Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1008/2024-T
Data da decisão: 2025-03-14  IMI  
Valor do pedido: € 23.526,08
Tema: IMI. Erro nos pressupostos de facto e de direito. Avaliação de prédio omisso, posterior aos períodos de liquidação abrangidos pelo prazo de caducidade. Segurança jurídica e proibição da retroatividade da lei fiscal. Juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO

I. Tendo a determinação do valor patrimonial tributário do (novo) imóvel, “Parque Eólico”, sido feita em 2023, as liquidações de imposto abrangeram os exercícios de 2019, 2020 e 2021, já que o prazo de caducidade é de quatro anos, cf. artigo 116.º do Código do IMI e artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT).

II. Assim, na sequência da eliminação da matriz dos prédios que antes lá constavam, da determinação do valor patrimonial tributário do novo prédio, a natureza intrínseca do regime dos prédios omissos e o prazo de caducidade legalmente previsto, permitem a liquidação do IMI (…), sem colidir com a proibição de retroatividade fiscal cf. artigo 103.º n.º 3 da CRP, ou o princípio da segurança jurídica, cf. artigo 2.º da CRP.

III. Quanto à parte da liquidação respeitante a juros compensatórios, procede o pedido de restituição da quantia paga indevidamente (foi demonstrada a assunção de um erro imputável à Autoridade Tributária), mas sem acréscimo de juros indemnizatórios: a natureza dos juros indemnizatórios reside na responsabilidade civil-extra contratual, com fundamento no artigo 22.º da CRP, face à qual releva a proibição legal de anatocismo, cf. artigo 560.º do Código Civil.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Nuno Miguel Morujão, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

I- Relatório

 

1. A..., com o NIPC ..., adiante designada por “Requerente”, veio, ao abrigo da al. a) e b) do n.º 2 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e com o n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre os Imóveis (doravante “IMI”) referente ao período de tributação de 2019, 2020 e 2021, que determinou um valor a pagar de 23.526,08 Euros (vinte e três mil, quinhentos e vinte e seis euros, e oito cêntimos), incluindo juros compensatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 2 de setembro de 2024.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas da designação do árbitro em 21 de outubro de 2024, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 11 de novembro de 2024, sendo que ainda nesse dia foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta e remeter cópia do processo administrativo, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

5. Em 28 de janeiro de 2025, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

6. A Requerente sustenta o pedido que formula alegando, em síntese:

  1. Os atos de liquidação adicional de IMI – todos pagos atempadamente – foram promovidos na sequência de uma nova avaliação que incidiu sobre os imóveis detidos pela Requerente. Estão preenchidos os requisitos de cumulação de pedidos.

Do erro nos pressupostos de facto e de direito:

  1. Em 11 de janeiro de 2022, a Requerente tinha dado entrada no Serviço de Finanças Cascais ... de uma revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI relativo aos anos de 2011 a 2019, por considerar tais atos ilegais, uma vez que a Autoridade Tributária (doravante AT) considerava nessas liquidações que cada aerogerador e subestação eram uma unidade independente em termos funcionais.
  2. Quanto ao IMI liquidado em 2020, este foi alvo de uma reclamação graciosa cujo resultado foi o mesmo – o deferimento do pedido e a consequente anulação dos atos de liquidação de IMI referentes a esse ano.
  3. Na sua decisão, a AT reconheceu o erro e deferiu parcialmente a o pedido, propondo a restituição do IMI indevidamente pago pela Requerente.
  4. Mais tarde, em 2023, por iniciativa da AT, foi realizada uma nova avaliação ao parque eólico de ..., que veio alterar o Valor Patrimonial Tributário do prédio (doravante VPT) em questão, nos termos do artigo 38.º do Código do IMI (doravante CIMI), atribuindo-lhe um VPT de 2.472.310,00 Euros (dois milhões quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e dez euros).
  5. Na sequência desta avaliação, foram notificadas as (novas) liquidações (sub judice) de IMI relativas ao ano de 2019, 2020 e 2021, com os valores apurados a partir do novo VPT.
  6. No entanto, esta liquidação de imposto teve por base a avaliação deste imóvel que foi efetuada, como já foi supra referida, em 2023.
  7. Avaliação esta posterior ao período de liquidação em causa, violando, de modo grosseiro, o disposto no artigo 113.º n.º 1 do CIMI, bem como o artigo 103.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”). Estamos perante um caso de retroatividade fiscal, uma prática estritamente proibida pelo artigo 103.º n.º 3 da CRP, pondo em causa, também, o princípio da segurança jurídica, radicado no artigo 2.º da CRP.
  8. Tendo-se demonstrado nas decisões das impugnações administrativas a assunção de um erro, não por parte da Requerente, mas imputável à Autoridade Tributária, não se concede a liquidação – manifestamente ilegal – de juros compensatórios.

Juros indemnizatórios:

  1. Sendo a presente pronúncia arbitral considerada procedente, deve a Requerente ser reembolsada do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.

