Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1148/2024-T
Data da decisão: 2025-03-28  IRS  
Valor do pedido: € 12.356,29
Tema: IRS – Comentador Desportivo - coeficiente aplicável em sede de regime simplificado para efeitos de determinação do rendimento tributável.
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SUMÁRIO:

  1. Nos termos do artigo 31º, nº 1, alíneas b) e c) do Código do IRS (na redação em vigor à data dos factos) aplica-se, em sede de regime simplificado, o coeficiente de 0,75 aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na Tabela a que se refere o artigo 151º daquele Código e o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.
  2. Verificando-se que a Tabela a que se refere o artigo 151º do Código do IRS, não prevê especificamente a actividade profissional de Comentador Desportivo não é aplicável o disposto no artigo 31º, n° 1, alínea b) do Código do IRS, pelo que não pode a determinação do rendimento tributável (em sede de regime simplificado) resultar do coeficiente de 0,75, sujeitando-se antes ao disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 31º do Código do IRS, que estabelece um coeficiente de 0,35.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

 

Requerente – A...

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 02-01-2025, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., nº..., ..., ..., em Cascais (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 22-10-2024, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. O Requerente, tendo sido notificado dos actos de liquidação de IRS n.º 2024 ... e 2024..., referentes aos anos de 2021 e 2022, vem apresentar pedido de pronúncia arbitral “(…) no sentido de serem anulados os actos tributários de liquidação de IRS, identificados (…), com as legais consequências”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 23-10-2024 e notificado, em 28-10-2024, à Requerida.

 

  1. Em 11-12-2024, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 02-01-2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida apresentou, em 03-02-2025 (notificada ao Tribunal em 06-02-2025), a sua Resposta, defendendo-se por impugnação e concluindo que “(…) deve ser julgado totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se, em conformidade, a Entidade Requerida de todo o pedido (…)”.

 

  1. Na mesma data remeteu ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 08-02-2025 (notificado às Partes em 11-02-2025), mandou notificar-se o Requerente para “(…) no prazo de 5 dias a contar da notificação do presente despacho, informar se mantem interesse na inquirição das testemunhas indicadas no pedido e, em caso afirmativo, indicar sobre que factos mencionados no pedido [iria] incidir a inquirição das referidas testemunhas”, não tendo o Requerente apresentado qualquer requerimento no sentido do inquirido.

 

  1. Por despacho arbitral de 03-03-2025, “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, decidiu o Tribunal Arbitral dispensar a inquirição das Testemunhas arroladas pelo Requerente, bem como dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar nos termos legais e agendar a prolação da decisão arbitral para o dia 28-03-2025.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda o Requerente notificado que, até 10 dias antes da data fixada para a prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 10-03-2025).

 

  1. A Requerida apresentou, em 18-03-2025, as suas alegações escritas, concluindo que “(…) deve ser julgado totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se, em conformidade, a Entidade Requerida de todo o pedido, o que se requer”.

 

  1. O Requerente não apresentou alegações.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    O Requerente alega a ilegalidade dos actos de liquidação que impugna porquanto entende que os mesmos “(…) emergiram de correcções ao rendimento global do Requerente em virtude de a AT entender que os rendimentos do Requerente resultaram do exercício de uma actividade prevista no art.º 151.º do CIRS (Jornalista) e, por isso, a determinação do rendimento colectável se obteria pela aplicação do coeficiente de 0,75 e não do coeficiente 0,35, como foi declarado na Declaração de IRS apresentada tempestivamente pelo ora Requerente”.

 

2.2.    Refere o Requerente que “(…) na tese aventada pela AT, (…) de acordo com os recibos emitidos e de acordo com o descrito nos mesmos, verifica-se que são provenientes da actividade de JORNALISTAS E REPORTERES – Cod. 1327, que consta da tabela de actividades a que se refere o art.º 151.º do CIRS. (…)” e que “(…) as declarações fiscais apresentadas tempestivamente pelos contribuintes gozam de uma presunção de veracidade” mas, “tratando-se de uma presunção legal, o legislador admite, contudo, a sua ilisão através da produção, por parte da AT, de prova em sentido contrário”, ou seja, “(…) apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a AT demonstre, inequivocamente, a existência de um facto tributário não reflectido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas”.

 

2.3.    Segundo entende o Requerente, “(…) ao contrário do que se alega na notificação ora posta em crise, a conclusão extraída pela AT é manifestamente contraditória com o descritivo dos recibos emitidos pelo Requerente” porquanto “durante os anos de 2022 e 2021, o Requerente prestou serviços a três entidades:B..., S.A.; C..., S.A. e D..., Lda.”, “sendo que, em 2021, realizou um serviço esporádico de Mediação de Webinar, para a E...” e, “neste conspecto, os recibos emitidos às sociedades B..., S.A. e C..., S.A. dizem, todos eles, respeito a prestação de serviços de comentário desportivo (…)”, “o que, se poderá constatar pelo próprio descritivo dos recibos emitidos (…) e pelos contratos de prestação de serviços celebrados entre o Requerente e as referidas empresas”.

 

2.4.    Assim, segundo entende o Requerente, “(…) a pergunta relevante é a de saber se a actividade desempenhada pelo Requerente, nos anos fiscais de 2021 e 2022, ao serviço das entidades b..., S.A.; C..., S.A. e D..., Lda seria a atividade de jornalista ou não”, o que em seu entender, “(…) é manifesto que o serviço prestado pelo Requerente em nada se conexiona com uma actividade de jornalista”, como procura demonstrar.

 

2.5.    Neste âmbito, refere o Requerente que “o jornalista elabora e transmite uma notícia, que é isenta e objectiva” e “o comentador profere uma opinião, que é necessariamente subjectiva, porque influenciada pela própria vivência de cada comentador”, sendo “(…) por isso, actividades diametralmente opostas” e, “tanto assim é que, reitera-se, para se exercer a actividade de jornalista é necessário ser portador de uma carteira profissional” e “(…) para se exercer a actividade de comentador desportivo não é necessária qualquer habilitação própria para o efeito (…)”.

