Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1075/2024-T
Data da decisão: 2025-03-13  IRC  
Valor do pedido: € 508.155,88
Tema: IRC. Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis (artigo 64.º, do CIRC). Prova do preço efetivo.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

 

A aplicação da alínea b), do n.º 3, do artigo 64.º do CIRC, “tem concretamente em vista as situações em que o preço praticado não é conhecido de forma efetiva”.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Conselheiro Carlos Cadilha (árbitro presidente), Dr. António Cipriano da Silva e Dr.ª Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 6 de dezembro de 2024, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., com o NIF ... e sede na..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD em  30 de setembro de 2024 e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo estes comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

 

A. Objeto do pedido:

A Requerente identifica como objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral o indeferimento tácito da reclamação graciosa em que pediu a revisão oficiosa dos atos de autoliquidação de IRC referentes ao exercício de 2021, na medida em que refletem o aumento da base tributável no valor de € 3 907 249,34, que gerou um montante de IRC e derramas liquidado em excesso, da quantia de € 505 483,13, acrescido de juros compensatórios e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), esses mesmos atos de autoliquidação.

Mais pede a Requerente o reembolso dos montantes de € 453 339,05 (IRC), de € 19 762,72 (derrama estadual) e de € 32 381,36 (derrama municipal), respetivamente, num total de € 505 483,13, acrescidos de juros indemnizatórios, a calcular desde a data de cada pagamento indevido, nos termos legais.

 

 

B. Síntese da posição das Partes

  1. Da Requerente:

A Requerente fundamenta o pedido nos termos que, sucintamente, se enunciam:

 