 

7. A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) ofereceu Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:

  1. A Requerente, alega em suma, nos artigos 31.º e seguintes do seu pedido de pronúncia arbitral (ppa), que os atos de liquidação do IMI relativos ao Parque Eólico de ..., sito na freguesia de ..., concelho de ..., respeitantes aos anos de 2019 a 2021, porque assentes numa avaliação efetuada pela AT em 2023, violam o disposto no n.º 1 do artigo 113.º do Código do IMI, o n.º 3 do artigo 103.º da CRP, peticionando a consequente anulação de tais atos tributários.
  2. Como é referido no ppa, a Requerente apresentou um requerimento de revisão oficiosa das liquidações de IMI relativas aos anos de 2013 a 2018 relativamente a 8 prédios urbanos inscritos na matriz com os números ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... da União de Freguesias de ... e ..., do Concelho de ... (cf. Doc. 4 e 5 do ppa).
  3. Nesses procedimentos administrativos, a Requerente contestava que naqueles atos tributários, se considerasse que cada aerogerador e subestação do parque eólico, era uma unidade independente em termos funcionais, e que cada uma dessas realidades era um prédio para efeitos de IMI.
  4. Como, de resto, a Requerente mencionava naqueles requerimentos, na sequência da evolução jurisprudencial, foi arredada a qualificação dos aerogeradores e das subestações como prédios para efeitos de IMI, tendo os Tribunais superiores considerado que, em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injeção de energia elétrica na rede pública, não possuía valor económico próprio, consubstanciando, antes, uma parte componente do prédio.
  5. De facto, a questão foi primeiramente suscitada junto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 516/15.4BELLE, proferido em 26-01-2017, onde se referiu, nomeadamente, que:

“O parque eólico propriedade da sociedade recorrida, licenciado que está para injectar na rede pública energia eléctrica convertida de energia eólica, só pode prosseguir a sua finalidade se for equipado, além do mais, por aerogeradores.

Estes são, assim, partes componentes do parque eólico.

Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (cfr. nºs.4 e 5 do probatório).

Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.

Em conclusão, o acto impugnado, que procedeu à segunda avaliação, padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, uma vez que determinou o valor patrimonial tributário de uma realidade (aerogerador) que não preenche o conceito fiscal de prédio, assim se confirmando a decisão do Tribunal “a quo” (…)”.

  1. Posteriormente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio definir a qualificação do parque eólico como prédio para efeitos de IMI, conforme se retira do acórdão do STA de 07-04-2021, proferido no âmbito do processo n.º 0503/14.0BECBR, em cujo sumário podemos ler que:

“Um parque eólico (a universalidade em que se integram os aerogeradores e demais elementos que permitem o exercício da actividade electroprodutora) possui as características necessárias para poder ser subsumido ao conceito de prédio que consta do artigo 2.º do CIMI”.