 

2.6.    Reconhece o Requerente que “(…) indicou - no campo “Atividade Exercida” dos recibos que emitiu - a actividade Jornalistas e Repórteres (para a qual se encontra registado fiscalmente desde 20.11.2008)” mas “(…) tal deveu-se a uma manifesta falta de atenção ao emitir os recibos, na medida em que, por defeito, o campo se encontra pré-preenchido com esse código e o Requerente não se apercebeu que o poderia mudar para a actividade “Outros Prestadores de Serviços”.

 

2.7.    Assim, entende o Requerente que “(…) não pode a forma sobrepor-se à substância e, nessa medida, ter-se-á que reconhecer que a actividade exercida pelo Requerente não era uma actividade Jornalística mas sim uma actividade de comentário desportivo que, por tudo quanto supra se alegou, em nada se assemelha à actividade de Jornalista” e, “nesta conformidade, a actividade exercida pelo Requerente, não se encontra compreendida em nenhuma das actividades expressamente previstas no art.º 151.º do CIRS, mas sim na actividade com o código 1519 – Outros Prestadores de Serviços, actividade para a qual o Requerente também se encontra registado fiscalmente desde 20.11.2008”.

 

2.8.    Acrescenta o Requerente que, no que diz respeito ao regime de tributação, “(…) a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS (…)” sendo que “este normativo não inclui o Código “1519 – Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não especificamente previstas na referida tabela, aplicando-se o coeficiente 0,35, conforme resulta do artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS”.

 

2.9.    Assim, reitera o Requerente que “(…) presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária - , não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às atividades aí não especificamente previstas, visto que este coeficiente não evidencia uma atividade profissional de prestação de serviços específica”.

 

  1. Por outro lado, citando jurisprudência, refere o Requerente que no Acórdão do Pleno do STA, para uniformização de jurisprudência, de 09.12.2020, proc.º 092/19.9BASLB, relatado por Isabel Marques da Silva, se refere que “(…) em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo a afirmação concordante do legislador ordinário nesse sentido mero corolário daquela norma constitucional (…)”.

 

  1. No mesmo aresto, é referido que “(…) não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às atividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual às atividades aí não especificamente previstas (…)”, concluindo o Requerente que “este tem sido o entendimento propugnado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, concretamente o Acórdão de uniformização de jurisprudência, de 12/09/2020, proc. n.º 092/19.9BALSB, bem como do CAAD, de que são exemplo as decisões proferidas nos processos n.º 644/2021-T e 18/2019-T”.

 

2.12.  Nestes termos, alega o Requerente “(…) as Liquidações aqui impugnadas são manifestamente ilegais, impondo-se a sua anulação, o que aqui e agora, com estes fundamentos, expressamente se requer”.

 

2.13.  Adicionalmente (no caso preliminarmente), entende o Requerente que “(…) é inequívoco que ocorreu violação do Direito de Audição – previsto no art.º 60.º da LGT – direito constitucionalmente protegido de que gozam todos os contribuintes” porquanto alega que “(…) a AT não se dignou responder ou rebater os argumentos apresentados pelo Requerente em sede de Direito de Audição” sendo que “(…) o n.º 6 do art.º 60.º da LGT, consagra a exigência de que os elementos suscitados na audição dos contribuintes deverem ser tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”, “o que significa que, na fundamentação das Liquidações aqui postas em crise, terão de estar invocadas as razões que justificam a improcedência da motivação invocada pelo contribuinte em sede de audição prévia”.

 

2.14.  Assim, conclui o Requerente que “(…) as liquidações ora postas em crise enfermam de ilegalidade, por violação do Direito de Audição, impondo-se a sua inexorável anulação, o que, aqui e agora, com esses fundamentos, expressamente se Requer”.

 

2.15.  Nestes termos, conclui o Requerente referindo que “(…) deve o presente pedido de pronúncia apresentado pelo Requerente ser considerado inteiramente procedente, por provado, e em consequência, serem anulados os actos tributários de liquidação de IRS, identificados (…), com as legais consequências”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida, na sua Resposta, refere que “(…) reafirma todo o vertido no projeto de decisão (…) referente ao IRS de 2021 e ao IRS de 2022 (…), como reafirma todo o demais vertido nos ofícios de notificação das decisões finais dos dois procedimentos de divergências (…), referente ao IRS de 2021 e (…) referente ao IRS de 2022” e que “em face do aí vertido, as liquidações impugnadas não merecem censura (sendo válidas), contrariamente ao sustentado no PPA, donde deve o pedido (formulado a final no PPA) ser considerado improcedente”.

 

3.2.    Com efeito, a Requerida veio referir que acompanha a posição do Serviço de Finanças de Cascais ... “(…) de corrigir os rendimentos declarados no campo 404 do Q 4 A do anexo B, para o campo 403, por serem provenientes da atividade de JORNALISTAS E REPÓRTERES - Cód. 1327, que consta na tabela de atividades a que se refere o art.º 151° do CIRS, de acordo com os recibos emitidos e a descrição feita nos mesmos”, sendo que “os rendimentos indicados no campo 404 do anexo B, devem ser declarados no campo 403 pois exerce por conta própria uma actividade de prestação de serviços com enquadramento na alínea b) do n° 1 do artigo 3º do Código do IRS” e, nessa medida, entende a Requerida que deve o rendimento tributável ser determinado pelo coeficiente de 0,75 [previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 31º do Código do IRS] e não pelo coeficiente de 0,35 [previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 31º daquele Código] porquanto alega que:

3.2.1.   “(…) a criação do coeficiente 0,35 em 2015 (…), visou reconhecer, no tratamento em regime simplificado, a existência de prestações de serviços que são efetuadas com recurso a estruturas empresariais que incorrem em montantes mais significativos de gastos, por oposição às prestações de serviços de natureza profissional liberal, com gastos pouco significativos, continuando estas a estar sujeitas ao coeficiente 0,75”, estando “(…) abrangidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, os rendimentos provenientes das prestações de serviços de atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não incluindo o código “1519 Outros prestadores de serviços” dado este código não explicitar uma actividade profissional especifica, independentemente da actividade estar classificada de acordo com os códigos das actividades especificamente mencionados na tabela de actividade aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto, ou de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística. (…)”,

3.2.2.   “(…) aos rendimentos provenientes do código “1519 Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS (onde se incluem as enquadráveis na al. a) do n.º 11 do artigo 3.º), e desde que não previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, aplica-se o coeficiente de 0,35, a que se refere o n.º 1 da alínea c) deste artigo”.

