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Sumário:
I — Tendo o substituo contabilizado, embora erroneamente, a retenção da fonte nos termos da lei, deve responder, em primeira linha, pelo imposto a liquidar (art. 28.º, 3, LGT, e art. 103.º, 4, a contrario).
II — Só é devido imposto por mais valias se a diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização for positiva.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:
I — RELATÓRIO
A. Dinâmica processual
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A..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., n.º..., ... (...), ...-... São Paulo, Brasil apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (RJAT), para que seja anulado o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa bem como o ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2019..., e respetiva liquidação de juros compensatórios de € 1.592,19, ambos referentes ao ano de 2015, no montante total de € 15.521,99.
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No dia 29 de agosto de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao requerente e à AT.
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O requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 14 de outubro de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 4 de novembro de 2024.
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A 5 de dezembro de 2024 a requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, excecionando e impugnando.
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A 9 de dezembro de 2024 foi proferido despacho arbitral facultando prazo para o requerente, querendo, se pronunciar sobre a alegada exceção, o que fez, a 18 de dezembro de 2024.
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Após terem sido auscultadas as partes com relação à intenção do Tribunal de dispensar a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, por despacho de 6 de fevereiro de 2025 foi a dita dispensada bem como a apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 15 de março de 2025.
B. Posição das partes
Para fundamentar o seu pedido alega o requerente, em síntese, que o ato de liquidação em apreciação padece de fundamentação de facto e de direito por parte da AT, pois este é um dever da administração bem como também um direito subjetivo do administrado.
Além disso, sendo ele, requerente, cidadão português com residência no Brasil desde 2014, então deve ser considerado como tendo o estatuto de não residente fiscal em Portugal, pelo menos desde 2015, ano que é considerado para efeitos de liquidação do ato sob discussão.
Pressupondo isso, quanto à tributação de rendimentos de capitais, da “Declaração de movimentos de Registo/Depósito de valores mobiliários (artigo 125.º do Código do IR – CIRS e artigo 129.º do Código do IRC -CIRC)” junta aos autos considera que a retenção incidiu sobre eles, pelo que nada há a liquidar. Além disso, considera ter a AT tributado reembolso de capital como rendimento, o que é manifestamente ilegal.
Quanto à tributação de rendimentos de mais-valias a ilegalidade verifica-se porque apenas são consideradas obtidas em Portugal as mais-valias resultantes de valores mobiliários por entidades que tenham sede ou direção efetiva em Portugal, o que não é o caso, pois as obrigações em causa foram emitidas por uma sociedade com sede e direção efetiva na Alemanha. Com efeito, o que é relevante é a localização da sociedade que efetuou o pagamento e não a localização da entidade intermediária da referida operação.
Além disso, e se assim não se entender, a operação em causa gerou uma menos valia considerando a diferença entre o valor de aquisição somado aos respetivos encargos e o valor de realização obtido.
Consequentemente, bate-se pela ilegalidade do ato de liquidação e respetivos juros compensatórios.
Por sua vez, a AT defende-se excecionando a incompetência material do Tribunal Arbitral para declarar a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa face ao disposto no art. 2.º, RJAT.
Além disso, a AT terá apurado que no ano de 2015 o Requerente auferiu rendimentos em Portugal da categoria F/rendas, rendimentos da categoria E e da categoria G mais-valias mobiliárias passíveis de declaração.
Quanto aos rendimentos de capitais, não se verificou retenção na fonte.
No que respeita aos rendimentos sujeitos a imposto de mais-valias, ocorreu a intervenção de uma entidade portuguesa. No entanto, admite a necessidade de se considerar a informação decorrente do documento carreado para os autos e identificado sob n.º 8, para efeitos do disposto do art. 10.º, 4, CIRS, no sentido de o ganho sujeito a imposto dever considerar não apenas o valor de realização dos valores mobiliários, mas para efeitos do diferencial, também ao valor de aquisição e encargos, no caso das obrigações e, consequentemente, atender ao pedido do requerente.
Depois, considera que o requerente percebeu, e bem, as razões que sustentam a sua posição, pelo que não se verifica qualquer vício resultante de falta de fundamentação do ato de liquidação.