  1. Em função da jurisprudência, o aludido na Revisão oficiosa foi deferido (Doc. n.º 5), considerando que o aerogerador, tal como a subestação, não são prédios para efeitos de IMI.
  2. E assim, os prédios em causa foram eliminados da matriz.
  3. Contudo, a jurisprudência, como também vimos, conclui ainda que o parque eólico é prédio para efeitos de IMI, nos termos do artigo 2º do CIMI.
  4. É no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico (e não cada um dos seus aerogeradores) que deve ser objeto de tributação, como prédio para efeitos de tributação em sede de IMI, abrangida pela norma de incidência constante do artigo 2.º do Código do IMI.
  5. Nesse contexto, impõe a lei um dever de inscrição do prédio (o parque eólico) omisso na matriz, ex vi do n.º 1 do artigo 13.º do mesmo Código.
  6. Impõe também a lei, a inerente determinação do valor patrimonial tributário desse bem, através do procedimento de avaliação, o que foi concretizado e notificado conforme Doc.6, junto com o ppa.
  7. Nestes termos, contrariamente ao que parece decorrer da petição arbitral, o caso sub iudice não se subsume a uma situação de erro, na avaliação do prédio.
  8. Trata-se, como é demonstrado, da existência de um outro prédio - um parque eólico - que se subsume ao conceito de prédio ínsito no artigo 2.º do Código do IMI e, consequentemente, que impõe a necessária inscrição na matriz predial e a determinação do seu valor patrimonial tributário, enquanto base tributável para efeitos de IMI através de um procedimento avaliativo.
  9. E foi o que aconteceu no presente caso como se viu, as matrizes que foram eliminadas por serem erradamente consideradas aerogeradores, levaram a que o prédio ficasse omisso. No entanto, a realidade existente foi necessariamente inscrita na matriz como parque eólico que é, ex vi do n.º 1 do artigo 13.º do mesmo Código.
  10. Determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI que o imposto é devido a partir do ano, inclusive, em que a fração do território e demais elementos que o compõem, devam ser classificados como prédio.
  11. Por seu turno, do n.º 1 do artigo 13.º do mesmo Código resulta um dever de inscrição de prédios na matriz com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, a partir, nomeadamente, do momento em que determinada realidade física passe a ser considerada como prédio [cf. alínea a)] ou se tenha conhecimento da não inscrição de um prédio na matriz [cf. alínea f)].
  12. Não sendo cumprida esta obrigação declarativa por parte do sujeito passivo, cabe à AT proceder oficiosamente à inscrição do prédio na matriz [inscrição essa que deve referir o ano em que foi efetuada e os elementos que a justifiquem (cf. n.º 4)].
  13. No caso em apreço, deu origem ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º..., da freguesia ... e ..., concelho de ... .
  14. A AT procedeu à inscrição oficiosa do Parque Eólico, enquanto prédio urbano na matriz no ano de 2023, porque se encontrava omisso (cf. n.º 4 do artigo 13.º do Código do IMI).
  15. E então, de acordo com as regras constantes dos artigos 14.º e seguintes do Código do IMI, é despoletado o procedimento de avaliação para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário.
  16. Concretamente, e tratando-se de um prédio urbano, dita o n.º 4 do artigo 37.º do Código do IMI que a avaliação se reporta à data do pedido de inscrição do prédio na matriz, fazendo a própria lei retroagir, neste contexto, o resultado da determinação do valor patrimonial tributário.
  17. E se, por força do estatuído no n.º 1 do artigo 113.º do Código do IMI, o IMI será liquidado anualmente pela AT com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 do dezembro de cada ano, liquidação essa que é efetuada nos meses de fevereiro e abril do ano seguinte.
  18. Especifica, no entanto, o legislador, no número 3 do mesmo preceito, que, nos casos de prédios omissos, logo que a avaliação se torne definitiva, liquidar-se-á o imposto a que houver lugar.
  19. Isso, naturalmente, com observância do prazo de caducidade para o exercício do direito à liquidação do imposto presente no artigo 116.º do Código do IMI e nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual será, in casu, de quatro anos.
  20. Atento o enquadramento normativo supra evidenciado, não será de colher a arguida violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade fiscal, enunciada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e replicada em diversos preceitos da lei tributária.
  21. Nos termos da lei tributária, cabe à AT exercer o direito à liquidação do IMI no prazo de 4 anos, razão pela qual apenas o fez relativamente aos anos de 2019 e seguintes (cf. n.º 1 do artigo 45.º da LGT e n.º 1 do artigo 116.º do Código do IMI).
  22. Uma vez que os atos tributários de liquidação de IMI são respeitantes a um prédio omisso na matriz, in casu, um parque eólico, o valor patrimonial tributário será necessariamente o que for resultante do procedimento avaliativo despoletado pela AT (cf. n.º 4 do artigo 37.º e n.º 3 do artigo 113.º do Código do IMI) com base nas características do (novo) prédio a avaliar.
  23. Não será, por conseguinte, aplicável ao presente caso a regra estatuída no n.º 1 do artigo 113.º do Código do IMI, como defende a Requerente, mas sim o regime dos prédios omissos a que alude o n.º 3 do preceito, liquidando-se o imposto que for devido assim que o procedimento de avaliação torne definitivo o valor patrimonial aí apurado.
  24. Consequentemente, as liquidações de IMI efetuadas em observância dos supra referidos normativos legais não padecem dos vícios que lhes pretende assacar a Requerente, sendo totalmente distinto o enquadramento jurídico do caso.
  25. Por outro lado, cumpre ainda referir que a jurisprudência invocada pela Requerente não infirma, tão-pouco, a posição que aqui defendemos, dada a dissemelhança entre as situações fáctico-jurídicas que os Tribunais foram chamados a dirimir.
  26. Em suma, tratando-se o parque eólico de um prédio (novo) omisso na matriz, totalmente distinto dos demais prédios que foram objeto de inscrição e avaliação pela AT, o ato tributário de liquidação de IMI haverá que ser determinado com base no valor patrimonial tributário que for resultante do procedimento de avaliação deste prédio urbano, com base nos seus elementos estruturantes, observando-se o prazo de caducidade para o exercício desse direito pela AT.
  27. Posto isto, não existe qualquer obstáculo legal a que tenha sido considerado, para efeitos de liquidação do IMI relativo ao ano de 2019 e seguintes, um valor patrimonial tributário apurado com base num procedimento de avaliação despoletado na sequência da inscrição de um prédio omisso na matriz.
  28. É, aliás, a própria lei tributária que, como vimos, determina a necessidade de promoção do ato de liquidação nos casos de prédios omissos, logo que a avaliação se torne definitiva, como o impõe o n.º 3 do artigo 113.º do Código do IMI.
  29. São, por conseguinte, totalmente improcedentes os vícios imputados pela Requerente aos atos tributários de liquidação de IMI relativos aos anos de 2019, 2020 e 2021, que devem assim manter-se plenamente vigentes na ordem jurídica.
  30. Vem ainda peticionado o pagamento de juros indemnizatórios nos artigos 55.º a 60.º do ppa, sem que, contudo, lhe assista razão, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente,
  31. Não se verifica nenhum erro imputável aos serviços, não estando assim preenchido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT. Razão pela qual, não assiste razão à impugnante no pedido de juros indemnizatórios que apresentou.

 

8. Por Despacho Arbitral, de 28 de janeiro de 2025, notificaram-se as partes da dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cf. artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, bem como para apresentarem alegações escritas.

