|
|
Versão em PDF |
Sumário:
-
O facto tributário que gera a Derrama Estadual é o lucro tributável de IRC, de natureza complexa e que se forma ao longo do exercício.
-
Por isso e ao abrigo do art. 12.º, n.º 2 da LGT a Derrama Estadual apenas é aplicável ao lucro tributável que se formar a partir de 1 de Julho de 2010, aplicando-se por tal via o princípio pro rata temporis.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), António Fernando Cardão Pito (Árbitro Adjunto) e Augusto Vieira (Árbitro Adjunto e Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 16 de Novembro de 2024, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1.A..., S.A., NIPC, ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Porto, adiante designada como “Requerente” (antes designada B..., SA no período de tributação de 2010), notificada do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) em 9 de julho de 2024 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., o qual tinha por objeto o ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativo ao exercício de 2010 com o n.º 2014... e data de 6 de outubro de 2014 na parte correspondente à Derrama Estadual no montante de EUR 797.326,30, ou, subsidiariamente, EUR 598.421,52, veio ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), apresentar o pedido de constituição de Tribunal Arbitral e Pronúncia Arbitral suscitando que:
-
Seja “declarado ilegal e anulado o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC em 9 de julho de 2024 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018...”;
-
Seja “declarado ilegal e anulado o ato de liquidação adicional de IRC relativo a 2010 com o n.º 2014... e data de 6 de outubro de 2014 na parte correspondente ao cálculo da Derrama Estadual no montante de EUR 797.326,30 ... ou, subsidiariamente, apenas no caso de se entender que deve ser adotada uma técnica de simples divisão do lucro tributável em duas partes iguais, o que se perspetiva apenas por mera cautela e sem conceder, de EUR 598.421,52”;
-
Que “em consequência ..., seja determinada a restituição à Requerente da Derrama Estadual indevidamente liquidada e paga em excesso em relação ao exercício de 2010 no montante de EUR 797.326,30 ... ou, subsidiariamente, EUR 598.421,52 .... acrescida de juros indemnizatórios desde 20 de julho de 2019 (i.e., data em que a apresentação do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... completou um ano) até à data de processamento da nota de crédito, nos termos legais”.
-
De acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
-
O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 26 de Novembro de 2024, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
-
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 13.01.2025 e ainda o PA. Na sua resposta a Requerida suscitou a questão prévia sobre o valor da causa.
-
Em 14.01.2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho pelo qual dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e convidou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias, tendo a Requerente sido convidada a exercer o direito ao contraditório sobre a questão prévia suscitada pela Requerida.
-
A Requerente apresentou alegações em 31.01.2025 tendo referido quanto à questão prévia “... que na fundamentação do despacho datado de 9 de julho de 2024 pelo qual foi indeferido o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... e que está no cerne do presente pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) – constitui o seu objeto imediato – a Requerida não questionou, de forma direta ou indireta, a importância da Derrama Estadual referente a 2010 cuja anulação foi requerida” e que “no pedido de revisão oficiosa desta liquidação adicional a Requerente ... procurou determinar, com base nas estimativas de imposto corrente que integravam as contas semestrais apuradas e publicadas pelo Grupo C... com referência a 30 de junho de 2010, o lucro tributável já formado nesta data e o valor remanescente, sendo que era apenas sobre este último que deveria incidir a Derrama Estadual à taxa de 2,5% (artigos 94.º a 101.º do articulado de revisão oficiosa, o Doc. n.º 5 junto ao mesmo e os artigos 63.º e 64.º do PPA, o que foi designado como “primeiro cenário”)” e conclui “foi assim que obteve a importância de EUR 797.326,30 ... indevidamente liquidada e paga sobre o lucro tributável referente ao primeiro semestre do ano de 2010, quando a Derrama Estadual ainda não estava em vigor”.
-
A Requerida apresentou alegações em 05.02.2025 reafirmando tudo o que foi referido em sede de fundamentação da Resposta ao PPA.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
REQUERENTE
-
A Requerente invocou, em resumo, em sede de PPA e em sede de pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional do IRC de 2010, na parte do adicionamento da Derrama Municipal, que “é ilegal a aplicação de derrama estadual sobre a parte do lucro tributável correspondente ao período ocorrido antes da sua entrada em vigor por violação do disposto no n.º 2 do art. 12.º da LGT”, uma vez que a Lei 12-A/2010 de 20 de Junho só entrou em vigor em 01.07.2010.
REQUERIDA
-
A Requerida, invoca em primeiro lugar a seguinte questão prévia: “salienta-se o facto do montante indicado no processo €797.326,30 (pedido principal), resulta de um apuramento, por parte da Requerente, que, em principio, resultará do lucro tributável, à data de 31.06.2010(?), que não é passível de confirmação e cruzamento direto com a informação que a Requerida dispõe (recorde-se que se tratará de um “hipotético” lucro tributável e não contabilístico), o que implica que a Requerente tenha necessariamente de vir juntar ao processo informação fundamentada de como apurou tal montante, o que, até à presenta data, não fez, pelo que estando o ónus da prova do seu lado, sempre se dirá que o ato impugnado não pode vir a ser anulado pelo valor € 797.326,30” e conclui “sendo o valor do processo um elemento essencial que deve ser instituído ab initio, crê-se que deve o mesmo ser estabelecido, conforme entendimento jurisprudencial indicado pela Requerente no ppa, de 50% do valor da Derrama Estadual considerado na liquidação impugnada, no montante €573.421,52, salientando que, o presente ppa, apenas impugna parcialmente a liquidação adicional de IRC de 2010 n.º 2014..., relativamente à Derrama Estadual, cujo montante global se cifra em €1.146.843,04”.
