação não meramente formal dos factos” (Serena Cabrita NETO/ Carla Castelo TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, págs. 144-145).
Importa ainda reter que os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem atuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações (artigo 11.º, n.º 1, do CPA). Princípio esse igualmente consagrado nos artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT.
Constitui, assim, uma limitação ao princípio da tributação de acordo com o rendimento real, a qual deve ser adequada, necessária e proporcional para salvaguardar o interesse público de arrecadação de receita e de prevenção na erosão da base tributária.
No caso vertente, não obstante as justificações fornecidas pelo sujeito passivo, na reclamação graciosa, para justificar a impossibilidade de cumprimento tempestivo da obrigação acessória de apresentação das declarações de rendimentos relativas aos anos de 2018 e 2019, e apesar de o contribuinte ter apresentado as declarações de rendimentos relativas a 2018 e 2019, bem como a Informação Empresarial Simplificada (IES), no âmbito do exercício do direito de audição prévia, ainda no decurso do procedimento de reclamação graciosa, os serviços da Autoridade Tributária omitiram quaisquer diligências que permitissem confirmar a informação prestada pelo contribuinte – que, aliás, foi objeto de prova documental e testemunhal no âmbito do processo arbitral -, assim como se abstiveram, mormente por via de um procedimento de inspeção, de verificar a conformidade dos elementos contabilísticos que serviram de base à apresentação de declarações de rendimentos.
E limitaram-se a socorrer-se, na decisão de indeferimento, do princípio da repartição do ónus da prova, constante do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Essa questão tem essencialmente relevo quando se chega a uma situação de incerteza quanto aos factos relevantes que terá de ser resolvida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus da prova (artigos 346.º, in fine, do Código Civil, e 414.º do Código de Processo Civil). Ou seja, verificando-se uma situação de falta ou insuficiência da prova relativamente a algum ou alguns dos factos alegados indispensáveis para a decisão da causa, estes devem ter-se como inexistentes, na medida em que não podem ser considerados como provados nem como não provados.
Ora, o contribuinte, no decurso do procedimento tributário, cumpriu o seu ónus alegatório, indicando as razões pelas quais se encontrou impedido de apresentar a declaração de rendimentos em prazo, e não parece possível fazer impender sobre o sujeito passivo o efeito desvantajoso da insuficiência da prova quando a Autoridade Tributária desconsiderou as razões justificativas do incumprimento da obrigação e se absteve, no âmbito do seu poder inquisitório e dever de colaboração, de realizar as diligências instrutórias que, com base nas informações prestadas pelo contribuinte, permitiriam verificar a impossibilidade de cumprimento das suas obrigações declarativas e a veracidade das declarações de rendimentos que vieram a ser apresentadas posteriormente.
A este propósito, veja-se o acórdão do STA de 3 de fevereiro de 2021 (Processo n.º 0276/11), entre outros, e citando Rui Duarte Morais, que refere o seguinte:
“O montante assim fixado [em liquidação oficiosa] será, necessariamente, provisório (como de resto é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correção posterior pela administração tributária). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo.
A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação “provisória”, o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efetuar uma ação inspetiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação atual» (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, págs. 208/209).
De tudo o que vimos de dizer resulta manifesto que o prazo previsto para a liquidação oficiosa de IRC no caso de falta de apresentação pelo contribuinte da declaração de rendimentos não é um prazo de caducidade. É, isso sim, um prazo meramente dirigido aos serviços da AT, impondo-lhes um prazo curto para a liquidação oficiosa, em ordem a prevenir a caducidade do direito de liquidar (que fica sujeita ao prazo normal).
Mas, como resulta do que deixámos já dito, a AT não só pode, como deve, diligenciar, designadamente através de ação inspetiva, no sentido de apurar qual a matéria tributável do período em causa (o valor real ou presumido dos rendimentos sujeitos a tributação), de modo a, dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar, proceder às correções que se mostrem pertinentes e à consequente liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa (consoante seja positiva ou negativa a diferença entre o montante de imposto liquidado oficiosamente nos referidos termos e o que venha a mostrar-se devido)”.
Resulta de todo o exposto, como se concluiu no citado aresto, que não tem qualquer arrimo legal uma solução que preconiza a tributação de rendimento inexistente pela circunstância de não estar cumprida uma obrigação acessória de entrega de declaração de rendimentos. E nos casos em que o sujeito passivo não cumpre essa obrigação, sem prejuízo do poder-dever de proceder a uma liquidação oficiosa provisória, a Autoridade Tributária deve inteirar-se, por via do exercício dos seus poderes inspetivos, da real situação económica do sujeito passivo, de modo a poder promover a liquidação adicional ou a anulação de parte do imposto devido segundo a liquidação provisória.
Na situação do caso, a Administração, não só não procedeu à averiguação inspetiva com vista a verificar os rendimentos efetivamente auferidos pela empresa nos períodos de tributação de 2018 e 2019, como ignorou as declarações de rendimentos apresentadas ainda no decurso do procedimento de reclamação graciosa, preferindo manter a liquidação oficiosa com base no incumprimento da obrigação declarativa em manifesta violação do princípio da tributação pelo rendimento real.
7. Acresce que a liquidação oficiosa nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código de IRC corresponde a uma forma de determinação do lucro tributável por métodos indiretos, que assume natureza presuntiva, visando a determinação do valor dos rendimentos a partir de indícios, presunções ou outros elementos disponíveis, e que, no caso da liquidação oficiosa, é determinada com base nos elementos de que a Administração disponha, segundo as regras do regime simplificado, com a aplicação do coeficiente de 0,75, ou pela totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo, ou pelo valor anual da retribuição mínima mensal.