 

 

 

9. A Requerente apresentou alegações finais, e no essencial, alegando, em síntese:

Da eliminação da matriz:

  1. A Requerente não põe em causa que, por conta da ilegal consideração dos aerogeradores e das subestações como prédios, tenha a AT de proceder a alguma correção no tocante à liquidação de imposto. Mas sempre para futuro.
  2. Ou seja, não se questiona que, conforme decisão das impugnações administrativas atinentes aos períodos de 2011 a 2019 (Revisão Oficiosa) e 2020 (Reclamação Graciosa), os prédios constantes na matriz e ilegalmente considerados tenham sido eliminados.
  3. O que aqui se questiona é a retroatividade da referida avaliação, que em nada se justifica.
  4. A AT teve oportunidade bastante, desde 2021, para retificar uma situação que foi originada por erro da própria AT, lesiva dos direitos do Sujeito Passivo e que fez o mesmo atuar. Apenas em 2023 a AT veio corrigir a situação ilegal que a própria criou, e reportando a sua alteração a 2019, o que não se aceita.

Da proibição de retroatividade fiscal:

  1. Conforme já mencionado no PPA, missiva para a qual se remete nos presente autos, aceita se pacificamente o exposto no artigo 116.º do Código de IMI, cuja remissão para o disposto nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT), refere que a AT dispunha de 4 anos para liquidar o IMI, o que fez.
  2. O que não se aceita é que um ato claramente lesivo para o contribuinte seja alvo de retroatividade, quando, como já bem se referiu no PPA, o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), dispõe que: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
  3. Em suma, a nova avaliação foi realizada em 2023, sendo que desde 2021 que a AT tinha conhecimento do seu erro e da necessidade de proceder à regularização da avaliação da matriz. Foi por erro da AT, que o contribuinte teve a necessidade de proceder à reclamação graciosa e a revisão oficiosa que já se aludiu nos presentes autos, erro esse que desencadeou a necessidade de nova avaliação do parque eólico.
  4. A avaliação foi comunicada ao contribuinte dois anos após o reconhecimento do erro da AT. O que, apesar de pouco diligente, não causaria questões à Requerente, se o valor a pagar não fosse ilegalmente repercutido aos anos anteriores.
  5. Toda esta sucessão de acontecimentos apenas à AT pode ser imputada.
  6. Pelo que a retroatividade jamais se poderá aceitar, consubstanciando uma violação dos artigos acima melhores expostos e da certeza e segurança jurídicas da Requerente.

Dos juros compensatórios:

  1. Para além das liquidações – ilegais – do imposto, a AT também liquidou juros compensatórios no valor total de 1.248,29 euros (mil duzentos e quarenta e oito euros e vinte e nove cêntimos).
  2. Só por má-fé ou propositada incompetência é que a Administração Tributária pode liquidar juros compensatórios in casu, uma vez que estes só podem ser liquidados quando, “por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou totalidade do imposto devido”, nos termos do 117.º do CIMI.
  3. Como melhor se expôs no PPA, a causa da falta de liquidação de impostos deve-se a um VPT errado e corrigido a posteriori pela AT, nunca podendo, portanto, se imputado à Requerente.

 

 

II- Saneamento

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo beneficiárias de legitimidade processual (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro), o tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Na petição inicial da Requerente foi suscitada uma questão prévia, que cumpre apreciar, relativa à cumulação de pedidos.

 

III- Apreciação da questão prévia: da exceção da cumulação de pedidos:

Tal como sucedeu nas decisões do CAAD de 7/11/2024 (proc. 278/2024-T, Luís Sequeira) e 8/11/2024 (proc. 279/2024-T, Filipe Melo), estando-se perante um pedido que tem por objeto três diferentes atos tributários, importa ter presente que nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Tal como nos processos referidos, na situação sub judice está-se perante não apenas um só imposto (IMI), como também perante a existência de identidade de fundamentos, isto é, a causa de pedir é a mesma para todos os atos tributários sindicados.

Só podem ser cumuladas no processo arbitral tributário as pretensões materialmente conexas para as quais o tribunal seja competente, o que é o caso nos presentes autos. Afigura-se que o facto de estamos perante liquidações distintas, sobre mas sobre o mesmo prédio, em termos materiais (como se verá, o enquadramento do prédio no âmbito de incidência do CIMI, ao longo do tempo, é matéria controversa), e portanto, as circunstâncias factuais são essencialmente as mesmas.

Termos em que é admitida a cumulação de pedidos, cf. artigos 104.º do CPPT e 3.º do RJAT.

 

Não tendo sido suscitadas questões adicionais nem havendo questões de conhecimento oficioso, que obstem à apreciação do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir.

 

 

 

IV - Fundamentação

 

IV.1.1- Matéria de facto

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sucursal em Portugal da sociedade Alemã, com o NIF..., cuja atividade consiste no planeamento e construção de parques eólicos em Portugal, assim como a produção de energia eólica (cf. Certidão Permanente junta aos autos, Doc.2).
  2. A Requerente detém uma licença de exploração (que produz efeitos a partir de 23 de dezembro de 2005) para o parque eólico de ..., sito no lugar..., na..., na união de freguesias de ... e ..., conselhos de ... e ... . Este parque eólico é constituído por dez aerogeradores (comumente designadas como turbinas eólicas) e uma subestação (cf. Licença de exploração junta aos autos, Doc.3).
  3. Em 3 de março de 2021 foi emitida a Circular n.º 2/2021 da AT, relativa a CENTRAIS EÓLICAS / PARQUES EÓLICOS E CENTRAIS SOLARES – Avaliação e Tributação em IMI, onde consta:

“Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, importa esclarecer a interpretação da AT sobre o enquadramento tributário das centrais eólicas (denominadas parques eólicos) e centrais solares em sede do Imposto Municipal sobre Imóveis.

