Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1076/2024-T
Data da decisão: 2025-03-20  IRC  
Valor do pedido: € 93.834,57
Tema: IRC. Retenção na Fonte no pagamento de dividendos a OIC não residente. OIC residente no Luxemburgo. Liberdade de circulação de capitais. Pedido de revisão oficiosa não precedido de reclamação graciosa.
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SUMÁRIO:

1) A legislação portuguesa ao tributar por retenção na fonte em IRC dividendos de fonte portuguesa distribuídos a Organismos de Investimento Colectivo (OIC) constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro - ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte (RF) - não é compatível com o Direito da UE; 2) Por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no Art.º 63.º do TFUE e em aplicação da Jurisprudência do TJUE, cfr. Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, e, bem assim, Acórdão do STA de 28.09.2023, proc. 93/19.7BALSB, do Pleno da 2.ª Secção; 3) As liquidações de IRC por RF sobre dividendos distribuídos a OIC não residente, e residente em Estado Membro da UE, em aplicação dessa mesma legislação são, consequentemente, de anular; 4) Quando de RF se trate, é de entender o erro passar a ser imputável à Administração Tributária e Aduaneira após indeferimento do respectivo procedimento gracioso, e, estando em causa pedido de revisão oficiosa, o cômputo de juros indemnizatórios iniciar-se-á decorrido que seja um ano após a interposição do pedido sem que haja (por atraso imputável àquela) decisão expressa.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro-presidente), Sofia Ricardo Borges (Árbitro-vogal relatora), e Ana Rita do Livramento Chacim (Árbitro-vogal), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 10 de Dezembro de 2024, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito luxemburguês, com sede em ..., ..., Grão Ducado do Luxemburgo, e com o número de identificação fiscal português ... (“Requerente”, “Sujeito Passivo” ou “SP”), vem, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, em IRC, reportados aos exercícios de 2020, 2021 e 2022.

 

Às retenções na fonte (“RF”) em crise corresponde um valor total de € 93.834,57.

 

O Requerente é uma entidade jurídica de direito luxemburguês, a saber, um Organismo de Investimento Colectivo (“OIC”), com residência fiscal no Luxemburgo, constituído sob a forma societária. Cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC.

 

É residente no Grão-Ducado do Luxemburgo nos termos e para os efeitos do art.º 4.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação e prevenir a evasão em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo.

 

Nos anos de 2020 a 2022, inclusive, auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português. Dividendos que foram sujeitos a retenção na fonte (“RF”) liberatória nos termos que indica. Retenções na fonte que, expõe, foram efectuadas e entregues junto dos cofres do Estado, através das guias que também identifica.

 

Segundo alega, não obteve qualquer crédito de imposto relativo às RF.

 

Suportou, assim, em Portugal, por referência aos referidos anos, a quantia total de imposto de € 93.834,57.

 

Apresentou pedido de revisão oficiosa (“RO”) solicitando a anulação dos actos de RF, pugnando pela sua ilegalidade por violação do Direito da União Europeia (“Direito da UE” ou “DUE”).  E, decorridos quatro meses da apresentação do referido pedido sem que tenha sido notificado de decisão final, formou-se indeferimento tácito.

 

Não se conforma com o indeferimento, que considera ferido de ilegalidade. Como também assim quanto às subjacentes liquidações por RF. Pelo que apresenta o pedido de pronúncia arbitral.

 

Em seu entender, os OIC não residentes são alvo de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no art.º 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, não permitindo o Estado Português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo das Directivas 2009/65/CE e 2011/61/EU acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às da lei portuguesa.

 

Verifica-se, defende, restrição às liberdades fundamentais e violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno. E é assim ilegal a tributação em IRC que suportou, por RF sobre os dividendos de fonte portuguesa. Tudo determinando a anulação das liquidações, e a consequente restituição do imposto que lhe foi indevidamente liquidado.

 

Defende que quaisquer dúvidas a respeito da comparabilidade entre OICs residentes em território nacional e OICs residentes noutro Estado-Membro (“EM”) da UE “foram definitivamente superadas por força do Acórdão AllianzGIFonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19)”.

 

Segundo sustenta, “conclui-se que a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OIC residente em Portugal”. Restrição impossível de justificar, como também não restam dúvidas, defende, face ao mesmo Acórdão AllianzGIFonds AEVN.

 

Assim, defende, as liquidações enfermam de vício de violação de lei por violação dos Princípios da livre circulação de capitais e do primado do DUE. O que deverá determinar a sua anulação, e a restituição do imposto indevidamente retido na fonte.

 

Peticiona, a final, (i) a pronúncia sobre a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de RO, (ii) a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC, (iii) a restituição da quantia de € 93.834,57, (iv) juros indemnizatórios na medida em que a revisão dos actos se efectuar mais de um ano após o respectivo pedido e desde esse momento, e (v) a condenação da Requerida em custas.

 

*

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - pelo Requerente – ilegalidade do regime jurídico de tributação de OICs não residentes (“NR”), do qual foi feita aplicação nos actos em crise. Regime que o SP defende ser violador do Direito da UE e, por essa via, estarem aqueles actos feridos de ilegalidade.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 01.10.2024 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Colectivo os ora signatários, que atempadamente aceitaram o encargo.

 

Por comunicações de 20.11.2024 as Partes foram notificadas da designação dos árbitros e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10.12.2024.

 

Notificada para o efeito, a AT juntou o PA e apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do PPA.

 

Alega haver duplicação do peticionado, em € 9.017,97. E invoca excepção de incompetência material do Tribunal, bem como inimpugnabilidade dos actos em crise.

 

Segundo defende, o Tribunal carece de competência material por a situação estar fora da vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, e por estar implicada apreciação dos pressupostos de aplicação do art.º 78.º da LGT. Mais defende que os actos em crise são inimpugnáveis já que a revisão oficiosa foi apresentada para além do prazo de dois anos, pelo que o Tribunal sempre estará impedido de conhecer do pedido.

 

Defende-se depois por impugnação. Expõe que as diferenças de tratamento alegadas pelo Requerente têm justificação dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

 

Reporta-se à reforma na tributação operada pelo DL n.º 7/2015, de 13.01, que nota ter incidido apenas sobre os OICs abrangidos pelo art.º 22.º do EBF e da mesma ter resultado, entre o mais, a sua tributação em Imposto do Selo (IS). Refere, ainda, a possível tributação autónoma (TA) dos dividendos pagos aos mesmos. E expõe que a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes não pode levar a concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes.

 

A análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que está sujeito o Requerente relativamente aos dividendos pagos por sociedade residente e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo art.º 22.º do EBF “exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações”, defende. E não pode afirmar-se que, em substância, as situações sejam objetivamente comparáveis.

 

Mais nota ela Requerida estar subordinada ao princípio da legalidade. A RF efetuada respeita o disposto na legislação nacional e na CDT aplicável, devendo manter-se na Ordem Jurídica, defende.

