Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 707/2024-T
Data da decisão: 2025-04-12  IRC  
Valor do pedido: € 164.225,16
Tema: IRC – Código Fiscal do Investimento; Regime Fiscal de Apoio ao Investimento – Investimento Inicial
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SUMÁRIO:

O investimento realizado na remodelação de um hotel, tendo em vista a alteração do respectivo mercado alvo, ainda que inclua uma alteração de menus, actividades e eventos, no qual se continue a explorar um estabelecimento hoteleiro através de serviços de alojamento em quarto com serviços complementares de alimentação e bebidas, não é considerado, per si, um investimento relacionado com uma alteração “fundamental” do processo de prestação de serviços da Requerente, ou seja, não configura um “investimento inicial”, para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 49, alínea a), do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014), e no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Carla Castelo Trindade (presidente), Francisco Lima (relator) e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., LDA., com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua..., n.º ..., em Albufeira (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), visando a declaração da ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e juros compensatórios com o n.º 2024 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2024 ..., referente ao exercício de 2019, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado pela Requerente no dia 1 de Junho de 2024, foi aceite a 3 de Junho de 2024 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Requerida.

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação a 23 de Julho de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído a 12 de Agosto de 2024.

 

  1. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
    1. Foi objecto de um procedimento inspectivo, ao exercício de 2019, do qual resultou uma liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, em consequência de uma correcção na dedução à colecta do benefício fiscal do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), no valor de 146.888,41€;
    2. Considera que existem erros nos pressupostos de facto e de direito do acto tributário para o qual é solicitada a sua anulação;
    3. Remodelou um estabelecimento hoteleiro – o “Hotel...” - através da requalificação de quartos, casas de banho, corredores de acesso, recepção e restaurante-bar, adequando-o ao segmento “Adults Only”, com uma alteração da sua oferta de serviços;
    4. Apesar da remodelação do hotel não ter tido como consequência a alteração da sua classificação oficial de 4 estrelas (que já tinha), implicou em termos comerciais e do ponto de vista dos operadores turísticos que o hotel passasse a ser qualificado como “4 estrelas +” ou “4 estrelas superior”, ou seja, num segmento de superior de mercado;
    5. O investimento realizado em apreço deu origem a uma alteração fundamental do processo “produtivo” dos serviços do estabelecimento hoteleiro “Hotel...”, dando azo a uma classificação comercial superior, com uma tipologia e qualidade de serviços diferenciada (e diferente dos serviços anteriormente prestados), bem como tendo sido criada uma inovação no produto/serviço prestado, vocacionado para um mercado diferenciado;
    6. O investimento realizado criou um produto/serviço inovador, com base na nova tipologia dos quartos, dos equipamentos e decoração, para um novo segmento do mercado turístico com vista à atracção de uma carteira de clientes no segmento de adultos;
    7. Os hotéis não estão excluídos do RFAI, e nesse sentido, será essencial “perceber que houve uma inovação fundamental na produção dos serviços hoteleiros que se passaram a prestar após o investimento que possa integrar o conceito de “alteração fundamental do processo de processo de produção global” do estabelecimento hoteleiro já existente”, independentemente de se continuar a prestar serviços de alojamento.
    8. O investimento realizado, ao contrário do entendimento da Requerida, enquadra-se no conceito de “alteração fundamental do processo global de um estabelecimento existente”, nos termos da alínea a), do parágrafo 49 do artigo 2.º do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014, “RGIC”), e da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de Setembro (“Portaria”).
    9. Em função do investimento realizado, criou 5 postos de trabalho em 2019 que manteve, pelo menos, até final de 2022, não sendo requisito para usufruir do RFAI que exista “criação líquida de postos de trabalho”, conforme decorre de diversas decisões arbitrais e ao contrário do que entende a Requerida;
    10. Será relevante apurar se o investimento realizado é causa da criação de posto de trabalho e se é verificada a manutenção do mesmo pelo período de 3 anos contados da sua realização;
    11. Considerando que a Requerida errou ao considerar que não estavam verificados os dois pressupostos acima para aceder ao RFAI, solicita a anulação da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios em causa, bem como a devolução do imposto pago no valor de 164.255,16€, acrescidos de juros indemnizatórios devidos nos termos legais.