Posto este enquadramento, pelas razões sobreditas, conclui a AT pela manutenção do ato impugnado, embora, quanto ao rendimento da categoria G, admita as correções resultantes da menos-valia gerada.
C. Thema decidendum
A questão que constitui o thema decidendum centra-se em saber se ocorre falta de fundamentação do ato de liquidação. Admitindo-se resposta negativa, se os rendimentos da categoria E auferidos pelo requerente foram ou não objeto de retenção na fonte. Depois, importa ainda apreciar se a operação relativa à venda de obrigações se encontra ou não sujeita a tributação por mais-valias.
II — SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
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Suscita a requerida exceção que cumpre desde já apreciar e decidir, relativa à incompetência material do Tribunal Arbitral para declarar a alegada ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Resumindo, a requerida refere que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, tudo nos termos do art. 2.º, RJAT.
O requerente peticiona a anulação do ato administrativo que indeferiu o pedido de revisão oficiosa com fundamento na falta de preenchimento dos pressupostos do art. 78.º, LGT.
Subsumindo o art. 2.º, RJAT, aos presentes autos, para a AT só se pode concluir que a apreciação do ato identificado no parágrafo anterior se encontra excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral.
A incompetência material configura uma exceção dilatória, que determina a absolvição da instância no que a este pedido em particular concerne, nos termos do estabelecido no art. 89.º, 4, a), CPTA, ex vi art. 29.º, 1, c), RJAT.
Notificado para se pronunciar, o requerente veio defender posição diametralmente oposta. Considera que o PPA tem por objeto imediato o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e como objeto mediato o ato de liquidação n.º 2019..., no valor de € 15.521,99. O despacho que indeferiu a referida revisão oficiosa pronunciou-se sobre o mérito do ato de liquidação que ora se aprecia, nomeadamente sobre os documentos juntos pelo requerente. Assim, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por apreciar a legalidade do ato de liquidação, é sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos no art. 97.º, 1, a), CPPT, e do art. 2.º, RJAT, cabendo no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais.
Vejamos.
O tema não é novo. Inúmeros acórdãos prolatados no âmbito do CAAD já se pronunciaram sobre ele (v.g., proc. 998/2023-T; proc. 940/2023-T; proc. 124/2018-T). Acompanhamos o prolatado no âmbito do proc. 630/2014-T, data venia, que fazemos nosso.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará́ afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
(...)
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.o do RJAT.
Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.o do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
(...)
Como resulta dos autos, o objeto do peticionado consiste no despacho proferido a 17 de maio de 2024 pelo Diretor Adjunto de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de subdelegação de competências, de indeferimento da revisão oficiosa, atinente ao ato de liquidação de IRS e dos respetivos juros compensatórios referentes ao ano de 2015 e, mediatamente, no ato de liquidação de IRS n.º 2019..., no valor € 15.521,99.
Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, é julgada improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo.
III — FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
A) O requerente tem residência fiscal no Brasil desde 21 de novembro de 2014.
B) Por ter anteriormente residido vários anos no estrangeiro, ao requerente foi atribuído o estatuto de residente não habitual para o período compreendido entre os anos de 2010 até 2019, inclusive.
C) O requerente não apresentou a declaração de rendimentos relativos ao ano de 2015 embora os tenha obtido.
D) Por consulta das "Obrigações Acessórias", tendo como beneficiários dos rendimentos o ora requerente e entidade declarante o BPI, relativa ao ano fiscal de 2015, resultam os seguintes quadros, com relevância para os autos:
E) O código E10 corresponde a dividendos de ações e o código E20 corresponde a juros.
F) O requerente obteve no ano de 2015 dividendos no total de €1.038,60 (€554,10 €484,50) — cód E 10 — tendo sido objeto de retenção na fonte à taxa 0%, e obteve €0 de juros ou rendimentos de aplicações de capital, identificados pelo cód. E 20.
G) O banco BPI cumpriu com a obrigação de contabilização da retenção na fonte que incidiu sobre estes rendimentos e respetiva comunicação à AT e ao requerente, nos termos do art. 119.º, 1, 7, CIRS.
