Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1099/2024-T
Data da decisão: 2025-04-02  IRC  
Valor do pedido: € 106.003,80
Tema: IRC – Organismos de Investimento Coletivo Não Residentes – Retenção na Fonte – Violação do Direito da União Europeia – Violação do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Interno.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Fernando Araújo, Adelaide Moura e Susana Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 17.12.2024, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, com o número de contribuinte fiscal português ..., com sede em ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, representado pela sua entidade Gestora B... S.A., (“o Requerente”), veio, em 06.10.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2022, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa autuada com n.º ...2024..., que teve como objeto o dito ato, e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  2. Subsidiariamente, o Requerente peticiona o reenvio prejudicial dos presentes autos ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”), caso o Tribunal Arbitral entenda existirem dúvidas de que, com a anulação do ato tributário de retenção na fonte objeto da reclamação graciosa acima identificada, o Sujeito Passivo tem direito a juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte.
  3. O Requerente juntou 7 (sete) documentos.
  4.  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 07.10.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  5. O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  6. A 27.11.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído a 17.12.2024.
  8. Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 23.12.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 
  9. No dia 03.02.2025, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação e, juntou aos autos o PA.
  10. Em 07.02.2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, o Requerente no prazo de 10 (dez) dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 (dez) dias contados da notificação das alegações do Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas; notificou o Requerente para proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iii) indicou o prazo limite para proferir a decisão final arbitral.
  11. O Requerente e a Requerida apresentaram, em 21.02.2025 e em 05.03.2025, respetivamente, as suas alegações finais escritas, tendo aquele informado o Tribunal de que já havia procedido ao pagamento integral da taxa de arbitragem devida.

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de retenção na fonte de IRC aqui em crise, invoca o Requerente, de entre o mais, o seguinte:
  1. O regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC não residentes, residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE;
  2. Tal tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno;
  3. De acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o Direito Comunitário é aplicável na ordem interna nos termos do Direito da União, isto é, por força do primado da legislação comunitária sobre o Direito interno, conforme se infere igualmente do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da CRP e do artigo 1.º, n.º 1, da LGT, pelo que o efeito prático do referido princípio será a não aplicação de Direito interno que seja contrário ao Direito da União Europeia;
  4.  Tendo presente o primado das normas de Direito da União Europeia, caberá analisar a admissibilidade da aplicação exclusiva do regime de isenção de tributação em sede de IRC previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, cumprindo para o efeito verificar: (i) Se a situação em análise cai no âmbito de aplicação do TFUE; (ii) Se os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs1, 3 e 10, do EBF, ao consubstanciarem uma discriminação entre OIC residentes e não residentes em Portugal, constituem uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE; e (iii) Se existe um motivo justificativo para a restrição ao exercício dessa liberdade fundamental e, caso exista, se essa restrição é proporcional ao fim que visa atingir;
  5. A situação pela qual um residente de um Estado-Membro recebe dividendos de uma participação no capital social de uma sociedade residente noutro Estado-Membro constitui uma operação intracomunitária que se encontra abrangida pelo TFUE, conforme foi já por diversas vezes afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Verkooijen (Processo C -35/98), Manninen (Processo C-319/02), ACT 4 (Processo C-374/04) e Denkavit II (Processo C-170/05);
  6. Quanto ao segundo requisito elencado, e conforme afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nos Acórdãos Baars (Processo C-251/98), Cadbury Schweppes (Processo C-196/04), FII (Processo C-446/04) e ACT 4 (Processo C-374/04), a legislação nacional de um Estado-Membro que determina uma tributação dos dividendos distribuídos a acionistas residentes noutro Estado-Membro é suscetível de bulir, quer com a liberdade de estabelecimento constante do artigo 49.º do TFUE, quer com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.
  7. Tratando-se in casu de participações no capital de sociedades residentes em Portugal inferiores a 50%, as mesmas não asseguram ao Requerente o controlo sobre estas sociedades nos termos do exercício do direito à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, pelo que a legislação portuguesa em análise será, como tal, potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE;
  8. Concretamente no que respeita aos presentes autos, numa situação puramente doméstica – na qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos a um OIC residente – não haverá qualquer retenção na fonte, nem qualquer outro tipo de tributação direta pelo Estado português, nos termos dos artigos 22.º, n. ºs 1, 3 e 10, do EBF;