1. São relevantes para este tema os seguintes conceitos: (…)

d. Parque eólico, na caracterização dada pela jurisprudência  do Supremo Tribunal Administrativo - uma fração de  território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e  partes componentes  - onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com caráter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral. (…)

2. As centrais eólicas e as centrais solares são realidades que preenchem os elementos estruturais do conceito de prédio, nos seguintes termos:

a. O elemento físico – realidade física, conjugada nos seus diversos componentes estruturais, mecânicos e  eletrónicos, implantada diretamente no solo, com caráter de permanência, porque afeta a um fim não transitório (exercício de uma atividade de natureza industrial factual ou titulada por licença para esse fim);

 b. O elemento jurídico – tal realidade física configura uma coisa corpórea composta, objeto de um direito de propriedade singular e que integra a esfera jurídica patrimonial de uma pessoa jurídica ou ente com personalidade tributária;

 c. O elemento económico – a coisa (o centro eletroprodutor no seu todo, no seu conjunto) tem valor económico que advém, desde logo, de, em circunstâncias normais, servir de suporte à atividade de produção de um bem económico transacionável no mercado: a energia elétrica.

3. Relativamente à fração de território onde se localizam as centrais eólicas e as centrais solares:

 a. Os terrenos que façam parte do património da entidade titular do centro, através de direitos de propriedade, de usufruto ou de superfície, integram o centro electroprodutor.

 b. Se esses terrenos forem parte integrante de um património diverso ou não tiverem natureza patrimonial, ainda que estejam cedidos à entidade titular do centro, não integram o centro electroprodutor.

4. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º, as centrais eólicas e as centrais solares devem ser qualificadas como prédios urbanos industriais, em função do licenciamento das construções. (…)

6. Como prédios urbanos industriais, a avaliação deve ser realizada de acordo com o determinado no artigo 38.º. (…)

8. Por força da remissão dos n.ºs 3 e 4 do artigo 38.º, estes prédios devem ser avaliados pelo método do custo adicionado do valor do terreno, nos termos do n.º 2 do artigo 46.º.

 9. Para efeitos de avaliação da central eólica, são tidas em conta as subestações, os edifícios de comando e as torres eólicas que compõem a central, bem como o terreno onde estejam implantadas estas construções. No que respeita à torre eólica, considera-se apenas a fundação (sapata em betão armado) e a torre (em aço ou betão), não sendo de considerar o conjunto pás, rotor e cabine (nacele).

10. Para efeitos de avaliação da central solar, são tidas em conta as subestações, os edifícios de comando e a estrutura que suporta os painéis ou coletores solares que compõem a central, bem como o terreno onde estejam implantadas estas construções. No que respeita à estrutura de suporte, considera-se a sapata (em betão armado ou feita por perfuração no solo – estacas), os pilares/prumos fixos à fundação e a mesa, não sendo de considerar os painéis solares. (…)

12. Estes prédios urbanos são inscritos nas matrizes prediais com a observância das seguintes regras:

 a. Se o prédio se localizar numa freguesia apenas, deve ser inscrito na matriz urbana correspondente – artigo ....º;

 b. Se o prédio for vedado e se localizar em duas ou mais freguesias, deve ser inscrito na matriz da freguesia em que se localize a parte onde tenha a entrada principal – n.º 1 do

 artigo ....º”.

 c. Se o prédio não for vedado e se localizar em duas ou mais freguesias, deve ser inscrito na matriz da freguesia onde esteja situado o maior número de construções – n.º 2 do artigo ... .º”.

  1. Em 14 de julho de 2021 foi apresentada Reclamação Graciosa que incidiu sobre a liquidação de IMI respeitante ao ano de 2020, e em 22 de outubro de 2021 a mesma foi deferida, daí resultando na anulação dos atos de liquidação de IMI referentes à segunda prestação de imposto, desse ano (§ 52 do ppa e § 12 da Resposta, e Doc. 7 junto ao ppa).
  2. Na decisão da Reclamação Graciosa, consta:

“(…) V. Parecer

14. (…) tendo em conta os esclarecimentos constantes no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, referente ao processo n.º 0140/15, bem como a Circular da AT n.º 2/2021, acima referidos, que vêm esclarecer que “os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros”, propõe-se a eliminação da matriz dos referidos prédios, inscritos na matriz da União das Freguesias de ... e ..., bem como a restituição à reclamante do IMI pago, referente à 1.ª prestação do ano 2020, na importância de € 2.669,89, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

VI. Conclusão

15. Em face do exposto, propõe-se deferimento da presente reclamação graciosa, de acordo com os fundamentos da presente informação (…).

Despacho

Em vista da informação prestada com a qual concordo, defiro o pedido (…).

Notifique-se”.