 

Mesmo em se admitindo a comparabilidade das situações, o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do Art.º 63.º do TFUE. Dá nota de que o Requerente não fez prova da discriminação proibida; ainda que não consiga recuperar no seu Estado de residência o imposto retido na fonte, também não está demonstrado que o imposto não possa vir a ser recuperado pelos investidores, refere. Sempre se devendo concluir pela improcedência do PPA.

 

Por fim defende não haver lugar a pagamento de juros indemnizatórios, inexistindo ilegalidade. Sem conceder refere ainda que uma contagem do eventual direito aos mesmos apenas se iniciará em 15.05.2025 nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT.

 

Conclui pela absolvição da instância e, sem conceder, pela improcedência do Pedido.

 

*

Por despacho de 29.01.2025, o Tribunal notificou o Requerente para se pronunciar relativamente à matéria de excepção suscitada na Resposta, o que este veio fazer por requerimento de 10.02.2025.

 

E por despacho de 14.02.2025 o Tribunal notificou as Partes da dispensa da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, e concedeu prazo para alegações facultativas.

 

Ambas as Partes vieram apresentar alegações.

 

O Requerente defende dever improceder toda a matéria de excepção invocada pela Requerida. Entre o mais, refere que mesmo que tenha apresentado pedidos de reembolso, o Tribunal deverá conhecer da legalidade da totalidade dos actos de RF em crise. Mais que apresentou o pedido de revisão oficiosa tempestivamente e se dúvidas houver deverá proceder-se a reenvio prejudicial ao TJUE. E reitera no essencial o já vertido no PPA no sentido da ilegalidade das RF.

 

A Requerida remete para a sua Resposta, reiterando o aí vertido.

 

*

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

O PPA é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al.s g) e h) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (e v. art.º 102.º n.º 1 al. d) do CPPT). O processo não enferma de nulidades.

 

Vem invocada matéria de excepção. Que começará por tratar-se no respeitante à incompetência do Tribunal, e à inimpugnabilidade dos actos. Relegando-se a apreciação da invocada “questão prévia” para momento imediatamente após decisão da matéria de facto, por desta dependente. 

 

 

2. Matéria de excepção

2.1. Da competência material do Tribunal Arbitral

 

Nos termos conjugados do disposto no art.º 16.º do CPPT, art.º 13.º do CPTA, e nos art.ºs 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a) e 578.º, todos do CPC[1], a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, que é de conhecimento oficioso, precedendo o de qualquer outra matéria. Tratando-se de excepção dilatória obsta a que o Tribunal conheça do mérito e conduz à absolvição da instância.

 

Sendo que a competência em razão da matéria há-de determinar-se pelo pedido do Autor (pelo quid decidendum).[2] Se se preferir, através do confronto entre as normas que a definem e o teor da petição inicial, com destaque para o pedido e a causa de pedir.

 

E o Tribunal Arbitral, refira-se, tem competência para decidir sobre a sua própria competência: é o “princípio da competência da competência do Tribunal Arbitral”[3], desde há muito reconhecido como regra em matéria de arbitragem[4] (v. art.ºs 18.º da LAV[5] e 181.º/1 do CPTA).

 

Defende a Requerida que, não tendo o pedido de anulação das RF sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa, necessária, “o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar da (i)legalidade das mesmas, ainda que o Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos”. Segundo expõe, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art.º 132º do CPPT, “ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo”. 

 

Convoca, neste contexto, o art.º 2.º, al. a), da Portaria n.º 112/2011, de 22.03 (Portaria de Vinculação), e expõe que uma interpretação que amplie a vinculação da AT (dali resultante) à tutela arbitral legalmente determinada é constitucionalmente vedada (ampliando as situações em que obrigatoriamente se submeteu ao regime renunciando ao recurso jurisdicional pleno).

 

Em qualquer caso, o Tribunal é materialmente incompetente pois que ela Requerida nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade das RF, que também não foram efectuadas por si. 

 

Revogado que se encontra o n.º 2 do art.º 78.º da LGT, o pedido com fundamento em “erro imputável aos serviços” inclui-se no n.º 1 do artigo, exigindo-se ao contribuinte provar que o erro que invoca é imputável a si Requerida. O que o Requerente não fez.

 

Não tendo havido erro imputável aos Serviços, no caso, “preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto”.

 

Acrescenta ainda que, tratando-se de acto silente, o indeferimento (tácito, portanto) pode consubstanciar indeferimento por extemporaneidade, e assim não comportar a apreciação do acto de liquidação. E não tendo o Requerente provado erro imputável aos Serviços, terá o Tribunal que analisar os pressupostos de aplicação do procedimento de revisão oficiosa, terá que decidir se o Requerente estava em tempo de apresentar o pedido de RO. Questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art.º 78º da LGT, para o que o Tribunal não tem competência, expõe.

 

E conclui pela incompetência material do Tribunal.

 

Vejamos.

 

Dispõe a dita norma da Portaria de Vinculação, no relevante ao caso, que: Os serviços (...) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a (...) com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de (...) retenção na fonte (...) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; (...)”

 

É este o ponto de que parte a Requerida. Com efeito, o Requerente não interpôs reclamação graciosa nos termos do art.º 132.º do CPPT. Mas sim pedido de revisão oficiosa. E fê-lo ultrapassado que estava o prazo para interposição daquela - dois anos cfr. art.º 132.º. Defende a Requerida que o pedido de revisão oficiosa (RO) não substitui a reclamação graciosa (RG) necessária. Mais ainda tendo sido apresentado decorridos já os referidos dois anos.

 

Sucede que é entendimento assente, na Jurisprudência e na Doutrina, que na competência dos Tribunais Arbitrais se inclui a apreciação da legalidade de actos tributários que, mesmo que não precedidos do procedimento de RG para que expressamente se remete naquele dispositivo da Portaria de Vinculação, e aí subsumíveis, tenham sido precedidos de procedimento de RO. Assim, precedidos de uma primeira apreciação por parte da Administração Tributária.

 

A respeito pode ver-se o  Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/18, de 11.05.2018, proc.º n.º 636/17, que versou sobre a norma “que resulta da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, no sentido de considerar os casos em que ocorreu um «pedido de revisão oficiosa» equivalentes aos pedidos «precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”, decidindo não julgá-la inconstitucional. V. também Jorge Lopes de Sousa, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Coord. Nuno Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, 2.ª Ed., Almedina, pp. 103-109.

 

E essa apreciação por parte da Administração Tributária, a que nos referíamos, não pode deixar de entender-se ocorrer quando a Administração o faça por acto silente, assim por efeito do decurso do prazo legal para decisão. De facto, a presunção de indeferimento foi prevista pelo legislador precisamente para permitir ao contribuinte aceder à discussão em juízo da legalidade desses actos. Sem ficar na dependência de um acto de exteriorização expressa do indeferimento, que poderia até nunca vir a ocorrer. Não reconhecer a competência do Tribunal se o pedido gracioso se decidisse por acto tácito, e ao invés reconhecê-la apenas quando houvesse decisão expressa de indeferimento - aí se conhecendo da legalidade do acto -, arredaria, reconheça-se, do âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais/do processo de Impugnação judicial nos Tribunais Administrativos e Fiscais a apreciação da legalidade dos actos tributários (de autoliquidação, RF e pagamento por conta) sobre os quais a Administração Tributária se tivesse mantido silente... simplesmente por não se saber se a mesma teria aí vindo a conhecer do mérito ou se se quedaria por mera questão de forma. O que sempre poderá revelar-se incoerente com o objectivo visado pelo legislador ao criar a figura do indeferimento tácito.