 

  1. Diversamente, numa situação intracomunitária – na qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos a um OIC residente noutro Estado-Membro da União Europeia, constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE – esses rendimentos encontram-se sujeitos a tributação em Portugal mediante retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC;
  2. Esta diferença no tratamento fiscal de uma situação puramente doméstica e de outra intracomunitária colocou o Requerente, enquanto OIC acionista residente noutro Estado-Membro, numa situação claramente desfavorável em face dos OIC residentes em Portugal;

 

  1. Se de facto o TFUE reconhece, em geral, os elementos de conexão do Direito tributário internacional – residência e fonte –, ou seja, aceita um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes – conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Futura Participations (Processo C-391/97), Marks & Spencer (Processo C-446/03) e Denkavit II (Processo C-170/05) –, a admissibilidade de tal diferenciação restringe-se aos casos em que ambos não se encontrem em situações objetivamente comparáveis;

 

  • De acordo com uma interpretação de substância sobre a forma, um OIC não residente e um OIC residente no mesmo Estado-Membro da sociedade distribuidora dos dividendos estarão numa situação comparável, se apresentarem uma conexão comum com o sistema fiscal desse Estado-Membro;

 

  1. Neste contexto, a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OIC residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OIC acionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo;

 

  •  Efetivamente, em ambos os casos, os dividendos pagos por sociedades portuguesas podem ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia por mero efeito do exercício da competência tributária do Estado português (Cfr. Acórdão Denkavit II, do TJUE, Processo n.º C-170/05; Acórdão ACT 4, do TJUE, Processo n.º 374/04; Acórdão Emerging Markets do TJUE, de 10 de Abril de 2014, Processo n.º C-190/12, do TJUE; Acórdão Fidelity Funds do TJUE, de 21 de Junho de 2018, Processo n.º C-480/16; Decisões Arbitrais de 23 de Julho de 2019 (Processo n.º 90/2019-T), de 27 de Dezembro de 2019 (Processo n.º 528/2019-T); de 6 de Novembro de 2020 (Processo n.º 11/2020-T); Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN do TJUE, de 17 de Março de 2020, Processo n.º C-545/19);

 

  •  Em síntese, na medida em que o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, faz depender a dispensa de retenção na fonte e tributação em sede de IRC dos dividendos de fonte portuguesa auferidos por um OIC da respetiva residência em território português, os OIC não residentes constituídos e a operar em condições equivalentes, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, encontram-se numa situação objetivamente comparável à dos OIC residentes em território português, podendo em ambos os casos os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ser objeto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia;

 

  1. Neste contexto, constata-se que a liquidação de IRC objeto dos presentes autos assenta numa situação de discriminação que viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE;

 

  1. Efetivamente, de acordo com as regras e princípios de Direito da União Europeia que prevalecem sobre a legislação nacional, nas situações como a ora em análise, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pelo Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos dividendos auferidos por um OIC acionista residente em situação análoga – ou seja, de não discriminar entre OIC acionistas residentes e não residentes;

 

  1. Essa obrigação de não discriminar implica, necessariamente, que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a residentes devam ser concedidos, nas mesmas condições, a não residentes;

 

  1. Aplicando os princípios afirmados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia à matéria de facto em apreço, a situação do Requerente constitui um exemplo claro de discriminação por parte do Estado Português entre OIC portugueses e OIC luxemburgueses;

 

  1. Neste contexto, conclui-se que a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OIC residente em Portugal;

 

  1. Contra tal conclusão não se argumente no sentido de a referida restrição poder eventualmente ser neutralizada pelo Estado da residência do Requerente, através do mecanismo de crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo;

 

  1. Efetivamente, estando o Requerente isento de tributação em sede de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas coletivas, não poderá reclamar tal crédito de imposto no Estado da sua residência;

 

  1. Cumpre também evidenciar que a discriminação sub judice não poderá ser justificada com fundamento numa razão imperiosa de interesse geral;

 

  1. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o referido artigo 63.º do TFUE – entre outros, dos Acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98), Manninen (Processo C-319/02) e Amurta (Processo C-379/05) – que, para que uma legislação fiscal como a portuguesa pudesse ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, não obstante o seu caracter discriminatório, seria necessário que a diferença de tratamento pudesse ser justificada por razões imperiosas de interesse geral (a denominada “rule of reason” ou regra de razoabilidade), sejam elas (i) a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal português, (ii) a necessidade de garantir a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros, (iii) a necessidade de evitar a diminuição de receitas fiscais ou (iv) a necessidade de garantir a eficácia dos controlos;