  1. A Requerente foi por três vezes notificada pela AT, na qualidade de adquirente de vários prédios rústicos e urbanos, para que, na sequência da conclusão de procedimentos de prova do preço da iniciativa do alienante, procedesse à alteração dos valores resultantes da aplicação do disposto no artigo 64.º, do CIRC;
  2. Em cumprimento dessas notificações, a Requerente apresentou, em 31.05.2022, a declaração modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2021 e, subsequentemente, uma declaração de substituição, contendo as alterações ao campo 772 do Quadro 07 suscitadas pela AT;
  3. A discordância entre a Requerente e a AT respeita ao imposto adicional gerado pelas referidas notificações e seu reflexo nas declarações de rendimentos IRC Modelo 22 para 2021 (primeira e de substituição), e correspondentes juros compensatórios e de mora;
  4. Os imóveis a que respeitam as notificações da AT, alienados pela Requerente no exercício de 2021, foram adquiridos em 2018 e em 2019 e contabilizados por valores inferiores aos respetivos valores patrimoniais tributários;
  5. Pelo que, nos termos do artigo 64.º, do CIRC, tinha a Requerente, na qualidade de compradora, de considerar o VPT e não o valor da escritura, na sua declaração de rendimentos do exercício em que procedeu à revenda desses imóveis;
  6. Deste modo, o total das deduções equivalentes à diferença positiva entre VPT e preço de aquisição, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, a inscrever no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 deveria ascender, no exercício de 2021, a € 9 026 164,47 e não apenas a € 5 635 902,16, inscrito na primeira declaração apresentada na sequência das primeiras notificações da AT, ou a € 5 118 915,13, constante da declaração de substituição, entregue em cumprimento da última daquelas notificações;
  7. Na sequência destas três notificações da AT, foi aumentada a base tributável no montante total de € 3 907 249,34, por redução da dedução resultante do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 para o exercício de 2021;
  8. As autoliquidações efetuadas pela Requerente na primeira declaração e na declaração de substituição foram exclusivamente determinadas pelas três notificações recebidas da AT para desaplicação do artigo 64.º, do CIRC, conforme instruções do Ofício-circulado n.º 20136/2009 da AT;
  9. Nos termos do artigo 64.º, n.ºs 1, 2, 3, alínea b) e 5, do CIRC, em futura transmissão e consequente apuramento de um resultado tributável, o adquirente do imóvel deve considerar o VPT do imóvel, se superior ao valor do contrato de aquisição, devendo constar do seu processo de documentação fiscal o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel;
  10. No entanto, a AT notificou a Requerente, na qualidade de adquirente, para fazer o contrário do prescrito na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º, do CIRC, no seguimento da conclusão de procedimento, nos termos do artigo 139.º do CIRC, aberto pela outra parte na transação, a alienante dos imóveis;
  11. Ora, o artigo 139.º, do CIRC, revela em todos os seus momentos prescritivos e regulatórios, que se dirige exclusivamente ao alienante, ao enunciar, no n.º 1, que o “disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável, se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões”, pois o alienante é o único sujeito passivo com interesse em tentar fazer a prova aí regulamentada, e é o único que transmite;
  12. Não estabelecendo os artigos 64.º e 139.º, do CIRC, quaisquer regras na esfera do adquirente nos casos em que o alienante tenha apresentado o requerimento de prova de que o preço efetivamente praticado correspondeu ao valor constante do contrato e, considerando que o legislador se soube expressar corretamente, entende a Requerente não se encontrar expresso na lei: (i) que a apresentação do pedido pelo alienante tem efeitos para o adquirente e qual o alcance desses efeitos; (ii) qual o mecanismo de notificação ao adquirente do requerimento apresentado pelo alienante; (iii) como tomará o adquirente conhecimento da decisão emitida pela AT no âmbito do procedimento instaurado; (iv) que via(s) poderá o adquirente utilizar para despoletar a correção prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, em caso de decisão total ou parcialmente desfavorável por parte da AT e, (v) qual o prazo para o efeito;
  13. Nesta medida, o Ofício-circulado n.º 20136/2009, em que a AT se respalda para aplicação dos artigos 64.º e 139.º, do CIRC, e das notificações dirigidas à Requerente para retificar a autoliquidação de IRC, viola o princípio da legalidade tributária e da reserva de lei da Assembleia da República, com violação do artigo 8.º, n.º 1 da LGT e dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, ambos da Constituição, porquanto, por via de uma instrução administrativa, a AT sugere uma correção ao lucro tributável do sujeito passivo adquirente, sem qualquer suporte legal;
  14. Por outro lado, a circunstância de não serem dados ao adquirente quaisquer mecanismos de acompanhamento do processo para que possa antecipar as suas consequências, é violadora do direito fundamental à participação nas decisões que lhe digam respeito (artigos 267.º, n.º 5, da CRP e artigo 60.º, n.º 1, alínea c), da LGT);
  15. A preterição do direito de audição prévia ao destinatário de ato administrativo lesivo em matéria fiscal, no caso, o adquirente dos imóveis e aqui Requerente, consubstancia vício de violação de lei, que se projeta nas liquidações aqui em causa que, em cumprimento desses sucessivos atos administrativos em matéria fiscal (as já citadas notificações da AT), o contribuinte realizou através da apresentação de declarações de rendimentos IRC Modelo 22 (duas das quais de substituição) referentes ao exercício fiscal de 2021;
  16. Em síntese, entende a Requerente que, face à ilegalidade da desaplicação do artigo 64.º, do CIRC, instada pela AT, autoliquidou imposto em excesso, cuja anulação e reembolso requer:

a) pela quantia de € 373 651,44 (primeira declaração), cujo reembolso foi apurado em défice neste montante e que deveria ter sido reembolsado até 31.08.2022, nos termos do artigo 104.º, n.ºs 3 e 6, do CIRC, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 1.09.2022, inclusive;

b) no valor de € 131 831,70 (declaração de substituição) pago em 03.03.2023, com acréscimo de juros indemnizatórios contados desde 4.03.2023, inclusive.