 

Assim - na linha também do entendimento que mais recentemente tem vindo a sedimentar-se na Jurisprudência - mesmo se fosse de considerar que o indeferimento (no caso, do pedido de RO) teria que fundamentar-se em questão de forma (intempestividade, como defende a Requerida), e não de mérito, e que assim não teria sido apreciada (administrativamente) a legalidade do acto de primeiro grau, tal não seria impeditivo do preenchimento dos pressupostos legais de interposição de Impugnação Judicial/Acção Arbitral Tributária. Neste sentido (e lembrando que a acção arbitral tributária foi delineada como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial) v., entre outros, os Acórdãos do STA de 06-03-2024, proc.º 0946/18.0BELRA, de 13.01.2021, proc.º 0129/18.9BEAVR, e os aí referidos, ou o Acórdão do TCA Norte de 27.10.2021, proc.º 0175/21.5BECBR. Como na Jurisprudência dos Tribunais Superiores vem, pois, sendo sedimentado (e como se lê no ponto II do Sumário do Ac. do STA acabado de referir por último): “A impugnação judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do(s) seu(s) fundamento(s) (formais ou de mérito).” 

 

Acresce, por outro lado, que vem assente de mais longa data na Jurisprudência dos Tribunais Superiores a revisão oficiosa dever ser entendida como um meio administrativo alternativo ou complementar, à disposição do contribuinte. E, assim, inclusive quando decorrido já o prazo de dois anos a que a Requerida se refere. V., a título de exemplo, e com as necessárias adaptações, Acórdão do STA de 09.11.2022, proc.º 087/22.5BEAVR, em cujo Sumário se lê: 

IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que [este] não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].

V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.

VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).

VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.” (sublinhados nossos)

 

Acresce, em qualquer caso, que é de entender haver erro, de direito, quando de ilegalidade de normas na origem do acto em crise se trate (sem distinção quanto à origem da ilegalidade por violação da Constituição ou por violação do Direito Comunitário). Bem assim que, em caso de RF, o erro passará a ser imputável à Requerida a partir do momento em que, tendo-lhe sido colocada a questão da legalidade do acto, sobre ela tomou conhecimento indeferindo, rectius a partir do momento em que se formou indeferimento - seja expresso, seja tácito (v., entre outros, Acórdão do STA de 29.11.2023, proc.º n.º 011/19.2BELRS).

 

E, se assim é, diremos, não poderia deixar de entender-se assistir ao contribuinte o direito de interpôr pedido de RO com esse fundamento – “erro imputável aos serviços” (cfr. art.º 78.º, n.º 1, da LGT). Ademais devendo considerar-se, cfr. Jurisprudência consolidada, vimos, o procedimento de revisão oficiosa como um meio alternativo ou - expirados os prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial/acção arbitral tributária - como um meio complementar dos demais.

 

Assim, e contrariamente ao invocado pela Requerida, não tinha já o Tribunal Arbitral que apreciar do preenchimento dos pressupostos do art.º 78.º da LGT, a saber, de ocorrer ou não erro imputável aos serviços. É de entender - em linha com a mesma Jurisprudência e sem necessidade de outras indagações, e na medida em que o Tribunal venha a decidir no sentido da invocada ilegalidade abstracta - ocorrer “erro imputável aos serviços” para efeitos do art.º 78.º, n.º 1, da LGT. E uma vez que o Requerente vem pedir a apreciação da legalidade dos actos de primeiro grau, para o que o Tribunal Arbitral é materialmente competente.

 

Acresce, sempre se diga, que também não procede o argumento da Requerida ao invocar incompetência material do Tribunal quando refere o PPA ter sido interposto tendo em vista “não a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa” (e assim tendo o Tribunal que decidir se o Req.te o fez em tempo). Com efeito, e como escrevemos em outras Decisões Arbitrais[6], é de “(...) deixar claro não ter o (...) indeferimento tácito do Pedido de RO a virtualidade de constituir verdadeiramente o acto objecto dos autos. Como é bom de ver, o que se vem peticionar nessa sede, arbitral tributária, é a anulação/declaração de ilegalidade do acto de liquidação (rectius liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta) – v. art.º 2.º/1, al. a), do RJAT. E o acto de 2.º grau serve precisamente o propósito de abrir a via para a apreciação da legalidade do acto de liquidação. A redacção conferida pelo legislador ao art.º 2.º do RJAT é clara a respeito, ao expressamente identificar as pretensões para as quais os Tribunais Arbitrais têm competência, e aí apenas se incluindo os actos de 1.º grau (diferentemente, v. o art.º 97.º, n.º 1, al.s c) e d) do CPPT; v., também, como na lei de autorização do RJAT[7] se previa como objecto possível do processo arbitral tributário, além dos actos que o legislador transportou para o RJAT, cfr. al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º, também outros, e aí se incluindo os actos de “indeferimento de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, (...)”).   O (...) indeferimento (tácito) do pedido de revisão não é, pois, o acto em crise. Aquele cuja anulação se vem, afinal, peticionar, com base na al. a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT. Que não pode deixar de ser um acto tributário stricto sensu.[8]

 

Em conclusão, não ocorria excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral. Por qualquer dos fundamentos que vêm invocados.

 

 

2.2. Da inimpugnabilidade dos actos

 

Invoca a Requerida, ainda, inimpugnabilidade dos actos de RF em crise. Ficaria o Tribunal em qualquer caso, segundo defende, impossibilitado, por esta via, de conhecer do Pedido.

 

A saber, ficaria impossibilitado de conhecer do pedido por - consagrada na lei, com aplicação ao caso por se tratar de actos de RF, a obrigatoriedade de prévia reclamação graciosa - o Requerente não a ter interposto. 

 

Assim, por, no caso, o Pedido de Pronúncia Arbitral não ter sido precedido de RG necessária. Cfr. art.º 132.º do CPPT.

 

Vejamos.

 

Determina o referido normativo, efectivamente, como condição/pressuposto processual de Impugnação Judicial (quando de RF se trate) o recurso prévio ao procedimento de RG (pelo substituto ou pelo substituído, como é o Requerente - art.º 132.º, n.ºs 3 e 4).

 

Porém, e como também já resulta do que vimos no ponto anterior (2.1.), na linha da Jurisprudência consolidada que referimos, e à mesma aderindo, é de entender que não estamos - ao não ter o Requerente interposto RG - perante um obstáculo ao prosseguimento do processo. Com efeito, vimos, é entendimento que vem sedimentado dever ser dada ao contribuinte a possibilidade de recorrer no prazo de quatro anos ao procedimento de revisão oficiosa nos termos do art.º 78.º, n.º 1 da LGT. E assim reabrir a via contenciosa (o prazo de impugnação judicial/Acção Arbitral Tributária). Mesmo que não tenha interposto, em prazo, a reclamação graciosa a que se refere o legislador no art.º 132.º do CPPT. Tudo como vimos acima, para aí remetendo (v., entre o mais, Ac. do STA de 09.11.2022, proc.º 087/22.5BEAVR, e pontos do respectivo Sumário que acima transcrevemos).