 

  1. Desde logo, uma justificação para a retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos a OIC não residentes tendo por base a necessidade de manutenção da coerência do sistema fiscal português não será admissível no presente caso (Cfr. Acórdão Verkooijen do TJUE, Processo n.º C-35/98; Acórdão Lankhorst do TJUE, Processo n.º C-324/00; Acórdão Bosal Holdings do TJUE, Processo n.º C-168/01; Acórdão Emerging Markets do TJUE, de 10 de Abril de 2014, Processo n.º C-190/12; Acórdão Fidelity Funds do TJUE, de 21 de Junho de 2018, Processo n.º C-480/16);

 

  1. Pois, inexistindo um nexo direto entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OIC residentes, não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português;

 

  1. Neste contexto, saliente-se que, estando isentos de tributação em sede de IRS ou IRC, ex-vi artigo 22.º-A, n.º 1, alínea d), do EBF, os rendimentos obtidos por titulares (não residentes) de unidades de participação em OIC residentes em Portugal, e estando sujeitos a tributação os rendimentos pagos por OIC não residentes a titulares de unidades de participação residentes em território português, a justificação atinente à preservação da coerência do sistema fiscal não poderá em caso algum ser invocada (Cfr. Acórdão Comissão c. Portugal do TJUE, de 06 de Outubro de 2012, Processo n.º C-493/09);

 

  1. Tão-pouco poderá ser invocada como justificação a necessidade de garantir a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros (Cfr. Acórdão Fidelity Funds do TJUE, de 21 de Junho de 2018, Processo n.º C-480/16; Acórdão Emerging Markets do TJUE, de 10 de Abril de 2014, Processo n.º C-190/12; Decisões Arbitrais de 23 de Julho de 2019 – Processo n.º 90/2019-T – e de 27 de Dezembro de 2019 – Processo n.º 528/2019-T –);

 

  1. Pois, a partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OIC residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros;

 

  1. Também não pode a discriminação decorrente do regime consagrado no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ser justificada com referência à necessidade de evitar a diminuição de receitas fiscais (Cfr. Acórdão Emerging Markets do TJUE, de 10 de Abril de 2014, Processo n.º C-190/12);

 

  1. Por outro lado, o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que nem sequer concede aos OIC não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu Estado-Membro de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa (Cfr. Acórdão Emerging Markets do TJUE, de 10 de Abril de 2014, Processo n.º C-190/12; Acórdão Comissão c. Portugal do TJUE, de 6 de Outubro de 2012, Processo n.º C-493/09; Decisões Arbitrais de 23 de Julho de 2019 – Processo n.º 90/2019-T – e de 27 de Dezembro de 2019 – Processo n.º 528/2019-T –);

 

  1. De igual modo, a doutrina tem igualmente rejeitado a possibilidade de justificar medidas discriminatórias com fundamento na necessidade de prevenção de fraude e evasão fiscal;

 

  1. Ou seja, o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa;

 

  1. Finalmente, tendo presente o enquadramento de facto e de direito subjacente ao processo na origem do pedido de reenvio prejudicial que culminou no Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN de 17 de Março de 2022 (Processo C-545/19), sublinhe-se que as conclusões do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito deste Acórdão são imediatamente relevantes para a boa decisão dos presentes autos e, nesse contexto, para a anulação dos atos tributários em crise;

 

  1.  Neste contexto, cumpre salientar que quaisquer dúvidas que pudessem subsistir relativamente à existência de uma restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, em consequência da recusa da aplicação do regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, a OIC residentes noutro Estado-Membro, foram definitivamente superadas por força do Acórdão AllianzGI-Funds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo C-545/19);

 

  1. Em face de todo o exposto, inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2022, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP;

 

  1. Tudo ponderado, a liquidação de IRC por retenção na fonte acima identificada enferma de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respetiva anulação.

