Decisão Arbitral
Processo n.º 646/2014-T
I – Relatório
1.1. A..., SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., Maia, (doravante apenas designada por «requerente»), na qualidade de liquidatária da sociedade B... – Sociedade Imobiliária, S.A. (pessoa colectiva extinta n.º ...), tendo sido notificada dos actos de liquidação de IUC referentes aos anos de 2013 e 2014, no valor global de €106,28, apresentou, em 1/9/2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista que sejam “anula[das] as liquidações de IUC e JC referentes ao ano de 2013 e 2014” e “condena[da] a Requerida ao ressarcimento à Impugnante das despesas resultantes da lide.”
1.2. Em 4/11/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo. A AT apresentou a sua resposta em 5/12/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.
1.4. Por despacho de 6/2/2015, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 2/3/2015 para a prolação da decisão arbitral.
1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Fundamentação: A Matéria de Facto
2.1. Vem a requerente alegar, na sua petição, que: a) a “Impugnante [demonstrou], em sede de audição prévia, que nunca foi proprietária da [...] viatura com matrícula ...”; b) a “B... foi dissolvida em 2006, pelo que, como é óbvio, em 2013 e 2014 não era proprietária da referida viatura”; c) “a Impugnante efectuou algumas pesquisas, tendo descoberto que existe uma ..., cuja morada é exactamente a mesma que consta no registo de propriedade da viatura – ou seja, Av. ...”; d) “Ora, a B..., pessoa colectiva n.º ..., tinha e sempre teve a sua sede no Lugar do ..., Maia, e não no endereço que surge no registo de propriedade da viatura em causa”; e) “Assim, supõe a impugnante que, certamente por lapso, a AT tenha efectuado estas liquidações à B... [...] quando, outrossim, deveria efectuar estas liquidações a essa outra empresa, sita [...] na Madeira”; f) “em direito tributário não são admissíveis presunções inilidíveis ao nível de incidência de impostos”; g) “a presunção do n.º 3 do CIUC é uma presunção ilidível, nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no art. 73.º da LGT e [...] os meios de prova apresentados têm a seu favor a presunção de veracidade que lhes é conferida pelo art. 73.º, n.º 1, da LGT [sendo] idóneos para ilidir a presunção em que se suportam as liquidações de IUC”; h) “no caso em apreço, a AT para efeito das liquidações de imposto, utiliza a base de dados do IMTT e [...] naquela base de dados a Impugnante consta como proprietária [...] sendo certo que, repete-se, a B... – Sociedade Imobiliária, S.A., foi dissolvida em 2006 e, além disso, não tem conhecimento desta viatura, nem nunca foi proprietária de qualquer viatura”; i) “ao proceder ás liquidações em causa, incorreu a AT, simultaneamente, em violação de lei e erro nos pressupostos de facto”; j) “a AT limitou-se a remeter para as suas próprias bases de dados, ignorando tudo quanto foi invocado no direito de audição, abstendo-se, declaradamente, de proceder [às] diligências que facilmente poderia (deveria) promover – o que conduz à anulabilidade dos actos impugnados”; l) “Assim sendo, uma vez que não está, nem nunca esteve em falta, qualquer imposto, a liquidação de juros compensatórios em questão não respeita o artigo 35.º da LGT, designadamente no que concerne à verificação dos pressupostos para a sua liquidação.”
2.2. Conclui a ora requerente que devem ser “anula[das] as liquidações de IUC e JC referentes ao ano de 2013 e 2014” e “condena[da] a Requerida ao ressarcimento à Impugnante das despesas resultantes da lide.”
