Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1220/2024-T
Data da decisão: 2025-03-25  IMT  
Valor do pedido: € 9.898,73
Tema: IMT - Isenção de IMT (artigo 7.º do CIMT e artigo 270.º, n.º 2 do CIRE)
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Sumário

  1. Não existe princípio que impeça a cumulação de benefícios fiscais distintos, o seu reconhecimento/atribuição em momentos sucessivos da vida de um imposto ou a “convolação” de isenções;
  2. A caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, não extingue ou preclude o direito ao benefício fiscal constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição imobiliária;
  3. A isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, traduz-se num benefício fiscal automático, resultante direta e imediatamente da lei, devendo ser verificado pelo sujeito ativo da relação jurídico-tributária antes da prolação da liquidação de IMT que seria de efetuar.
  4. A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Paulo Ferreira Alves designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de Janeiro de 2025, decide o seguinte:

 

            I.         Relatório

A..., Lda., com sede na Rua ..., n.º..., ..., n.º..., ...-... Guimarães, com o número identificação de pessoa coletiva..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), titulada pelo documento único de cobrança n.º ..., no valor global a pagar de € 9.898,73, sendo € 8.326,50 referente à importância do IMT, e, € 1.572,23 de juros compensatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 20 de Novembro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora árbitro, para formar o Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 28 de Janeiro de 2025.

Em 28 de Janeiro de 2025, a Requerida foi notificada para apresentação da sua Resposta, tendo apresentado resposta no prazo de 30 dias previsto no artigo 17.º do RJAT.

Por despacho, de 3 de Março de 2025, a Requerente foi notificado para apresentar resposta às exceções invocadas pela Requerida. As partes foram igualmente notificadas da dispensada da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e da dispensa de apresentação de alegações escritas, bem como foi fixado o prazo para a prolação da decisão.

A Requerente apresentou resposta às exceções no prazo concedido.

Posição da Requerente

A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:

  1. A Requerente, em 29 de Fevereiro de 2016, por documento particular autenticado, compra à sociedade insolvente “B..., S.A.”, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., ... - ... Braga, com o número de pessoa colectiva ..., representada pelo Dr. C..., nomeado administrador de insolvência, no âmbito dos autos de liquidação (CIRE), com o número .../12...TBBRG-L, que correu termos na Comarca de Braga, Instância Local, Secção Cível – J4, pelo preço de € 128.100,00. cfr. Doc. n.º 3 do PPA.
  2. O prédio urbano, denominado lote n.º 5, terreno para construção, situado no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registro Predial, Comercial e Automóveis de Guimarães sob o número ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., correspondente à verba n.º 99. cfr. doc. n.º 4 do PPA.
  3. Tendo em vista a celebração da escritura, a Requerente apresentou, em 25 de Fevereiro de 2016, no Serviço de Finanças de Guimarães, a declaração “Modelo 1 de IMT” relativa ao imóvel referido no artigo 4.º do ora petição inicial, onde identificou como alienante a B... SA, NIPC... . cfr. Doc. n.º 5 do PPA.
  4. No mesmo dia 25 de Fevereiro de 2016, e na sequência dessa declaração, a AT emitiu o documento n.º ..., onde consta, entre o mais, “Valor Declarado: € 128.100,00 Benefícios 15 – Prédios para revenda (artº 7º do CIMT), 100% sobre a matéria coletável Matéria Coletável: € 128.100,00 Taxa: 6,50% Coleta: € 0,00. Cfr. Doc 6 do PPA.
  5. Face à aplicação da isenção pela aquisição de prédios para revenda, a importância a pagar foi de valor nulo.
  6. Sucede que, o prédio em referência não foi revendido dentro do prazo de 3 (três) anos, razão pela qual, em 01 de Setembro de 2017, a Requerente solicitou a respetiva liquidação, de forma a dar cumprimento ao n.º 5 do artigo 11.º e ao artigo 34.º, ambos do Código do IMT
  7. Para além de solicitar a liquidação, dada a caducidade da isenção contida no artigo 7.º do Código do IMT, a Requerente expôs e requereu, abreviadamente, ao Excelentíssimo Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães-..., o seguinte: a) Se dignificasse a ordenar a anulação da liquidação de IMT obrigatoriamente solicitada, onde se aplicou a isenção condicionada do artigo 7.º do Código do IMT, por vício de violação de lei, nomeadamente pela não aplicação de uma isenção de carácter automático, como é a do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, com todas as consequências legais, designadamente a emissão de nova liquidação em que se aplique a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE); Caso assim não se entendesse, b) Se dignificasse a ordenar a convolação da isenção condicionada do artigo 7.º do EBF na isenção automática estabelecida no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, com todos os seus efeitos legais, em cumprimento da Circular n.º 16/88, de 09.08 reapreciada pela Circular n.º 18/95, de 11.10, ambas da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e Transmissões do Património.
  8. A AT, através do ofício n...., de 25 de Julho de 2024, notificou a Requerente para, no prazo de 15 dias a contar da data da assinatura do A.R., proceder ao pagamento do IMT, no montante de € 8.326,50, e dos juros compensatórios, no valor de € 1.572,23, uma vez que não procedeu à liquidação do IMT devida nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT. cfr. Doc. n.º 8 do PPA.
  9. Nessa conformidade, a Requerente, em 11 de Setembro de 2024, questiona a AT, via E-Balcão, sobre o requerimento que apresentou em Setembro 2017, rececionando resposta, em 16 de Setembro de 2024, que a questão levantada será objeto de análise e oportunamente informado. cfr. Doc. n.º 9.
  10. A Requerente sustenta, que a aquisição de um activo da massa insolvente, e no âmbito do processo de liquidação da massa insolvente da vendedora, o negócio jurídico de  compra e venda beneficia da isenção prevista pelo n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, entendendo a Requerente, assim, consequentemente, que a liquidação ora em crise tem necessariamente de ser anulada.
  11. Razão pela qual tem de se considerar que o acto de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é efetivamente ilegal, por violação do disposto no artigo 270, n.º 2 do CIRE.
  12. Mais defende a Requerente, que resulta que a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, por prevista na lei, sem estipulação de qualquer limite ou condição, é automática, pelo que não podia a AT recusar a sua aplicação.
  13. Tratando-se de uma isenção de reconhecimento automático, compete a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1 e 3 do Código do IMT, como resulta do disposto na alínea d), do n.º 8, do artigo 10.º do mesmo diploma legal.
  14. Conclui a Requerente peticionado, que ilegalidade dos actos de liquidação de IMT e de juros compensatórios em crise, com todas as demais consequências legais, designadamente o reembolso dos montantes pagos com os devidos juros legais, incluindo os juros indemnizatórios.
  15.  