 

Consequentemente, os actos de RF em crise não deixam de ser impugnáveis/arbitráveis se, não obstante a não interposição de RG, o Requerente tiver interposto, no prazo de quatro anos referido no art.º 78.º, n.º 1, pedido de RO nos termos da 2.ª parte desse n.º 1 - com fundamento em “erro imputável aos serviços”.

 

Improcede a alegada excepção de inimpugnabilidade das RF.

 

*

Cumpre apreciar e decidir.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

 Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente é um Organismo de Investimento Colectivo constituído ao abrigo do direito do Luxemburgo sob a forma societária, comumente designada de sociedade de investimento de capital variável (SICAV) - fundo de investimento especializado com múltiplos sub-fundos, Residente no Luxemburgo, que qualifica para efeitos da CDT PT-Luxemburgo como residente fiscal no Luxemburgo e não é entidade fiscalmente transparente; (cfr. doc.s 2 e 3 juntos pelo SP)

 

b) Para efeitos fiscais em Portugal o Requerente é sujeito passivo de IRC não residente, e sem estabelecimento estável, e assim sucedia nos anos de 2020, 2021 e 2022; (cfr. doc.s 2 e 3 juntos pelo SP e por acordo)

 

c) Os activos de cada sub-fundo do Requerente são geridos por diversas entidades gestoras de fundos de investimento; (cfr. doc. 2 junto pelo SP)

 

d) O Requerente era titular de participações sociais no capital de sociedades residentes em Portugal e com origem nessas participações auferiu, nos anos de 2020, 2021 e 2022, dividendos nos valores totais brutos, respectivamente, de € 138.456,63, € 210.080,11 e € 216.556,71, sobre os quais recaiu retenção na fonte liberatória nos valores, por sua vez, respectivamente, de € 20.991,84, € 31.677,20 e € 41.165,53, como nas seguintes tabelas:

ENTIDADE

DATA

DIVIDENDO BRUTO

RETENÇÃO  NA FONTE

DIVIDENDO LÍQUIDO

B...

09-01-2020

2.233,19

558,30

1.674,89

C...

14-05-2020

26.458,64

3.968,80

22.489,84

C...

14-05-2020

52.492,63

7.873,89

44.618,74

D...

15-05-2020

2.364,17

354,63

2.009,54

E...

21-05-2020

12.239,71

1.835,96

10.403,75

E...

21-05-2020

12.239,71

1.835,96

10.403,75

F...

25-05-2020

6.532,37

979,86

5.552,51

G...

15-06-2020

472,38

70,86

401,52

H... SGPS

03-07-2020

7.532,41

1.129,86

6.402,55

I...

15-07-2020

3.754,33

563,15

3.191,21

I...

15-07-2020

3.754,15

563,12

3.191,13

            J...

20-07-2020

1.144,04

171,61

972,43

B...

10-12-2020

2.233,19

334,98

1.898,21

I...

16-12-2020

2.502,77

375,42

2.127,35

I...

16-12-2020

2.502,91

375,44

2.127,47

                                               TOTAIS: 138.456,63          20.991,84          117.464,79

 

 

ENTIDADE

DATA

DIVIDENDO BRUTO

RETENÇÃO  NA FONTE

DIVIDENDO LÍQUIDO

C...

26-04-2021

29.053,28

4.357,99

24.695,28

C...

26-04-2021

57.767,03

8.665,05

49.101,98

H... SGPS

06-05-2021

7.532,41

1.129,86

6.402,55

I...

06-05-2021

5.223,17

783,48

4.439,69

I...

06-05-2021

5.223,46

783,52

4.439,94

G...

11-05-2021

1.934,85

290,23

1.644,62

F...

11-05-2021

6.532,37

979,86

5.552,51

D...

17-05-2021

2.481,61

372,24

2.109,37

             J...

17-05-2021

1.144,04

171,61

972,43

E...

20-05-2021

11.163,25

1.674,49

9.488,76

E... SGPS SA

20-05-2021

50.659,35

7.598,90

43.060,45

E... SGPS SA

20-05-2021

11.163,25

1.674,49

9.488,76

K...

20-05-2021

359,89

53,98

305,91

           B...

25-05-2021

2.242,80

336,42

1.906,38

E...

16-09-2021

7.973,75

1.196,06

6.777,69

E...

16-09-2021

7.973,75

1.196,06

6.777,69

            J...

22-12-2021

525,64

131,41

394,23

           B...

28-12-2021

1.126,21

281,55

844,66

                                         TOTAIS:         210.080,11          31.677,20          178.402,91

 

ENTIDADE

DATA

DIVIDENDO BRUTO

RETENÇÃO  NA FONTE

DIVIDENDO LÍQUIDO

C...

28-04-2022

29.053,28

7.263,32

21.789,96

C...

28-04-2022

57.767,03

14.441,76

43.325,27

H... SGPS

09-05-2022

7.532,41

1.129,86

6.402,55

E...

10-05-2022

7.973,75

1.196,06

6.777,69

E...

10-05-2022

7.973,75

1.196,06

6.777,69

            J...

13-05-2022

1.236,80

185,52

1.051,28

D...

16-05-2022

2.609,27

391,39

2.217,88

I...

18-05-2022

14.236,76

2.135,51

12101,25

I...

18-05-2022

14.237,55

2.135,63

12.101,92

F...

19-05-2022

5.882,95

882,44

5.000,51

K...

20-05-2022

508,08

76,21

431,87

L...

03-06-2022

640,61

96,09

544,52

          B...

07-06-2022

2.252,41

337,86

1.914,55

G...

09-06-2022

1.934,85

290,23

1.644,62

E...

20-09-2022

12.537,46

1.880,62

10.656,84

E...

20-09-2022

8.292,70

1.243,91

7.048,79

E...

20-09-2022

21.391,76

3.208,76

18.183,00

E...

20-09-2022

8.292,70

1.243,91

7.048,79

          B...

12-12-2022

3.378,78

506,82

2.871,96

G...

13-12-2022

4.731,31

709,70

4.021,61

          J...

21-12-2022

556,56

83,48

473,08

F...