 

  1. Em 12 de Agosto de 2024, foi notificada a Requerida para apresentar a sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Na resposta, a “Requerida acompanha integralmente a posição assumida no relatório de inspeção tributária que conduziu à emissão dos atos tributários sub judice”.

 

  1. E nessa medida, sustenta a Requerida que “vão impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com o referido relatório, considerado no seu conjunto, nos termos do artigo 574.º/2 do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT, assim como impugnados vão os documentos juntos à sua petição inicial.”.

 

  1. Em 18 de Outubro de 2024, foi proferido despacho arbitral a designar o dia 20 de Novembro de 2024, pelas 11:30 horas, para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, notificando a Requerente para indicar, de forma individualizada, a quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que serão objecto daquele tipo de prova.

 

  1. Em 22 de Outubro de 2024, a Requerente, apresentou requerimento a indicar que a prova testemunhal seria acerca dos factos constantes dos artigos 29.º a 38.º do pedido de pronúncia arbitral, ou seja, a totalidade do capítulo aí denominado de “II – DOS FACTOS”.

 

  1. Em 20 de Novembro de 2024, foi proferido despacho arbitral a dar-se sem efeito a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT que se encontrava agendada para o dia 20 de Novembro de 2024, designando-se como nova data o dia 17 de Dezembro de 2024, pelas 14 horas.

 

  1. Em 20 e 22 de Novembro de 2024, Requerida e Requerente apresentaram requerimentos dos quais decorria, respectivamente, a pretensão de ser designada uma nova data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, dados impedimentos que ambas as partes apresentavam para a data anteriormente designada.

 

  1. Em 16 de Dezembro de 2024, foi proferido despacho arbitral a dar sem efeito a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT que se encontrava agendada para o dia 17 de Dezembro de 2024 e a enunciar que o agendamento da mesma para uma nova data.

 

  1. Em 22 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho arbitral a designar o dia 12 de Fevereiro de 2025, pelas 10:30 horas, para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e a determinar, face ao agendamento dessa reunião e por motivos de incompatibilidade de agenda entre os mandatários e os árbitros que forma o Tribunal Arbitral, a prorrogação por dois meses o prazo de arbitragem, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, designando-se o dia 12 de Abril de 2025 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.

 

  1. A reunião arbitral prevista no artigo 18.º, do RJAT, foi realizada no dia 12 de Fevereiro de 2025. Na referida reunião foi produzida a prova testemunhal indicada pela Requerente tendo sido prestado testemunho por parte de i) B..., ii) C..., e iii) D... .

 

  1. No final da reunião, as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, em simultâneo, no prazo de 10 dias, o que as partes vieram posteriormente a fazer.

 