 

 

b) Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, defendendo a manutenção da liquidação impugnada, com os seguintes fundamentos:

 

  1. A Requerente discorda das liquidações adicionais de IRC referentes ao exercício do ano de 2021, de que que resultou um acréscimo do lucro tributável e, em consequência, o pagamento de derrama municipal e derrama estadual, derivadas das correções efetuadas no quadro 07 do campo 772 do Modelo 22 do referido exercício, após comunicações da Requerida para que desse cumprimento ao disposto na alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 64.º, do CIRC;
  2. Considera não lhe ser oponível o mecanismo utilizado pela Requerida para prova do preço efetivo da transmissão de imóveis, previsto no artigo 139.º, do CIRC, de que resultou a liquidação adicional efetuada, argumentando, em suma, que tal expediente é somente aplicável à parte alienante e não à parte adquirente do contrato, in casu à Requerente, mas apenas ao alienante;
  3. Não pode a Requerida concordar com tal entendimento, porquanto julga ter sido intenção clara do legislador, ao utilizar o termo “contribuinte”, que tanto o alienante como o adquirente de imóveis pudessem fazer prova de preço visto, que o escopo do aludido normativo é chegar-se ao valor real pelo qual o negócio foi efetivamente realizado, afastando, assim, a hipótese de se tratar de negócio viciado;
  4. Esta ratio legis resulta da Lei n.º 26/2003, de 30.07, que, no n.º 5 do artigo 71.º, autorizou o Governo a alterar o Código do IRC, no sentido de “Estabelecer que no caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, devem ser adotados, pelo alienante e pelo adquirente, para efeitos de determinação do rendimento tributável nos termos do Código do IRC, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais que serviram de base à liquidação do IMT ou que serviriam no caso de não haver lugar a liquidação, sem prejuízo da administração fiscal demonstrar que o preço efetivo da transmissão foi superior”, e que originou a introdução dos artigos 58.º-A e 129º do CIRC (atuais artigos 64.º e 139.º);
  5. Concretizando ainda o legislador, no n.º 6 do mesmo artigo, que “o contribuinte poderá demonstrar que o preço praticado foi inferior ao valor normal de mercado previsto no número anterior, requerendo a revisão do lucro tributável relativo aos imóveis transmitidos no exercício anterior ao abrigo do disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária (…)”.
  6. Dito de outro modo, a presunção vertida no artigo 64.º, do CIRC é, assim, afastada por aplicação do regime do artigo 139.º, n.º 1, do mesmo diploma, pelo facto de os interesses aqui estabelecidos serem superiores aos do art.º 64.º, do CIRC;
  7. Foi intenção clara do legislador, ao utilizar o termo “contribuinte”, fazer referência ao facto de o regime do artigo 139.º, do CIRC, ser aplicável tanto o alienante como ao adquirente de imóveis e que estes poderiam fazer prova de preço visto que o escopo do aludido normativo é chegar-se ao valor real pelo qual o negócio foi efetivamente realizado, desaplicando-se outro valor que não o que consta da escritura do contrato de compra e venda de imóveis;
  8. É por força desta interpretação que a AT encontra o seu fundamento para a aplicação do seu Ofício-circulado n.º 20136/2009, sem qualquer violação do Princípio da Legalidade Tributária e da Reserva de Lei da Assembleia da República;
  9. Porém, na redação do artigo 139.º, n.º 1, do CIRC, o legislador adotou a expressão “sujeito passivo” ao invés de “contribuinte”, o que levou a Requerente a considerar que tal disposição só se dirigia ao alienante, “desonerando-a” de declarar à Administração Tributária os rendimentos reais, assim contrariando o princípio da tributação pelo rendimento real da pessoa coletiva;
  10. Ora, no caso concreto, as empresas alienantes dos imóveis fizeram despoletar o procedimento de prova do preço efetivo desses bens transmitidos à Requerente, conforme disposto no aludido artigo 139.º, do CIRC, e o resultado desse procedimento foi o de que os preços efetivamente praticados nas transmissões dos direitos reais sobre os imóveis foram inferiores aos VPT´s que serviram de base à liquidação do IMT (ou que serviriam, no caso de não haver lugar à liquidação desse imposto);
  11. Argumenta a Requerente que a Requerida atuou fora da legalidade por preterição do direito de audição, nos termos do artigo 60.º, da LGT; porém, o artigo 64.º, do CIRC, contém uma presunção legal de que os alienantes e adquirentes nas transmissões de imóveis indiquem, nos respetivos contratos de compra e venda, valores que se aproximem tanto quanto possíveis dos valores de mercado, sendo, para esse efeito, estabelecido como referência o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel objeto de transmissão;
  12. O mecanismo administrativo próprio para ilidir essa presunção legal, a que se refere o artigo 139.º, do CIRC, faz com que se apurem efetivamente os valores de transmissão de bens imóveis e, quando assim acontece, o adquirente dos imóveis não pode aplicar a presunção do artigo 64.º, do CIRC, devendo, outrossim, proceder na determinação do lucro tributável às correções que se mostrarem devidas, como foi o caso;
  13. Resultando daqui o estrito cumprimento da Lei, a AT não teria de facultar ao adquirente o direito de audição previsto no disposto no artigo 60.º, da LGT por este já se encontrar preenchido na esfera de quem despoletou o mecanismo do artigo 139.º, do CIRC, as sociedades alienantes;
  14. Conclui-se, pois, que, se através de um mecanismo legal e próprio para o efeito a AT consegue dar como assente que o real valor do negócio foi abaixo do VPT dos imóveis, a tributação do rendimento da Requerente (enquanto adquirente) terá de ser, invariavelmente, de acordo com esse valor; caso contrário, estaria o Sujeito Passivo adquirente a beneficiar de um regime que não se coadunava nem com os preceitos legais nem com os Princípios da Justiça e da Tributação do Rendimento Real das pessoas coletivas elencados no artigo 104.º n.º 2 da CRP;
  15. Não há lugar a juros indemnizatórios, visto que os atos tributários decorreram diretamente da lei, face à ocorrência dos pressupostos de facto e de direito.