2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “segundo o histórico do registo de matrícula em questão, a Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa informou que a entidade com o número de pessoa colectiva ..., tinha à data de 1988/03/21 a denominação social de D… – Sociedade de Turismo e Agências ..., S.A.”, “sendo que, na data das liquidações ora em crise, aviatura encontra-se ainda registada no nome da sociedade que possui o NIPC ...”; b) que “o entendimento propugnado pela Requerente [de]corre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre, ainda, de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e, bem assim, em todo o CIUC”; c) que “o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal”; d) que, “se a Requerente pretende reagir contra a presunção de propriedade que lhe é atribuída, então forçosamente terá de reagir pelos meios próprios previstos no Regulamento do Registo Automóvel e nas leis registrais subsidiariamente aplicáveis e contra o próprio teor do registo automóvel, pois que seguramente não é pela impugnação das liquidações de IUC que se ilide a informação registral”; e) que “mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC [...], o legislador tributário quis intencionalmente e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais (os veículos) se encontrem registados”; f) que “é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel”; g) que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e da segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade”; h) que “os documentos juntos [pela Requerente] não provam que a sociedade ora liquidatária não recebeu a viatura em questão, aquando da dissolução efectuada em 2006”; i) que “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral [...] não se encontra[ndo] reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”; j) que “não se encontr[a] previsto no RJAT qualquer ressarcimento das despesas resultantes da lide.”
2.4. A AT conclui, em síntese, que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.”
2.5. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) A requerente recebeu as liquidações de IUC e juros compensatórios, de 21/5/2014, relativas aos anos de 2013 e 2014, no montante global de €106,28, referente à viatura ... (vd. Doc. 1 apenso à petição inicial).
ii) A 4/3/2014, a ora requerente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia, pela alegada falta de pagamento do IUC relativo aos anos de 2013 e 2014 e referente à viatura acima referida. A 26/3/2014, a ora requerente exerceu o referido direito alegando não ser devedora de qualquer imposto, por nunca ter sido proprietária da referida viatura (vd. Doc. n.º 3).
iii) A B... – Sociedade Imobiliária, S.A., foi dissolvida em 2006 (conforme acta da Assembleia Geral de 28/11/2006 e respectiva certidão permanente de cancelamento de matrícula: vd. Doc. n.º 4), tendo cessado a sua actividade a 29/12/2006, conforme declaração entregue no SF da Maia, em 10/1/2007 (vd. Doc. n.º 5).
iv) Inconformada com as liquidações supra referidas, a ora requerente apresentou, em 1/9/2014, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral.
2.6. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.
III – Fundamentação: A Matéria de Direito
No presente caso, são cinco as questões de direito controvertidas: 1) saber se, como conclui a AT, “o entendimento propugnado pela Requerente [de]corre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre, ainda, de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e, bem assim, em todo o CIUC”; 2) saber se, como alega a AT, “o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal”; 3) saber se – admitindo que a presunção existe – a requerente conseguiu fazer a ilisão da mesma; 4) saber se, como alega a AT, “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição”; 5) saber se são devidos juros indemnizatórios e ressarcimento de despesas resultantes da lide à ora requerente.
Vejamos, então.
1) a 3) As três primeiras questões de direito confluem na direcção da interpretação do art. 3.º do CIUC, pelo que se mostra necessário: a) saber se a norma de incidência subjectiva, constante do referido art. 3.º, estabelece ou não uma presunção; b) saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a “unidade do regime”, ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico; c) saber – admitindo que a presunção existe (e que a mesma é iuris tantum) – se foi feita a ilisão da mesma.
a) O art. 3.º, n.os 1 e 2, do CIUC, tem a seguinte redacção, que aqui se reproduz:
“Artigo 3.º – Incidência Subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
A interpretação do texto legal citado é, naturalmente, imprescindível para a resolução do caso em análise. Nessa medida, afigura-se necessário recorrer ao art. 11.º, n.º 1, da LGT, e, por remissão deste, ao art. 9.º do Código Civil (CC).
Ora, nos termos do referido art. 9.º do CC, a interpretação parte da letra da lei e visa, através dela, reconstituir o “pensamento legislativo”. O mesmo é dizer (independentemente da querela objectivismo-subjectivismo) que a análise literal é a base da tarefa interpretativa e os elementos sistemático, histórico ou teleológico são guias de orientação da referida tarefa.
A apreensão literal do texto legal em causa não gera – ainda que seja muito discutível a separação desta relativamente ao apuramento, mesmo que mínimo, do respectivo sentido – a noção de que a expressão “considerando-se como tais” significa algo diverso de “presumindo-se como tais”. De facto, muito dificilmente encontraríamos autores que, numa tarefa de pré-compreensão do referido texto legal, repelissem, “instintivamente”, a identidade entre as duas expressões.