H) Por declaração emitida pelo banco BPI com o título "Mais e menos valias previstas no artigo 10.º do Código do IRS — Operações sujeitas a tributação", em nome do ora requerente, resulta ter sido efetuada a 17 de setembro de 2014 a aquisição pelo montante de €35.000,00 de 35 títulos representativos de obrigações 7,625% emitidas pela. B..., ISIN.-.., entidade com sede e direção efetiva na Alemanha.
I) Mais resulta do citado documento ter o requerente ordenado a 22 de fevereiro de 2015 a venda da totalidade das obrigações referidas pelo preço de €35.070,00.
J) Acresceu €91,19 relativamente a encargos com a correspondente alienação.
K) Também resulta demonstrado ter tido a AT conhecimento da venda da totalidade das obrigações já identificadas pelo preço de €35.070,00.
L) Resulta da declaração oficiosa / DC, relativa aos rendimentos do ano de 2015, anexo E, o seguinte:
M) Do anexo G, da mesma declaração, resulta o seguinte:
N) A AT emitiu a consequente demonstração de liquidação de IRS nos seguintes termos:
O) A 4 de janeiro de 2020 o requerente, através do seu representante fiscal, deduziu reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2015, no montante de € 15.521,99, incluindo juros compensatórios de € 1.592,19.
P) Por despacho de 15 de maio de 2020, a AT emitiu o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, do qual resulta o seguinte:
Q) Por despacho de 29 de julho de 2020 foi convolado em definitivo o projeto de decisão identificado no ponto anterior.
R) Em 19 de julho de 2022, o requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa – ..., um pedido de revisão oficiosa contra o sobredito ato de liquidação de IRS do ano de 2015, referindo “(…) não ter sido considerado o valor de aquisição dos títulos mobiliários.”
S) Por ofício da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Lisboa, de 20 de março de 2024, o requerente foi notificado do projeto de indeferimento da revisão oficiosa apresentada e, bem assim, para, querendo, exercer o direito de audição prévia.
T) Em 11 de abril de 2024, o requerente exerceu o seu direito de audição prévia, tendo juntado aos autos o documento emitido pelo banco BPI com o título "Mais e menos valias previstas no artigo 10.º do Código do IRS — Operações sujeitas a tributação", do qual resulta o seguinte:
U) Ainda juntou aos autos documento emitido pelo BES, intitulado "declaração de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários", datado de 2 fevereiro 2015, do qual resulta uma listagem de movimentos do ano de 2014, concretizados "entradas", "compras", "saída", com a identificação da "Data", "Operação", "Valor unitário", "Quantidade", "Valor Operação" e "Despesas/Encargos na alienação", como segue:
V) Por declaração intitulada "Declaração de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários", emitida pelo Novo Banco, datado de 18 março de 2016, resulta o seguinte:
W) Por ofício datado de 20 de maio de 2024, o SP foi notificado da decisão de indeferimento por parte da AT do pedido de revisão oficiosa, assente no entendimento proveniente de despacho do Diretor de Finanças Adjunto do qual resulta a seguinte fundamentação:
X) Ainda resulta o seguinte:
Y) O presente PPA deu entrada a 27 de agosto de 2024.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não foram identificados outros factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a), e e), RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
Na verdade, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o n.º 5 do art. 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º, CCiv.) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Além disso, referir ainda que como fundamentação dos atos tributários em apreciação só releva o que consta do PA, pois não é admissível a fundamentação à posteriori ou a tentativa de suprir as deficiências dos atos impugnados através das alegações contidas na resposta junta aos autos pela AT. A fundamentação relevante é apenas e só a que consta do procedimento de liquidação e cobrança realizado pela AT em sede própria e que a conduziu à emissão da liquidação oficiosa de imposto.
Concretizando, o preenchimento da declaração oficiosa por parte da AT, conforme PA junto, e que originou posteriormente o ato de liquidação em apreciação, foi suportado pelo documento intitulado "Consultas Obrigações Acessórias - Detalhe - Por Sujeito Passivo".
Pelo apontamento manuscrito "Banco BPI, SA" relativamente à coluna "Nif Entidade Declarante" descortina-se quais os valores mobiliários que geraram os tributados alegados rendimentos. Mais resultam das colunas "Tipo Rendimento", "Valor Rendimento", "Taxa Regime Tributação" e "Montante do Imposto Retido", as informações respetivas.