 

*

Em 24 de janeiro de 2025, foi proferido Despacho Arbitral, nos termos do qual foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, determinando-se o prosseguimento do processo para a apresentação de alegações escritas facultativas, pelo prazo sucessivo de dez dias, sendo notificada a Requerente para, até 7 de abril de 2025, data previsível para prolação da decisão arbitral, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas dentro do prazo designado.

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 6 de dezembro de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. Não foram suscitadas exceções que caiba apreciar, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral, fixa-se como segue:

 

  1. Factos Provados:
  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem como atividade principal a compra e venda de imóveis, compra para revenda de imóveis, arrendamento e gestão de património imobiliário (conforme o Doc. n.º 7 junto ao PPA, facto não contestado);
  2. Por escritura de compra e venda celebrada em 27 de dezembro de 2018, no Cartório Notarial a cargo do Notário B..., sito na..., em Lisboa, a Requerente adquiriu à sociedade C..., SA, com sede em Lisboa, um lote de prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 618 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo Valor Patrimonial Tributário (VPT), tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 8 – págs. 1 a 509 –  e Doc. n.º 26 – págs. 624 a 1131 juntos ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidas);
  3. Em 31 de janeiro de 2019, por escritura de retificação da escritura referida em 2., a Requerente adquiriu à sociedade C..., SA, um lote de prédios urbanos identificados com os números 1 a 8 do “Documento Complementar” a ela anexo, por preços inferiores aos respetivos VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 8 – págs. 510 a 521 – e Doc. 26 – págs. 1146 a 1157 – juntos ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidas);
  4.   Em 1 de abril de 2019, por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial anterior, a Requerente adquiriu ao Banco Santander Totta, SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 271 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc.s n.ºs 9 e 27 – págs. 1 a 241 – juntos ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidas);
  5. Na mesma data anterior, por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial antes identificado, a Requerente adquiriu à sociedade C..., SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 170 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 9 – págs. 244 a 395 – junto ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidas);
  6. No dia 1 de julho de 2019, no Cartório Notarial identificado, foi celebrada escritura de compra e venda, através da qual a Requerente adquiriu ao Banco Santander Totta, SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 201 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 10 e Doc. n.º 28 – págs. 1 a 215 – juntos ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidos);
  7. Por escritura de compra e venda celebrada em 1 de julho de 2019 no Cartório Notarial identificado, a Requerente adquiriu à sociedade C..., SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 91 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 11 – págs. 9 a 94 – e Doc. n.º 28 – págs. 216 a 301 – juntos ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidas);
  8. Em 2 de dezembro de 2019, por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial identificado, a Requerente adquiriu à sociedade C..., SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 136 do “Documento Complementar” a ela anexo, alguns dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT e outros, ainda sem VPT definitivo, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 12 – págs. 1 a 65 – e Doc. n.º 29 – págs. 90 a 153 – junto aos PPA, que se dão por integralmente reproduzidas);
  9. No dia 31 de março de 2020, por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial antes identificado, a Requerente adquiriu ao Banco Santander Totta, SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 64 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT e outros, pendentes de determinação do VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 13 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  10. Por escritura de compra e venda celebrada em 27 de dezembro de 2018, no Cartório Notarial a cargo do Notário B..., a Requerente adquiriu ao Banco Santander Totta, SA, os prédios urbanos e rústicos identificados com os números 1 a 619 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 26 – págs. 1 a 622 – que se dão por integralmente reproduzidas);