-
De seguida, reitera o fundamenta a decisão de indeferimento ora impugnada, na seguinte passagem da ficha doutrinária elaborada no processo n.º 2441/2010, sancionada por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 564/2010.XVIII, de 19 de julho de 2010, a saber: “A derrama estadual prevista no artº 87º-A do CIRC, que incide sobre a parte do lucro tributável superior a € 2.000.000,00, sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, apenas poderá ser aplicada ao período fiscal da sua entrada em vigor, em conformidade com o disposto no artº 12º da LGT, ou seja, a partir do exercício de 2010”, alegando que os “serviços [se] encontram obrigados à estrita observância do constante na Informação Vinculativa em referência, que contém despacho de concordância do SEAF, e que até à data se mantém em vigor, sem alteração de entendimento”, razão pela qual a pretensão anulatória da Derrama Estadual do exercício de 2010 formulada pela Requerente não poderia ser atendida.
-
Por fim refere que:
(1) ... “tendo a Lei entrado em vigor no dia 1 de julho de 2010, a sujeição à derrama estadual da totalidade do lucro tributável apurado em 2010 não constitui aplicação retroativa da lei, porquanto o fato gerador do imposto só se verifica a 31 de dezembro de 2010 (nos termos do n.º 9 do art.º 8º do CIRC);
(2) e “uma vez que o fato gerador do imposto é complexo e de formação sucessiva, só se considerando verificado plenamente no último dia do período de tributação, momento em que, se encontrariam estabilizados todos os elementos da relação jurídico tributária, o que, formalmente, não consubstancia “retroatividade”, mas sim mera “retrospetividade””.
(3) Pelo que “importa ... salientar para os presentes autos, o Acórdão do STA-Pleno, no processo n.º 057/20.8BALSB, 2ª secção de 21.04.2021, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82 -B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.». Referindo o mesmo que: “….ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."”
II. SANEAMENTO
-
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar o pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos do previsto nos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e dos artigos 1.º, 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo arbitral não enferma de nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
A.Factos dados como provados
-
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma sociedade anónima antes designada B..., S.A., que, no período de tributação de 2010, o qual era coincidente com o ano civil, era a sociedade dominante de um grupo para efeitos de aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) em IRC (“grupo C...”) e integrava, à data, o perímetro do grupo C... a sociedade D..., S.A., titular do número de identificação de pessoa coletiva e do número de identificação fiscal ... (“D...”) - conforme artigos 1º e 2º do PPA
-
E..., S.A., NIPC ... (“E...”), que também fazia parte do perímetro do grupo C..., foi incorporada pela Requerente no âmbito de uma operação de fusão realizada em 19 de outubro de 2010 com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2010 - conforme registo efetuado Apresentação AP. 51/20101019, referente à inscrição 17, disponível em https://publicacoes.mj.pt/ e artigo 3º do PPA;
-
Na qualidade de sociedade dominante do grupo C... para efeitos do RETGS, a Requerente submeteu, em 30 maio de 2011, a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do grupo referente ao exercício de 2010, a qual foi identificada pelo código n.º..., tendo sido apurada uma matéria coletável positiva de EUR 48.427.921,70 e um montante de Derrama Estadual de EUR 1.146.676,79 originando a liquidação de IRC de 2010 com o n.º 2011 ..., de 4 de julho de 2011 – artigos 4º a 6º e Documento nº 1 em anexo ao PPA
-
Em 13 de setembro de 2012, a Requerente submeteu uma declaração Modelo 22 de substituição respeitante ao grupo C... e ao período de tributação de 2010, a qual foi identificada pelo código n.º ... que originou a emissão da liquidação de IRC de 2010 com o n.º 2012 ... e data de 17 de setembro de 2012 – conforme artigos 7º e 8º do PPA e Documento nº 2 em anexo ao PPA;
-
Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2014..., de 23 de maio de 2014, foi realizado um procedimento interno de inspeção tributária, de âmbito parcial, ao grupo C... relativamente ao exercício de 2010 do qual “resultaram correções ao nível do resultado tributável declarado pelo grupo no total de € 6.650,00, bem como correções ao nível do cálculo do imposto, na importância de -€ 38.226,35”, dando origem à emissão da liquidação adicional de IRC de 2010 n.º 2014..., com data de 6 de outubro de 2014, em que o acréscimo de EUR 6.650,00 ao resultado tributável do grupo conduziu a um aumento da matéria coletável dos EUR 48.427.921,70 inicialmente declarados para EUR 48.434.571,70 e da qual, por acerto de contas com a liquidação anterior com o n.º 2012 ... acima identificada, resultou num montante a reembolsar à Requerente de EUR 38.218,08 – conforme artigos 9º e 10º do PPA e Documentos nºs 3 e 4 em anexo ao PPA.
-
Em virtude da alteração ao lucro tributável, o montante da Derrama Estadual de 2010 foi fixado em EUR 1.146.843,04, ou seja, mais EUR 166,25 que os EUR 1.146.676,79 apurados pela Requerente aquando da entrega da declaração Modelo 22 do grupo em 30 de maio de 2011 - conforme artigo 11º do PPA e Documento n.º 4 em anexo ao PPA.
-
O montante da Derrama Estadual de EUR 1.146.843,04 fixado pela AT na liquidação adicional de IRC n.º 2014... resultou da aplicação da taxa fixa de 2,5% então prevista à fração do lucro tributável da Requerente que excedia EUR 2 milhões, a saber:
Lucro tributável total
|
EUR 47.873.721,75
|
Lucro tributável superior a EUR 2 milhões
|
EUR 45.873.721,75
|
Taxa
|
2,5%
|
Derrama Estadual
|
EUR 1.146.843,04
|
Conforme artigo 12º do PPA.
-
Em 20 de julho de 2018 a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, parte final, do mesmo diploma, um pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IRC de 2010 na parte em que dizia respeito ao apuramento da derrama estadual pedindo a sua anulação com o fundamento de que havia incidido incorrectamente sobre todo o lucro tributável apurado entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 no montante de EUR 797.326,30 ou, subsidiariamente, de EUR 598.421,52, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, pedido ao qual foi atribuído o n.º ...2018... que foi liminarmente indeferido por despacho proferido em 29 de outubro de 2018 pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC, com a seguinte fundamentação:
“28. O prazo de quatro anos deveria ter sido contado a partir da notificação da autoliquidação de IRC, dado que esta, ab initio, padecia do alegado vício no apuramento da derrama estadual. 29. Pois o ato subsequente, concretamente a liquidação adicional, não consubstancia um ato tributário inovador, em matéria de derrama estadual, por referência à autoliquidação. 30. Não tendo a Requerente contestado o apuramento da derrama estadual aquando da notificação da autoliquidação, não poderá agora fazê-lo na sequência da notificação da aludida liquidação adicional. 31. Na verdade, relativamente a esta matéria, nos termos do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, o prazo para rever o ato contava-se da data da primeira liquidação. 32. De modo que, a apresentação do pedido de revisão oficiosa deve ser rejeitado por extemporaneidade, nos termos do artigo 109.º, nº 1, alínea c) do CPA”.
- conforme artigos 15º a 18º do PPA e Documento nº 5 em anexo ao PPA.
-
Inconformada a Requerente pediu a anulação judicial do despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa, interpondo uma ação administrativa de impugnação de ato e de condenação à prática de ato devido que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º 273/19.5BEPRT e por sentença datada de 30 de março de 2024, foi dado provimento à pretensão da Requerente, pelo que tendo a sentença sido notificada a ambas as partes – Requerente e AT – por via eletrónica no dia 2 de abril de 2024, as mesmas se presumem notificadas no dia 5 de abril de 2024, e, por outro lado a AT, não interpôs recurso da decisão; transitou em julgado no dia 6 de maio de 2024 – conforme artigos 20º a 26º do PPA e Documento nº 6 em anexo ao PPA;
-
A Requerente foi notificada, por meio de ofício com data de 18 de junho de 2024, da proposta de indeferimento e para exercer querendo, o direito de audição, o que levou a efeito por escrito, e por ofício da Divisão de Justiça Tributária da UGC datado de 9 de julho de 2024, a AT notificou-a do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferido na mesma data, remetendo a fundamentação para o teor da ficha doutrinária elaborada no processo n.º 2441/2010, sancionada por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 564/2010.XVIII, de 19 de julho de 2010, e ainda ao disposto no artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, a UGC propugnou “que estes serviços [se] encontram obrigados à estrita observância do constante na Informação Vinculativa em referência, que contém despacho de concordância do SEAF, e que até à data se mantém em vigor, sem alteração de entendimento”, razão pela qual a pretensão anulatória da Derrama Estadual do exercício de 2010 formulada pela Requerente não poderia ser atendida – conforme artigos 28º a 31º do PPA e Documentos 7 e 9 em anexo ao PPA
-
Em 15 de Julho de 2024 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da revisão oficiosa.
B.Factos dados como não provados
-
Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
C.Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
-
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
-
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
-
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
-
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
-
É pacífico na doutrina e jurisprudência que “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.03.2020, processo n.º 19/17.2BCLSB).
IV. DO DIREITO
-
Questão prévia
-
O Tribunal considerou provado o que consta da alínea h) da matéria assente, a saber: “em 20 de Julho de 2018 a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, parte final, do mesmo diploma, um pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IRC de 2010 na parte em que dizia respeito ao apuramento da derrama estadual pedindo a sua anulação com o fundamento de que havia incidido incorrectamente sobre todo o lucro tributável apurado entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 no montante de EUR 797.326,30 ou, subsidiariamente, de EUR 598.421,52”.
-
Ou seja, a questão ora suscitada como questão prévia foi colocada no pedido de revisão oficiosa. Na fundamentação da decisão de indeferimento a Requerida não colocou em causa o quantum do pedido feito a título principal, nem quanto ao pedido subsidiário.
-
Constata-se que o acto de indeferimento da revisão oficiosa tem uma fundamentação que é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido.
-
Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).
-
Improcede, pois, a questão prévia suscitada.
-
O acórdão do STA-Pleno Processo 057/20.8BALSB – 2ª Secção de 21.04.2021
-
Invoca a Requerida o Acórdão do STA-Pleno, no processo n.º 057/20.8BALSB, 2ª secção de 21.04.2021, para concluir que as “... diversas decisões arbitrais (n.ºs 432/2016-T, 620/2017-T, 113/2018-T, 358/2018-T e 502/2019-T) e o Acórdão do STA, no processo n.º 0383/17, que se pronunciaram sobre a mesma matéria, ... foram no sentido de ser de aplicar o n.º 2 do art.º 12.º da LGT (aplicar a regra “pro rata temporis”) na determinação da aplicação no tempo do art.º 87.º-A do CIRC. Todavia, todas aquelas decisões foram proferidas em data anterior à publicação do acórdão do STA-PLENO, no processo n.º 057/20.8BALSB, de 21.04.2021, que obrigaria, decerto, a rever a posição daqueles Tribunais, somente pelo facto, de que o n.º 9 do art.º 8.º do CIRC é de aplicação à Derrama Estadual, por se tratar de um imposto acessório segue o regime do imposto principal, ou seja, o regime do IRC, e como concluiu o STA, a aplicar-se o disposto no o n.º 9 do art.º 8.º do CIRC é de excluir a aplicação da regra “pro rata temporis” constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT, abalando a fundamentação daquelas decisões”.
-
Em alegações, refere a Requerente que “A incidência é uma das matérias que não podem ser subtraídas ao princípio da legalidade (cf. artigo 103.º, n.º 2, da CRP e artigo 8.º, n.º 1, da LGT)” pelo que “a valer a interpretação propugnada pela Requerida, o que não se concede, o n.º 2 do artigo 12.º da LGT transformar-se-ia em letra morta porque inexistiriam factos tributários de formação sucessiva ou mesmo impostos periódicos como o IRC e a Derrama Estadual”, uma vez que “não há, de resto, qualquer indício na Lei n.º 12-A/2010, pela qual o artigo 87.º-A foi aditado ao Código do IRC, que o legislador tenha pretendido afastar as regras gerais de aplicação da lei fiscal no tempo constantes do artigo 12.º da LGT, o que poderia ter feito e não fez (cf. artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil)”, daqui se extraindo que “o acórdão do STA n.º 057/20.8BALSB, de 21 de abril de 2021, não é apto para infirmar estas conclusões” uma vez que:
-
O que “aí se discutia era um problema de sucessão da lei mais favorável no tempo, em concreto, se a taxa de imposto aplicável era a que vigorava no início ou no termo do período de tributação, que no caso começava num ano civil e terminava no seguinte”,
-
“controvérsia que o STA resolveu com recurso à regra de aplicação da lei fiscal no tempo do n.º 1 do artigo 12.º da LGT, o que se compreende atendendo à circunstância de a lei posterior ser mais favorável ao sujeito passivo em matéria de taxa e só ser possível apurar se existe matéria coletável positiva à qual pode ser aplicada uma taxa de imposto no termo do período de tributação”.
-
“Coisa bem diversa é a lei nova introduzir um adicionamento ao IRC que implica um encargo adicional para o sujeito passivo a meio do ano civil para capturar não só os lucros formados após a sua entrada em vigor, o que seria conforme com a regra geral do n.º 1 do artigo 12.º da LGT, mas também os lucros gerados antes desse momento, o que o n.º 2 do mesmo dispositivo não consente”.
-
“Não se discute, aqui, simplesmente se a lei aplicável em matéria de taxas é aquela que vigorava no início ou no fim do período de tributação, como no aresto do STA citado pela Requerida, mas antes se uma lei com caráter inovador e teor desfavorável ao sujeito passivo, por introduzir um novo encargo fiscal sobre os rendimentos, no quadro de um imposto periódico assente num facto de formação sucessiva, como é inequivocamente a Derrama Estadual, pode ser aplicada ao período em que esse facto já se estava a formar mas a lei não estava em vigor”.
-
Ora, de facto, resulta de uma singela leitura do douto acórdão do STA invocado pela Requerida que o mesmo não versa especificamente sobre a temática aqui em discussão.
-
No caso do Acórdão do STA-Pleno, no processo n.º 057/20.8BALSB, 2ª secção de 21.04.2021, tratou-se de harmonizar a jurisprudência resultante das decisões CAAD P. 411/2019-T e 412/2019-T em que estava em causa era a aplicação no tempo de normas, face inclusive ao referido nos artigo 8º e 14º da Lei 2/2014 de 16 de Janeiro (procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro) onde o STA considerou, nomeadamente, que a norma do artigo 14º da Lei 2/2014 de 16 de Janeiro, é especial e que por isso afasta a norma geral do artigo 12º nº 2 da LGT.
-
Acresce que o que estava em causa no caso decidido Acórdão do STA-Pleno, no processo n.º 057/20.8BALSB, 2ª secção de 21.04.2021 era a sucessão de taxas do IRC, de uma taxa de 23% para uma taxa de 21%, ou seja, de uma taxa menos favorável para uma taxa mais favorável, vista à luz da entrada em vigor da Lei 2/2014, de 16 de Janeiro, percute-se, tendo em conta a norma especial do seu artigo 14º.
-
No caso decidido pelo STA no acórdão n.º 0383/17, de 7 de novembro de 2018 onde se firmou a seguinte conclusão “Na ausência de norma de direito transitório e atento o disposto no n.º 2 do art. 12.º da LGT, a derrama estadual criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável correspondente ao período ocorrido a partir de 1 de julho de 2010, data de entrada em vigor daquela Lei” o que estava em causa é a entrada em vigor da Lei 12-A/2010, de 30 de Junho (que aditou o artigo 87ºA do CIRC) conforme nele se escreve: “a posição sustentada pela AT, pretendendo que a derrama estadual criada por aquela Lei, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2010, fosse também aplicada ao primeiro semestre desse ano, ou seja, a uma parte do lucro tributável gerado antes da data da sua entrada em vigor – o que vimos não acontecer por ser aplicável o critério pro rata temporis consagrado no n.º 2 do art. 12.º da LGT – levaria a uma situação de aplicação retroactiva da lei fiscal, que temos por constitucionalmente vedada (cfr. art. 103.º, n.º 3, da CRP)”.
...
A aplicação do critério proposto pela AT, fazendo incidir a taxa estadual sobre o lucro tributável gerado ao longo de todo o ano de 2010, tendo em conta que a Lei n.º 12-A/2010 entrou em vigor em 1 de Julho de 2010, configuraria, na parte respeitante ao primeiro semestre do ano, um caso de retroactividade (de primeiro grau ou autêntica, na classificação proposta pela doutrina e subscrita pelo Tribunal Constitucional), que a CRP não admite”.
-
Ou seja, o que estava em causa no acórdão do STA n.º 0383/17, de 7 de novembro de 2018 foi a introdução da derrama estadual, um adicionamento ao IRC com carácter inovador e desfavorável aos contribuintes, inexistindo uma norma especial idêntica ao artigo 14º da Lei 2/2014 de 16 de Janeiro, salientando-se ainda que no texto desta decisão se diz o seguinte “... sendo que o lucro tributável só se determina no final do exercício (cfr. art. 8.º, n.º 9, do CIRC)” o que dá a entender que o Tribunal ponderou a relevância da norma.
-
Tratando-se de decisões que versam sobre situações diferentes, improcede, a pretensão da Requerida.
-
Entrada em vigor do artigo 87-A na redacção da Lei nº 12-A/2020 de 01.07.2010. A Derrama Estadual devida pelos sujeitos passivos de IRC cujo exercício coincida com o ano civil, quanto a 2010, é a relativa a todo o ano ou só é devida a que se apurar a partir da matéria colectável apurada após 01.07.2010?
-
A questão decidenda nos presentes autos consiste numa questão de direito, em concreto, a de saber se a Derrama Estadual devida pelos sujeitos passivos de IRC cujo exercício coincida com o ano civil, quanto a 2010, é a relativa a todo o ano ou só é devida a que se apurar a partir matéria colectável apurada após 01.07.2010.
-
A Requerente sustenta a sua pretensão:
-
no acórdão do STA n.º 0383/17, de 7 de novembro de 2018, publicado em www.dgsi.pt, sufragou o entendimento do tribunal de primeira instância segundo o qual, perante a ausência de uma norma transitória na Lei n.º 12-A/2010, a resposta à questão sobre se este adicionamento ao IRC apenas poderia incidir sobre o lucro tributável correspondente ao segundo semestre do ano de 2010 ou, ao invés, sobre a totalidade do lucro tributável deste ano deveria ser encontrada nas regras de aplicação da lei fiscal no tempo, em particular, no artigo 12.º, n.º 2, da LGT.
-
na jurisprudência tributária do CAAD, destacando-se, entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 432/2016-T; 620/2017-T, 113/2018-T e a decisão de 28 de fevereiro de 2019 Processo n.º 358/2018-T, para a jurisprudência do CAAD nos processos n.ºs 432/2016-T e 620/2017-T e do STA no citado acórdão n.º 0383/17 para concluir que “o facto tributário que gera a Derrama Estadual é o lucro tributável de IRC – de natureza complexa e que se forma ao longo do exercício. Por isso e ao abrigo do art. 12.º, n.º 2 da LGT, repete-se, a Derrama Estadual apenas é aplicável ao lucro tributável que se formar a partir de 1 de julho de 2010, aplicando-se por tal via o princípio pro rata temporis”.
Vejamos,
-
Uma vez que a questão de fundo em causa neste processo já foi decidida por tribunais do CAAD, onde foi discutia a mesma questão, vai seguir-se por adesão ao que foi decidido no Processo CAAD P. 358/2018-T onde se escreveu o seguinte:
“A questão central a decidir gira em torno de saber qual o início de vigência da Derrama Estadual, criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho.
Com efeito, a primeira questão a decidir consiste em determinar se a Derrama Estadual, no ano de 2010, se aplica a todo o lucro tributável que vier a ser determinado no último dia do exercício (como alega a Requerente) ou se essa Derrama apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável correspondente ao período de tempo decorrido após a data de entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 20 junho (1 de julho de 2010) e o dia 31 de dezembro de 2010, o último dia do exercício no caso concreto, como defende a Requerida.
O art. 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho criou uma Derrama Estadual, com uma taxa de 2,5% a incidir sobre a parte do lucro tributável que exceder 2 000 000,00 €, como também criou regras especiais para o pagamento da Derrama no caso dos grupos de sociedades – art. 104.º-A e 105.º-A ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
A questão da sucessão no tempo de dois regimes jurídicos diferentes reguladores da mesma matéria, apesar de gerar inúmeras controvérsias, impõe que se determine com precisão o campo de aplicação de cada um, as relações e os atos a que são aplicáveis. O problema pode ser resolvido por disposição expressa do legislador, na qual se concretize o campo de aplicação do novo regime jurídico e do substituído (António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal Vol. I Almedina 1993 páginas 140/141). Quando esse diploma não contém uma norma expressa, há que procurar no Direito Fiscal uma norma que discipline a questão.
Em tal tarefa hermenêutica o tribunal é remetido para a norma geral, o art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual, indiscutivelmente, se aplica às normas tributárias.
O art. 12.º, n. 1 da LGT estatui que: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos”.
Acontece que, para os factos tributários que se iniciaram antes da entrada em vigor da lei nova e se prolongam para além dela, o art. 12.º, n.º 2 da LGT determina que: “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”. Ou seja, nos factos tributários de formação sucessiva – que se prolongam no tempo, como acontece com os impostos periódicos, por exemplo, o IRS e o IRC, a lei nova apenas se aplica ao intervalo temporal decorrido após a sua entrada em vigor.
Retornando ao caso concreto, se é verdade que a Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho, no art. 20.º, fixa regras especiais quanto à sua entrada em vigor, as normas sobre a Derrama Estadual não são abrangidas pelo referido normativo, pelo que o início da sua vigência aconteceu a 1 de julho de 2010. Ou, dito de outro modo, o referido diploma não contém uma disposição especial que crie um regime distinto para a Derrama Estadual, apenas em tal hipótese é que essa regra especial poderia prevalecer sobre a regra geral que provém da LGT – art. 12.º, n.º 2.
Por isso é o momento de formular a seguinte questão: é ilegal aplicar o art. 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho a todo o lucro tributável produzido pela Requerente em 2010?
A este propósito recorde-se que a Constituição da República Portuguesa (CRP), com a revisão de 1997, passou a consagrar expressamente no seu art. 103.º, n.º 3 que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa, opção essa consolidada em 1998, com a previsão na LGT de regras sobre a aplicação temporal da lei fiscal, o art. 12.º do referido diploma.
À luz da lição de ALBERTO XAVIER (Manual de Direito Fiscal I 1972 páginas 196 e seguintes) é possível identificar três graus de retroatividade: i) 1.º grau; ii) 2.º grau e iii) 3.º grau.
Na retroatividade de 1.º grau ou máxima, o facto ocorreu integralmente ao abrigo da lei antiga, tendo já produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa mesma lei. A lei nova pretende retirar dos mesmos factos efeitos jurídicos distintos. Na retroatividade de 2.º grau ou intermédia, o facto também se verificou por completo ao abrigo da lei antiga, contudo, distingue-se da retroatividade de 1.º grau, na medida em que os seus efeitos não se esgotaram por completo ao abrigo da lei velha, pois continuam a produzir-se ao abrigo da lei nova. Decisivo para fixar a norma temporalmente aplicável é o momento em que ocorreu o facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada. Por último, na denominada retroatividade de 3.º grau, o facto tributário não se verificou integralmente sob os auspícios da lei antiga, pelo contrário, prolonga a produção dos seus efeitos no domínio temporal da lei nova. Por isso, a solução consiste em dividir os rendimentos de acordo com o critério pro rata temporis.
O art. 12.º, n.º 1 da LGT veda a retroatividade de 1.º grau ou autêntica na linguagem do Tribunal Constitucional, mas a divisão dos rendimentos, de acordo com o critério pro rata temporis, encontra-se consagrada normativamente no art. 12.º, n.º 2 da LGT.
Deste modo, a Derrama Estadual estabelecida pela Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho apenas se aplica à parte do lucro tributável produzido após a sua entrada em vigor, pelo que é aplicável o previsto no art. 12.º, n.º 2 da LGT – lei geral, a AT não podia fazer incidir a Derrama Estadual sobre o lucro tributável, senão a partir do dia 1 de julho de 2010. Assim, se o intervalo temporal do ano de 2010 decorrido até 30/06/2010 é de 181 dias, quando o que se verificou a partir de 01/07/2010 é de 184 dias, aplicado o critério pro rata temporis é relevante para a determinação da Derrama Estadual do ano de 2010 a percentagem de 50,41% (184/365) da parte do lucro tributável superior a 2 000 000 €.
A questão não é nova, pois, pelo menos, em dois tribunais (P. 620/2017-T e P. 432/2106-T) constituídos sobre a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), concluiu-se que o facto tributário que gera a Derrama Estadual é o lucro tributável de IRC – de natureza complexa e que se forma ao longo do exercício. Por isso e ao abrigo do art. 12.º, n.º 2 da LGT, repete-se, a Derrama Estadual apenas é aplicável ao lucro tributável que se formar a partir de 1 de julho de 2010, aplicando-se por tal via o princípio pro rata temporis.
É também essa a interpretação efetuada pela jurisprudência estadual tributária (Processo 01900/12.0BELRS 0383/17 de 07.11.2018) quando observa que: “Nos termos do n.º 2 do art. 12.º da LGT, nos casos, como o sub judice, em que a lei nova entra em vigor a meio do ano, quando já está em curso o facto tributário de formação sucessiva, a tributação só deve incidir sobre o período ulterior à entrada em vigor dessa lei (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ibidem, pág. 232.). Ou seja, o facto tributário deverá ser fracionado, aplicando-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova e aplicando-se a lei nova aos rendimentos gerados após a sua entrada em vigor. É nisto que reside o critério pro rata temporis que o legislador consagrou naquela disposição legal. Esse critério legal visa, como também salientou a sentença com recurso à indicação de numerosa doutrina, obviar à aplicação retroativa da lei fiscal, que, no caso, se verificaria caso a Lei n.º 12-A/2010 pretendesse, designadamente através de uma disposição de direito transitório nela integrada, ser também aplicável ao período do ano de 2010 já decorrido à data da sua entrada em vigor. Na verdade, a posição sustentada pela Recorrente, pretendendo que a derrama estadual criada por aquela Lei, que entrou em vigor em 1 de julho de 2010, fosse também aplicada ao primeiro semestre desse ano, ou seja, a uma parte do lucro tributável gerado antes da data da sua entrada em vigor – o que vimos não acontecer por ser aplicável o critério pro rata temporis consagrado no n.º 2 do art. 12.º da LGT – levaria a uma situação de aplicação retroativa da lei fiscal, que temos por constitucionalmente vedada (cfr. art. 103.º, n.º 3, da CRP)”.
Em suma, é ilegal a aplicação da Derrama Estadual (lei nova), que prevê um agravamento fiscal aos rendimentos auferidos antes da data da sua entrada em vigor, sobre a parte do lucro tributável ocorrido antes do início da sua vigência, por violação do art. 12.º, n.º 2, da LGT”.
Assim, também aqui este Tribunal conclui como se concluiu no processo que acima se transcreveu parcialmente: “termos em que procede o pedido da Requerente, devendo ser anulado o indeferimento da revisão oficiosa e a consequente liquidação adicional, na parte do adicional (2,5%) cobrado a título de derrama estadual sobre o lucro tributável de 2010”.
D.Do pedido de reembolso das quantias pagas e de juros indemnizatórios
Reembolso
-
A Requerente pediu que “seja determinada a restituição à Requerente da Derrama Estadual indevidamente liquidada e paga em excesso em relação ao exercício de 2010 no montante de EUR 797.326,30 ... ou, subsidiariamente, EUR 598.421,52 .... acrescida de juros indemnizatórios desde 20 de julho de 2019 (i.e., data em que a apresentação do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018...completou um ano) até à data de processamento da nota de crédito, nos termos legais”.
-
O art. 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) estatui que em caso de procedência da decisão arbitral que a AT deve: “(…) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
No caso concreto, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos artigos 24.º, n. º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Assim sendo, a Requerente deve ser reembolsada da Derrama Estadual paga ilegalmente.
-
Não se configura ser aqui de aplicar o que ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 620/2017-T, no sentido de que “o reembolso depende do cálculo da derrama estadual” da competência da Requerida, posto que, como se retira dos factos apurados a Requerente apresentou os cálculos mediante simples operações aritméticas que não mereceram reparo da Requerida.
-
Assim é de concluir que o valor a que a Requerente tem direito a ser reembolsada é o que consta das alíneas g) e h) dos factos provados, ou seja, EUR 797.326,30.
Juros
-
O art. 43.º, n.º 1, da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Sucede que, na presente hipótese, a atividade de cognição do tribunal respeita a uma decisão de indeferimento de pedido de revisão de atos tributários e o art. 43.º, n.º 1 da LGT determina que, só são devidos juros indemnizatórios pela cobrança indevida, quando o contribuinte impugne ou reclame. Contudo, a “revisão oficiosa” constitui um instituto distinto da reclamação administrativa e da impugnação judicial.
A este respeito dispõe o art. 43.º, n.º 3 da LGT que: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»”.
Assim, pedida a “revisão oficiosa” do ato tributário pelo contribuinte, se a AT exceder o prazo de um ano para proceder a tal revisão e se a decidir favoravelmente, só são devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano. E se o contribuinte tiver necessidade de recorrer à via judicial? À questão responde a jurisprudência (acórdão do STA Processo 0918/06 de 12.02.2006) afirmando que: “…se o contribuinte se vir obrigado a recorrer ao tribunal para obter uma decisão, porque a Administração, dentro ou fora daquele prazo, não reviu o ato, este contribuinte não é tratado diferentemente daquele que obteve a mesma decisão favorável pela via administrativa depois de decorrido um ano. À semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros. É que, em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração: ou porque tardou a decidir, ou porque decidiu em desfavor do contribuinte, vindo a mostrar-se, em juízo, que devia ter decidido ao contrário.”
