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SUMÁRIO:
Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação contestado.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Júlio Tormenta e Cristina Coisinha, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
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RELATÓRIO
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A…, com o número de identificação fiscal …, com sede …, Ilhas Grande Caimão, com representação fiscal em Portugal por parte da sociedade “B… Portugal Unipessoal, Lda.”, portadora do número de identificação de pessoa colectiva …, com morada na Rua …, Lisboa (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT” (alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º …, proferido através do ofício da Direção de Finanças de Lisboa da Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”) n.º …, de 02.07.2024, e do actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2023 …, no montante de €129.709,99, e de juros de mora n.º 2023 …, no montante de € 1.733,52, totalizando a quantia de € 131.483,50, conforme demonstração de liquidação de juros n.º 2023 …, subjacentes à declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2023 …, referente ao período de 2022.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 1 de Outubro de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 22 de Novembro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou que os actos de liquidação de juros compensatórios e de juros de mora melhor identificados supra padecem de um vício de falta de fundamentação, nomeadamente, no que respeita à indicação da fundamentação de direito, do normativo legal que suporta um alegado incumprimento da obrigação declarativa de rendimentos por parte da Requerente e da contagem de juros que lhe foi efectuada. Em concreto, a Requerente enuncia que nada foi indicado por parte da Requerida no que respeita à putativa norma legal que sustenta a alegação de que a Requerente não cumpriu o prazo de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, nem tampouco foi indicada a base legal que suporta o dia 28.04.2022 como a data de início de contagem de juros compensatórios. Acrescenta a Requerente que instou a Requerida a informá-la acerca do fundamento legal para a aplicação de juros compensatórios a partir daquela data (através de pedido de esclarecimentos no E-Balcão e da interposição de reclamação graciosa), sendo que as justificações apresentadas por esta não responderam às questões suscitadas por aquela, pelo que os actos de liquidação impugnados enfermam de vício de falta de fundamentação material, o que constitui um vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). Mais refere a Requerente que, mesmo que não se considere existir vício de falta de fundamentação, ainda assim a Requerida não tem razão quando insiste em qualificar a obrigação da Requerente de entregar a declaração de rendimentos em questão como decorrente da sua cessação da sua actividade, quando tal não corresponde à verdade. A Requerida confundiu a situação fiscal da Requerente com a situação fiscal de uma sociedade por esta participada (a C…, Lda.) cujo resultado da partilha por liquidação foi atribuído à Requerente. Pelo que, estando em causa uma declaração de rendimentos que é uma decorrência desse resultado da partilha, não poderia a Requerida proceder à liquidação de juros compensatórios efectuada, já que tal implicaria que a Requerente tivesse cessado a sua actividade (a 28.03.2022) em momento anterior ao encerramento da liquidação daquela sociedade por si participada (06.04.2022). Consequentemente, a liquidação de juros notificada à Requerente padece de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, nos termos do artigo 99.º, n.º 2, alínea c) do CPPC, com remissão para o artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 10 de Dezembro de 2024.
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Em 10 de Dezembro de 2024, foi a Requerida notificada para apresentar resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.
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Em 24 de Janeiro de 2025, a Requerida apresentou requerimento a solicitar a prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do processo administrativo instrutor, por prazo nunca inferior a 15 dias a contar do termo anterior para a apresentação de resposta.
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Em 27 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho arbitral a deferir o pedido de prorrogação do prazo da Resposta e junção do processo administrativo instrutor apresentado pela Requerida.
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Em 11 de Fevereiro de 2025, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos sobre a revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada.
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Em 11 de Fevereiro de 2025, foi proferido despacho arbitral no qual se notificava a Requerente para se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias, sobre o teor daquele requerimento, informando se tinha interesse na manutenção da instância ou, pelo contrário, se nada tem a opor à sua extinção por inutilidade superveniente da lide.
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Em 27 de Fevereiro de 2025, veio a Requerente informar que nada tinha a opor à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
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Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerida emitiu os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2023 …., no montante de €129.709,99, e de juros de mora n.º 2023 …., no montante de € 1.733,52, totalizando a quantia de € 131.483,50 (cento e trinta e um mil, quatrocentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos), referentes ao exercício de 2022;
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A Requerente apresentou, no dia 24 de Novembro de 2023, reclamação graciosa contra aqueles actos de liquidação de juros compensatórios e de juros de mora;
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A Requerida proferiu despacho, datado de 17 de Maio de 2024, a indeferir a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente;
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Em 1 de Outubro de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
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Em 3 de Outubro de 2024, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à Requerida a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por Fátima Soares às 12h05m do dia 9 de Outubro de 2024;
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Em 10 de Dezembro de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
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Por despacho de 4 de Fevereiro de 2025, da Sra. Subdirectora-Geral …, foram anulados os actos contestados pela Requerente, ou seja, foram anulados o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que havia sido apresentada pela Requerente e actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2023 …., no montante de €129.709,99, e de juros de mora n.º 2023 2039653, no montante de € 1.733,52;
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Em 27 de Fevereiro de 2025, veio a Requerente “informar que nada tem a opor à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”.
§2 – Factos não provados
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Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
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Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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MATÉRIA DE DIREITO
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O actos de liquidação de juros compensatórios e de juros de mora objecto de contestação pelo Requerente foi objecto de revogação pela Requerida após a constituição do Tribunal Arbitral. Em resultado da referida revogação, veio o Requerente informar que nada tinha a opor à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide e, com isso, revela estar integralmente satisfeita a sua pretensão.
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Por conseguinte, inexiste nesta fase objecto processual sobre o qual deva pronunciar‑se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação dos actos contestados, estão de acordo quanto à extinção da instância arbitral.
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Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
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Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
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Em face do exposto, julga-se procedente a inutilidade superveniente da lide, por ter já obtido o Requerente a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 131.483,50 (cento e trinta e um mil, quatrocentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação do acto de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Março de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e relatora)
(Júlio Tormenta)
(Cristina Coisinha)
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