Posição da Requerida

A Requerida, na sua Resposta sustentou o seguinte:

  1. O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) incide sobre as transmissões, a título oneroso do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional (incidência objetiva – art.º 2.º do CIMT), sendo sujeitos passivos do imposto os adquirentes dos bens imóveis (incidência subjetiva – art.º 4.º do CIMT).
  2. De acordo com o n.º 2 do art.º 5.º do CIMT, o facto tributário do IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão.
  3. É, então, nesse momento que se constitui a relação jurídica tributária que determina, para o sujeito ativo (credor), o direito ao tributo e a correspondente obrigação de pagamento, para o sujeito passivo.
  4. Contudo, há casos em que a lei prevê a isenção do IMT, como acontece com a aquisição de prédios para revenda, prevista no art.º 7.º do CIMT.
  5. Esta é, assim, uma isenção de reconhecimento automático, verificadas que estejam, à data da aquisição, as condições elencadas no dispositivo legal.
  6. Ora, destes elementos decorre que, a intenção da Requerente foi sempre a de beneficiar da isenção de IMT do art.º 7.º do CIMT – aquisição de prédios para revenda.
  7. Caso contrário, teria requerido, reitera-se, a isenção de IS, ao abrigo do art.º 269.º do CIRE, cujo entendimento era, à data, o mesmo que atualmente.
  8. Sobre a convolação da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código de IMT para a isenção de IMT prevista no artigo 270.º do CIRE, sustenta a Requerida:
  9. Trata-se de um benefício fiscal de reconhecimento automático, a impulso do interessado (cf. al. d) do n.º 8 do art.º 10.º do CIMT), cuja aplicação depende de as transmissões onerosas de imóveis da empresa insolvente se encontrarem integradas no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
  10. Da Modelo 1 do IMT apresentada pela Requerente em 2016-02-25, a que foi atribuído o registo n.º 2016/..., consta o código “31”, com a descrição “arrematação”,  este campo corresponde à identificação do facto tributário para efeitos de aplicação das  regras de determinação do valor tributável, no caso em apreço, do art.º 12.º, n.º 4, regra 16.ª, do CIMT, a qual é mais abrangente que a “arrematação judicial ou administrativa”.
  11. No entanto, e para a aplicação do benefício fiscal, por ter sido indicado que a aquisição se destinava a revenda (art.º 7.º do CIMT), tal como foi declarado no contrato de compra e venda formalizado por DPA, foi emitido o documento único de cobrança relativo a IMT, com o n.º ..., a zeros.
  12. Daí que, a Modelo 1 do IMT n.º 2016/..., não tenha apostos os códigos do benefício fiscal e 60, referentes à isenção de IMT prevista no art.º 270.º do CIRE, nem o código do benefício fiscal 101, referente à isenção de IS prevista no art.º 269.º do CIRE.
  13. E, não obstante ter sido inscrito, na Modelo 1 do IMT com o registo 2016/..., no campo 62 –Outros Elementos referentes ao facto tributário, “Proc. Insolvência n.º .../12...TBBRG-L Comarca de Braga – Instância Local – Secção Cível – J4”, isto não significa que se trate de uma aquisição resultante de uma “arrematação judicial ou administrativa”.
  14. Nem significa que a venda daí decorrente esteja integrada “no âmbito de planos de insolvência,
  15. de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente” (cf. Art.º 270.º,n.º 2 do CIRE).
  16. Os pressupostos da isenção prevista no art.º 270.º não têm correspondência direta e exata com a regra de determinação do valor tributável prevista no art.º 12.º, n.º 4, regra 16.ª do CIMT.
  17. Mais, a aquisição de um imóvel no âmbito de processo de insolvência, para beneficiar de isenção de IMT (ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE) tem de preencher determinados pressupostos.