 

  1. Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
  1. Sendo o Requerente um OIC e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente;
  2. Com efeito, e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal;
  3. Importa salientar que a situação dos residentes e não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quanto estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;
  4. Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente;
  5. Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação compatível;
  6. Pode dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença;
  7. De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada;
  8. No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português (Cfr. Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C300/90), que foram objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes);
  9. Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes;
  10. Também o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no âmbito do Processo n.º 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63.º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”;
  11. Mais, o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme o n.º 6 da mencionada norma legal;
  12. Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC; ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 29, de que resulta uma tributação por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
  13. Esta reforma na tributação veio apenas incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operam ao abrigo de uma legislação estrangeira;
  14. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11, do artigo 88.º, do CIRC, e do n.º 8, do artigo 22.º, do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período;
  15. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente;
  16. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores; ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos; Logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis;
  17. Não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu;
  18. A administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada;
  19. Por outro lado, o artigo 63.º, do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal;
  20. No entanto, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo – que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
  21. Além do mais, o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores; A verdade, é que o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera do próprio Requerente e dos investidores;
  22. Diga-se, ainda, que a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de investimento constituídos e estabelecidos em Portugal;
  23. Dito tudo isto, reputa-se de ligeira e simplista a conclusão de que um regime de tributação dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, se mostra contrário ao Direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto, se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação do Imposto do Selo;
  24. Assim, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  2. As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Requerente é um OIC, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC (Cfr. Documentos n.ºs 2 e 3 juntos ao PPA e sítio oficial na internet do Journal officiel du Grand-Duché de Luxembourg, em http://legilux.public.lu/eli/etat/leg/loi/2010/12/17/n9/jo.
  2. Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC, também em transposição da referida Diretiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
  3. O Requerente é administrado pela sociedade B..., S.A., entidade com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, ..., no Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") (Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA).
  4. Em Abril de 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos pela C..., S.A., sociedade comercial com residência fiscal em território português, no montante de 424.015,21 (quatrocentos e vinte e quatro mil e quinze euros e vinte e um cêntimos), os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

Valores em EUR

Entidade

Data

Dividendos Bruto

Retenção na fonte

Dividendos líquido

C...

28-Abril-2022

424.015,21

106.003,80

318.011,41

 

(Cfr. Documento n.º 5 junto com o PPA).

  1. A retenção na fonte de IRC em causa, no valor total de 106.003,80 (cento e sei mil e três euros e oitenta cêntimos), foi efetuada e entregue junto dos cofres da Fazenda Pública, através da guia de retenção na fonte n.º..., de 20 de Maio de 2022, pelo D..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”) (Cfr. Documento n.º 5 junto com o PPA).
  2. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo à retenção na fonte objeto da reclamação graciosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo (Documento n.º 6 junto com o PPA).
  3. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 7 de Março de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa, que foi autuada com o n.º ...2024..., contra a liquidação de IRC acima identificada, referente ao ano de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 137.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC, 68.º e 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
  4.  Em síntese, o Requerente sustentou na reclamação graciosa que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).
  5. No dia 3 de Outubro de 2024, o Requerente foi notificado do projeto de decisão da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2024..., no sentido do respetivo indeferimento (Cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA).
  6. Volvidos mais de quatro meses sobre a data de apresentação da referida reclamação graciosa, o Requerente não foi ainda notificado pela Administração Tributária de decisão final em sede do correspondente procedimento, verificando-se assim uma situação de indeferimento tácito.
  7. O Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 06.10.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1.  O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

  1. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 QUESTÕES A DECIDIR

  1. Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições das Partes constantes das suas peças processuais, as questões que cumpre apreciar são, no fundo, as seguintes:
  1. Saber se o Tribunal Arbitral deve suspender a presente instância arbitral e sujeitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (Cfr. artigo 267.º, do TFUE), a questão de que, com a anulação dos atos tributários de retenção na fonte objeto da reclamação graciosa em apreço, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte;
  2. Determinar se a legislação portuguesa (na redação em vigor à data dos factos tributários), ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um OIC, que se constitua e opere de acordo com a legislação nacional e, por isso, residente em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte (em sede de IRC), os dividendos distribuídos por essa mesma sociedade a um OIC que não tenha sido constituído nem opere de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes em Portugal, configura uma violação à livre circulação de capitais, consagrada pelo artigo 63.º, do TFUE, e, consequentemente, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
  3. Caso se dê resposta negativa à questão indicada na alínea a), esclarecer, se, julgando-se procedente o pedido, o Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios (e, em caso afirmativo, qual o modo de cálculo).  