  11. Em 2 de dezembro de 2019, por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial já identificado, a Requerente adquiriu ao Banco Santander Totta, SA, os prédios rústicos e urbanos, um dos quais apenas quanto ao direito de superfície identificados com os números 1 a 69 do “Documento Complementar” a ela anexo, parte dos quais por um preço inferior ao respetivo VPT, outros sem VPT definitivo, tendo beneficiado da isenção prevista no artigo 7.º, do Código do IMT (Doc. n.º 29 – págs. 12 a 89 – que se dão por integralmente reproduzidas)
  12. Através do ofício n.º ..., da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 29 de dezembro de 2020, expedido por carta registada com AR, foi a Requerente, na qualidade de adquirente, notificada, na sequência da conclusão de um procedimento de prova do preço efetivo, nos termos do artigo 139.º, do CIRC, requerido pela sociedade C..., SA, indicando que “Sendo caso disso, deverão V. Exas. proceder às necessárias correções, tendo em atenção o procedimento previsto na alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 64.º do CIRC”, relativamente a um conjunto de imóveis alienados por aquela sociedade e adquiridos pela Requerente em 2018, identificados na listagem anexa àquele ofício (Doc. n.º 1 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  13. Pelo Ofício n.º ..., da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 23 de setembro de 2021, expedido por carta registada com AR, a AT notificou a Requerente, na qualidade de adquirente, em 2019, dos imóveis identificados na listagem anexa e na sequência da conclusão de um procedimento de prova do preço efetivo requerido pela vendedora C..., SA, para, sendo caso disso, “proceder às necessárias correções, tendo em atenção o procedimento previsto na alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 64.º do CIRC” (Doc. n.º 2 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  14. No exercício do ano de 2021, a Requerente revendeu alguns dos imóveis adquiridos às sociedades supra identificadas nos exercícios de 2018 e de 2019 (Docs. n.ºs 14 a 24 e 26 a 42 juntos ao PPA, que se dão por integralmente reproduzidos);
  15. Em 31 de maio de 2022, a Requerente procedeu à entrega da declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2021, registada sob o número..., na qual, tendo efetuado as correções referidas nas notificações da AT antes mencionadas, deduziu, no quadro 07 – campo 772 (Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]), a quantia de € 5 635 902,16, tendo apurado, no quadro 10, derrama estadual da quantia de € 4 253,11, derrama municipal de € 24 626,56 e um total a recuperar de € 1 160 090,30 (Doc. n.º 3 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  16. Pelo ofício n.º ..., de13 de dezembro de 2022, a Unidade dos Grandes Contribuintes notificou a Requerente, na sequência da conclusão de um procedimento previsto no artigo 139.º, do CIRC, requerido pelo Banco Santander Totta, SA, para que, sendo caso disso, procedesse “às necessárias correções, tendo em atenção o procedimento previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC”, relativamente aos imóveis nele identificados, adquiridos em 2019 (Doc. n.º 4 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  17. Em 3 de março de 2023, a Requerente entregou a declaração modelo 22 de substituição, registada sob o n.º..., em que, face à última notificação da AT, inscreveu no quadro 07 – campo 772 a dedução de € 5 118 915,13, tendo apurado, no quadro 10, derrama estadual da quantia de € 19 762,72, derrama municipal de € 32 381,36 e um total a recuperar de € 1 028 258,61 (Doc. n.º 5 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  18. A diferença entre os valores da autoliquidação efetuada com base na primeira declaração modelo 22 e na declaração modelo 22 de substituição, da quantia de € 131 831,69, foi pago pela Requerente em 3 de março de 2023 (Doc. n.º 45 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);
  19. Em 4 de setembro de 2023, a AT emitiu a liquidação de juros compensatórios, por recebimento indevido (Liquidação n.º 2023...), no valor de € 2 672,75 (Doc. n.º 6 junto ao PPA);
  20. Conforme certidão emitida pelo Contabilista Certificado da Requerente, com base no mapa de mais-valias e menos-valias fiscais e, tendo em conta a diferença positiva entre os VPT dos imóveis adquiridos às duas entidades supra identificadas nos exercícios de 2018 e de 2019, alienados no exercício de 2021, a quantia a deduzir no campo 702 da declaração modelo 22 de IRC daquele exercício, ascendia a € 9 026 164,47 (Doc. n.º 25 junto ao PPA, não contestado pela Requerida e que se dá por reproduzido);
  21. Segundo a Requerente, o imposto e juros compensatórios pagos em excesso, por via das correções efetuadas na sequência das notificações da AT, é o que consta do quadro seguinte (Doc. n.º 43 junto ao PPA, não contestado pela Requerida e que se dá por reproduzido):

 

22. A Requerente apresentou, em 4 de março de 2024, reclamação graciosa tendo por objeto a retificação dos atos de autoliquidação referentes ao exercício de 2021, no sentido de ser considerada a dedução, no campo 772 da declaração modelo 22, da quantia de € 9 020 753,17, em vez do montante de € 5 118 915,13 inscrito no campo 772 da declaração de substituição, com a consequente anulação e restituição do imposto pago em excesso, no valor de € 505 483,13 e dos juros compensatórios de € 2 672,75 (Doc. n.º 7 junto ao PPA e ao PA, que se dá por integralmente reproduzido);`

23. À data da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, a Requerente não tinha sido notificada da decisão da reclamação graciosa instaurada sob o n.º ...2024... (facto admitido por acordo).

 

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados.

 

 

 

III.2 DO DIREITO

1. As questões decidendas

As questões sobre as quais o Tribunal Arbitral é chamado a pronunciar-se no âmbito da presente lide consistem em saber se, numa situação em que ocorre a transmissão de direitos reais sobre bens imóveis por um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo desses imóveis,

 

(i) o sujeito passivo adquirente pode, em qualquer circunstância, adotar o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável em IRC relativamente aos mesmos imóveis, como determina a alínea b) do n.º 3, do artigo 64.º, do Código do IRC,

 

ou se, em situação idêntica,

 

(ii) a prova do preço efetiva, a requerimento do sujeito passivo alienante, mediante o procedimento previsto no artigo 139.º, do Código do IRC, é oponível ao sujeito passivo adquirente, levando à desaplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, ainda que este não tenha tido qualquer intervenção em tal procedimento.

 

 

 

1.1. Génese e ratio legis do artigo 64º, do Código do IRC.

O artigo 64.º, do Código do IRC, sucedeu ao  artigo 58.º-A, aditado pelo artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, diploma que, na sequência da autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo pela Lei n.º 26/2003, de 30 de julho, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando os novos Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e a alterações de diversa legislação tributária conexa com a mesma reforma, passando os valores patrimoniais tributários que servem de base à liquidação do IMT a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável em sede de IRC.

 

Em obediência à autorização legislativa ao Governo, constante do artigo 71.º, da Lei n.º 26/2003, a redação inicial do artigo 58.º-A, do Código do IRC, foi a seguinte:

 

“Artigo 58.º-A - Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”.

 

Assumiu o legislador que o VPT corresponde, na grande maioria dos casos, a um “valor normal de mercado”, com a injunção dirigida tanto ao alienante como ao adquirente para que, sempre que nas transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, deva ser este o valor a considerar na determinação do respetivo lucro tributável.

 

Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, que procedeu à adaptação do Código do IRC, às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao SNC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, da mesma data, o então artigo 58.º-A, foi renumerado de acordo com a tabela de correspondência constante do anexo I àquele Decreto-Lei como artigo 64.º, com a mesma redação em vigor à data dos factos, dispondo que:

 

Artigo 64.º - Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato; (acresce)

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 — O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”.

 

O artigo 64.º, do Código do IRC contém, assim, uma norma anti­abuso, cuja ratio é a de mitigar os efeitos nefastos resultantes de eventuais simulações de preços acordadas entre compradores e vendedores, com a consequente “adulteração da base tributável de IRC pela ocultação dos reais valores envolvidos na transação de imóveis[1].

 

Deste modo, o facto de o valor de transmissão constante do contrato ser inferior ao VPT definitivo do imóvel transmitido, que deverá prevalecer, salvo circunstâncias excecionais, determinará duas correções simétricas, de natureza oposta, a primeira das quais a favor do credor tributário e a segunda, a favor do sujeito passivo, eventualmente, em exercícios distintos: por um lado, o alienante, para determinação do lucro tributável, acresce no campo 745 da declaração modelo 22, a diferença positiva entre o VPT e o valor do contrato (artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRC); por sua vez o adquirente, quando proceder à revenda do imóvel, poderá deduzir, no campo 772 da declaração modelo 22, a diferença positiva então verificada entre o valor do contrato e o VPT.

 

 

1.2. A prova do preço efetivo. Ilisão da presunção de rendimento e rendimento real.

No combate à elisão fiscal através da simulação do valor de transmissão de bens imóveis, pode o legislador criar ficções legais ou estabelecer presunções[2].

 

As presunções são definidas nos termos do artigo 349.º, do Código Civil, como “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

 

No entanto, mesmo as presunções contidas em normas legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proíba (artigo 350, n.º 2, do Código Civil).

 

A presunção de que parte a norma do n.º 2 do artigo 64.º, de que, sempre que “o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”, porque contida numa norma de incidência em sentido lato[3], admite sempre prova em contrário, como decorre do artigo 73.º, da Lei Geral Tributária (LGT)[4].

Nesse sentido, simultaneamente com o artigo 58.º-A, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aditou o artigo 129.º, do Código do IRC, atual artigo 139.º, que, sob a epígrafe de “Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis” permite, como bem nota a Requerente, que o sujeito passivo alienante ilida, mediante o procedimento administrativo ali previsto, a presunção contida no n.º 2 do artigo 64.º, que, assim, deixa de se aplicar.

 

Insurge-se a Requerente contra o facto de não ter tido intervenção no procedimento a que se refere o artigo 139.º, do Código do IRC, cujo resultado considera exclusivamente aplicável ao alienante, e de ter sido instada pela AT a desaplicar a norma do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, que lhe permitiria adotar “o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel”, o que determinou um acréscimo ao seu lucro tributável e o pagamento da prestação tributária em excesso, sem que tivesse exercido o direito de audição consagrado no artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, a nível infraconstitucional, no artigo 60.º, da LGT.

 

Mas não lhe assiste razão.