  1. Foi também designado o dia de 12 de Abril de 2025 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

  1. Em 25 de Fevereiro de 2025, a Requerente apresentou as suas alegações, onde, no essencial, reiterou os argumentos anteriormente apresentados. Na mesma data, a Requerida apresentou também as suas alegações, tendo reiterado os argumentos anteriormente apresentados e, adicionando, em síntese, os seguintes argumentos:
  1. A segunda e terceira testemunhas forneceram informações cruciais sobre a condição do hotel e a natureza do investimento;
  2. O hotel terá sido construído em 1968 e a sua última renovação ocorreu há “10 ou 12 anos” e necessitava de manutenção devido à sua condição desactualizada;
  3. O investimento foi impulsionado para dar resposta a uma necessidade de “mercado” (imposição dos operadores turísticos num investimento na manutenção do hotel) e “legal” (imposição do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, previsto no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março);
  4. A mudança para uma política comercial "Adults Only" foi uma alteração de estratégia comercial e não uma alteração fundamental do processo de produção global.
  5. Invoca ainda a decisão arbitral proferida no processo n.º 418/2022-T: “Importa sublinhar que, nos termos das normas aplicáveis (contidas no artigo 2.º, n.º 49, alínea a), do Regulamento Geral de Isenção por Categoria [Regulamento (UE) n.º 651/2014), e no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro], não é qualquer alteração do processo produtivo da empresa que permite considerá-la elegível para o benefícios fiscal do RFAI – tem de se verificar uma alteração fundamental do processo de produção global. No documento General Block Exemption Regulation (GBER): Frequently Asked Questions, de julho de 2015 (p. 11, FAQ n.º 25), a Comissão Europeia expressa o seguinte entendimento sobre o que se deve entender por “alteração do processo fundamental do processo de produção global”: (…) Ou seja, numa tradução livre: O que se entende por mudança "fundamental" no processo de produção? Como se distingue de uma mudança não fundamental? O investimento inicial na forma de uma mudança fundamental no processo de produção global de um estabelecimento existente significa a implementação de uma inovação de processo fundamental (em oposição à rotina). A simples substituição de ativos individuais sem alterar fundamentalmente o processo de produção global constitui um investimento de substituição que não é elegível para auxílio regional ao investimento, uma vez que não se qualifica como uma alteração fundamental de um processo de produção global e, portanto, não é considerado um investimento inicial. O facto de se ter substituído itens individuais de equipamentos por outros de melhor desempenho (a menos que isso leve a uma mudança fundamental no processo de produção global) também seria considerado um investimento de substituição não elegível”. Uma alteração fundamental do processo de produção global pressupõe uma inovação fundamental, pelo que uma mera substituição de ativos integrados no processo produtivo já existente, ainda que permita uma maior qualidade dos produtos, não configura uma “alteração fundamental do processo de produção global”. Pela mesma razão, a mera modernização ou expansão da produção não integram o conceito de “alteração fundamental do processo de produção global”. Decorre da factualidade provada que a Requerente continuou a vender os mesmos produtos, mas com uma melhoria dos acabamentos por anodização, que permitiram, designadamente, uma maior variedade nos tons de cor oferecidos. Ora, esta alteração não representa uma inovação fundamental no processo produtivo, traduzindo-se numa mera modernização de uma das fases do processo produtivo que existia e continuou a existir, limitando-se a melhorar a qualidade e a aumentar a diversidade de tons de cor das peças submetidas a acabamento por anodização. Por essa razão, não se pode concluir que o investimento realizado contribuiu para a “alteração fundamental do processo de produção global” da Requerente.

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

  1. DO MÉRITO

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
    1. A Requerente dedica-se à actividade de exploração de estabelecimentos hoteleiros (CAE 055111), em Albufeira, distrito de Faro, com as denominações “Hotel...” e “...” e, portanto, em zona elegível para efeitos do RFAI;
    2. A Requerente deduziu à colecta de IRC, apurada no exercício de 2019, o montante de 146.888,41€, a título do incentivo fiscal referente ao RFAI, previsto nos artigos 22.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento (“CFI”);

 

  1. A Requerente realizou investimentos no “Hotel...”, num montante de 1.592.591,64€, o qual poderá ser desagregado pelas seguintes categorias: i) “Arquitetos interiores e equipamento”; ii) “Construção Civil”; iii) “Engenheiros”; iv) “Equipamento”; v) “Material”; vi) “Mobiliário”;
  2. O investimento foi localizado em Albufeira, e teve por objecto a remodelação total dos quartos (sem alteração da sua quantidade), varandas, incluindo a intervenção nas respectivas infra-estruturas, bem como a remodelação do restaurante/bar e recepção, com o objectivo ao posicionamento do seu “produto turístico” no segmento de mercado “Adults Only”;
  3. Em consequência da requalificação do hotel, não ocorreu qualquer alteração na classificação do hotel junto da Região de Turismo do Algarve, mantendo o hotel a sua classificação em 4 estrelas;
  4. O processo de exploração da unidade hoteleira, manteve o modelo de alojamento em quarto com serviços complementares de alimentação e bebidas;
  5. Foram criados menus, actividades e eventos direccionados a adultos e eliminados menus, actividades e eventos direccionados a crianças;
  6. Esse investimento realizado pela Requerente foi registado contabilisticamente em activos fixos tangíveis;
  7. No ano de 2019, a Requerente contratou 5 trabalhadores (três ficaram a pertencer aos quadros em 2019 e outros dois em 2021), os quais permaneciam na empresa no dia 31.12.2022;
  8. A Requerente foi objecto de acção inspectiva geral externa, promovida pela Requerida ao exercício económico de 2019, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023..., iniciada no dia 19 de Julho de 2023;
  9. Na sequência dessa acção inspectiva, a Requerida promoveu uma correcção à colecta de IRC da Requerente no montante de 146.888,41€, justificada no não cumprimento dos requisitos a que fruição do RFAI obriga;

 

 

  • A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2019, através da demonstração de liquidação de IRC n.º 2024..., com o valor a pagar de 134.731,74€ e da demostração de acerto de contas n.º 2024 ... no valor a pagar de 164.255,16€, na qual se incluía a liquidação de juros compensatórios n.ºs 2024 ... e 2024..., as quais ascendiam ao montante de 17.366,75€, com data limite de pagamento a 05.03.2024.