23-12-2022

3.535,94

530,39

3.005,55

                                         TOTAIS:         216.556.71          41.165.53          175.391,18

(cfr. doc.s 4 a 9 juntos pelo SP, e por acordo)

 

e) O total de imposto inicialmente retido na fonte, de € 93.834,57, foi entregue junto dos cofres do Estado em Portugal e tem correspondência nas Guias de retenção  com os n.ºs  ..., de 20 de Fevereiro de 2020, ..., de 23 de Junho de 2020, ..., de 20 de Agosto de 2020, ..., de 20 de Agosto de 2020, e ..., de 20 de Janeiro de 2021 – com referência a dividendos auferidos em 2020; n.ºs..., de 20 de Maio de 2021, ..., de 21 de Junho de 2021, ..., de 20 de Outubro de 2021,..., de 20 de Janeiro de 2022 – ref. dividendos auferidos em 2021; e n.ºs ..., de 20 de Maio de 2022, ..., de 20 de Junho de 2022, ..., de 20 de Julho de 2022, ..., de 20 de Outubro de 2022, ..., de 20 de Janeiro de 2023 - ref. dividendos auferidos em 2022. (cfr. doc.s 4 a 9 juntos pelo SP, e por acordo)

 

f) A 14.05.2024 o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa reportado às Guias de retenção na fonte de IRC (cfr. al. anterior), pugnando pela sua anulação, por vício de ilegalidade por violação do Direito Comunitário, e pelo reconhecimento do direito à restituição do imposto suportado em Portugal; (cfr. doc. 1 junto pelo SP, e PA)

 

g) Decorridos quatro meses da submissão do pedido de revisão (v. al. anterior), o Requerente não foi notificado de decisão final do mesmo; (por acordo)

 

h) A 30.09.2024 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo;

 

i) Com referência a liquidações de IRC por RF que o Requerente coloca em crise nos presentes autos - a saber, RF de € 558,30 (2020), RF de € 281,55 (2021), e RFs de € 29.053,28 e € 57.767,03 (ambas em 2023) – foram submetidos pedidos de reembolso ao abrigo da CDT PT-Luxemburgo, e a Requerida procedeu ao reembolso, no valor total de € 9.017,97, correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte a título definitivo de 25% e o limite Convencional de 15%; (cfr. comunicação da DSRI GPS n.º ...2024... de 21.11.2024 – transcrita pela Requerida na Resposta e não impugnada, listagens dos dividendos e respectivos actos de RF em crise constantes do PPA, e PA; e por acordo, já que a excepção do pagamento-reembolso não foi impugnada pelo Requerente)

 

3.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos não provados.

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelo Requerente e no PA, todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, factos alegados e não questionados.

Quanto ao facto dado por provado na al. i), de referir que da identificada Comunicação da DSRI consta, entre o mais, o valor de cada um dos quatro dividendos em questão, a RF feita em cada um dos casos, e o valor reembolsado em cada um, e, diferentemente dos demais (em que se lê “reembolso regularizado”), num deles (RF € 281,56, Reembolso € 112,62) consta “enviado para cobrança”; sendo a Comunicação de 21.11.2024 e tendo o reembolso já então sido deferido e enviado para cobrança, mais não o tendo o Requerente impugnado, entende o Tribunal que é de dar por regularizado também, e assim provado, esse reembolso no valor de € 112,62 (factos provados por documento e por acordo - v. art.º 574.º, n.ºs 2 e 3 ex vi art.º 587.º, n.º 1, do CPC).

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[9]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC[10]).

 

4. Matéria de Direito

4.1. Da invocada excepção de pagamento-reembolso

 

Antes de mais, refira-se que sob a referência “questão prévia – duplicação do pedido”, a Requerida invoca na sua Resposta ter sido já pago-reembolsado, com referência a retenções na fonte que o Requerente coloca em crise nos autos, o montante total de € 9.017,97.

 

Vem, assim, e nesta quantia, especificadamente suscitada excepção peremptória de pagamento/reembolso.

 

Quando assim suceda, recai sobre o Autor/Requerente tomar posição concreta sobre os factos. Sob pena de os factos articulados se considerarem provados. Tratando-se de facto pessoal que o Requerente não pode desconhecer, teria este o ónus de tomar posição concreta sobre o mesmo.

 

Na sua réplica, porém, bem como em alegações finais, o Requerente vem afirmar não poder pronunciar-se a respeito. Não impugna este facto (que no caso será extintivo do direito à devolução de quantias). E reconhece ter apresentado pedidos de reembolso.

 

Segundo defende, “ainda que o Requerente tenha apresentado pedidos de reembolso de parte do imposto retido na fonte ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, mantém plena acuidade uma pronúncia arbitral que aprecie a legalidade dos actos de liquidação de IRC por retenção na fonte em crise nos presentes autos”. Deve ser julgada improcedente a excepção e o Tribunal “conhecer integralmente do pedido de pronúncia arbitral do Requerente”.

 

Vejamos então.

 

Com relevo para dilucidar da ocorrência da excepção, resultou provado que a Requerida reembolsou, com referência a actos de RF em crise nos autos, a quantia total de € 9.017,97 (v. al. i) do probatório). Valor este correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte a título definitivo de 25%, a que no caso dos dividendos em questão a RF foi efectuada, e o limite Convencional de 15%.

 

Os valores assim reembolsados ao abrigo da CDT aplicável e que vêm identificados na Comunicação GPS n.º ... de 21.11.2024 (v. al. i) do probatório) têm correspondência em RF, que vêm colocadas em crise, sobre dividendos auferidos pelo Requerente. A saber, sobre os dividendos brutos pelo mesmo identificados no seu PPA nos valores, respectivamente, de € 2.233,19, em 2020, € 1.126,21, em 2021, e, por fim, de € 29.053,28 e € 57.767,03, em 2023 - na medida de 10% dessas RF.  Cfr. al.s d) e i) do probatório.

 

Assim, nesta medida, no referido total de € 9.017,97, a pretensão do Requerente, de devolução de quantias pagas, já foi satisfeita fora do esquema da providência pretendida. I.e., vindo o Requerente aos presentes autos peticionar a anulação de actos de RF e, assim, a devolução das quantias pagas/arrecadadas nos mesmos, e tendo as RF em questão (aquelas apenas, que vimos de identificar) - e como especificadamente alegado pela Requerida - sido regularizadas numa parte, a saber, com o reembolso na medida correspondente a 10% do valor dos respectivos dividendos, o fim visado pelo Requerente foi nesta parte, e na dita medida, já alcançado.

 

As identificadas RF cujo reembolso vem provado deixaram, pois, de produzir efeitos na Ordem Jurídica naquela parte já reembolsada pela Requerida. Não já, bem se vê, na parte correspondente ao remanescente, i.e., ao valor correspondente a 15% dos dividendos em questão.

 

Conclui-se que muito embora nos autos o Requerente venha peticionar, relativamente a estas identificadas RF (v. al. i), e v. também al. d), do probatório), a quantia correspondente a 25%, parte desta sua pretensão se encontra já satisfeita - a saber, na parte das mesmas correspondente a apenas 10%. E que perfaz a referida quantia de € 9.017,97.

 

Houve, assim, nesta medida, reembolso parcial do montante (de € 93.834,57) cuja devolução o Requerente vem peticionar.

 

Pelo que (sem prejuízo de se dever conhecer da legalidade da totalidade dos actos de RF em crise, como defende o Requerente) se conclui que o imposto inicialmente retido, em RF que vêm colocadas em crise, não foi efectivamente suportado pelo Requerente naquela parte, de € 9.017,97. Do que se retirará as necessárias consequências no decisório (e, ainda, quando tratarmos do pedido de juros indemnizatórios).

 

Procede a excepção, como supra.