Confirmando a indistinção (tanto literal como de sentido) das palavras “considerando” e “presumindo” (presunção), vejam-se, por ex., os seguintes artigos do Código Civil: 314.º, 369.º, n.º 2, 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 2, e 1629.º. E, com especial interesse, o caso da expressão “considera-se”, constante do art. 21.º, n.º 2, do CIRC. Como assinalam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a respeito desse artigo do CIRC: “para além de esta norma evidenciar que o que está em causa em sede de tributação de mais valias é apurar o valor real (o de mercado), a limitação ao apuramento do valor real derivada das regras de determinação do valor tributável previstas no CIS não poder deixar de ser considerada como uma presunção em matéria de incidência, cuja ilisão é permitida pelo artigo 73.º da LGT” (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, pp. 651-2).
b) Estes são apenas alguns exemplos que permitem concluir que é precisamente por razões relacionadas com a “unidade do sistema jurídico” (o elemento sistemático) que não se poderá afirmar que só quando se usa o verbo “presumir” é que se está perante uma presunção, dado que o uso de outros termos ou expressões (literalmente similares) também podem servir de base a presunções. E, de entre estas, as expressões “considera-se como” ou “considerando-se como” assumem, como se viu, destaque.
Se a análise literal é apenas a base da tarefa, afigura-se, naturalmente, imprescindível a avaliação do texto à luz dos demais elementos (ou subelementos do denominado elemento lógico). Com efeito, a AT alega, também, que a interpretação da requerente “ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e, bem assim, em todo o CIUC”.
Justifica-se, portanto, averiguar se a interpretação que considere a existência de uma presunção no art. 3.º do CIUC colide com o elemento teleológico, i.e., com as finalidades (ou com a relevância sociológica) do que se pretendia com a regra em causa. Ora, tais finalidades estão claramente identificadas no início do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (vd. art. 1.º do CIUC).
O que se pode inferir deste artigo 1.º? Pode inferir-se que a estreita ligação do IUC ao princípio da equivalência (ou princípio do benefício) não permite a associação exclusiva dos “contribuintes” aí referidos à figura dos proprietários mas antes à figura dos utilizadores (ou dos proprietários económicos). Como bem se assinalou na DA relativa ao proc. n.º 73/2013-T: “na verdade, a ratio legis do imposto [IUC] antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o «proprietário económico» no dizer de Diogo Leite de Campos, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.”
Com efeito, se a referida ratio legis fosse outra, como compreender, p. ex., a obrigação (por parte das entidades que procedam à locação de veículos) - e para efeitos do disposto no art. 3.º do CIUC e no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 22-A/2007, de 29/6 - de fornecimento à DGI dos dados respeitantes à identificação fiscal dos utilizadores dos referidos veículos (vd. art. 19.º)? Será que onde se lê “utilizadores”, devia antes ler-se, desconsiderando o elemento sistemático, “proprietários com registo em seu nome”...?
c) Do exposto retira-se a conclusão de que limitar os sujeitos passivos deste imposto apenas aos proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados - ignorando as situações em que estes já não coincidam com os reais proprietários ou os reais utilizadores dos mesmos -, constitui restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação. E, ainda que se invoque o art. 6.º do CIUC, como o faz a AT, para alegar “que só as situações jurídicas objecto de registo [...] geram o nascimento da obrigação de imposto”, é necessário ter presente que tal registo gera apenas uma presunção ilidível, i.e., uma presunção que pode ser afastada mediante prova em contrário (prova de que o registo já não traduz, no momento da obrigação de imposto, a verdade material que lhe teria dado origem).
Seria, aliás, injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecidamente discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado; e, por outro lado, a afastar o dever da AT de cumprimento do princípio do inquisitório estabelecido no art. 58.º da LGT, i.e., o dever de realização das diligências necessárias para uma correcta determinação da realidade factual sobre a qual deve assentar a sua decisão (o que significa, no presente caso, a determinação do proprietário actual e efectivo do veículo).