Por sua vez, conforme peticionado pelo requerente, nos presentes autos, e com o acordo da AT, pois também o reproduz, é dado como provado que o código E10 corresponde a dividendos de ações e o código E20 corresponde a juros.
Os códigos E10 e E20 também constam da declaração oficiosa Modelo 3, Anexo E. Ao código de rendimento E10 corresponde €1.038,60 de rendimento. Ao código E20 corresponde €9.641.02 de rendimento.
Confrontando o documento que suporta o preenchimento do citado Anexo E, "Consultas Obrigações Acessórias - Detalhe - Por Sujeito Passivo", verificamos que com o código 10 corresponde, no ano de 2015, dividendos no total de €1.038,60 (€554,10 €484,50), tendo sido objeto de retenção na fonte à taxa 0%. No entanto, com o código 20 não se encontra associado qualquer rendimento.
O PA junto pela AT, do qual se extrai a documentação mencionada, não foi impugnado pelo requerente, nem a AT, com a sua contestação, carreou para os autos factos ou prova sequer que esclarecessem ou completassem esta leitura além do que foi dito.
Além disso, é a AT que esclarece estar em discussão rendimentos do SP intermediados exclusivamente pelo Banco BPI, SA, e não pelo BES ou pelo Novo Banco.
Esta análise permite concluir ter a AT cumprido com o ónus de prova de que o SP obteve rendimentos de capital num total de €1.038,60 sobre o qual recaiu a taxa 0% de retenção na fonte. Mas a AT não conseguiu convencer o Tribunal da comprovabilidade de o requerente ter auferido rendimentos de €9.641.02. Simplesmente, porque se ignora a natureza dos referidos rendimentos e se eles deveriam ser ou não sujeitos a retenção na fonte por serem rendimentos de capital.
A concluir, ainda importa esclarecer ter resultado do alegado no ponto 103.º do PPA, e não contestado pela AT, em como o BPI cumpriu com a obrigação de comunicação à AT e ao requerente, nos termos do art. 119.º, 1, 7, CIRS, dos rendimentos por este auferido e correspondentes retenções e respetivas taxas.
Por tudo isto se decidiu a matéria de facto nos termos sobreditos.
B — DE DIREITO
Como vimos, o thema decidendum consiste em verificar se o ato de liquidação se encontra ou não fundamentado, se os rendimentos da categoria E auferidos pelo requerente foram ou não objeto de retenção na fonte e, por fim, ainda apreciar se a operação relativa à venda de obrigações se encontra ou não sujeita a tributação por mais-valias.
i) Da alegada falta de fundamentação do ato de liquidação
Refere o SP não resultar da análise do teor da notificação dos atos de liquidação a suficiente e necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido pelo disposto no art. 77.º, LGT, por forma a justificar a decisão nela inserta, pois não são percetíveis, quer para um destinatário normal, quer também, para o ora requerente.
Defende recair sobre a AT a obrigação de enumerar os elementos de facto e de direito em que assenta a liquidação contestada, de modo a que se possa percorrer o itinerário cognitivo e valorativo constante dos atos em causa e (re)conhecer o juízo de ponderação efetuado.
Esta obrigação de fundamentação resulta do art. 268.º, 3, CRP, do art. 77.º, LGT, e do art. 152.º, CPA.
Por sua vez, a AT, alega não existir qualquer falta de fundamentação que tenha impossibilitado o conhecimento do iter cognoscitivo da requerida, pois o requerente pronunciou-se preteritamente, nomeadamente, em sede de reclamação graciosa, insurgindo-se contra a liquidação em discussão, utilizando os elementos de prova necessários para demonstrar a bondade da posição que ora reproduz.