 

4.2. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte: é o regime jurídico-tributário nacional em matéria de tributação de OICs, vigente ao tempo dos factos, violador da liberdade fundamental de circulação de capitais conforme consagrada no TFUE e, assim, violador do Direito da UE?

Colocado de outro modo, encontram-se os actos em crise, de liquidação de IRC em 2020, 2021 e 2022 sobre dividendos auferidos por OIC constituído ao abrigo de legislação de outro EM que não Portugal - por RF a taxa liberatória, nuns casos de 15% e noutros de 25%, cfr. al. d) do probatório (cfr. art.s  94.º, n.ºs 3, al. b) e 5, 87.º, n.º 4, e 98.º do CIRC, e art.º 10.º, n.º 1 da CDT PT-Luxemburgo) - feridos de ilegalidade por vício de violação de lei em decorrência do que vem imediatamente de se questionar?

 

Recapitulando brevemente.

 

O Requerente entende que, ao ser tributado em IRC por RF sobre os dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal, quando diferentemente os OICs constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa estão dispensados de tal retenção, está a ser alvo de um tratamento discriminatório violador da liberdade de circulação de capitais consagrada no Art.º 63.º do TFUE. E que tanto resulta já expresso da Jurisprudência do TJUE, máxime do Acórdão do TJUE que em especial convoca - Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN[11].

 

Não se conforma, assim, com as RF. Nem com o indeferimento (tácito) do pedido de RO que as manteve na Ordem Jurídica. (Sempre se diga, a competência dos Tribunais Arbitrais para conhecer de actos de segundo e de terceiro grau não é questionada - v., entre o mais, art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT em conjugação com o art.º 132.º do CPPT, assente que é, em qualquer caso, que o verdadeiro objecto da acção arbitral será o acto de primeiro grau).

 

A Requerida, por seu lado, entende que não merecem censura as liquidações, desde logo tendo em consideração o princípio da legalidade a que está subordinada.

 

Sobre a matéria veio o TJUE pronunciar-se especificamente. A saber, por Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN[12] (com origem em Reenvio Prejudicial no Processo Arbitral n.º 93/2019-T deste CAAD).

 

Vejamos, antes de mais e de avançarmos, o quadro legal mais pertinente ao caso.

 

No EBF, estabelece o art.º 22.º, conforme redacção aplicável, e introduzida pelo DL n.º 7/2015 já referido[13], assim[14]:

Artigo 22.º - Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional


2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 


3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada (...), os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º1.

  
4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. 


5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. 


6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. 
 

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. 


8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. 


9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: / (...) 


10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. 


11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. 


12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. 


13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. 


14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que (...). 


15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. 


16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. 

 

No CIRC,

Artigo 2.º - Sujeitos passivos

  1. São sujeitos passivos de IRC:

(...) c) As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS. / (...)

 

Artigo 4.º - Extensão da obrigação de imposto

(...) 2 – As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português (...)

   c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:

(...) 3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;

 

Artigo 87.º- Taxas

(...) 4 — Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos: (...)

 

 

Artigo 94.º- Retenção na fonte

1 — O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (...)

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando (...);

(...)

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, exceptuados (...).

3 — As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: (...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o (...). (...)

 

4 - As retenções na fonte de IRC são efetuadas à taxa de 25 %, aplicando-se aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 1 a taxa de 21,5 %. 


5 — Exceptuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham carácter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º 

 

6 — A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou (...).

 

Artigo 98.º- Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes

(...)

2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como nos n.ºs 12 e 16 do artigo 14.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:

a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação (...);

(...)

7 — As entidades beneficiárias dos rendimentos que verifiquem as condições referidas nos n.º s 1 e 2 do presente artigo e nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º (...) podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados (...), mediante (...).

 

No TFUE,

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

(…)

 

*

No nosso caso, temos que o Requerente é um OIC constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo, melhor descrito no probatório supra, considerado Residente no Luxemburgo para efeitos da CDT PT-Luxemburgo, Estado Membro (EM) da UE, sem estabelecimento estável em Portugal. E auferiu rendimentos - dividendos - de fonte portuguesa, nos anos de 2020, 2021 e 2022. Sobre os quais foi feita RF liberatória.

 

Sendo constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo, não cabe na previsão do art.º 22.º, n.º 1 do EBF, que delimita o campo de aplicação subjectiva do artigo e, assim, de aplicação da dispensa de RF.[15]

 

O Requerente vem, nos autos, peticionar a anulação das RF no montante correspondente a € 93.834,57 (cfr. probatório, al.s d) e e), supra).

 

Mais uma vez, vejamos. Em sede de DUE.

 

Tratando-se de distribuição de dividendos estamos, no caso, sempre se diga, em matéria enquadrável no conceito Comunitário de “movimentos de capitais” – cfr. nomenclatura anexa à Directiva 88/361/CEE.[16]

 

O TJUE, dizíamos, veio decidir naqueles já referidos autos de Reenvio Prejudicial, em que lhe foram colocadas as questões prejudiciais[17] reportadas, assim, ao nosso Ordenamento Jurídico e à matéria de tributação de dividendos, distribuídos a OICs, e enquadrável no art.º 22.º do EBF.

 

Resumiu o Alto Tribunal as ditas questões assim: “(...) 29 - Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado‑Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.”

 

E, após desenvolver o seu caminho decisório, conclui por sua vez assim: “(...) há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”[18]

 

Para assim concluir, e resumidamente, o Alto Tribunal começa por, após enquadrar a questão à luz da liberdade de circulação de capitais - assim, do Art.º 63.º do TFUE[19]-, referir que é facto assente que no caso a isenção é concedida aos OICs constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa e, diferentemente, os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro EM não podem dela beneficiar. E que, ao assim proceder - ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte - a legislação portuguesa procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.[20]

 

Tratamento desfavorável esse, identificado, que “pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE”.[21]

 

Como se sabe, e como o Alto Tribunal ali também passa a desenvolver - não obstante o disposto naquele Art.º 63.º - ainda assim é reconhecido o direito dos EM de aplicarem as disposições pertinentes dos seus Ordenamentos Jurídico-Tributários que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação quanto ao local da sua residência ou ao local onde o seu capital é investido. 

 

Porém, como também se refere no Acórdão, tal derrogação ao princípio fundamental da liberdade de circulação de capitais é, por sua vez, limitada - cfr. Art.º 65.º do TFUE, n.º 1 versus n.º 3. Em suma, e por nossas palavras, as diferenças de tratamento admitidas - apesar do Art.º 63.º - pelo Art.º 65.º, n.º 1, deixam de o ser se enquadráveis no n.º 3 do mesmo Art.º 65.º.[22]

 

Ora, conforme Jurisprudência sedimentada do TJUE na interpretação destes últimos normativos, o tratamento diferenciado será admissível neste contexto (e, assim, a legislação fiscal de um EM considerada compatível com o DUE) quando diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou quando se justifique por razões imperiosas de interesse geral. Sendo que, após apreciação, conclui o TJUE no Acórdão que nenhuma se verifica no caso.