  1. Em 11 de janeiro de 2022, a Requerente apresentou uma revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2011 a 2018, relativamente a 8 prédios urbanos inscritos na matriz com os números..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... da União de Freguesias de ... e ..., do Concelho de ..., por considerar tais atos ilegais, uma vez que a AT considerava nessas liquidações que, cada aerogerador e subestação, eram uma unidade independente em termos funcionais (cf. Revisão Oficiosa junta aos autos, Doc.4).
  2. Em 24 de novembro de 2022, na sua decisão, a AT reconheceu o erro e deferiu parcialmente o pedido, determinando a restituição do IMI indevidamente pago pela Requerente, respeitante a 2017 e 2018 (cf. Decisão Final juntos aos autos, Doc.5).
  3. Na decisão da Revisão Oficiosa, consta:

“IV – FACTOS / LEGISLAÇÃO

1- O requerente vem apresentar revisão oficiosa das liquidações de IMI dos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, que compreendem entre outros os artigos urbanos n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... (…)

2- Por consulta ao sistema informático da AT constatou-se que os artigos urbanos n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... (…) foram desativados em 2019-07-18, com data de alteração para liquidação de 2019-06-21 e estavam inscritos na matriz predial urbana (…) tendo a sua inscrição na matriz (…) tido como suporte as declarações modelo 1 do IMI registos n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... entregues  em 2014-09-11, (…) e data de licença de utilização de 2005-12-22. (…)

6- O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-03-2017, no âmbito do processo n.º 0140/15, institui que “Um parque eólico estrutura-se sobre uma fração do território que ocupa, organizando-se com variados e interligados elementos constituintes ou partes componentes (onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, os postos de transformação, as linhas aéreas e os cabos subterrâneos de ligação, a subestação e o centro de comando), com ligação ao solo com caráter de permanência, sendo esse conjunto de elementos imprescindível à atividade económica que se pretende desenvolver: a produção de energia elétrica, através da atividade de transformação da energia eólica, e a sua injeção no sistema elétrico de potência para venda  de acordo com a tarifa regulada em Portugal, sendo essa injeção ou conexão ao sistema elétrico em dos principais parâmetros de um parque eólico”.

7- Mais esclarece que “os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos (…) na medida em que não constituem partes economicamente independentes, isto é, não têm aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a referida atividade económica, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte”.

8- A circular n.º 2/2021, de 2021-03-03, do Gabinete do Diretor Geral, emitida no âmbito do n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT, vem esclarecer nomeadamente no n.º 1 que: “Parque eólico, na caracterização dada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – uma fração do território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo com caráter de permanência, sendo este conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o setor eólico em geral.

9- A indicada circular revoga a circular n.º 8/2013, de 4 de outubro de 2013, que esclarecia no ponto 2 que “cada aerogerador (torre eólica)e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, pelo que constituem prédios para efeitos do disposto no artigo 2.º do Código do IMI (CIMI) e no ponto 4 “atenta a sua natureza, os aerogeradores e as subestações são nos termos do disposto no artigo 6.º do CIMI, qualificados como prédios urbanos (…).

10- A AT está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”, nos termos do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT;

11- Ora, tendo em conta os esclarecimentos constantes no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-03-2017, no âmbito do processo n.º 0140/15, bem como a Circular da AT n.º 2/2021, 2021-03-03 (…) que vêm esclarecer que “os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros”, afigura-se-me a eliminação da matriz dos artigos urbanos n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... (…) com data de alteração para liquidação de 2017-12-31, uma vez que o IMI do ano de 2017 foi liquidado em 2018-03-08, com base no valor patrimonial tributário a 2017-12-31, e no caso em análise o mesmo não é devido, dado a liquidação se encontrar enquadrada no período temporal de 4 anos previsto no artigo 78.º da LGT, por erro imputável aos serviços, tendo em conta o pedido efetuado pelo sujeito passivo em 2022-01-11.

Consequentemente, o IMI do ano de 2018, cuja liquidação ocorreu em 2019-03-23 e 2019-07-13, será automaticamente anulado com a eliminação dos artigos urbanos em apreço.

Concludentemente será de restituir ao requerente o valor do IMI pago referente ao ano de 2017, de 3.477,21 €, cuja liquidação ocorreu 2018-03-08, com a emissão das notas de cobrança (…).

12- Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a revisão oficiosa do ato tributário, nos termos do artigo 78.º da LGT, não determina o pagamento de juros indemnizatórios com fundamento do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

V- CONCLUSÃO

Perante os factos, afigura-se-me ser de deferir o procedimento de revisão oficiosa (…) nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pela existência de erro imputável aos Serviços, pelo que as liquidações de IMI dos anos de 2017 e 2018 deverão ser anuladas, com a consequente restituição do imposto pago ao sujeito passivo”.

Quanto aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 o pedido de revisão oficiosa deverá ser indeferido por intempestividade nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

No que concerne ao pedido de juros indemnizatórios, não será de atender o pedido formulado pelo sujeito passivo, nos termos da c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, pelo facto de não ter passado mais de um ano, após o pedido de revisão do ato tributário. (…)

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

(…) 5- Perante os factos, e nos termos da b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, afigura-se-me ser de converter o projeto de decisão de deferimento parcial da Revisão Oficiosa (…) em decisão definitiva, assegurando o indeferimento por intempestividade no que concerne aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, e o deferimento pela existência de erro imputável aos serviços, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), no que alude aos anos de 2017 e 2018 (com a anulação das liquidações e consequente restituição do imposto pago), mantendo-se os fundamentos aí exarados. (…)

Despacho

Concordo com o deferimento parcial do pedido. (…)