IV.1.1 DO REENVIO PREJUDICIAL

  1. Por força do artigo 19.º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do Direito da União e sobre a validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
  2. Os Tribunais Arbitrais integram o conjunto de tribunais nacionais como expressamente resulta do previsto no artigo 209.º, da CRP. Assim, e no desempenho ativo da sua função arbitral, atendendo à natureza excecional do recurso da decisão dos tribunais arbitrais em matéria tributária, o legislador nacional deixou expresso no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, que “(...) nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3, do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  3. Neste sentido, é manifesto que em caso de dúvida sobre a interpretação de normas jurídicas de direito europeu o tribunal arbitral pode recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial.
  4. Todavia, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia, a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE, não sendo necessário proceder a essa consulta, conforme resulta do Acórdão do TJUE, de 06.10.1982, caso Cilfit, processo n.º 283/81.
  5. Ou, até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro).
  6. Acresce que, tal como referido pelo TJUE, “compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdãos de 10.07.2018, processo C-25/17, e de 02.10.2018, processo C-207/16).
  7. Dito isto, afigura-se a este Tribunal Arbitral que a interpretação a dar à questão colocada pelo Requerente é clara em função da jurisprudência do TJUE e dos Tribunais Arbitrais, não havendo necessidade de efetuar o reenvio prejudicial para o TJUE.

IV.1.2 DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 63.º do TFUE E, CONSEQUENTEMENTE, DO ARTIGO 8.º, n.º 4, DA CRP

  1. Em Portugal, e à data dos factos tributários aqui sindicados, os OIC eram regulados pelo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (“RJOIC”), aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro[1] – que transpôs parcialmente para a ordem jurídica a Diretiva n.º 2011/61/UE, do Parlamento e do Conselho de 8 de junho de 2011 e a Diretiva n.º 2013/14/UE, tendo em 01.07.2015 entrado em vigor o novo regime de tributação dos OIC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro –.  
  2. À luz do artigo 22.º, n.º s 1 e 2, do EBF, na redação em vigor à data dos factos, “(...) os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (...)” são tributados em IRC, correspondendo o lucro tributável ao “(...) resultado líquido do exercício apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis (...)”.
  3. Estabelece o n.º 3, do aludido preceito normativo que, “para efeitos do lucro tributável não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime claramente mais favorável (..).
  4. Decorre da leitura do citado artigo (22.º, do EBF), que o regime aí previsto, designadamente, a exclusão de tributação dos rendimentos previstos no n.º 3 (rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias), só é aplicável quando auferidos por fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
  5. Contudo, o Requerente é constituído e opera ao abrigo da lei luxemburguesa e não da lei nacional, pelo que, segundo o artigo 22.º, do EBF, aquele regime não lhe será aplicável.
  6. E, é, exatamente, quanto a esta questão que se insurge o Requerente, porquanto, defende que do regime consagrado no artigo 22.º, do EBF, resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes face aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º, do TFUE, que prevê o princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
  7. O citado artigo – artigo 63.º, do TFUE –, dispõe o seguinte:

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

  1. Todavia, o artigo 65.º, do TFUE limita a aplicação de tal princípio, estatuindo o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

  1.  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
  2. Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.º s 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.         

  1. Ora, a questão da (in)compatibilidade do regime previsto no artigo 22.º, do EBF, com o Direito da União Europeia, nomeadamente, com o artigo 63.º, do TFUE, não é nova, tendo sido apreciada no Acórdão do TJUE de 17.03.2022, proferido no processo n.º C-545/19 (AllianzGL-Fonds AEVN), o qual versou sobre uma situação factual idêntica à dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral (processo n.º 93/2019-T), no mesmo enquadramento legislativo, em que se concluiu que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

  1. Para além de que o TJUE refuta especificadamente as objeções do Governo Português, as quais coincidem, no essencial, com os fundamentos invocados pela AT na sua resposta:

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável aos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º s 44, 45 e jurisprudência referida).

(...)

49 Resulta da jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita a imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

(...)

52 (...), a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).   

53 (...), importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

(...)

55 (...), mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

(...)

65 (...), a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.

(...)

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

(...)

71(...), há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

(...)

74 (...), há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

(...)