No entanto, quando há lugar à determinação do lucro tributável por via de uma avaliação indireta ou presuntiva passa a valer a regra do artigo 74.º, n.º 3, da LGT, pela qual compete à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (neste sentido, referindo-se especificamente à situação vertida no artigo 90.º do Código do IRC. A este respeito, veja-se Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Coimbra, 2019, págs. 206-207).
Ora, tendo a Requerente apresentado as declarações de rendimentos, bem como a informação empresarial simplificada, ainda na pendência do procedimento de reclamação graciosa, era a Autoridade Tributária que tinha de provar que, ainda nessa circunstância, se justificava o recurso à liquidação oficiosa. E, por outro lado, a Autoridade Tributária não poderia ignorar, para efeito da fixação do lucro tributável, as declarações de rendimentos apresentadas, ainda que pudesse realizar diligências inspetivas para a confirmação dos valores declarados. Ao invés, a Administração limitou-se a utilizar o argumento meramente formal de incumprimento do prazo para a obrigação declarativa, embora não tivesse realizado quaisquer diligências para confirmar as informações fornecidas pelo contribuinte no âmbito da reclamação graciosa e no exercício do dever de audição prévia.
Neste condicionalismo, a Autoridade Tributária não efetuou a prova que lhe competia, nos termos do artigo 74.º, n.º 3, da LGT, de que se mantinham os pressupostos da aplicação de avaliação presuntiva, quando o sujeito passivo, ainda no exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, havia apresentado as declarações de rendimentos, como também a informação empresarial simplificada, relativas aos anos de 2018 e 2019, que teriam permitido à Administração determinar o lucro tributável real com base na contabilidade.
Resta referir que as declarações rendimentos apresentadas pela Requerente, logo que ultrapassadas as dificuldades com a contratação de um novo contabilista certificado, tiveram por base a contabilidade organizada e beneficiam da presunção de veracidade.
Nos termos do artigo 75.º da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita (n.º 1), presunção essa que cessa, designadamente quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (n.º 2, alínea a)).
Por efeito desta última disposição, cabe à Administração fazer a prova da elisão da presunção de veracidade dos elementos contabilísticos, demonstrando fundamentadamente que a contabilidade do sujeito passivo contém inexatidões e que elas podem constituir indícios bastantes da existência do facto tributário que é sujeito a imposto (Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, págs. 645-646).
Na resposta, a Autoridade Tributária defende que a presunção da veracidade dos elementos declarados, nos termos da referida disposição do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, só vale quando a declaração é “apresentada nos termos da lei”, aí se incluindo a apresentação da declaração no prazo legalmente fixado, pelo que quando apresentadas fora de prazo não gozam de presunção de veracidade.
Uma tal interpretação não tem qualquer cabimento.
Ao referir que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos “termos previstos na lei”, o legislador está a enunciar que, para efeitos de quantificação do lucro tributável, o ponto de partida é o resultado líquido apurado por via contabilística, havendo de atender-se às normas contabilísticas de cálculo do resultado líquido do exercício, que correspondem a normas de incidência fiscal.
Seria absurdo que o simples incumprimento da obrigação acessória de apresentação da declaração de rendimentos, que poderá encontrar-se justificada por diferentes razões, fosse só por si motivo para afastar a presunção de veracidade da declaração e dos elementos contabilísticos em que se baseou, quando é certo que, ainda que apresentada fora de prazo, a declaração continua a depender do balanço contabilístico, e só não beneficia da presunção de veracidade quando a declaração ou a contabilidade revelarem omissões, erros, inexatidões que possam afetar a quantificação do lucro tributável e que é à Administração que cabe comprovar.
A situação descrita no aresto acima identificado tem plena aplicação aos autos, porquanto o facto de a AT não se ter inteirado, após a apresentação da declaração de IRC em falta e da IES e, bem assim, da prova carreada na Reclamação Graciosa apresentada, por via do exercício dos seus poderes inspetivos, da situação tributária real da Requerente, de modo a poder promover a emissão de uma liquidação adicional que refletisse corretamente a sua situação tributária, persistindo num resultado meramente presuntivo, conduz à sua anulação, por excesso de quantificação.
Procede, assim, o pedido arbitral nesta parte.
Em face da solução dada à questão relativa ao vício de violação de lei, considera este Tribunal Arbitral que a procedência do pedido quanto à invalidade em causa na liquidação em crise nos autos confere uma tutela segura e eficaz do interesse da Requerente, prejudicando, assim, o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente no seu ppa.
Determina-se, assim, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a anulação do despacho que ditou o indeferimento da Reclamação Graciosa, e, bem assim, a anulação da liquidação oficiosa de IRC posta em crise nos autos.
IV. Decisão
À face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:
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Anular o despacho de indeferimento proferido no processo de Reclamação Graciosa n.º ...2023... apresentado pela Requerente contra a liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2019, com o nº 2020..., no valor de 45.908,81€, por ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito.
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Anular, consequentemente, a liquidação oficiosa de liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2019, com o nº 2020..., no valor de 45.908,81€.
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Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado azo à ação.
V. Valor da Causa
Fixa-se ao processo o valor de 45.908,81€, por ser aquele que corresponde ao valor da liquidação expressamente impugnada cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do RCPAT.
VI. Custas
Custas no montante de € 2.142,00, a suportar pela Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Abril de 2025.
A árbitra,
Sónia Martins Reis