  1. Na sequência da decisão da AT quanto à Revisão Oficiosa, os prédios da Requerente constantes na matriz, foram eliminados, tendo a AT posteriormente, em 2023, procedido à inscrição oficiosa na matriz do Parque Eólico, enquanto prédio urbano: prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ..., da freguesia ... e ..., concelho de ... .
  2. Em 31 de outubro de 2023, a AT notificou a Requerente quanto à nova avaliação do prédio, atinente ao Parque Eólico de ..., que veio alterar o Valor Patrimonial Tributário (doravante VPT) do prédio, atribuindo-lhe um VPT de 2.472.310,00 Euros (dois milhões quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e dez euros) (cf. Notificação da Avaliação junta aos autos, Doc.6).
  3. Na sequência desta avaliação, foram notificadas as liquidações de IMI relativas ao ano de 2019, 2020 e 2021, com os valores apurados a partir do novo VPT, acrescidos de juros compensatórios (cf. Demonstrações de Liquidação, de imposto e juros compensatórios, e respetivos comprovativos de pagamento juntos aos autos, Doc.1):

Período

N.º da liquidação

Data da liquidação

IMI

Juros

2019

2022 ...

22-03-2024

7.416,93 €

674,63 €

2020

2022 ...

22-03-2024

7.416,93 €

448,67 €

2021

2022 ...

22-03-2024

7.416,93 €

151,99 €

 

 

Sub-total

22.250,79 €

1.275,29 €

 

 

Total

 

23.526,08 €

 

 

IV.1.2- Factos não provados

Inexistem factos que se considerem não provados, com relevo para a boa decisão deste pleito.

 

IV.1.3- Fundamentação da fixação da matéria de facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, o PPA e a Resposta junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV.2- Matéria de Direito

 

IV.2.1- Impugnação das liquidações de imposto (IMI) e juros compensatórios.

 

No essencial, os argumentos aduzidos no pleito podem resumir-se do seguinte modo:

 

a) Depois de ter recebido na altura devida liquidações de IMI que incidiram períodos até a 2020 inclusive, e as ter impugnado administrativamente, decorreram alterações de registo predial (eliminação de vários prédios, e, em 2023, criação de registo na matriz, de um novo prédio). Posteriormente, a Requerente recebeu liquidações de IMI, que incidem sobre o novo prédio, emitidas em 22 de março de 2024, referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021.

Estas são as liquidações que são impugnadas neste processo, por enfermarem do vício de violação da lei e da proibição da segurança jurídica e retroatividade no direito fiscal (cf. artigo 2.º e n.º 3 do artigo 103.º da CRP), já que as liquidações tiveram subjacente avaliação patrimonial do prédio, posterior aos períodos de liquidação. As liquidações foram atempadamente pagas pela Requerente.

 

b) A AT considera que não se verifica a violação do princípio constitucional da proibição da retroatividade fiscal, porquanto, em suma, tratando-se o parque eólico de um prédio (novo) antes omisso na matriz, distinto dos demais prédios que foram objeto de inscrição e avaliação pela AT, o ato tributário de liquidação de IMI (acrescido de juros compensatórios) haverá que ser determinado com base no valor patrimonial tributário que for resultante do procedimento de avaliação deste prédio urbano, com base nos seus elementos estruturantes (cf. artigos 44.º, 58.º e 59.º da Resposta).

 

Pelo que, a questão decidenda nos autos a de saber se os atos tributários de IMI e bem assim os respetivos juros compensatórios enfermam dos vícios infra e constitucionais que lhe são apontados pela Requerente e, em caso afirmativo, decidir quanto ao direito a juros indemnizatórios, pelo pagamento indevido dos atos tributários em questão.

 

Vejamos.

 

Como resulta da matéria provada, em 14 de junho de 2021, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa dos atos de liquidação de IMI relativo a prestação paga, relativa ao ano de 2020. Em 11 de janeiro de 2022, a Requerente apresentou, junto da AT, um pedido de Revisão Oficiosa dos atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2011 a 2018. Em causa, estavam atos tributários respeitantes a 8 prédios urbanos inscritos na matriz com os números..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... da União de Freguesias de ... e ..., do Concelho de ... .

 

A Requerente impugnou tais atos tributários por ilegalidade, já que a AT considerava nessas liquidações que cada aerogerador e subestação, eram unidades independentes em termos funcionais. Com efeito, até então a Requerente havia sido tributada em sede de IMI, por realidades que não configuravam prédios, para efeitos de IMI.

 

Pelo que, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, segundo a qual o aerogerador, tal como a subestação, não são prédios para efeitos de IMI, a AT deferiu o peticionado na Reclamação Graciosa, e na Revisão Oficiosa.

 

Na sequência de tais decisões, e considerando a Circular 2/2021 emitida pela AT, esta eliminou os prédios em causa da matriz, procedendo em 2023 à inscrição oficiosa do “Parque Eólico” na matriz urbana, enquanto “prédio urbano”, sob o artigo..., da União de Freguesias de ... e ..., do Concelho ... .

 

E assim, com este prédio inscrito, a AT procedeu, em 2023, à avaliação do Parque Eólico, para determinar o seu valor patrimonial tributável, que fixou em 2.472.310,00 € (dois milhões quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e dez euros), nos termos do artigo 38.º do CIMI, cf. ofício ... emitido em 31 de outubro de 2023, já que nos termos do artigo 1.º do CIMI, o imposto incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos, situados no território português.