Olhemos à jurisprudência consolidada, fazendo nossa, data venia, o entendimento manifestado pelo acórdão prolatado no âmbito do proc. 8/2011-T, CAAD: "A falta de fundamentação é provavelmente o tema de direito administrativo e fiscal mais versado na doutrina e na jurisprudência após o início de vigência da atual Constituição da República. O que não admira. É que a fundamentação dos atos administrativos (e os tributários deles não diferem sob o ponto de vista orgânico) num Estado de direito democrático assume a natureza de um simples postulado do princípio fundamental de subordinação da Administração à Constituição e à lei e do reconhecimento constitucional dos direitos e garantias dos administrados. Assim se havia de concluir, simplesmente, já em face dos arts. 2.º, 267.º e 269.º da versão originária da atual Constituição. E porque assim foi entendido é que o legislador ordinário se apressou a regular a matéria, pela mão do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho. A partir da revisão constitucional de 1982, o dever de fundamentação dos actos administrativos passou a assumir a natureza de um direito ou garantia fundamental dos cidadãos (art.º 268.º, n.º 2) e assim é hoje entendido.
No domínio tributário, ultrapassado um período inicial em que se entendeu que a fundamentação do ato tributário se bastava com a observância dos trâmites procedimentais previstos nas diversas cédulas fiscais, cedo se assentou na ideia de que também o ato tributário, enquanto ato praticado ou imputável à administração, como ato administrativo sob o ponto de vista orgânico, estava sujeito ao princípio da exigência de uma fundamentação contextual e expressa, estabelecida na Constituição.
A Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1999) densificou, no domínio tributário, o direito fundamental de fundamentação dos atos tributários, no seu art.º 77.º. Entende o Tribunal Arbitral não ser necessária grande explanação sobre o sentido e extensão do dever de fundamentação expressa e contextual dos atos tributários. Por isso aborda a matéria apenas na perspetiva da aplicação ao caso concreto, pondo o acento tónico nos aspetos aqui relevantes. De acordo com o n.º 2 do art.º 77.º da LGT, “a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. Entre as várias razões que justificam a exigência da fundamentação, como as de propiciar ao decisor um momento de reflexão antes de emitir a sua vontade funcional, de garantir a transparência da atuação administrativa, de assegurar a possibilidade e eficácia do controlo hierárquico ou jurisdicional, sobressai a de possibilitar ao interessado administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência de aceitar ou impugnar graciosa ou contenciosamente o ato.
Sendo o ato tributário um ato abrasivo de administração, na medida em que atinge o património do cidadão, a título unilateral e não sancionatório, é evidente que as exigências densificadas na LGT têm de ser analisadas, essencialmente, na perspetiva de possibilitarem ao administrado a aceitação ou a impugnação do ato. Todavia, a possibilidade de intelecção dos fundamentos do ato tributário, e consequentemente da capacidade significante do discurso fundamentador, não é a mesma em todas as situações em que os mesmos são praticados.
No caso dos atos praticados em massa, o esclarecimento não deixa de ser, também, uma resultante das próprias relações que os cidadãos estabelecem entre si na sociedade, da intervenção dos media e da frequência com que esses atos acontecem.
Daí que o discurso fundamentador para poder ser entendido não careça de especial densidade significante.
Por outro lado, também no caso dos atos tributários cuja prolação acontece após um “diálogo” estabelecido anteriormente com o administrado, nomeadamente através da sua notificação para apresentação de documentos ou prestação de informações ou, ainda, da sua audição sobre os relatórios efetuados nos procedimentos de inspeção tributária à sua concreta atividade, a possibilidade de apreensão dos fundamentos do ato aumenta e, consequentemente, diminui a exigência de espessura da sua declaração formal.
A jurisprudência administrativa e fiscal, que nos dispensamos de citar, dado ser imensa, tem traduzido esta ideia na afirmação de que o ato se considera suficientemente fundamentado quando permite dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela administração para decidir nos termos que decidiu.
De acentuar, também, por pertinente, que o dever de fundamentação contende com a formação do próprio ato, está associado temporalmente à formação da decisão administrativa – daí que seja uma exigência relativa à forma do ato - e não tem nada a ver com o eventual défice da sua comunicação ou notificação ao interessado."
Ora, admitindo este entendimento, compulsados os autos, verificamos pela leitura da reclamação graciosa bem como pela leitura do documento do qual resulta o exercício do direito de audição prévia em sede de revisão oficiosa ser de concluir ter o requerente conhecimento do iter cognoscitivo e valorativo seguido pela administração. Em ambos os documentos se extrai a discussão sobre a retenção na fonte dos rendimentos de capitais bem como a discussão sobre as mais valias. Discussão esta que em sede de PPA o requerente veio pugnar.