 

  1. Factos não provados

 

  1. Com relevo para a decisão da causa não existem factos dados como não provados.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função das posições assumidas pelas partes e tendo em conta a sua relevância jurídica determinada com base nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise concatenada da prova documental junta aos autos pela Requerente e do processo arbitral junto aos autos pela Requerida, e dos depoimentos das testemunhas: i) B..., ii) C... e iii) D..., feitos no âmbito da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, que foram analisados e valorados à luz dos critérios da experiência e da normalidade.

 

  1.  Matéria de Direito

 

  1. O objecto do litígio nos presentes autos respeita à legalidade dos actos de liquidação de IRC, de juros compensatórios e respectivos acertos de contas emitidos pela Requerida, nos quais foi corrigida a dotação e dedução do benefício fiscal do RFAI apurado pela Requerente no exercício de 2019.

 

  1. É questão decisiva julgar se o investimento efectuado, e conforme invocado pela Requerente (em desacordo com a Requerida), poderá ser enquadrado como investimento inicial para efeito do benefício fiscal previsto no artigo 22.º ( e seguintes do CFI), nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, na categoria de “alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

  1. Enquadramento jurídico

 

  1. Antes de se analisar cada um dos mencionados argumentos, cabe estabelecer o enquadramento jurídico vigente à data dos factos relativamente ao benefício fiscal do RFAI.

 

  1. Ao que aqui importa, dispunha-se o seguinte no CFI quanto aos requisitos subjacentes à aplicação do RFAI:

Artigo 1.º

(…)

2. O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).

(…)

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1. O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

2. Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os

investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas

minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na

indústria extrativa;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem

instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou

administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a

exploração turística;

v) Equipamentos sociais;

vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa; 

(…)

4. Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos

passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

(…)

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a

sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de

investimento, nos termos da alínea c).

5. Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em

cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o

que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se

traduza em adições aos investimentos em curso. (…)”

 

  1. Os requisitos subjacentes ao RFAI encontram-se ainda densificados na Portaria, que no seu artigo 2.º, n.º 2, alínea d), estabelece o seguinte: 

“Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

  1. Já o artigo 2.º, § 49.º, alínea a) do RGIC, determina que um “investimento inicial” corresponde ao:

investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

  1. Incumprimento da condição de “investimento inicial

 

  1. A Requerente, no seu processo de documentação fiscal, bem como durante o procedimento e processo tributário, invocou que a tipologia de investimento inicial na qual o RFAI referente ao ano de 2019 se inseria era a “mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

 

  1. Importa aferir se este pressuposto fundamental de elegibilidade para efeito de benefício do RFAI – a realização de um “investimento inicial” – foi demonstrado, ónus que impende sobre a Requerente, ao abrigo do disposto nos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e 7.º, da Portaria.

 

  1. Importa sublinhar que, nos termos das normas aplicáveis (contidas no artigo 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC, e no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria), não é qualquer alteração no processo de prestação de serviços que permite enquadrar o investimento para efeitos do RFAI. Conforme está claro na lei aplicável, é necessário estarmos perante uma alteração fundamental do processo de prestação de serviços.

 

  1. Salientando, que o Regulamento Comunitário, se trata de direito comunitário, emanado da Comissão Europeia e directamente aplicável nos Estados-Membros, importa destacar o que este organismo comunitário clarificou sobre tal ato legislativo.

 

  1. No documento General Block Exemption Regulation (GBER): Frequently Asked Questions, de julho de 2015 (p. 11, FAQ n.º 25), a Comissão Europeia expressa o seguinte entendimento sobre o que se deve entender por “alteração do processo fundamental do processo de produção global”:

25. What is meant by a "fundamental" change in the production process? How is it to be distinguished from a non-fundamental change?