Tal imposto é devido pelo proprietário do prédio, em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar, cf. artigo 8.º n.º 1 do CIMI, desde “o ano, inclusive, em que a fração do território e demais elementos referidos no artigo 2.º devam ser classificados como prédio”, cf. artigo 9.º, nº 1, al. a) do CIMI.

 

Ficou demonstrado que em 2023 a AT procedeu à inscrição oficiosa na matriz (cf. n.º 4 do artigo 13.º do Código do IMI), como prédio urbano, do Parque Eólico, porque os artigos matriciais antes existentes haviam sido eliminados na sequência do deferimento da Revisão Oficiosa.

 

Nestes termos, os atos tributários de liquidação de IMI dizem respeito a um prédio omisso na matriz, in casu, um Parque Eólico, cujo valor patrimonial tributário será necessariamente o que resulta da avaliação patrimonial concretizada pela AT (cf. n.º 4 do artigo 37.º do Código do IMI) com base nas características do (novo) prédio a avaliar, sendo aplicável, o regime dos “prédios omissos” a que alude o n.º 3 do preceito, liquidando-se o imposto devido assim que o procedimento de avaliação torne definitivo, o valor patrimonial aí apurado: “(…) logo que a avaliação de prédio omisso, melhorado, modificado ou ampliado se torne definitiva, liquida-se o imposto a que houver lugar, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 116.º (…)”.

 

Tendo a determinação do valor patrimonial tributário do (novo) imóvel, “Parque Eólico”, sido feita em 2023, as liquidações de imposto abrangeram os exercícios de 2019, 2020 e 2021, já que o prazo de caducidade é de quatro anos, cf. artigo 116.º do Código do IMI e artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Assim, na sequência da eliminação da matriz dos prédios que antes lá constavam, da determinação do valor patrimonial tributário do novo prédio e a natureza do regime dos prédios omissos e o prazo de caducidade, permitem a liquidação do IMI (22.250,79 €, vinte e dois mil, duzentos e cinquenta euros, e setenta e nove cêntimos), sem colidir com o princípio da segurança jurídica, cf. artigo 2.º da CRP e a proibição de retroatividade fiscal, cf. artigo 103.º n.º 3 da CRP.

.

Por outro lado, são impugnados os juros compensatórios liquidados, no valor total de 1.248,29 Euros (mil duzentos e quarenta e oito euros e vinte e nove cêntimos).

 

Sustenta a Requerente que os juros compensatórios são indevidos, uma vez que, nos termos do 117.º do CIMI, estes só podem ser liquidados quando, “por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou totalidade do imposto devido”.

Porém, decorre do exposto que a causa da falta de liquidação de impostos, deve-se às vicissitudes de registo na matriz e de valor patrimonial tributário, do prédio da Requerente, situações que são da responsabilidade da AT, como aliás foi esta assumido nos deferimentos das impugnações administrativas que antecederam as liquidações sub judice.

 

Na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a AT não contestou.

 

Termos em que, no mesmo sentido das decisões arbitrais proferidas no âmbito das decisões arbitrais do CAAD proferidas em 7/11/2024 (proc. 278/2024-T, Luís Sequeira), e em 8/11/2024 (proc. 279/2024-T, Filipe Melo):

  1. improcede, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IMI, e que
  2. procede, a impugnação dos juros compensatórios.

 

IV.2.2- Restituição das liquidações pagas indevidamente e respetivos juros indemnizatórios.

 

A Requerente pede ainda a restituição das importâncias que considera pagas indevidamente, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT:

 

“Artigo 43.º - Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. (…)

 

Artigo 100.º - Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei. (…)”.

 

Tendo sido julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IMI, ficam prejudicados os restantes pedidos: o de reembolso das quantias pagas a este título, e correspondentes juros indemnizatórios.

 

Quanto à parte da liquidação respeitante a juros compensatórios, procede o pedido de restituição da quantia paga indevidamente (foi demonstrada a assunção de um erro imputável à Autoridade Tributária), mas sem acréscimo de juros indemnizatórios: a natureza dos juros indemnizatórios reside na responsabilidade civil-extra contratual, com fundamento no artigo 22.º da CRP, face à qual releva a proibição legal de anatocismo, cf. artigo 560.º do Código Civil.

 

V- Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações de IMI no valor de 22.250,79 € (vinte e dois mil, duzentos e cinquenta euros, e setenta e nove cêntimos), referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, e consequentemente, julgar improcedente o pedido quanto à restituição de IMI pago;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios no valor de 1.275,29 € (mil, duzentos e setenta e cinco euros, e vinte e nove cêntimos), referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, e consequentemente, julgar procedente o pedido quanto à restituição de juros compensatórios, pagos indevidamente;
  3. Condenar as partes ao pagamento das custas processuais, repartidas nos termos abaixo referidos.

 

VI- Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 23.526,08 € (vinte e três mil, quinhentos e vinte e seis euro, e oito cêntimos).

 

VII- Custas

Em conformidade com o estatuído no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral.

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Assim, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que as custas sejam repartidas, com 94,58% a cargo da Requerente, e 5,42% a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de março de 2025.

 

O Árbitro,

 

 

Nuno M. Morujão.