Posto isto, o requerente compreendeu bem as razões que levaram a AT a proferir o ato de liquidação ora em discussão. Apenas não se conforma com elas.
Sendo assim, decide este Tribunal pela improcedência do alegado vício de falta de fundamentação não dando, nesta parte, razão ao requerente.
ii) Da tributação dos rendimentos de capitais
Quanto a este ponto, refere o requerente que os rendimentos ora em análise não teriam de ser declarados mediante a apresentação da declaração modelo 3 de IRS, cabendo a tributação à entidade devedora, pois estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo. Além disso, defende que tais rendimentos foram, efetivamente, sujeitos a retenção na fonte, em cumprimento do art. 71.º, 1, a), CIRS. Mais menciona ser evidente que tal retenção operou conforme resulta do teor do documento 12, junto aos autos com o PPA, emitido pelo Novo Banco, com o título Declaração de movimentos de Registo/Depósito de valores mobiliários (artigo 125.º do Código do IR – CIRS e artigo 129.º do Código do IRC -CIRC)”. Daí laborara em erro a AT quando aplica o disposto no art. 72.º, CIRS.
Por sua vez, a AT pugna, como já resultava da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, que relativamente aos rendimentos de capitais mostram-se devidamente tributados pois não tendo sido sujeitos a tributação através de retenção na fonte a título definitivo, estão a ser corretamente tributados nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 72.º, CIRS.
Mais refere que o citado documento 12 respeita a uma declaração emitida em março de 2016 pela entidade bancária Novo Banco, onde identifica o resgate de unidades de participação no ano controvertido. Porém, os rendimentos oficiosamente considerados na mod. 3/anexo E, num total de €10.679,62, correspondem a dividendos e juros ou rendimentos de aplicação de capitais que a entidade declarante, no caso o banco BPI, SA, veio declarar por via da apresentação da mod. 30 à AT e de onde explicitamente decorre que naquelas operações a sujeição à taxa de tributação a titulo definitivo não foi concretizada, ao contrário de outros valores igualmente identificados nesse modelo declarativo que os serviços não fizeram constar da declaração oficiosa. Daí não assistir razão ao requerente.
Vejamos.
Os rendimentos em causa são tributados em território nacional por força do disposto no art. 13.º, CIRS, porquanto o requerente, embora não resida em território português, obteve rendimentos que se consideram obtidos em território português.
Por sua vez, nos termos do art. 18.º, CIRS, são tributados os rendimentos obtidos em território português, inclusive, por não residentes, nomeadamente, os rendimentos de aplicação de capitais devidos por entidades que nele (em território português) tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento.
Os referidos rendimentos de capitais estão sujeitos a retenção na fonte de IRS à taxa de 28%, sempre que os mesmos sejam obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenho sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, nos termos dos artigos 71.º, 1, a), 101.º, ambos do CIRS.
Conforme estabelece o art. 34.º, LGT, a retenção na fonte é a entrega pecuniária efetuada por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição pelo substituto tributário. Ocorre substituição quando a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (art. 20.º, LGT).
Nos termos do art. 21.º, CIRS, «Quando, através de substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respetivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º».
Este art. 103.º, CIRS, na redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, com início de vigência a 1 de janeiro de 2015, portanto, em vigor à data, determina a responsabilidade do substituído e do substituto em caso de anomalia no mecanismo de substituição tributária, em termos similares às regras gerais previstas no artigo 28.º, LGT.
No n.º 1 estabelece que em caso de substituição tributária, é aplicável o art. 28.º da LGT, sem prejuízo do disposto no previsto e aditado n.º 4.
Com efeito, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, aditou este n.º 4 determinando que tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido.
Determina por sua vez o art. 28.º, LGT, que em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.
Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente o foram.
A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal, de acordo com o disposto no art. 23.º, 1, LGT, sendo que (n.º 2 do citado preceito) a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
Perante este enquadramento, vejamos então.