  18. É necessário que se trate da aquisição de imóvel proveniente de empresa ou de estabelecimento desta, visando o incentivo de uma atividade económica, beneficiando a transmissão dos elementos que compõem uma empresa, de forma a que a mesma possa ter continuidade no circuito económico, ainda que detida por pessoa ou empresa diversa.
  19. E é também condição necessária que a compra se faça a uma massa insolvente, contudo, ela não é suficiente para que o direito à isenção nasça na esfera jurídica do requerente, há também que provar que as transmissões onerosas daqueles imóveis estavam previstas no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou praticadas no âmbito da liquidação da massa insolvente.
  20. Ora, a Requerente não produziu tal prova, sendo que o ónus de prova lhe competia nos termos do art.º 74.º da LGT.
  21. Assim, na ausência de tal prova, a isenção prevista no art.º 270.º, n.º 2, do CIRE nunca seria de aplicar ao caso concreto.
  22. E, caso fosse a intenção da Requerente, beneficiar da isenção destes impostos, por se tratar de uma transmissão de imóvel no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, pelo menos, teria solicitado a isenção de IS ao abrigo do art.º 269.º do CIRE, cuja interpretação por parte da AT se manteve inalterada. O que não o fez.
  23. O reconhecimento oficioso de um benefício fiscal é legalmente vinculado e os pressupostos e procedimento de atribuição resultam diretamente da lei.
  24. Tendo a isenção prevista no art.º 7.º do CIMT, sido requerida e usufruída pela Requerente antes do ato de aquisição, cf. n.º1 e 8 do art.º 10.º do CIMT, não existe a possibilidade de troca ou atribuição posterior de outra isenção, por a lei não prever essa troca, nem a sucessão ou acumulação destas isenções.
  25. Ora, não tendo optado por exercer o direito subjetivo à isenção prevista no art.º 270.º, n.º 2 do CIRE, à data do ato translativo do terreno para construção, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente.
  26. O reconhecimento oficioso de um benefício fiscal é legalmente vinculado e os pressupostos e procedimento de atribuição resultam diretamente da lei.
  27. Tendo a isenção prevista no art.º 7.º do CIMT, sido requerida e usufruída pela Requerente antes do ato de aquisição, cf. n.º1 e 8 do art.º 10.º do CIMT, não existe a possibilidade de troca ou atribuição posterior de outra isenção, por a lei não prever essa troca, nem a sucessão ou acumulação destas isenções.
  28. Ora, não tendo optado por exercer o direito subjetivo à isenção prevista no art.º 270.º, n.º 2 do CIRE, à data do ato translativo do terreno para construção, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente.
  29. Sustenta a Requerida, que a liquidação de IMT decorrente da apresentação da Modelo 1 do IMT n.º 2016/..., obedeceu ao declarado pela Requerente, pelo que, não padece de qualquer ilegalidade.
  30. Donde se conclui não estar verificada uma coexistência de um direito subjetivo a duas isenções aplicáveis aos mesmos factos tributários,
  31. Nem qualquer outra circunstância que, de algum modo, possam legitimar um direito superveniente à opção por parte da empresa interessada na isenção de IMT,
  32. Pelo que, a alegação de que o Requerente deveria ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE uma isenção definitiva -, e não da isenção de IMT estabelecida no art.º 7.º do Código do IMT, uma isenção condicionada -, deverá improceder, até porque o direito subjetivo a tal isenção perdeu-se à data do ato translativo dos imóveis (cf. n.º1 e 8 do art.º 10.º do CIMT), por expressa opção da ora requerente na declaração Modelo 1 do IMT n.º 2016/... .
  33. Conclui a Requerida, que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos.
  34.  
  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da data-limite de pagamento da liquidação de IMT n.º ..., ocorrida em 31 de Agosto de 2024.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos  Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos, que, se julgam por provados:

  1. A Requerente, em 29 de Fevereiro de 2016, por documento particular autenticado, compra à sociedade insolvente “B..., S.A.”, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., ...- ... Braga, com o número de pessoa coletiva..., representada pelo Dr. C..., nomeado administrador de insolvência, no âmbito dos autos de liquidação (CIRE), com o número .../12....TBBRG-L, que correu termos na Comarca de Braga, Instância Local, Secção Cível – ..., pelo preço de € 128.100,00. cfr. Doc. n.º 3 do PPA.
  2. O prédio urbano, denominado lote n.º 5, terreno para construção, situado no lugar de..., freguesia de..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registro Predial, Comercial e Automóveis de Guimarães sob o número ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., correspondente à verba n.º 99. cfr. doc. n.º 4 do PPA.
  3. Tendo em vista a celebração da escritura, a Requerente apresentou, em 25 de Fevereiro de 2016, no Serviço de Finanças de Guimarães, a declaração “Modelo 1 de IMT” relativa ao imóvel referido no artigo 4.º do ora petição inicial, onde identificou como alienante a B... SA, NIPC... . cfr. Doc. n.º 5 do PPA.
  4. Na Modelo 1 do IMT com o registo 2016/..., no campo 62 –Outros Elementos, referentes ao facto tributário foi inscrito a seguinte informação: “Proc. Insolvência n.º .../12...TBBRG-L Comarca de Braga – Instância Local – Secção Cível – J4”. Cf. PA.
  5. No dia 25 de Fevereiro de 2016, e na sequência dessa declaração, a AT emitiu o documento n.º..., onde consta, entre o mais, “Valor Declarado: € 128.100,00 Benefícios 15 – Prédios para revenda (artº 7º do CIMT), 100% sobre a matéria coletável Matéria Coletável: € 128.100,00 Taxa: 6,50% Coleta: € 0,00. Cfr. Doc 6 do PPA.
  6. Em 01 de Setembro de 2017, a Requerente, atendendo que o prédio em referência não foi revendido dentro do prazo de 3 (três) anos, solicitou a respetiva liquidação, de forma a dar cumprimento ao n.º 5 do artigo 11.º e ao artigo 34.º, ambos do Código do IMT, e Requerente expôs e requereu,  ao Excelentíssimo Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães-2, o seguinte:

a)Se digne a ordenar a anulação da liquidação de IMT n.º..., onde se aplicou a isenção condicionada do artigo 7.º do Código do IMT, por vício de violação de lei, nomeadamente:

i. Pela aplicação do entendimento da Circular n.º 4/2017, face à substituição de entendimento por aquela operada, ora abrangendo a escritura do prédio em referência (25.02.2016);

ii. Pela obrigatoriedade de a administração tributária rever as suas posições face à jurisprudência dos tribunais superiores, de acordo com n.º 4, do artigo 68.-A LGT;

com todas as consequências legais, designadamente a emissão de nova liquidação em que se aplique a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

Caso assim não se entenda,

b)Se digne a ordenar a anulação da liquidação de IMT n.º..., onde se aplicou a isenção condicionada do artigo 7.º do Código do IMT, por vício de violação de lei, nomeadamente pela não aplicação de uma isenção de carácter automático, como é a do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, com todas as consequências legais, designadamente a emissão de nova liquidação em que se aplique a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

Ainda assim, caso não se entenda,

Se digne a ordenar a convolação da isenção condicionada do artigo 7.º do EBF na isenção automática estabelecida no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, com todos os seus efeitos legais.. Cfr. Doc 7 do PPA.