 

Neste seu percurso decisório, e para concluir como acaba de se referir, o Alto Tribunal não deixou de ter em consideração (i) quer o facto de os OIC Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e, assim, de tributação dos dividendos na esfera dos Participantes.

 

Notando, entre o mais, que a legislação nacional (sob reserva de verificação pelo OJR[23]) prevê uma tributação sistemática dos dividendos de fonte nacional que apenas onera os OIC não residentes, e considerando o critério de distinção na legislação nacional ser unicamente o do local da residência dos OIC, conclui verificar-se um tratamento discriminatório para o qual não foi apresentada justificação (que permitiria, afinal, enquadrar a situação no Art.º 65.º, n.º 1).

 

*

Dito isto, a hipotética possibilidade de neutralização da tributação na esfera dos Participantes, ou até mesmo na esfera do próprio Requerente, a que a Requerida também se refere, não deixou de ser considerada pelo TJUE: atentando no objectivo prosseguido pelas disposições nacionais, e no seu objecto e conteúdo, o Alto Tribunal realçou o risco de dupla tributação existir seja no caso dos OIC residentes, seja no dos OIC não residentes - ao o Estado Português ter optado por tributar estes últimos, e notou o critério de distinção referido na legislação ter por objecto tão só o lugar da residência dos OIC. Concluindo pela comparabilidade objectiva das situações.

 

*

Vejamos por fim.

 

Como no início ficou percorrido, o Requerente coloca em crise as liquidação em IRC por RF com o fundamento único de - ao tributar-lhe rendimentos, dividendos, em IRC por RF - se ter incorrido em violação do DUE.

 

Defende, assim, a ilegalidade da liquidação em IRC ao terem sidas retidas na fonte as quantias supra em aplicação do disposto nos dispositivos do CIRC que acima também percorremos. E vem, nestes termos, peticionar a respectiva anulação.

 

Aqui chegados.

 

É questão fundamental a apreciar nos autos, para então se decidir quanto à peticionada anulação, vimo-lo, a da conformidade (ou não) do regime jurídico português de tributação de dividendos distribuídos a OICs com o DUE.

 

Com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as liberdades fundamentais. Em concreto com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estão rendimentos, sob a forma de dividendos, obtidos por OICs constituídos ao abrigo da lei de outro EM e a operar em conformidade também com essa lei. No confronto com o regime aplicável aos OIC Residentes e enquadráveis na previsão do art.º 22.º, n.º 1 do EBF.

 

Tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do DUE, foi feito, com origem em processo arbitral com factualidade subjacente substancialmente idêntica à dos presentes autos, Reenvio Prejudicial na matéria, como visto.

 

O TJUE veio, referimos já, declarar que:                    

“O artigo 63.º [do] TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Pois bem.

 

Tendo em conta a pronúncia do TJUE no Acórdão;

 

Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração, impondo-se ao Julgador - também ao Julgador em questões futuras materialmente idênticas - decidir em sentido compatível;[24]

 

Tendo presente o consagrado no art.º 8.º, n.º 4 da CRP[25], a preeminência aplicativa do DUE daí decorrente e, ainda, os valores fundamentais da certeza e segurança jurídicas;

 

Há que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE.

 

Bem assim, com a Jurisprudência Uniformizada pelo STA, em conformidade também com o que antecede, por Acórdão de 28.09.2023, prolatado no Proc. n.º 93/19.7BALSB, Pleno da 2.ª Secção – Acórdão n.º 7/2024. Em cujo Sumário se lê como segue:

 

“Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos:

1 – Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

  1. – O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
  2. – A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

Assim, e retornando mais concretamente ao caso, em que o Requerente é OIC NR, constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo, tendo ficado sujeito – na distribuição de dividendos de fonte portuguesa de que beneficiou em 2020, 2021 e 2022 – a tributação em IRC por RF liberatória, nos termos conjugados dos art.ºs 4.º, 94.º, 87.º e 98.º do CIRC (cfr. supra),

 

Em aplicação, como devido, da referida Jurisprudência que vem de se percorrer, e tendo em conta o mais que vimos de referir,

 

À questão a decidir há que responder que sim, é ilegal a liquidação ao tributar na fonte (a título definitivo) os dividendos distribuídos ao Requerente em aplicação de uma legislação violadora da liberdade de circulação de capitais. Houve erro de direito, vício de violação de lei decorrente de incompatibilidade com o DUE. Tudo como supra.

 

A pretendida anulação das RF (e consequencialmente do acto tácito de segundo grau) deve, pois, proceder. Incluindo no que se refere às RF em que houve reembolso (cfr. al. i) do probatório, e v. supra, 4.1.) - na parte em que se mantêm na Ordem Jurídica, correspondente aos 15 %. 

 

E fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário de reenvio prejudicial.

 

5. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O SP requer a devolução “das importâncias indevidamente retidas na fonte”, pelos actos que identifica e que coloca em crise nos autos, no montante total de € 93.834,57 (e v. al. e) do probatório).

 

Como vimos, do referido montante de € 93.834,57, inicialmente retido, foi devolvida/reembolsada pela Requerida, ao abrigo da CDT aplicável e mediante pedido de reembolso que lhe foi submetido, a quantia de € 9.017,97.

 

Conclui-se, assim, a importância retida e efectivamente suportada pelo Requerente ser de € 84.816,60 (€ 93.834,57 - € 9.017,97).

Há que decidir, como vimos de concluir, pela anulação das liquidações por RF por vício de violação de lei. Cabe, consequentemente, condenar a Requerida na devolução das quantias indevidamente suportadas pelo Requerente e entregues ainda nos cofres do Estado. No valor, vimo-lo, de € 84.816,60. Cfr., entre o mais, art.º 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT.

 

Peticiona ainda o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia cuja devolução requer, a saber, sobre a quantia de € 93.834,57, desde 14 de Maio de 2025.

 

Vejamos se lhe assiste razão.

 

Cabe começar por deixar antes de mais, e em qualquer caso, claro que, a haver direito a juros indemnizatórios, sempre seriam os mesmos de calcular não sobre a quantia de € 93.834,57, mas sim de € 84.816,60. Como decorre do que antecede, e contrariamente ao que requer o Requerente. (Tenha-se em mente, ademais, o procedimento de reembolso ao abrigo das CDTs estar na disponibilidade dos interessados, e não na dependência de procedimento da iniciativa da Requerida, cfr., entre o mais, art.º 98.º do CIRC. Pelo que – se dúvidas houvesse, que não há - nem qualquer sentido faria vir a imputar-se à Requerida um dever de indemnizar a respeito).

 

Pois bem. Avançando.

 

É de entender, como vimos, ter havido erro, de direito, do qual resultou pagamento de quantia indevida. Erro de considerar imputável aos serviços, como também na linha da Jurisprudência do nosso STA em matéria de condenação em juros indemnizatórios quando de erro de direito em conexão com DUE se trate[26], e que é afinal, também ela, reflexo do sedimentado pelo TJUE na sua Jurisprudência a respeito do tema.