 

3.3.    Assim sendo, entende a Requerida que “(…) as liquidações contestadas não padecem de quaisquer ilegalidades que possam sustentar as alegações do requerente”.

 

3.4.    Por outro lado, alega ainda a Requerida que “(…) não se verifica qualquer interesse e utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, requerendo a dispensa da reunião e se passe diretamente à decisão da causa”, concluindo que “(…) deve ser julgado totalmente improcedente o (…) pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se (…) a (…) Requerida de todo o pedido (…)”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.4.    A cumulação de pedidos em relação às liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios que são impugnadas nos presentes autos é admissível nos termos do artigo 3º, n.º 1 do RJAT, porquanto a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

  1. No sistema de Gestão de Registo de Contribuintes da AT (SGRC), o Requerente estava colectado, para efeitos de IRS, a 31-12-2021 e a 31-12-2022 (e já desde 20-11-2008), na Categoria B (Regime Simplificado), em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida, com os seguintes código CAE:

- Principal 1327 - Jornalistas e Repórteres e,

- Secundário 1519 - Outros Prestadores de Serviços.

 

  1. Para efeitos de IVA, o Requerente estava colectado, nas datas referidas no ponto anterior, no regime normal trimestral, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. O Requerente, durante os anos de 2021 e 2022, em conformidade com cópias dos doc. nº 5, nº 6, nº 7 e nº8, anexados pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida, prestou serviços às seguintes entidades:

(a) B..., S.A.,

(b) C..., S.A. e,

c) D..., Lda.

 

  1. Para efeitos da prestação de serviços referida na alínea a) do ponto anterior, o Requerente celebrou, em 15-01-2019, com a B..., S.A., um contrato de prestação de serviços (o qual teve uma adenda em 15-01-2020 e outra em 10-12-2020), com efeitos até 15-01-2022, nos termos do qual deveria o Requerente se obrigava a prestar serviços de Comentador num programa de televisão, como a seguir se transcreve, em conformidade com cópias dos doc. nº 6, nº 7 e nº 8, anexados pelo Requerente:

 

 

  1. Para efeitos da prestação de serviços referida na alínea b) do ponto 5.5., supra, o Requerente celebrou, em 27-04-2022, com a C..., S.A., um contrato de prestação de serviços, com início a 01-05-2022, pelo prazo de dois anos renováveis por períodos de um ano, nos termos do qual deveria prestar Comentários em programas desportivos semanais da F..., de acordo com o descrito no anexo I ao contrato, que a seguir se apresenta (em conformidade com cópia do doc. nº 5, anexado pelo Requerente):

 

 

  1. Nos anos de 2021 e 2022, o Requerente emitiu todos os seus recibos relativos às prestações de serviços tituladas pelos contratos identificados nos pontos 5.5. a 5.7., supra, bem como recibos emitidos à D.... Lda. (relativos a serviços de narração de Jogos ...) como sendo respeitantes à actividade de Jornalistas e Repórteres, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. O Requerente, em 22-04-2022 e em 11-04-2023, entregou as declarações de rendimentos modelo 3 de IRS, referentes aos anos de 2021 e 2022, que ficaram registadas sob os nºs ...- 2021 - ...- ...e ... - 2022 - ... – ..., em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. Nas declarações de rendimentos identificadas no ponto anterior, o Requerente declarou rendimentos da Categoria B (no Anexo B, Quadro 4A, campo 404), no valor de
    EUR 43.800,00 e de EUR 46.270,62, respectivamente, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. Em consequência, o rendimento tributável (liquido) para os anos de 2021 e 2022 foi determinado, pela Requerida, com aplicação do coeficiente de 0,35 aos rendimentos da Categoria B declarados pelo Requerente, tendo resultado daí duas liquidações de IRS, a relativa a 2021 (a nº 2022...), com valor a reembolsar de
    EUR 10.267,29 e a relativa a 2022 (a nº 2023...), com valor a reembolsar de EUR 10.914,57, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. Devido a divergências criadas entre os rendimentos da Categoria B declarados, nos anos de 2021 e 2022, nos campos 404 do Quando 4A do Anexo B da modelo 3 de IRS de cada um daqueles anos (identificadas no ponto 5.9., supra) e os recibos emitidos pelo Requerente, relativamente aos rendimentos auferidos em cada um daqueles anos, foi este notificado (registo com AR nº RL ... PT) do Ofício datado de 18-09-2023 (da Direção de Finanças de Lisboa - Serviço de Finanças de Cascais ...) para (i) “(…) entregar declarações de substituição Mod. 3 de IRS dos anos (…) 2021 e 2022 e retirar o valor declarado no campo 404 do Quadro 4A do Anexo B, e declarar o mesmo valor no campo 403 do mesmo anexo, conforme recibos emitidos no Portal das Finanças” por, alegadamente, serem tais rendimentos provenientes da actividade de Jornalistas e Repórteres (Código 1327), que consta da Tabela de actividades a que se refere o artigo 151º do Código do IRS e para (ii) “(…) caso pretenda exercer o direito de audição prévia (…) poderá enviar por escrito as suas alegações no prazo de 15 dias para o Serviço de Finanças Cascais... (…)”, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. O Requerente exerceu o seu direito de audição em 02-10-2023, tendo manifestado a sua discordância relativamente à posição assumida pela Requerida quanto aos actos tributários em discussão, nos mesmos termos que o faz no PPA, concluindo que “deverá o (…) projecto de decisão ser revogado”, em conformidade com cópia do doc. nº 1, anexado pelo Requerente.

 

  1. O mandatário do Requerente foi notificado, através de Ofícios do Serviço de Finanças de Cascais ... [registos com AR nº RL ... PT (relativo à notificação de correção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2021) e nº RL ... PT (relativo à notificação de correção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2022)] das conclusões da análise dos elementos carreados aos autos, em sede de audição prévia, nos seguintes termos, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida:

“(…) Fundamentação da correção: Em resposta ás suas alegações em sede de audição prévia, verifica se que de acordo com os recibos emitidos e conforme o descrito nos mesmos, os rendimentos são provenientes da actividade de Jornalistas e Repórteres- Cod 1327 que consta na tabela a que se refere ao art° 151° do CIRS. Nas alegações efectuadas em sede de audição prévia, alega que os recibos foram emitidos por lapso, com a actividade de jornalista repórteres e que o serviço prestado de comentador não se conexiona com a actividade de jornalista. Que para exercer a actividade de jornalista é necessário ser portador de carteira profissional, no entanto encontra-se colectado por essa actividade desde 2008-11-20 e emitiu os recibos com a actividade 1327- Jornalista Repórter. Assim, as alegações efectuadas em sede de audição prévia em nada alteram o pressuposto da correcção. Os rendimentos indicados no campo 404 do anexo B, devem ser declarados no campo 403 pois exerce por conta própria uma actividade de prestação de serviços com enquadramento na alínea b) do n° 1 do artigo 3º do Código do IRS. Ainda assim, caso queira entregar declaração de substituição de acordo com os dados supra indicados, deverá faze-lo no prazo de 15 dias. Findo este prazo será corrigida oficiosamente, com levantamento de auto de notícia. Decorrente dessa alteração aos valores declarados, será (…) oportunamente notificado da liquidação do correspondente imposto, da qual poderá reclamar/impugnar (…)” (sublinhado nosso).

 

  1. Na sequência das conclusões do procedimento de divergências acima identificado, em 20-07-2023, a Requerida elaborou as declarações oficiosas nºs ... - 2021 - ...– ... e ... - 2022 - ...– ..., respeitantes aos anos de 2021 e 2022, respetivamente, corrigindo os rendimentos de EUR 43.800,00 e EUR 46.270,62, do campo 404 para o campo 403 do Quadro 4A do Anexo B à declaração modelo 3 de IRS, respectivamente, do ano de 2021 e do ano de 2022, em conformidade com cópia do processo administrativo, anexado pela Requerida.

 

  1. Em consequência, o rendimento tributável (liquido) para os anos em causa, foi determinado com a aplicação do coeficiente de 0,75 tendo daí resultado as liquidações de IRS do ano 2021 (a nº 2024 ..., de 20-07-2024), com valor a reembolsar de
    EUR 4.274,55 (em substituição da liquidação de IRS 2021 a nº 2022 ..., com IRS a reembolsar de EUR 10.267,29) e a liquidação de IRS do ano 2022 (a nº 2024..., de 20-07-2024), com valor a reembolsar de EUR 4.551,02 (em substituição da liquidação de IRS 2022 nº 2023..., com IRS a reembolsar de EUR 10.914,57), em conformidade com, respectivamente, cópia dos doc. nº 1 e nº 2, anexados pelo Requerente.

 

  1. Em consequência foram notificados ao Requerente o acerto de conta nº 2024..., de 23-07-2024, com IRS a pagar de EUR 5.992,74 (e com data limite de pagamento de 10-09-2024) e o acerto de conta nº 2024..., de 23-07-2024, com IRS a pagar de EUR 6.36365 (e com data limite de pagamento de 10-09-2024), em conformidade com cópia dos doc. nº 3 e nº 4 anexados pelo Requerente.

 

  1. Dado não concordar com as referidas liquidações oficiosas de IRS, o Requerente apresentou, em 22-10-2024, pedido de pronúncia arbitral.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Não resultou provado que o Requerente tenha pago os montantes de IRS referidos no ponto 5.17., supra.

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.    Nos autos, o Requerente alega a ilegalidade dos actos de liquidação que impugna porquanto entende que os mesmos “(…) emergiram de correcções ao rendimento global do Requerente em virtude de a AT entender que os rendimentos (…) resultaram do exercício de uma actividade prevista no art.º 151.º do CIRS (Jornalista) e, por isso, a determinação do rendimento colectável se obteria pela aplicação do coeficiente de 0,75 e não do coeficiente 0,35, como foi declarado na Declaração de IRS apresentada tempestivamente pelo (…) Requerente”, requerendo a anulação daqueles actos de liquidação.

 

6.3.    Adicionalmente entende ainda o Requerente que “(…) é inequívoco que ocorreu violação do Direito de Audição – (…) – direito constitucionalmente protegido de que gozam todos os contribuintes” porquanto alega que “(…) a AT não se dignou responder ou rebater os argumentos apresentados pelo Requerente em sede de Direito de Audição” sendo que “(…) o n.º 6 do art.º 60.º da LGT, consagra a exigência de que os elementos suscitados na audição dos contribuintes deverem ser tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”, “o que significa que, na fundamentação das Liquidações aqui postas em crise, terão de estar invocadas as razões que justificam a improcedência da motivação invocada pelo contribuinte em sede de audição prévia”, concluindo o Requerente que “(…) as liquidações ora postas em crise enfermam de ilegalidade, por violação do Direito de Audição, impondo-se a sua inexorável anulação (…)”.

 

6.4.    Por outro lado, a Requerida defende que “as liquidações impugnadas não merecem censura (sendo válidas), contrariamente ao sustentado no PPA, donde deve o pedido (…) ser considerado improcedente” porquanto entende que “(…) os rendimentos declarados no campo 404 do Q 4 A do anexo B, para o campo 403, por serem provenientes da atividade de JORNALISTAS E REPÓRTERES - Cód. 1327, que consta na tabela de atividades a que se refere o art.º 151° do CIRS, de acordo com os recibos emitidos e a descrição feita nos mesmos”, “(…) devem ser declarados no campo 403 pois [o Requerente] exerce por conta própria uma actividade de prestação de serviços com enquadramento na alínea b) do n° 1 do artigo 3º do Código do IRS” e, nessa medida, entende a Requerida que deve o rendimento tributável auferido pelo Requerente, em 2021 e 2022, ser determinado pelo coeficiente de 0,75 e não pelo coeficiente de 0,35.

 

6.5.    No caso, o thema decidendum respeita à aferição da legalidade das liquidações adicionais de IRS e de juros compensatórios relativas aos anos de 2021 [conforme demonstração de liquidação de IRS com o nº 2024..., de 20-07-2024, no valor total a reembolsar de EUR 4.274,55 (EUR 4.748,69 relativos a IRS, deduzidos de EUR 474,14 relativos a juros compensatórios)] e de 2022 [conforme demonstração de liquidação de IRS nº 2024..., de 20-07-2024, no valor total a reembolsar de EUR 10.914,57
(EUR 4.734,14 relativos a IRS, deduzidos de EUR 230,73 relativos a juros compensatórios)], relativamente às quais o Requerente invoca, como causa de pedir, a ocorrência do vício de violação de lei, por ilegal interpretação dos artigos 31º e 151º do Código do IRS e de violação do direito de audição (antes da emissão das liquidações oficiosas aqui impugnadas), enquanto direito que assiste ao Requerente, por não terem sido alegadamente respondidos/rebatidos os argumentos apresentados pelo Requerente no âmbito do exercício do mesmo.

 

6.6.    Em substância, a resolução do litígio atinente aos actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios aqui impugnados prende-se com a questão de se saber se os serviços prestados pelo Requerente, enquanto Comentador Desportivo, para efeitos da determinação do rendimento tributável, no âmbito do regime simplificado aplicável à categoria B de IRS, se subsumem na sua actividade principal de Jornalistas e Repórteres (código 1327) da Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto, para que remetem os artigos 151º e 31º, nº 1, alínea b), do Código do IRS, com a consequente aplicação do coeficiente de 0,75 (artigo 31º, nº 1, alínea b) do Código do IRS), como defende a Requerida, ou se deve ser antes reconduzida ao disposto no artigo 31º, nº 1, alínea c) do Código do IRS, com consequente aplicação do coeficiente de 0,35, como defende o Requerente, pelo facto de entender que os referidos serviços de Comentador Desportivo não se subsumem na sua actividade principal de Jornalistas e Repórteres, subsumindo-se na sua actividade secundária de Outros Prestadores de Serviços (código 1519).

 

6.7.    Cumpre analisar e decidir.

 

6.8.    De acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IRS, na redação em vigor à data a que se reportam as liquidação de IRS em crise, “consideram-se rendimentos empresariais e profissionais (…) os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; (…) os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior; (…) os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário” (sublinhado nosso).

 

6.9.    No que ao caso aproveita, nos termos do previsto no artigo 28º, nº 1 do Código do IRS, “a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se (…) com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado (…)” sendo que, no âmbito deste regime, de acordo com o disposto no artigo 31º, nº 1 do Código do IRS, “(…) a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação (…)” de determinado coeficientes aí elencados, sendo aqui de transcrever os que estão na origem do diferendo entre as Partes, ou seja:

6.9.1.     O coeficiente de 0,75 aplicável aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º do Código do IRS (alínea b do artigo 31º, nº);

6.9.2.     O coeficiente de 0,35 aplicável aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores (alínea c) do artigo 31º, nº 1).

 

6.10.  De acordo com o previsto no artigo 151º do Código do IRS, “as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças”.[2]

 

6.11.  Nestes termos, tendo em consideração a posição de cada uma das Partes acima já sumariada (Capítulos 2. e 3. desta decisão), importa a analisar se os serviços prestados pelo Requerente enquanto Comentador Desportivo são (ou não) subsumíveis no código de actividade 1327 Jornalistas e Repórteres referido na Tabela de actividades do artigo 151º do Código do IRS (como entende a Requerida) ou se, pelo contrário, deverão ser enquadrados na actividade identificada com o código residual 1519 Outros Prestadores de Serviços (como entende o Requerente) para que que, em consequência desse enquadramento, se possa fixar qual é o coeficiente que, para efeitos de determinação do rendimento tributável no âmbito do regime simplificado, deverá ser aplicado aos rendimentos auferidos, em 2020 e 2021, pelo Requerente.

 

6.12.  Nesta matéria, é importante esclarecer, desde logo, que no artigo 31º do Código do IRS e no Anexo B da declaração de IRS modelo 3 (Campo 403, do Quadro 4-A), onde se lê as “actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º” não pode ser lido “códigos previstos na tabela a que se refere o artigo 151º” porquanto as actividades profissionais especificamente previstas são as exercidas pelos profissionais das actividades especificamente elencadas naquela lista, independentemente da aparente redundância.

 

6.13.  Com efeito, aqui acompanhando e citando a jurisprudência citada pelo Requerente [Acórdão do Pleno do STA para uniformização de jurisprudência, de 09-12-2020 (processo nº 092/19.9BASLB)], este aresto refere que “(…) em matéria de incidência tributária e de aplicação de taxas de tributação não há, por definição, lacunas. Mercê do especial vigor que o princípio da legalidade assume neste domínio na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da Constituição), as taxas de tributação apenas podem ser utilizadas nas situações que concretamente se insiram na previsão da norma aplicável. A integração analógica encontra-se vedada nestas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade (…). Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva, pelo que se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (…). (…) com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º. (…). Portanto, a partir de 2015, o legislador fiscal passou a prever expressamente que o coeficiente de 0,75 apenas pode ser aplicado às actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do Código do IRS. Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas” (negrito e sublinhado nosso).

 

6.14.  Assim, aplicação dos coeficientes, do regime simplificado, para determinação do rendimento tributável no âmbito da Categoria B deverá ser efectuada pela verificação da actividade realmente exercida e não pela constatação do código que consta no cadastro das finanças, seja este um código de actividade da lista anexa ao artigo 151º do Código do IRS ou um código CAE.

 

6.15.  Ou seja, na interpretação do sentido do normativo em causa, terá de ser aplicado o princípio da substância sobre a forma.

 

6.16.  Nesta matéria, o que devemos ter em atenção, para efeitos de aplicação dos coeficientes do regime simplificado é o que sempre foi efectuado noutros contextos, nomeadamente em matéria de retenção na fonte a efectuar sobre rendimentos da categoria B [artigo 101º, nº 1, alínea b) do Código do IRS, nos termos do qual se previa uma taxa de retenção na fonte de 25% para rendimentos decorrentes das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º daquele Código].

 

6.17.  Assim, teremos de continuar a interpretar a expressão “especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º” como sempre foi interpretádo, nomeadamente, para efeitos do disposto nos artigos 31º e 101º do Código do IRS, porquanto o sentido e finalidade desta expressão são exactamente os mesmos.

 

6.18.  Ainda assim, podem subsistir algumas dúvidas, porque várias das actividades especificamente previstas na tabela do artigo 151º do Código do IRS não delimitam objetivamente o âmbito dos serviços a que se referem.

 

6.19.  Nesta matéria, como se entendeu na Circular nº 2/2016, de 6 de Maio, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária, “estão abrangidos na alínea b) do nº 1 do artigo 31º do Código do IRS, os rendimentos provenientes das prestações de serviços de actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º do Código do IRS, não incluindo o código “1519 Outros prestadores de serviços” dado este código não explicitar uma actividade profissional específica, independentemente da actividade estar classificada de acordo com os códigos das actividades especificamente mencionados na tabela de atividade aprovada pela Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto, ou de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística” (ponto nº 4) (sublinhado nosso).

 

6.20.  Por outro lado, no ponto 5 da citada Circular, é referido que “aos rendimentos provenientes do código “1519 Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de actividades profissionais não especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS (...), e desde que não previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, aplica-se o coeficiente de 0,35, a que se refere o n.º 1 da alínea c) deste artigo” (sublinhado nosso).

 

6.21.  Assim, no caso em análise, reitere-se que caberá determinar se os serviços efectivamente prestados pelo Requerente, enquanto Comentador Desportivo, nos termos concretos que os definem e constituem, se encontram especificamente enquadrados na Tabela constante do Anexo I da referida Portaria nº 1011/2001, designadamente se correspondem à actividade com o código específico 1327 Jornalistas e Repórteres, podendo considerar-se nela enquadrados e abrangidos.

 

6.22.  Para o efeito, analisada a Classificação Portuguesa das Profissões (editada em 2010 pelo INE, IP), verifica-se que no Grande Grupo 2 (Especialistas das actividades intelectuais e científicas), está prevista a profissão de jornalista com o código 2642 – Jornalista, a qual compreende as seguintes tarefas e funções:

“• Recolher notícias nacionais e internacionais, através de entrevistas e observação, pesquisa de trabalhos escritos, assistência a filmes e outros eventos;

•   Recolher, relatar e comentar notícias e acontecimentos para publicação em jornais, revistas ou para difusão pela rádio, televisão ou Internet;

•   Entrevistar políticos, figuras públicas e outras pessoas;

•   Pesquisar e registar sobre assuntos especializados (medicina, ciência, etc.);

•   Escrever editoriais e comentários sobre assuntos de interesse corrente;

•   Escrever críticas sobre literatura, música e outros trabalhos artísticos;

•   Seleccionar e estabelecer ligações com a produção a fim de verificar provas antes da impressão;

•   Seleccionar e preparar material publicitário sobre empresas e outras organizações para edição pela imprensa, rádio, televisão e outros meios de comunicação”.

 

6.23.  A profissão de jornalista “inclui, nomeadamente, crítico, redactor de jornais, repórter de televisão e rádio, editor de jornais e revistas e correspondente” e “não inclui especialista em relações públicas (2432.0), autor e editor de livros (2641.0), repórter fotográfico (3431.0) e operador de câmara (3521.2)

 

6.24.  Nestes termos, um jornalista pode ser definido como “o que se dedica de maneira profissional à coleta, investigação, análise e divulgação de informações sobre os mais diversos temas e acontecimentos, através de qualquer meio, seja pela imprensa escrita, rádio, televisão e os meios digitais”, tendo em consideração que as principais funções de um jornalista são, nomeadamente, as reportagem e redação de notícias, a investigação jornalística, as entrevistas, a edição e curadoria de conteúdo, bem como a cobertura de eventos.[3]

 

6.25.  Assim, no conceito Jornalistas e Repórteres a que se refere no Código 1327 da Tabela de actividades do artigo 151º do Código de IRS deverão ou não ser abrangidos Comentadores Desportivos, sejam eles ou não Jornalistas habilitados para exercer a profissão?

 

6.26.  Em termos gerais, e como acima foi referido no ponto 6.22., ainda que faça parte dos atributos de um Jornalistarecolher, relatar e comentar notícias e acontecimentos para publicação em jornais, revistas ou para difusão pela rádio, televisão ou Internet”, a contratação (do Requerente) enquanto Comentador Desportivo, para desempenhar serviços de “(…) entrevistado e comentador nos programas de televisão produzidos e emitidos pela B... relacionados com desporto (…)” (vide ponto 5.6., supra) e para assegurar a “presença nos acompanhamentos em direto e ao segundo dos jogos dos 3 grandes clubes da primeira liga (…)” (vide ponto 5.7., supra), não fazem, sem mais, do Requerente (enquanto Comentador) um Jornalista, ainda que o Requerente possa ou não, em outro contexto, ser Jornalista e esteja colectado como tal para efeitos da Categoria B.[4]

 

6.27.  Com efeito, de acordo com o previsto no artigo 11º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT, “[a] determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” sendo que, de acordo com o disposto no artigo 9º, nº 1, do Código Civil, “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

 

6.28.  Assim, retomando agora os dados do caso, cumpre referir que, conforme acima provado (vide Capítulo 5. desta decisão), a actividade profissional concreta e especificamente exercida pelo Requerente de Comentador Desportivo não se subsume no conceito de Jornalistas e Repórteres (código 1327) da lista de actividades profissionais especificamente previstas na Tabela a que se refere o artigo 151º do Código do IRS para que remete o artigo 31º, nº 1, alínea b) do Código do IRS porquanto, (i) a actividade efectivamente exercida pelo Requerente (e documentada para efeitos do processo) não é, segundo entendemos, passível de ser entendida como subsumível no conceito estrito da actividade de Jornalistas e Repórteres prevista no código 1327 e, por outro lado,(ii) não se encontra, no elenco da referida Tabela qualquer outro código específico que refira a actividade profissional do Requerente enquanto Comentador Desportivo.

 

6.29.  Mas, no caso, o Requerente conseguiu inequivocamente demonstrar a natureza dos rendimentos auferidos, que deram origem às liquidações aqui impugnadas?

 

6.30.  Adianta-se que entendeu este Tribunal que deverá ser afirmativa a resposta a dar á questão enunciada no ponto anterior, atentas as considerações a seguir apresentadas em matéria de ónus da prova.

 

6.31.  Com efeito, reconhece o Requerente que “(…) indicou - no campo “Atividade Exercida” dos recibos que emitiu - a actividade Jornalistas e Repórteres (…)”, justificando que “(…) tal deveu-se a uma manifesta falta de atenção ao emitir os recibos, na medida em que, por defeito, o campo se encontra pré-preenchido com esse código e o Requerente não se apercebeu que o poderia mudar para a actividade “Outros Prestadores de Serviços”.

 

6.32.  Não obstante, o Requerente evidenciou, nas declarações modelo 3 de IRS entregues relativamente a 2021 e 2022, os referidos rendimentos como sendo respeitantes à actividade de “Outros Prestadores de Serviços” (porquanto os evidenciou no Anexo B, Quadro 4A, campo 404 da respectiva declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, do ano de 2021 e de 2022) tendo a Requerida efectuado as respectivas liquidações de IRS, nessa conformidade, ou seja, fazendo incidir sobre os rendimentos declarados o coeficiente de 0,35 para efeitos de apuramento do rendimento tributável.

 

6.33.  Contudo, tendo em consideração a informação constante dos recibos emitidos pelo Requerente, a Requerida identificou internamente divergências criadas entre os rendimentos da Categoria B declarados, nos anos de 2021 e 2022, nos campos 404 do Quando 4A do Anexo B da modelo 3 de IRS de cada um daqueles anos (identificadas no ponto 5.9., supra) e os referidos recibos emitidos pelo Requerente, relativamente aos rendimentos auferidos em cada um daqueles anos, tendo como vimos, estas divergências dado origem a liquidações (oficiosas) de IRS, nas quais os rendimentos auferidos foram considerados como respeitantes à actividade de Jornalistas e Repórteres, tendo sido considerados, nessa qualidade, para efeitos das novas liquidações de IRS emitidas, as quais são aqui objecto de impugnação.

 

6.34.  Em matéria de prova, refira-se que, em concretização do princípio do dispositivo, é compreensível que a lei faça recair o ónus da prova sobre quem exerce o impulso processual e, nessa medida, o cumprimento deste ónus é processualmente valorado a favor do Requerente por ser este que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74º, nº 1 da LGT) porquanto é ao Requerente que incumbe trazer ao processo os elementos que possibilitem confirmar o direito a que se arroga.

 

6.35.  Como referido pelas Partes, de acordo com o disposto no artigo 75º, nº1 da LGT, as declarações dos sujeitos passivos presumem-se verdadeiras, caso sejam cumpridas as regras emanadas da legislação contabilística e da legislação fiscal e sem prejuízo das normas sobre a dedutibilidade de gastos, referindo-se no nº 2 daquele artigo que esta presunção não se verifica, nomeadamente, quando (i) as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo ou (ii) o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações.

 

6.36.  Assim, no caso, incumbia ao Requerente, nos termos do artigo 74º da LGT, o ónus de demonstrar que as declarações modelo 3 de IRS inicialmente apresentadas relativamente ao ano de 2021 e de 2022 haviam sido efectuadas “nos termos da lei” porquanto o “erro” estava nos recibos emitidos.

 

6.37.  Com efeito, citando-se Anselmo de Castro, refira-se que “o ónus da prova pode ser entendido num sentido subjectivo e num sentido objectivo. Na primeira acepção, o ónus da prova refere-se à exigência que é imposta às partes de provarem os factos em que assenta a sua pretensão ou a sua defesa, e que será definida, em cada caso, segundo os critérios de repartição do ónus da prova que se encontram estabelecidos nos artigos 342º e seguintes do Código Civil. O ónus da prova objectivo, por sua vez, respeita às consequências da não realização da prova pela parte que com ela está onerada, permitindo determinar qual o sentido ou conteúdo da decisão a proferir pelo juiz quando, finda instrução do processo, se chega a uma situação de incerteza ou de non liquet sobre os factos relevantes. (…) verificando-se uma situação de falta ou insuficiência da prova relativamente a algum ou alguns dos factos alegados indispensáveis para a decisão da causa, estes devem ter-se como inexistentes, na medida em que não podem ser considerados como provados nem como não provados” (in, Lições de Processo Civil, 4º vol., pág. 114) (sublinhado nosso).

 

6.38.  E, citando-se o Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha refira-se que “a solução pode estar, neste tipo de processos, em distribuir o ónus da prova, não em função da posição que as partes ocupam na relação processual, mas antes por referência às posições que lhes correspondem na relação jurídica material que está subjacente ao processo. Assim haveria que distinguir essencialmente entre os actos de conteúdo positivo em que a Administração impõe comandos, proibições e ablações, em que se justifica que seja a entidade administrativa a provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação, e os actos de conteúdo negativo, pelos quais a Administração nega um interesse pretensivo do administrado, e em que competiria já a este demonstrar, em sede jurisdicional, que preenche os requisitos legais da autorização ou benefício que pretende obter”(in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, Coimbra, Almedina, 2006).

 

6.39.  E para a mesma conclusão cite-se ainda o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (nas anotações ao artigo 100º, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, Lisboa, Áreas Editora, 6ª Ed., 2011), que refere que “trata-se da concretização prática da eliminação no domínio do contencioso tributário da presunção de legalidade dos actos da administração tributária, substituída por uma presunção de veracidade dos actos do cidadão-contribuinte, que foi anunciado no ponto 1 do preâmbulo do CPT. Esta regra consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre ónus da prova no procedimento tributário enunciada no art. 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário”; pelo que “será de impor ao contribuinte, no processo judicial, o ónus da prova de factos quando ele lhe é imposto no procedimento tributário, (…) harmonizando-a com a regra do nº 1 do art. 100º do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº 1, justificarem a anulação do acto impugnado” (sublinhado nosso).

 

6.40.  Nestes termos, no caso, incumbia à Requerida o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação e, em contrapartida, incumbia ao Requerente apresentar prova bastante da ilegalidade dos actos de liquidação em crise, quando se mostrem verificados esses pressupostos, cabendo ao Requerente proceder à prova dos factos alegados porquanto procura um acto de conteúdo negativo, ou seja, a Requerida procedeu á qualificação e quantificação do rendimento tributável, pretendendo o Requerente proceder a um recorte negativo da base de incidência, mediante a utilização do coeficiente de 0,35 em vez do de 0,75, para o que carece de demonstrar os pressupostos desse “recorte”.

 

6.41.  E, nesta matéria, refira-se que com a documentação anexada pelo Requerente, quer em sede de direito de audição ao projecto de liquidações oficiosas relativas ao ano de 2021 e de 2022, quer em sede de PPA, verifica-se que em nenhum dos contratos celebrados pelo Requerente (e que deram origem aos rendimentos tributáveis na base das liquidações de IRS impugnadas e à divergência quanto à sua natureza) se referem serviços que possam ser entendidos como sendo subsumíveis na actividade de jornalista (vide ponto 5.6. e 5.7, supra), não devendo, por isso ser enquadrados como tal (como refere o Requerente), como acima já se analisou.

 

6.42. Aliás, a Requerida refere para efeitos de qualificação dos referidos rendimentos que se baseou no declarado nos recibos emitidos pelo Requerente, não tendo atendido (ainda que a tenha analisado) à prova apresentada para afastar o teor dos mesmos.

 

6.43.  Em consequência, as liquidações adicionais de IRS impugnadas, ao procederem à determinação do rendimento tributável através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 31º do Código do IRS, são ilegais, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 31º, nº 1, alíneas b) e c), 151º do Código do IRS e na Tabela constante do Anexo I à Portaria nº 1011/2001, o que implica a sua anulação.

 

6.44.  Em consequência, determina-se também a anulação das correspondentes liquidações de juros compensatórios incluídas nas notas de liquidação e demonstração de acerto de contas anexados com o PPA (doc. nº1, 2, 3 e 4) porquanto aquelas só possuiriam base legal se ocorresse a dilação na liquidação do imposto ou houvesse reembolso superior ao devido imputável ao sujeito passivo (artigo 35º, nº 8 da LGT), o que a verificação do vício de violação de lei que determinou a anulação das liquidações de imposto afasta.

 

6.45.  Nestes termos, em face do assim decidido, fica prejudicada, por inútil, a apreciação das demais questões suscitadas pelo Requerente nos presentes autos (artigo 608.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.46.  Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.47.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.48.  Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, mandando-se anular as liquidações de IRS e juros aqui impugnadas, com as consequências daí decorrentes;

7.1.2.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 12.356,29.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Março de 2025

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Para efeitos da referida opção, refira-se que quando se trata de um profissional independente que vai prestar, exclusivamente, serviços (rendimentos profissionais), deve escolher-se um código dos elencados no artigo 151º do Código do IRS e, quando se é um profissional independente, que vai desenvolver uma actividade empresarial (rendimentos empresariais), deverá classificá-la com um CAE, devendo este ser selecionado do documento do INE, "Classificação das Actividades Económicas”.

[3] Adicionalmente, é importante destacar que o jornalismo em Portugal é regulado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e por códigos de ética profissional, que visam garantir a liberdade de expressão bem como a responsabilidade jornalística (https://centrodeemprego.pt/profissoes/profissao-jornalista).

[4] Com efeito, a título de exemplo, um fiscalista convidado como comentador de medidas fiscais num determinado canal de televisão não é, sem mais, um jornalista. Não obstante, se devidamente habilitado para tal, pode ser considerado um jornalista especialista em matéria fiscal. Mas as duas condições são distintas, não tendo de ser, necessariamente, uma só realidade.