  1. Através do ofício n.º ..., datado de 2024-07-25, a requerente foi notificada do “IMT Oficioso”, com o seguinte teor:

 

 

 

 

 

 

 

. Cfr. PA.

 

  1. Este ofício foi remetido através de correio registado com aviso de receção – com o registo  n.º RF...PT , tendo este sido assinado em 2024-07-30. . Cfr. PA.
  2. A AT, através da Modelo 1 de IMT a que foi atribuído o n.º de registo 2024/..., foi emitida oficiosamente a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 8.326,50, acrescido de juros compensatórios no montante de €1.572,23, o que perfazia o montante de €9.898,73, com data limite de pagamento 31 de Agosto de 2024, do qual consta a seguinte descrição:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

. Cfr. PA.

 

  1. Em 2024-09-13, a Requerente procedeu ao pagamento do IMT.
  2. Em 2024-09-11, é instaurado o Processo de Execução Fiscal n.º ...2024... . Cf. PA.

 

2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes, para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), e, e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, pelas Partes, e nas posições por estas assumidas, em relação aos factos, que é consensual. A questão a decidir é, pois, unicamente de direito.

Não existem, factos alegados com relevância para a apreciação da causa, que, devam considerar-se não provados.

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

  1. Do Mérito

Atenta a posição das partes, assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

  1. Alegadas pela Requerente:
    1. declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IMT
    2. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Alegada pela Requerida:
    1. Exceção da intempestividade do pedido.

 

Questão Prévia a Decidir: Exceção Da Intempestividade Do Pedido.

Face ao disposto no artigo 608.º, n.º 1 do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT «(...) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica», estabelecendo o n.º 2 do mesmo normativo que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (...)».

Assim sendo, tendo a Requerida, na sua resposta, suscitado a exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, com implicações na instância, impor-se-á a sua prévia apreciação, e, decisão, uma vez que esta poderá condicionar, ou, prejudicar o conhecimento das questões de direito, suscitadas pelas partes.

A Requerida alega a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, sustentando, que no caso em apreço, a notificação da liquidação de IMT (ato impugnado) – através do ofício n.º..., de 2024-07-25, do SF de Guimarães ... – consumou-se em 2024-07-30 (data da assinatura do AR). Nesta notificação, era concedido o prazo de 15 dias, a contar da data da assinatura do aviso de receção, para que a Requerente procedesse ao pagamento do IMT liquidado, pelo que, esta teria até 2024-08-14, para fazê-lo. Ora, devendo o pedido de constituição de tribunal arbitral ter sido apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do CPPT, e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 2024-11-19, constata-se que este foi apresentado após a preclusão do prazo para a sua apresentação.

A Requerente, em resposta, contra-alegou, afirmando que requereu expressamente a constituição de tribunal arbitral, com árbitro singular, com vista à pronúncia arbitral sobre “a legalidade dos actos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), titulada pelo documento único de cobrança n.º..., no valor global a pagar de € 9.898,73, sendo € 8.326,50 referente a importância do IMT e € 1.572,23 de juros compensatórios. E, conforme Doc. n.º 1 junto com a PI, refere como data da liquidação 28.08.2024, e, termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária, 31.08.2024. Ora, tendo sido apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, ou seja, em 19.11.2024, constata-se que este foi apresentado dentro do prazo para a sua apresentação.

Ora, nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e do art.º 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, é de 90 dias, a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto legalmente notificado ao contribuinte, ou seja, o prazo para a constituição do tribunal arbitral, para apreciação da legalidade das liquidações de IMT, inicia-se do termo do prazo para o pagamento voluntario.

Os factos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, para onde remete o referido normativo do RJAT são os seguintes: «a) termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte" e "b) notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação.»