Initial investment in the form of a fundamental change in the overall production process of an existing establishment means the implementation of a fundamental (as opposed to routine) process innovation. The simple replacement of individual assets without fundamentally changing the overall production process constitutes a replacement investment which is not eligible for regional investment aid as it does not qualify as a fundamental change of an overall production process, and thus is not considered to constitute an initial investment. The fact of having replaced individual items of equipment by others that are more performing (unless this leads to a fundamental change on the overall production process) would also be considered a non-eligible replacement investment”.

 

  1. Ou seja, numa tradução livre:

25. O que se entende por mudança "fundamental" no processo de produção? Como se distingue de uma mudança não fundamental?

O investimento inicial na forma de uma mudança fundamental no processo de produção global de um estabelecimento existente significa a implementação de uma inovação de processo fundamental (em oposição à rotina). A simples substituição de ativos individuais sem alterar fundamentalmente o processo de produção global constitui um investimento de substituição que não é elegível para auxílio regional ao investimento, uma vez que não se qualifica como uma alteração fundamental de um processo de produção global e, portanto, não é considerado um investimento inicial. O facto de se ter substituído itens individuais de equipamentos por outros de melhor desempenho (a menos que isso leve a uma mudança fundamental no processo de produção global) também seria considerado um investimento de substituição não elegível”.

 

  1. Neste caso, a Requerente alega que o investimento pretendeu dar resposta a uma alteração do mercado alvo, e explorar o segmento de mercado “Adults Only” com uma alteração do serviço oferecido sem, contudo, ter demonstrado e provado que o investimento esteve relacionado com “alterações fundamentais” no seu processo de prestação de serviços.

 

  1. Em concreto, no caso em discussão, nunca ficou provada qualquer alteração “fundamental” do processo (a título de exemplo, não foram provadas quaisquer alterações fundamentais na perspectiva da pessoas, recursos físicos/tecnologia que intervém no processo de prestação de serviços), sendo antes invocadas algumas alterações que não podem ser consideradas “fundamentais” para efeitos do enquadramento como “investimento inicial”, por exemplo: i) programa de animação direccionado para adultos; ii) “Room service” em funcionamento 24 horas; ou iii) alterações nas ementas da comida.
  2. Ou seja, ainda que se tenha considerado provado que foram alterados menus, realizadas actividades e eventos direccionados a adultos, e (por oposição) eliminados menus, actividades e eventos direccionados a crianças, conclui-se que o processo de exploração da unidade hoteleira, manteve o modelo de alojamento em quarto com serviços complementares de alimentação e bebidas, sem qualquer alteração que se possa considerar “fundamental” para efeitos do RFAI.

 

  1. Pelas razões acima expostas, não se pode concluir que o investimento realizado está relacionado com uma alteração “fundamental” do processo de prestação de serviços da Requerente.

 

  1. Do exposto conclui-se que o investimento realizado no Hotel ..., no exercício de 2019, realizado pela Requerente, não configura um “investimento inicial”, por não se verificar cumprido o requisito previsto no artigo 2.º, n.º 49, alínea a), do RGIC, e no artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Portaria.

 

  1. Consequentemente, o investimento realizado pela Requerente no Hotel ..., no período de 2019, não é elegível para efeito do RFAI.

 

  1. Em virtude de não se verificar um dos pressupostos necessários à elegibilidade do investimento para efeito do RFAI – a qualificação do investimento como “investimento inicial” –, fica prejudicada, por desnecessária, a apreciação dos restantes requisitos relativos ao RFAI, nomeadamente a questão associada à criação de postos de trabalho.

 

  1. Pedido de reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios

 

  1. No caso sub judice, os actos tributários impugnados não enfermam de qualquer vício, inexistindo qualquer erro (de facto ou de direito) que possa ser imputado aos serviços da Requerida, pelo que improcede o pedido de anulação da liquidação de IRC objecto dos presentes autos e, consequentemente, improcedem também os pedidos de reembolso das quantias pagas pela Requerente e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1. DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral – quer quanto ao pedido de anulação da liquidação impugnada, quer quanto aos pedidos de reembolso das quantias pagas e de pagamento de juros indemnizatórios – formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

Mais, decide este Tribunal em condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 164.225,16€.

 

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.672,00€ nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Abril de 2025.

 

Os Árbitros,

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente)

 

Francisco Lima

(relator)

 

Jorge Carita