 

Como antes foi referido, se o valor de transmissão constante do contrato for inferior ao VPT definitivo do imóvel transmitido, poderão ocorrer duas correções de natureza oposta, a primeira das quais a favor do credor tributário e desfavorável ao alienante e outra, favorável ao adquirente que, aquando da revenda do imóvel, poderá, no apuramento do lucro tributável, deduzir a diferença positiva então verificada entre o valor do contrato e o VPT.

 

Assim sendo, bem se compreende que, em homenagem ao princípio da tributação das empresas pelo seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) o destinatário do procedimento previsto no artigo 139.º, do Código do IRC, seja o sujeito passivo alienante e não o sujeito passivo adquirente que, beneficiando de uma presunção legal, “escusa de provar o facto a que ela conduz” (artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil), sem prejuízo de a mesma poder ser ilidida mediante prova em contrário.

 

Ora, a Requerente assume expressamente que o preço efetivo de aquisição dos imóveis é o que consta das respetivas escrituras de compra e venda, apenas discordando da posição adotada pela AT, quer na doutrina administrativa, quer no teor das notificações que lhe dirigiu para efetuar as necessárias correções, face à prova produzida pelas entidades alienantes.

 

Porém, estamos, no caso dos autos, uma situação em que é perfeitamente conhecido e seguro o valor de aquisição, não havendo, por esse motivo, lugar à aplicação da alínea b), do n.º 3, do artigo 64.º, do CIRC que, como tem vindo a decidir o Supremo Tribunal Administrativo, “tem concretamente em vista as situações em que o preço praticado não é conhecido de forma efetiva[5].

 

Solução que se afigura como mais consentânea com os princípios constitucionais da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e o seu corolário de tributação das empresas pelo lucro real, bem como o objectivo constitucional de repartição justa dos rendimentos e riqueza.

 

 

1.3. Questões de conhecimento prejudicado

O Tribunal Arbitral tomou conhecimento e apreciou as questões relevantes para a decisão da causa, mas não daquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos enunciados supra, julgando totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

 

  1. Manter na ordem jurídica as autoliquidações de IRC referentes ao exercício de 2021, bem como a liquidação de juros compensatórios n.º 2023...;
  2. Manter o ato tácito de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... .

 

 

VALOR DO PROCESSO:

A Requerente atribui ao processo o valor económico de € 505 483,13, equivalente ao valor das autoliquidações impugnadas; contudo, a quantia cuja anulação se pretende inclui juros compensatórios, no valor de € 2 672,75.

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, corrige-se oficiosamente o valor do processo para € 508 155,88 (quinhentos e oito mil, cento e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos.

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de 7 956,00 (sete mil, novecentos e cinquenta e seis euros), a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de março de 2025.

 

Os Árbitros,

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

(Presidente)

 

 

 

António Cipriano da Silva

(Vogal)

 

 

 

Mariana Vargas

(Vogal)

 

 

 

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.03.2024, Processo n.º 0170/13.8BECBR.

[2] Cfr. João Nuno Calvão da Silva, “Elisão fiscal e cláusula geral antiabuso”, Revista da Ordem dos Advogados Ano 66 II (2006).

[3] Normas de incidência em sentido lato são, para além das que determinam os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, aquelas que determinam “a matéria colectável, isto é, a riqueza, os valores económicos sobre que recai a tributação (…)” – Soares Martinez, “Direito Fiscal”, 7.º Edição, Almedina. Coimbra, 1993, pág. 126. No mesmo sentido, Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, Cadernos CTF n.º 173, Lisboa, 1995, págs. 183 e ss.

[4] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/10/2017, Processo n.º 0880/16, de acordo com cujo sumário : “Tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (nº 1 do art. 103º da CRP), a imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o que resultar para efeitos de IMT, quer se reconduza a uma presunção legal ou a uma ficção legal, deverá ter-se por ilidível, face ao disposto no art. 73º da LGT.”.

[5] Cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.11.2024, Processo 0809/13.5BEAVR, cuja jurisprudência é para o caso em análise, uma vez que a prova do preço efetivo foi feita perante a AT, em procedimento próprio.