Nos presentes autos, o objeto do pedido, é expressamente delimitado pela Requerente, ou seja, o objeto (único) do pedido de pronúncia arbitral é a declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de IMT, com o número ..., de 28 de Agosto de 2024, no valor de 9.897,73€, com data-limite de pagamento, no dia 31 de Agosto de 2024.

Na argumentação apresentada pela Requerida, cabia à Requerente proceder ao pagamento do IMT, até ao dia 14 de Agosto de 2024, sendo que essa data corresponde, ao prazo de 15 dias após a notificação do ofício n.º..., que se realizou em 30 de Julho de 2024, conforme assinatura do Aviso de recepção, isto, porque de acordo com o ofício a Requerente teria 15 dias para proceder ao pagamento.

Contudo, a argumentação da Requerida, improcede, visto que a liquidação ora impugnada, com o número ..., é uma liquidação oficiosa emitida pela AT, no seguimento do Ofício n.º ..., para pagamento voluntario pela Requerente, inclusive a liquidação inclui uma referência expressa a divergência e ao procedimento em questão, e o valor da liquidação, incluindo juros compensatórios corresponde ao valor do ofício, bem como essa liquidação deu lugar ao Processo de Execução Fiscal n.º ...2024... .

Pelo que, é a partir da data da liquidação oficiosa para pagamento voluntario do imposto, que o prazo previsto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, se inicia, ou seja, inicia-se no dia 31 de Agosto de 2024.

Como, o presente pedido de constituição do tribunal arbitral, foi apresentado pela Requerente, em 19 de Novembro de 2024, fê-lo dentro dos 90 dias, previsto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Improcede assim a exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

Do Mérito da Causa – da ilegalidade da liquidação de IMT

Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal a apreciação das seguintes questões, se é legalmente admissível a cumulação de isenções de IMT, se a Requerente cumpre e pode beneficiar da isenção IMT prevista no artigo 270.º do CIRE.

Comecemos, por apreciar o enquadramento legal, relevante, à data dos factos:

Dispõe o artigo 7.º do CIMT:

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º (*) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.

Por seu turno, dispõe o artigo 11.º, n.º 5 do CIMT:

5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda..

O n.º 1 e 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) prevê que:

1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

Mais resulta do artigo 12.º do EBF:

O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.

Estabelece o artigo 270.º do CIRE:

“1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões  onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência,  de pagamentos ou de recuperação: 

a) As que se destinam à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinam à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c)  As  que  decorram  da  dação  em  cumprimento  de  bens  da  empresa  e  da  cessão  de  bens  aos  credores”

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Da legislação exposta, retém-se, que as isenções vertidas nos artigos 8.º, n.º 1 do CIMT e 270.º, n.º 2 do CIRE, revestem uma natureza automática, não se exigindo, por isso, qualquer ato de reconhecimento.

Do artigo 5.º do EBF resulta, que, os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objeto de qualquer ato autónomo de reconhecimento, é no momento de decidir, se, deve ser praticado o ato de liquidação, que, se coloca a questão da verificação, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, da ocorrência, ou, não, dos pressupostos do benefício fiscal.

No termos do artigo 270.º do CIRE, na qualidade de legislação extravagante, não se prevendo, expressamente, a necessidade de reconhecimento prévio, em nenhuma das normas elencadas, está-se perante uma isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação, e, declaração, ao serviço de finanças, onde for apresentada a declaração, prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto no artigo 10.º, n.º 8, alínea d).

Não se deixando de referir, que,  a convolação de isenções, é, até, admitida por parte da AT, na doutrina administrativa – Circular 18, de 11/10/1995 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património – do seguinte modo: “[a] convolação da isenção é requerível em qualquer altura, mantendo-se em pleno vigor os restantes condicionalismos e procedimentos evidenciados naquela circular 16/88”

Em igual sentido, já se pronunciou o STA no Acórdão 01044/17, de 14-03-2018, cfr transcrição do sumário:

I - Quer o art.º 269 quer o art.º 270º do CIRE fazem um elenco detalhado dos atos que beneficiam de isenção de imposto de selo, quando devido, e, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis indicando que tais atos, para beneficiarem das ditas isenções têm que cumprir um único requisito: estarem previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (atos) ou integrados (transmissões)em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação.

II - Trata-se de atos e transacções profundamente escrutinados pelo Tribunal onde corre termos o processo de insolvência, pelos administradores de insolvência, pelos credores da insolvência, pelo Magistrado do Ministério Público afecto ao processo, e, mais tarde pelos notários onde serão celebradas as escrituras públicas correspondentes. A prova de que as operações em questão se desenrolam num processo de insolvência é, diríamos, esmagadora.

III - O legislador não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário relativamente à concessão desta isenção.

IV - O artigo 10.º n.º 8, al. d) prevê que são de reconhecimento automático as isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código, como é o CIRE.”

Retomando os autos, conforme resulta da factualidade provada, a Requerente em 01 de Setembro de 2017, solicitou a convolação.

No que respeita aos benefícios fiscais, dependentes de reconhecimento, o seu reconhecimento é feito através de ato administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.

Veja-se, igualmente as decisões proferidas no CAAD, designadamente, nos processos 318/2022-T, 181/2021-T, 457/2022-T, 613/2021-T (entre outros), que partilham o mesmo entendimento.

Realçamos a decisão proferida no processo  457/2022-T (e 613/2021-T), de 19 de janeiro de 2023, que decidiu sobre o tema da “cumulação de isenções”, da seguinte forma:

“Em primeiro lugar, há que salientar não estarmos perante um caso em que o legislador conferiu um direito de opção aos interessados.

Estaremos sim perante um concurso aparente de normas, pois a factualidade em causa (as aquisições de imóveis) é subsumível às hipóteses de dois tipos legais de isenção, as quais tutelam interesses extrafiscais diferentes (não originar uma cascata de tributações em IMT, no caso do art. 8º do CIMT; facilitar, não onerando com a incidência de imposto, a aquisição de bens integrantes de massas insolventes, de modo a permitir uma mais cabal satisfação dos credores, no caso do artº 270º do CIRE).

Num concurso aparente de normas só uma, a apurar em sede interpretativa atentos os objetivos prosseguidos por cada uma delas, resultará aplicável.

Temos assim uma primeira conclusão: em abstrato, as aquisições de imóveis que deram origem às liquidações impugnadas, ou parte delas, estavam isentas de IMT quer ao abrigo do disposto no art. 270º do CIRE, quer ao abrigo do disposto no 8º do CIMT.

A invocação de uma não inviabiliza a possibilidade de, posteriormente, se invocar a exclui a outra, até porque o direito aos benefícios fiscais automáticos é irrenunciável (art. 8º, n.º 14 EBF).”

In casu, foi declarado o benefício fiscal, vertido no artigo 8.º do CIMT, sendo o entendimento transponível para a aplicação do benefício fiscal vertido no artigo 7.º do CIMT, tendo a liquidação sido realizada com tal pressuposto, o sujeito passivo beneficiou da isenção durante cinco anos. Volvidos esses anos, sem que os prédios tenham sido revendidos, a caducidade opera automaticamente e com efeitos ex tunc, sendo da responsabilidade do sujeito passivo a liquidação do imposto.

Assim, a Requerente, com a extinção do benefício fiscal, consagrado no artigo 7.º, n.º 1 do CIMT, por não ter revendido o imóvel, não ficou impedida de exercer o direito a beneficiar da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, após a caducidade da primeira isenção.

Encontrando-se respondida a primeira questão elencada, pode a Requerente cumular ou convolar as isenções descritas, compete agora apreciar a segunda questão, concretamente, se a Requerente pode beneficiar da isenção do artigo 270.º do CIRE.

Sobre esta questão, atualmente não há grandes dúvidas, existe hoje jurisprudência uniformizada (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01521/15, de 29-03-2017), sobre a interpretação a conferir ao n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, no sentido de que a isenção não depende da transmissão da universalidade da empresa ou do estabelecimento desta, aplicando-se igualmente aos elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. (em igual sentido veja-se Acórdão do STA n.º 0234/17 de 04-10-2017).

Como decorre do teor literal desta norma e do próprio enquadramento sistemático destas normas no CIRE, e não em qualquer outro diploma, a sua aplicação restringe-se a atos praticados na sequência de decisões tomadas em processos de insolvência ou de recuperação de empresas.

Atendendo à jurisprudência elencada, vejamos em concreto, se a Requerente adquiriu os imoveis em questão, no âmbito de um plano de insolvência, ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, de empresas.

A este propósito, veja-se o sumário do aresto que perfilhamos proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01044/17, de 14-03-2018:

"I - Quer o art.º 269.º quer o art.º 270.º do CIRE fazem um elenco detalhado dos atos que beneficiam de isenção de imposto de selo, quando devido, e, de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis indicando que tais atos, para beneficiarem das ditas isenções têm que cumprir um único requisito: estarem previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (atos) ou integrados (transmissões)em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação.

II - Trata-se de atos e transacções profundamente escrutinados pelo Tribunal onde corre termos o processo de insolvência, pelos administradores de insolvência, pelos credores da insolvência, pelo Magistrado do Ministério Público afecto ao processo, e, mais tarde pelos notários onde serão celebradas as escrituras públicas correspondentes. A prova de que as operações em questão se desenrolam num processo de insolvência é, diríamos, esmagadora.

III - O legislador não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário relativamente à concessão desta isenção.

IV - O artigo 10.º n.º 8, al. d) prevê que são de reconhecimento automático as isenções constantes de legislação extravagante ao presente código, como é o CIRE.

Em linha com o Sumário, diz-se que “A interpretação e aplicação do disposto no referido art.º 10.º não prescinde de um momento prévio de indagação sobre se a isenção em causa é ou não de reconhecimento automático. Só depois de definida esta questão se pode o intérprete lançar a correr o referido artigo para descortinar em que concreta situação é enquadrável o caso concreto, para ver definido qual o procedimento legal a seguir para obtenção da isenção.

(...) Mas, para além disso, permitir, ou impor, que a concessão da isenção dependesse de requerimento apresentado perante a Administração Tributária ou seria mero acto de inútil burocracia, ou, permitiria conferir à Administração Tributária o poder de considerar que a isenção se aplicava numas circunstâncias e não em outras, o que cremos que o legislador não deu o menor sinal de achar adequado que ocorresse, e, por isso, não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário nesta matéria.”

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA 30/05/2012 rec. 0949/11 «o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade. (…) Como tal, deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Ora, retomando os autos, da factualidade descrita, resulta que a Requerente adquiriu o imóvel em questão, no âmbito de um plano de insolvência, ou, praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, encontrando-se assim preenchido um dos critérios para beneficiar da isenção.

Nestes termos, o imóvel foi adquirido em conformidade com os pressupostos exigidos pelo n.º 2, do artigo 270.º do CIRE.

Conclui-se que a Requerente tem direito à isenção de IMT prevista no n.º2 do artigo 270.º do CIRE.

Nestes termos, procede o pedido arbitral e em consequência deve ser anulada a liquidação de IMT, com todas as consequências legais.

 

Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios

Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Sobre esta questão o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa exprimiu, em anotação ao artigo 61.º do CPPT, uma posição que merece o nosso total acordo, segundo a qual “... a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto, por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 531 e 532).

Esta é também a posição dominante da jurisprudência do STA (vd., Ac. STA, de 07-09-2011, recurso n.º 0416/11, disponível em www.dgsi.pt/jsta).

Ora, estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição do regime regra fica condicionada pela ausência de revenda dos imóveis, como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar.

No benefício fiscal descrito no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, a AT desenvolve uma atividade vinculada; caso se verifiquem os pressupostos, os seus efeitos reportam-se à data de aquisição do prédio.

Revertendo a referida interpretação para o caso concreto: a Requerente, no momento da aquisição, já beneficiava da isenção de IMT; a AT, ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a existência da isenção, pratica um ato ilegal – violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

A AT teve oportunidade de analisar o pedido da Requerente, tendo em sua posse toda informação necessária para aplicar a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, não o fez, pese embora tenha havido intervenção direta da AT.

Perante o exposto, a liquidação do IMT, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que a Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foi por aquela cometido e não poderia a mesma desconhecer entendimento diferente.

Na verdade, estando demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.º a 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.

Pelo exposto, dá-se provimento ao pedido da Requerente.

 

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Improcede a exceção de intempestividade;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência, anular a liquidação n.º ... de IMT,  no valor de € 9.898,73, e condenar a AT no reembolso do imposto liquidado.
  3. Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, quanto à liquidação anulada, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT.
  4. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

VI.       Valor do Processo

            Fixa-se ao processo o valor de 9.898,73 € (nove mil e oitocentos e noventa e oito euros e setenta e três cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

VII.     Custas

            Custas no montante de 918,00 € (novecentos e dezoito euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 25 de Março de 2025

O árbitro,

 

 

 

Paulo Ferreira Alves