O BPI enquanto substituto tributário e intermediária do pagamento de rendimentos de capitais aos seus clientes, encontrava-se obrigado a proceder à retenção na fonte de IRS à taxa de 28% sobre os respetivos montantes, sempre que os mesmos sejam pagos a não residentes, para efeitos fiscais, em território nacional, em conformidade com o princípio da territorialidade vertido no artigo 18.º, CIRS.
Com efeito, os rendimentos de capitais pagos pela BPI aos seus clientes não residentes em território nacional encontravam-se sujeitos a retenção de IRS, preenchidos determinados requisitos que, para os presentes autos, não relevam.
Ora, resulta da matéria dada como provada que os rendimentos da categoria E do requerente aqui em apreciação foram sujeitos a retenção na fonte, embora à taxa de 0,%. Com efeito, no ponto F da matéria dada como provada consta a informação que o BPI disponibilizou à AT da qual resulta que os pagamentos o foram com retenção na fonte à taxa 0%.
Para ir mais além, e como lhe competia, com relação a saber que rendimentos estão ou não sujeitos a retenção na fonte, carecia o requerente de provar com relação aos rendimentos que obteve, quais são dividendos de capital e quais são reembolso de capital para depois demonstrar que os primeiros estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, mas os segundos já não estão.
Portanto, resulta dos factos provados bem como as partes aceitam ter existido rendimento correspondente a dividendos no total de €1.038,60. O dissidio centra-se antes em ter ou não o BPI efetuado a retenção na fonte a título definitivo desses rendimentos. O SP alega quem sim, A AT alega que não. Demos como provado que o banco BPI contabilizou a retenção na fonte dos rendimentos identificados, mas fê-lo à taxa 0,00% do qual resultou €0,00 a título de montante de imposto retido.
Sendo assim, a responsabilidade pelo pagamento do imposto por parte do ora requerente é, in casu, subsidiária, por força do disposto no art. 28.º, 3, LGT, e 103.º, 4, a contrario.
Portanto, a AT deveria ter diligenciado em primeiro lugar pela cobrança do imposto em causa junto do substituto e, não, do substituído, pois só o pode fazer em sede de reversão após concluir, processualmente, pela fundada insuficiência dos bens penhoráveis do responsável, o que não se verificou.
A AT ainda considera estes rendimentos, que demos como provados como sendo um total de €1.038,60, deveriam ser tributados ao requerente nos termos do art. 72.º, 1, b), CIRS.
Positiva o citado preceito, na versão do CIRS em vigor à data dos factos, sob a epígrafe
"Taxas especiais": "1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %: (...) b) Outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias."
A questão passa por saber se esta alínea b) do n.º 1 do art. 72.º, CIRS, é ou não de aplicar ao caso concreto. Pensamos que não. O argumento literal exige que a subsunção desde preceito se dê relativamente a factos tributários que não se encontrem, de per si, sujeitos a retenção na fonte a taxa liberatório. Ora, vimos que os rendimentos objeto do presente PPA, efetivamente, encontram-se sujeitos ao regime da retenção na fonte à taxa liberatória — cf. art. 71.º, 1, a), CIRS. Portanto, não é de aplicar, contrariamente ao defendido pela AT, o regime previsto no art. 72.º, 1, b), CIRS.
Sendo assim, por erro nos pressupostos de facto e de direito, se julga, procedente o pedido do requerente e, consequentemente, nesta parte, ilegal o ato de liquidação.
iii) Da tributação de rendimentos de mais-valias
Em primeira linha, argumenta o requerente que a tributação sobre as mais-valias é ilegal, pois, sendo não residente fiscal em Portugal, apenas deve ser tributado pelos rendimentos obtidos no país, conforme o artigo 15.º, 2, CIRS. Além disso, segundo o art. 18.º, 1, i), CIRS, apenas são consideradas obtidas em Portugal as mais-valias de valores mobiliários de entidades com sede ou direção efetiva no país, o que não é o caso, pois o valor de € 35.070,00 considerado pela AT como mais-valia tributável diz respeito à alienação de obrigações emitidas pela B..., empresa multinacional com sede em Düsseldorf, Alemanha.