78 (...), há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o beneficio fiscal em causa e a compensação desse beneficio por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plano f British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

79 (...), no presente processo, (...), a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).    

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

(...)

  1. Dito tudo isto, conforme tem sido pacificamente entendido e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º, do TFUE, a jurisprudência do TJUE tem caráter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia[2].
  2. A supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional decorre do n.º 4, do artigo 8.º, da CRP, que estatui que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanada das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
  3. Saliente-se, ainda, que o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Acórdão de 28.09.2023, processo n.º 093/19).
  4. Face a todo o exposto, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º, do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário constituídas segundo a legislação nacional, excluindo os(as) constituídos(as) segundo legislações de outros Estados-Membros e Países Terceiros.
  5. Desta feita, conclui-se que o ato de retenção na fonte aqui sindicado enferma de vício de violação de lei, devendo o mesmo ser anulado.

 

IV.1.3 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Peticiona, ainda, o Requerente que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
  2. Determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários”, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (Cfr. n.º 5, do artigo 24.º, do RJAT).
  3. De igual modo, o n.º 1, do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
  4. O restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral não enfermasse de ilegalidade, obriga, por um lado, à restituição do imposto pago indevidamente pelo Requerente, no valor total de €106.003,80 (cento e seis mil e três euros e oitenta cêntimos), e, por outro lado, ao pagamento de juros indemnizatórios.
  5. Entende o Requerente que os juros indemnizatórios são devidos desde a data da retenção na fonte.
  6. Contudo, não lhe assiste razão.

Vejamos,  

  1. O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do Direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo Acórdão de 18.04.2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.º s 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jullich e o., C-113/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdão, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jullich e o., n.º 66).

23 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v. neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

  1. Todavia, como se refere no n.º 23 supra transcrito, cabe a cada Estado-Membro estabelecer as condições em que tais juros devem ser pagos, designadamente, a respetiva taxa e o modo de cálculo.
  2. O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estipula que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (negrito e sublinhado nosso)
  3. À luz da esmagadora maioria da jurisprudência[3], não sendo os erros que afetam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Administração Fiscal.
  4. E, o facto de se tratar de atos de retenção na fonte, não praticados diretamente pela Administração Fiscal, não afasta essa imputabilidade, porquanto, a ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços»[4], devendo entender-se que se inclui neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Fiscal na liquidação e cobrança do imposto[5].
  5. Neste contexto, saliente-se que o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, precisamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no Acórdão de 29.06.2022, Processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.” (negrito e sublinhado nosso)

 

  1. Neste sentido, e tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser respeitada.

 

  1. Volvendo ao caso dos autos, a reclamação graciosa foi apresentada em 07.03.2024, tendo operado o indeferimento tácito em 07.07.2024, pelo que, à luz do supra exposto, o Requerente tem direito a juros indemnizatório desde 08.07.2024.

 

  1. Face ao exposto, deverá proceder o pedido do Requerente, i.e., ser-lhe reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos acima explanados, e ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º, do CPPT.

 

V. DECISÃO

 Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegal e anular o ato tributário de retenção na fonte de IRC aqui impugnado, relativo ao ano de 2022 e; plasmado na guia de retenção na fonte n.º ..., de 20.05.2022; 
  2. Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2024...;
  3. Condenar a AT a reembolsar ao Requerente o montante de €106.003,80 (cento e seis mil e três euros e oitenta cêntimos) e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, contados desde 08.07.2024 (dia seguinte à presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa) até à data do processamento do reembolso, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT. 

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €106.003,80 (cento e seis mil e três euros e oitenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 2 de abril de 2025

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Fernando Araújo 

 

(Presidente)

 

 

 

 

 

Adelaide Moura

 

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 

 

Susana Mercês de Carvalho

 

(Árbitra Adjunta)

 



[1] A qual foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 27/2023 de 28 de Abril – “Regime da Gestão de Ativos” –.

[2] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25.10.2000, processo n.º 25128; de 07.11.2001, processo n.º 26432; de 07.11.2001, processo n.º 26404.

[3] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 08-03-2004, página 1197; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2593; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2765; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República 16-2-2004, página 77.

[4] Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos atos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do atualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

De resto, há atos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.

[5] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efetivamente, no quadro atual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum do, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação».

ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional».