Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 470/2014-T
Data da decisão: 2015-02-25  Selo  
Valor do pedido: € 4.053,24
Tema: IS – verba 28 da TGIS; terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A, Lda. (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal …, com sede na Rua … Coimbra, apresentou, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a ser declarada ilegal a liquidação adicional n.º 2014 …, datada de 18 de Março de 2014, relativa a Imposto do Selo (“IS”) referente a 2013, no montante de € 4.053,24, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “ATA”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 26 de Agosto de 2014.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 10 de Setembro de 2014.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade da liquidação de IS mencionada supra, por referência a um prédio urbano, situado em Coimbra, com a identificação … … … (tal como consta do documento apensado pela Requerente ao presente processo de pronúncia arbitral).

5. A ATA apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o acto tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 10 de Dezembro de 2014, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela ATA, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como data para decisão arbitral o dia 27 de Fevereiro de 2015.

8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas excepções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

9. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

10. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se os prédios urbanos legalmente qualificados como terrenos para construção, deverão ser abrangidos pelo conceito prédios com afectação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).

11. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, os terrenos para construção não são enquadrados enquanto prédios com afectação habitacional, ficando, desta forma, fora do alcance da aludida verba, ou, ao invés, e tal como defende a Requerida, são considerados prédios com afectação habitacional e, nesse contexto, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

12. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I. A Requerente é proprietária de um prédio urbano, legalmente enquadrado como terreno para construção, inscrito sob o artigo …, na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho de Coimbra, com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de Euro 1.215.974,30.

II. A Requerente, por respeito ao exercício de 2013 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, recebeu a nota de liquidação da ATA, mencionada supra, referente à segunda prestação de IS, no valor de € 4.053,24, de um montante global de € 12.159,74.

13. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

14. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

15. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

16. A sujeição a IS dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

17. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

18. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).

19. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:

“Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 3.º - Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

 

 

Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.

20. Paralelamente, e uma vez que é um dos temas levantado pela Requerida, cumpre, igualmente, expor o artigo 45.º do Código do IMI.

 

“Artigo 45º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º.

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.

21. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afectação habitacional.

22. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

“Artigo 11.º - Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

23. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

 

 

“Artigo 9.º - Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

24. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se os prédios urbanos classificados como terrenos para construção são, ou não, incluídos no conceito de prédio com afectação habitacional, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS.

B) Argumentos das partes

25. A este respeito, a Requerente, depois de iniciar o seu pedido com uma descrição aprofundada sobre o enquadramento jurídico-tributário relevante para o presente tema, alegou, em síntese, o seguinte:

26. Na perspectiva da Requerente, o conceito de terreno para construção, nos termos do artigo 6.º do Código do IMI, “assenta em pressupostos de natureza objectiva e subjectiva. Independentemente de estarem situados dentro ou fora de um aglomerado urbano são considerados terrenos para construção todos aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou construção ou, ainda, quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável. Verificada qualquer das referidas situações (…) o terreno é, desde logo, classificado como terreno para construção, para efeitos tributários”.

27. Com efeito, no entendimento da Requerente, “um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime jurídico que regula as edificações urbanas ou o fraccionamento de prédios rústicos, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir (…)”.

28. Paralelamente, na opinião da Requerente “na definição do âmbito da tributação do património a que se refere a Verba 28 da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante da capacidade contributiva, os prédios de elevado valor que, no segmento relativo a sujeitos passivos residentes em território português, sejam detidos para efeitos habitacionais”.

29. Neste contexto, a Requerente alerta para o facto de que o legislador, ao fazer incidir a aludida verba sobre prédios com afectação habitacional, “não estabelece qualquer conceito específico do que como tal deva, para o efeito, ser entendido, remetendo, antes, para as normas do CIMI”.

30. Para a Requerente, “a expressão com «afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar «outras realidades para além as identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI». Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos nos arts. 9.º do Código Civil e 11.º da LGT”.

31. Adicionalmente, a ora Requerente refuta o entendimento da ATA, que vai no sentido de considerar que os terrenos para construção são abrangidos no conceito de prédio com afectação habitacional, por força do artigo 45.º do Código do IMI.

32. Isto porque, a Requerente não pode partilhar da opinião da ATA que entende que expressão prédios com afectação habitacional se estende para além das espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.

33. De facto, na opinião desta, “não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. Por um lado, porque nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, as espécies previstas no n.º 1 do ar. 6.º do CIMI, como já acima se referiu; por outro lado, porque a aplicação de um coeficiente de afectação – na hipótese de ser admitida – se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas.

Independentemente de na determinação do valor edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção deva ou não ser considerado um coeficiente de afectação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que o incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

Nas condições referidas, a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado”.

34. Desta forma, a Requerente termina a sua exposição, concluindo que o artigo 6.º do Código do IMI estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podendo estes ser enquadrados, para efeitos da incidência da Verba n.º 28 da TGIS, como prédios com afectação habitacional, requerendo, dessa forma, a anulação das liquidações em causa.

35. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

36. A Requerente entende que a presente liquidação adicional é ilegal por violação do artigo 1.º do Código do IS e da Verba 28.1 da TGIS, “solicitando assim a sua anulação pelo Tribunal Arbitral”.

37. Contudo, na opinião desta (Requerida), o conceito de prédio com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

38. Ressalva a Requerida que “o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção «afectação habitacional» – expressão diferente e mais ampla, cujo sentido
há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI”
.

39. Desenvolvendo, de seguida, um extenso racional que, na sua opinião, permite, enquadrar os terrenos para construção no conceito de prédio com afectação habitacional, suportando-se, nomeadamente no artigo 45.º do Código do IMI.

40. “A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.

De um lado, considera-se a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre (…).”

41. Neste sentido, na opinião da Requerida, “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.

42. Conclui a Requerida que, em função do exposto, “a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.

C) Apreciação do tribunal

43. No entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta da Verba n.º 28 da TGIS.

44. Refira-se, igualmente, que, aos olhos do Tribunal Arbitral, a questão decidenda prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida verba, se o conceito de prédio com afectação habitacional, inclui, ou não, os terrenos para construção.

45. A este título, o presente tribunal seguirá, de perto, a Decisão Arbitral referente ao processo n.º 42/2013-T, de 18 de Outubro (decisão que, desde já, aplaude), pela sua pertinência, detalhe e proximidade à presente discussão.

46. A título introdutório, note-se que o Código do IMI, não recorre, na classificação dos prédios urbanos, ao conceito de prédio com afectação habitacional (na verdade, não se encontra igualmente esse conceito em qualquer outro diploma).

47. Desta forma revela-se necessário realizar, com base no quadro jurídico exposto supra, uma interpretação do conceito de prédio com afectação habitacional.

48. A esse respeito, e por forma a suportar a presente decisão, transcrevemos infra parte da Decisão Arbitral n.º 42/2013-T, de 18 de Outubro, onde se decidiu o seguinte:

“De uma interpretação literal da norma de incidência em causa resulta que o legislador quis incluir no âmbito de aplicação da norma os prédios urbanos que tenham uma «afectação habitacional».

A expressão «afectação habitacional» não parece poder ter outro sentido que não o de utilização habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.

E não podemos confundir uma «afectação habitacional» que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma «afectação habitacional».

Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados).

Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objectiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afectação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afectação habitacional” (sublinhado nosso).

49. Ora, no caso dos terrenos para construção, de facto, mais não existe do que a mera expectativa, (ou, eventualmente, potencialidade), dos mesmos, e unicamente após a edificação, virem a ter uma afectação habitacional.

50. Contudo, somente quando a aludida afectação se concretizar, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.

51. De facto, o conceito de afectação habitacional terá que indubitavelmente reconduzir-se a algo que é passível de ser habitado, ainda que, tal como supra exposto, não se encontre reconhecido legalmente como tal.

52. Como tal, não obstante um terreno para construção resultar no futuro, muito provavelmente, num prédio com afectação habitacional, enquanto este assim se mantiver (ou seja, legalmente enquadrado enquanto terreno para construção), não pode, à data dos factos, no entendimento do presente tribunal, ser incluído no campo de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

53. Paralelamente, a ATA demonstrou, tal como descrito supra, que, na sua opinião, é por força do artigo 45.º do Código do IMI, que os terrenos para construção são enquadrados enquanto prédios com afectação habitacional.

54. Neste contexto, e pela sua pertinência para a presente decisão, debrucemo-nos, uma vez mais, sobre a Decisão Arbitral n.º 42/2013, de 18 de Outubro.

55. Tal como exposto na decisão arbitral previamente mencionada, “o artigo 45.º do CIMI tem por objectivo a avaliação dos terrenos para construção, considerando como um dos seus elementos o destino autorizado ou possível, em função dos condicionalismos urbanísticos.

Mais uma vez estamos apenas no campo das potencialidades, das expectativas, e isso não é bastante para alterar a natureza do prédio, que continua a ser considerado como terreno para construção, nem para sustentar que o prédio em causa passa a ter uma «afectação habitacional» para efeitos da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS”.

56. Desta forma, dá razão o presente tribunal à Requerente que afirmou, correctamente, que “a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado”.

57. De facto, é opinião do presente tribunal que, à data dos factos, o conceito prédio com afectação habitacional, referido na Verba n.º 28 da TGIS, reconduz-se, exclusivamente, ao conceito de prédio urbano habitacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI.

58. Por outras palavras, no entendimento do presente tribunal, em sintonia com entendimento vertido pela Requerente e na Decisão n.º 42/2013-T, de 18 de Outubro, não pode a ATA recorrer ao artigo 45.º do Código do IMI para estabelecer uma relação entre terrenos para construção e prédio com afectação habitacional.

59. Nesse sentido, o presente tribunal conclui que, sendo o prédio urbano em discussão um terreno para construção, este não poderá ser incluído no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS.

60. Por último, e não obstante o enquadramento até agora realizado ser, do ponto de vista do presente tribunal, bastante para reconhecer a ilegalidade do acto de liquidação praticado pela ATA, importa ressalvar que, se dúvidas houvesse, a alteração recente ao texto da Verba n.º 28 da TGIS permitia, seguramente, dissipá-las.

61. Com efeito, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2014, veio a alterar o texto verba n.º 28 da TGIS para “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (…)” (sublinhado nosso).

62. Ora, no entendimento do presente tribunal, tal alteração ocorreu, naturalmente, porque o legislador terá percepcionado que existia uma necessidade, verificada apenas a partir de 2014, de alargar a aludida verba aos terrenos para construção, nos termos supra referidos.

63. Nestes moldes, fica claro que até essa data (2014), o texto da verba anteriormente mencionada deixava de fora do seu âmbito de aplicação os prédios juridicamente enquadrados como terrenos para construção (caso contrário, não se teria verificado a necessidade de alterar o texto da aludida verba).

64. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que os terrenos para construção não podem, à data dos factos, ser abrangidos pelo conceito de prédio com afectação habitacional, tal como é referido no texto da Verba n.º 28 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.

IV. Decisão

65. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular a liquidação de IS mencionada supra, por referência a 2013, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 4.053,24, respeitante à tributação de prédios urbanos com afectação habitacional, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;

B) Condenar a Requerida nas custas do processo.

V. Valor do processo

66. Fixa-se o valor do processo em € 4.053,24, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VI. Custas

67. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, CAAD, 25 de Fevereiro de 2015

 

O Árbitro

 

 

 

 

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(Sérgio Santos Pereira)