A este propósito, convém notar, também, que o registo de veículos não tem eficácia constitutiva, funcionando, como antes se disse, como uma presunção ilidível de que o detentor do registo é, efectivamente, o proprietário do veículo. Neste sentido, vd., v.g., o Ac. do STJ de 19/2/2004, proc. 03B4639: “O registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.s 1.º, n.º 1 e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.”
No mesmo sentido, referiu, a este respeito, a DA relativa ao proc. n.º 14/2013-T, em termos que aqui se acompanham: “a função essencial do registo automóvel é dar publicidade à situação jurídica dos veículos não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionando (apenas) como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constante. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito pode ser ilidida por prova em contrário.”
Ora, no caso aqui em análise, verifica-se que a ilisão da presunção (por via de “prova bastante”) foi realizada. Com efeito, apesar do que a AT alegou nos pontos 79.º a 91.º da sua resposta, o Tribunal não vê razão para questionar os documentos que foram apresentados pela requerente, dado que os mesmos são claramente demonstrativos de que esta não era, à data do imposto, a proprietária dos veículos.
Segundo informação da AT, presente na sua resposta, à data das liquidações, a viatura aqui em causa ainda se encontraria registada em nome da sociedade com o número de pessoa colectiva ..., a qual, segundo informação da Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, tinha, à data de 21/3/1988, a denominação social de D ... –..., S.A..
Por seu lado, a requerente colocou a hipótese de ter havido confusão com a “..., cuja morada é exactamente a mesma que consta no registo de propriedade da viatura – ou seja, Av. ...”.
De uma forma ou de outra, o certo é que ficou demonstrado, nos presentes autos, que a requerente não era, à data do imposto, a proprietária do veículo aqui em causa, tendo, como se disse antes, feito prova bastante para ilidir a presunção fundada no registo.
No presente caso, tal ilisão não foi feita, como sucede amiúde, através da apresentação de facturas que comprovem a venda dos veículos em momento prévio ao da exigibilidade do imposto, mas através de outro meio igualmente idóneo (vd. iii) da matéria de facto provada): a apresentação de documentos que provam que a B... – Sociedade Imobiliária, S.A., foi dissolvida em 2006 (vd. acta da Assembleia Geral, de 28/11/2006, e respectiva certidão permanente de cancelamento de matrícula: vd. Doc. n.º 4), tendo cessado a sua actividade a 29/12/2006, conforme declaração entregue no SF da Maia, a 10/1/2007 (vd. Doc. n.º 5).
Ora, a este respeito, e como bem se assinalou na DA relativa ao proc. n.º 27/2013-T, datada de 10/9/2013, “os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas que suportam [as vendas], [...] corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT.”
4) Conclui-se, em face do que foi supra exposto [em 1) a 3)], não existir “interpretação [...] contrária à Constituição”, ao contrário do que é alegado pela requerida nos pontos 72.º a 78.º da sua resposta.
5) Antes do mais, deve notar-se que, apesar da AT se ter referido, na sua contestação, a uma suposta pretensão da requerente ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, tal pretensão não se encontra na p.i.. Assim sendo, resta apreciar o pedido de “ressarcimento à Impugnante das despesas resultantes da lide”.
Quanto ao referido pedido, conclui-se que o mesmo é improcedente, dado que, como refere, p. ex., o recente acórdão do TCAS de 12/6/2014, proc. 6224/12, “as custas do processo arbitral (vulgo, taxa de arbitragem), compreendem as despesas resultantes da condução do processo arbitral e os honorários dos árbitros, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, mas não abrangem o ressarcimento de outras despesas resultantes da lide, nem os honorários dos mandatários judiciais.”
Nestes termos, conclui-se, igualmente, que não há lugar (nem poderia haver lugar) ao ressarcimento de outras despesas resultantes da lide para além das referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
***
IV – Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação impugnados.
- Julgar improcedente o pedido na parte que diz respeito ao pagamento à requerente de “despesas resultantes da lide”.
Fixa-se o valor do processo em €106,28 (cento e seis euros e vinte e oito cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerida, no montante de €306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 2 de Março de 2015.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.