Isto é, o art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT aplica-se a uma realidade distinta do reembolso ao contribuinte em resultado de “erro imputável aos serviços”, ou seja, a demora da AT na conclusão do procedimento de “revisão oficiosa”.
Revertendo tal interpretação para o caso concreto, se o pedido de revisão foi formulado no dia 20 de julho de 2018 e a decisão do pedido de revisão oficiosa foi notificada à Requerente no dia 9 de julho de 2024, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do dia 21 de Julho de 2019.
V - DA DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, materializada no despacho proferido em 09.07.2024, bem como do ato de liquidação adicional de IRC referente a 2010, com o nº 2014 ... de 06.10.2014 na parte correspondente ao cálculo da Derrama Estadual no montante de EUR 797.326,30;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso da Derrama Estadual indevidamente liquidada e paga em excesso em relação ao exercício de 2010 no montante de EUR 797.326,30 e condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios calculados a partir do dia 21 de Julho de 2019.
VI - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 797 326,30 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII - CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 11 322,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Lisboa, 14 de Março de 2025
O Árbitro Presidente,
(José Poças Falcão)
O Árbitro Adjunto e Relator,
(Augusto Vieira)
O Árbitro Adjunto,
vencido conforme declaração anexa,
(António Fernando Cardão Pito)
Voto de vencido
Não posso, em consciência, acompanhar a posição que obteve vencimento, pelas razões que passo a expor.
I – A Lei 12-A/2010 de 20 de Junho, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2010, acrescentou ao Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (CIRC) o art.º 87.º–A, que sujeitou os sujeitos passivos de IRC ao pagamento de uma Derrama Estadual.
II – É a própria Requerente quem, no seu próprio PPA, cita a caracterização daquele imposto tal como ela é feita no acórdão n.º 430/2016 do Tribunal Constitucional (“TC”), proferido em 13 de Julho de 2016, no processo n.º 367/13, no qual a Derrama Estadual consiste
“numa tributação (dita) adicional em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que incide sobre uma parte do lucro tributável (superior a €2.000.000,00, na versão original, ou superior a €1.500.000,00, nas versões posteriores da norma legal) e não isento de IRC, apurado por sujeitos passivos que residam em Portugal e que exerçam uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (bem como por não residentes com estabelecimento estável em Portugal). […] No plano da análise jurídica, retira-se dos ensinamentos da doutrina fiscalista tratar-se de um imposto acessório (relativamente ao IRC, imposto principal) que reveste a modalidade de adicionamento (e não de adicional), por incidir sobre a matéria coletável do imposto principal e não sobre a sua coleta. Não obstante o legislador se lhe referir como taxa adicional, a derrama prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC é considerada um «adicionamento» e não um «adicional» ao IRC” (sublinhados meus).
III – O IRC é um imposto periódico, complexo e de formação sucessiva e, por isso, pela sua natureza e pela configuração e pelo âmbito do seu facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroactividade, que consta do n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, a qual resolve directamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação e afasta a regra geral constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT, como concluiu o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão do STA de 21-04-2021, no Processo n.º 57/20.8BALSB – Pleno da 2.ª Secção).
No primeiro parágrafo da decisão diz-se “O facto tributário que gera a Derrama Estadual é o lucro tributável de IRC”, todavia o CIRC refere unicamente o lucro tributável anual (ver, por exemplo, os artigos 15.º e seguintes) e nunca o lucro tributável de qualquer fracção de ano, que é uma ficção inexistente na realidade da nossa legislação fiscal.
IV – Naturalmente que não posso subscrever uma decisão sobre um processo em que uma das partes defende que ele deve ser decidido conforme a norma especial do n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, norma que apenas é referida no texto da Decisão Arbitral no contexto de uma transcrição da Requerida, mas nunca o é no próprio texto da decisão arbitral, enquanto a outra advoga a aplicação da norma geral do n.º 2 do art.º 12.º da LGT, na qual, o Tribunal Arbitral opta simplesmente pela segunda sem qualquer referência à primeira.
V – Do mesmo modo, não posso subscrever uma decisão que ignora o douto Acórdão do STA acima referido após uma singela leitura com a qual se terá verificado que o mesmo não versa especificamente sobre a temática aqui em discussão, porque duvido que tal seja subsumível na opinião do STA, expressa nesse mesmo douto Acórdão de que
A doutrina e a jurisprudência do STA têm vindo a entender que, para haver oposição de acórdãos e, por conseguinte, de decisões arbitrais, não é exigível uma total identidade dos factos – que muito raramente se verificará –, mas apenas que eles sejam subsumíveis às mesmas normas legais.
Acontece que os casos concretos sobre os quais foi emitido o Acórdão para harmonização de jurisprudência foram duas decisões arbitrais, numa das quais se optou pela aplicação do n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, enquanto na outra foi decidido aplicar a disciplina do n.º 2 do art.º 12.º da LGT, que eram as mesmas alternativas do presente caso.
VI – Por isso, sou de opinião que o douto Acórdão se aplica directamente ao presente caso e que o facto ele não ter sido ponderado na decisão final deste processo abre caminho para que a parte contrariada recorra ao art.º 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
O que, muito provavelmente, inutilizará todo o trabalho que aqui foi desenvolvido.
________________________
António Fernando Cardão Pito
|
|