 

Sendo Jurisprudência assente do TJUE a violação do Direito da UE dar lugar não só à devolução das quantias indevidamente pagas mas também ao pagamento de juros indemnizatórios, é também assente que este pagamento se deverá fazer nos termos previstos por cada EM, no respeito pelo princípio da equivalência e da efectividade.[27]

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5[28] do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Dispõe o art.º 43.º da LGT assim:

“Artigo 43.º - pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

(...)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

 (...)

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. (...)”

 

No nosso caso, estamos perante acção arbitral/impugnação judicial, houve pagamento indevido, por meio de RF, e entende-se, como também antecede, ser de concluir haver erro que é de imputar aos serviços – de assim imputar a partir do momento em que a Administração Tributária pela primeira vez toma posição desfavorável ao contribuinte. Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 13.07.2022, proc.º n.º 01693/09.9BELRS, e de 29.11.2023, proc.º n.º 011/19.2BELRS (ainda que reportados a situações em que foi interposta reclamação graciosa).

 

De específico no caso dos autos temos que não foi interposta reclamação graciosa (vimos), mas sim tão só pedido de revisão oficiosa. E entendeu o legislador - cfr. art.º 43.º, n.º 3, al. c) da LGT, como bem se compreende e em razão da inércia/menor diligência do contribuinte no despoletar de procedimento administrativo – apenas atribuir direito a juros indemnizatórios caso a revisão não ocorra, após interposição do pedido, durante um ano (e a menos que a delonga na decisão não seja imputável à Administração Tributária), e sendo então devidos tão só a partir desse momento, a partir do termo desse prazo de um ano (dies a quo). Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 24.01.2024, proc.º 090/23.8BALSB.

 

Consequentemente, são devidos juros indemnizatórios calculados sobre a quantia entregue em excesso nos cofres do Estado - e efectivamente suportada (€ 84.816,60, cfr. supra). Porém, e em coerência também com o que antecede, a contabilizar não desde essa entrega, e sim decorrido um ano da data em que a Requerida, solicitada a pronunciar-se sobre a legalidade em questão em sede de pedido de RO, não decidiu o pedido.

 

V., entre outros, Acórdão do STA de 13.07.2022, proc.º n.º 01693/09.9BELRS, em cujo Sumário se lê: “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do art.º 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.” Nos autos, nos termos deste n.º 3, al. c), como vindo de ver, e como vem sendo sedimentado na Jurisprudência dos Tribunais Superiores.

 

Revertendo ao caso, o pedido de RO tinha sido submetido pelo Requerente a 14.05.2024 (v. al. g) do probatório). E a Requerida não se pronunciou, ainda, expressamente. Formou-se tacitamente indeferimento, findos quatro meses (cfr. art.º 57.º da LGT). Que, vimos, abriu a presente via arbitral ao Requerente.

 

Contudo, não decorreu, à presente data, um ano desde aquela interposição. Pois que, interposto o pedido de RO a 14.05.2024, o referido prazo de um ano não se encontra transcorrido (expira tão só no próximo mês de Maio - 14.05.2025).

 

Dito isto, não cabe condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios. Como se decidirá. E sempre sem prejuízo do mais disposto por lei – v. art.ºs 24.º do RJAT e 100.º, n.º 1 da LGT.

 

6. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral deferir parcialmente o PPA, e:

- Anular as retenções na fonte de IRC efectuadas a título definitivo melhor identificadas supra e ainda existentes na Ordem Jurídica;

- Condenar a Requerida no reembolso da quantia indevidamente paga e efectivamente suportada, de € 84.816,60;

- Não condenar a Requerida em juros indemnizatórios.

 

7. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 93.834,57, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

8. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, a cargo da Requerida e da Requerente na proporção, respectivamente, de 90% e de 10%.

 

Lisboa, 20 de Março de 2025

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins (Presidente)

 

 

 

Sofia Ricardo Borges (Relatora)

 

 

Ana Rita Chacim (com a declaração de voto que segue)

 

Declaração de Voto

Com o devido respeito, que saliento, discordo da decisão ao julgar improcedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, sobre os quais o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial/pedido de pronúncia arbitral não foi precedida/o de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Mostrando-se estabilizado o entendimento de que, para efeitos do artigo 132.º, n.º 3, do CPTT, um pedido revisão oficiosa constitui um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, mantenho, no entanto, o entendimento propugnado no Processo n.º 1000/2023-T (CAAD), do qual fui árbitra signatária e aqui citado pela AT. Nesta matéria, entendo, assim, que se mantém a exigência de cumprimento do prazo de dois (2) anos para feitos de cumprimento da exigência legal de impugnação administrativa necessária: «Não se põe em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13). No entanto, numa interpretação conforme a unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 132.º, n.º 3, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos atos de retenção na fonte.»

 

Ana Rita Chacim

 

 

 

 



[1]Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para os mesmos se remeter na presente).

[2] V. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra 1979, pág. 91

[3](na sua vertente positiva)

[4] Diferentemente do Centro de arbitragem institucionalizada, que não tem interferência nas decisões dos casos submetidos a cada Tribunal Arbitral. V. Mariana França Gouveia, “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, Almedina, 3.ª Edição, 2014, pp. 183 e 125

[5] Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14.12).

[6] V., a título de exemplo, proc.ºs n.ºs 244/2024-T, 311/2024-T, ou 605/2024-T.

[7] LOE 2010, art.º 124.º (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril)

[8] No mesmo sentido, de ser objecto da acção arbitral o acto de primeiro grau, e não os de segundo ou terceiro, v. Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado”, Almedina, 2016, pp. 70-71

[9]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[10] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT - cfr. nota anterior – como sempre assim quando remetermos para normativos de outros Diplomas aqui aplicáveis.

[11] A Jurisprudência que se refere ao longo da presente Decisão está disponível, consoante o caso, em: https://curia.europa.eu, www.dgsi.pt, e em www.caad.org.pt

[12] Doravante também “o Acórdão”.

[13] De 13.01 e aplicável aos rendimentos auferidos a partir de 01.07.2015.

[14] Quaisquer sublinhados e/ou negritos ao longo da Decisão serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[15] V. supra.

[16] Nomenclatura que conserva o seu valor indicativo e que está disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31988L0361&from=PT

[17] (cfr. Decisão de Reenvio e que transcreveu no Par. 20 do Acórdão)

[18] Par. 85

[19] Assim afastando, para efeitos da apreciação em questão e em sintonia também com a sua Jurisprudência assente, quer o Art.º 18.º, quer o Art.º 56.º do Tratado.

[20] Cfr. Par.s 37 e 38

[21] Cfr. Par. 39

[22] V. supra

[23] Órgão Jurisdicional de Reenvio

[24] Ressalvadas, entendemos, eventuais situações onde o disposto no art.º 8.º, n.º 4, in fine, da CRP de forma clara se revele de convocar.

[25] Que determina: “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições (...) são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.”

[26] (entre muitos outros, pode ver-se o Ac. do STA de 14.10.2020, proc. 01273/08)

[27] V., entre outros, Ac. do TJUE Caso Littlewoods Retail Ltd., de 19.07.2012, Proc. C-591/10.

[28] E v. a al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 24.º, e o art.º 100.º, n.º 1 da LGT.