Em segunda linha, esgrima ter sido de € 35.000,00 o valor de aquisição das mencionadas obrigações e ter sido de €35.070,00 o valor de realização, tendo ainda pago € 91,19 de encargos. Consequentemente, existe uma menos-valia de € 34.978,81
Por sua vez, a AT, defendendo, inicialmente, a tributação de mais valias mobiliárias por ter ocorrido por parte do requerente uma alienação pelo valor de €35.070,00, reconhece que importa também considerar, para esses efeitos, o valor de aquisição e, consequentemente, o correspondente diferencial. Mais, admite parece ser de atender ao pedido do Requerente no que a esta matéria em concreto diz respeito.
Ora, com efeito, determina o art. 10.º, 1 , b), CIRS, constituírem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários.
Por sua vez, positiva o art. 43.º, idem, ser o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias "o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes".
Pela simplicidade da questão, sem mais delongas, obviamente que ocorre uma menos valia e não uma mais valia, sendo que só estas últimas são tributadas, por força do disposto do citado art. 10.º, 1, b, CIRS.
Nesta parte, assiste, portanto, razão ao requerente quando refere que nada é devido a título de imposto com relação à operação de alienação das obrigações já melhor identificadas.
Fica prejudicada a necessidade de apreciar se, existindo mais valias, elas deveriam ser ou não tributadas quando o SP é um não residente e/ou quando a entidade emitente não tem sede ou direção efetiva em território português.
iv) Do indeferimento do pedido de revisão oficiosa
Na sequência de pedido de revisão oficiosa por parte do SP, a AT veio indeferir o requerido com o fundamento de não se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos no art. 78.º, LGT, porquanto "não se verifica qualquer erro que possa ser imputável aos serviços, porquanto, a liquidação oficiosa em causa foi efetuada em consonância com a lei, resultante a mesma de comportamento negligente por parte do requerente, pelo facto de não ter cumprido com a obrigação declarativa que lhe era imposta.”
Insurgindo-se, veio o requerente defender a procedência de tal pedido, pois a revisão pode ser espoletada por iniciativa do contribuinte com base no "entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que “(…) embora o art. 78.º da LGT, no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte” — Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, p. 705.
Mais refere abranger o conceito de “erro imputável aos serviços” qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à, neste caso, requerida, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando prejuízo efetivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte dai derivando o seu carácter essencial. E cita, a titulo de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo 01007/11, datado de 14 de Março de 2012, onde se decidiu que “(…) o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro.” (destacado do requerente).
Com efeito, o art. 78.º, 3, LGT esclarece que o “erro imputável aos serviços” é tanto o erro de facto como o erro de direito.
De acordo com a jurisprudência constante: “E embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetado pelo erro”, in Acórdão do STA, de 06.02.2013, proferido no processo n.º 0839/11 e outros bem referidos na decisão do CAAD 640/2022-T.
Nesta fase, já este tribunal concluiu pela ilegalidade do ato tributário, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conforme melhor explanado supra.
Como se concluiu, a AT não apreciou devidamente a factologia que lhe foi levada pelo BPI, nomeadamente, no decurso das obrigações acessórias que sobre este recai enquanto entidade intermediária e custodiante de valores mobiliários titulados pelo ora requerente.
Assim, há de facto erro imputável aos serviços que pode servir de base à revisão no prazo previsto no art 78.º, 1, LGT, e isso mesmo foi alegado pela Requerente, pelo que deveria ter a AT dado provimento ao requerido. Consequentemente, deve ser anulado o ato de indeferimento da revisão oficiosa requerida, por ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
*
Nos termos do n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 29.º do RJAT, o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos das partes, quando a decisão esteja prejudicada pelo já decidido, o que no presente processo se traduz na decisão proferida de ilegalidade da liquidação nos termos expostos, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de outras questões carreadas para os autos.
* * *
IV — DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) julgar improcedente a exceção invocada e procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa bem como o ato de liquidação respeitante ao período tributário de 2015, já melhor identificado, e respetivos juros compensatórios, com as legais consequências;
b) Condenar a requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
V — Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 15.521,99, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI — Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, 4, RJAT.
Notifique-se.
Bom Sucesso,
[1]14 de março de 2025
O Árbitro Singular
(Ricardo Marques Candeias)
[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-03-18.