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SUMÁRIO:
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O artigo 110.º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares.
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O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se no sentido de que, sem prejuízo de o critério de desvalorização fixado no artigo 11.º do Código do ISV não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.
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O Supremo Tribunal Administrativo entende, com base na jurisprudência do TJUE, que a avaliação da conformidade do imposto será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes.
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O ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro do Tribunal Singular Cristina Aragão Seia, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 11.10.2024, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
A..., LDA, doravante designada por “Requerente”, número de identificação fiscal..., com sede na ..., nº..., ..., no Porto, tendo sido notificada do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (“ISV”), decorrente da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) nº 2024/..., de 03/07/2024, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira da Alfândega da Figueira da Foz (Doc. 1 junto com o pedido de constituição de tribunal arbitral), apresentou, em 22.08.2024, pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), 10.º e 2.º n.º 1 alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
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A Requerente pretende a anulação parcial da liquidação de ISV impugnada, por forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV para a componente cilindrada à componente ambiental, e reembolso da quantia de € 2.656,59, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.
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Invoca, em sede material, que a liquidação se encontra parcialmente ferida de vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, visto a AT, no cálculo do ISV devido pela admissão de veículos (i.e. entrada em território nacional de veículos originários ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia) não ter contemplado a mesma dedução (dada à componente cilindrada) correspondente ao número de anos de uso dos veículos à componente ambiental, o que está em desconformidade com o artigo 110º.º do TFUE que dispõe que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos de outros EM, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
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De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitra singular do Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 29.10.2024 conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
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Notificada para o efeito, em 29.11.2024 a Requerida apresentou Resposta e juntou o respetivo processo administrativo (“PA”) tendo-se defendido por impugnação.
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Por despacho de 06.01.2025 foram notificadas Requerente e Requerida:
- de que, em conformidade com as alíneas a) e b) do artigo 16.º, e a alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, na medida em que não existem testemunhas a inquirir e porque o cumprimento do princípio do contraditório poderá ser mais bem assegurado por escrito, dispensa-se a reunião prevista nesse artigo 18.º;
- para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias simultâneos.
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Em face do exposto, importa delimitar as questões a decidir:
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Saber se a liquidação de ISV em causa está ferida de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental do ISV, quando este não contempla a mesma dedução correspondente ao número de anos de uso dos veículos dada à componente cilindrada, em violação do artigo 110º.º do TFUE; e,
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Direito da Requerente aos juros indemnizatórios.
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SANEAMENTO
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O Tribunal é competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, para avaliar a ilegalidade dos atos tributários que violem as disposições dos tratados que regem a União Europeia tal como o TFUE, disposições estas que vinculam Portugal e são aplicáveis na ordem interna nacional, conforme dispõe o artigo 8.º n.s. º 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
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O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
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MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
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Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que o Tribunal julga provados:
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A Requerente é uma pessoa singular que titula como adquirente/proprietária da Declaração Aduaneira de Veículo “DAV” nº 2024/... apresentada através de transmissão eletrónica, 03.07.2024, para introdução no consumo em Portugal do veículo ligeiros de passageiros, usado, da marca FERRARI, modelo F 164, com 3855 cc de cilindrada, com chassi n.º ... e portador da matrícula registada na Alemanha sob o n.º ..., com a matrícula definitiva ... .(Doc. 1 junto com o pedido de constituição de tribunal arbitral).
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Foi apurado nessa DAV o valor € 24.199,06 de ISV, tendo em conta as componentes de cilindrada e ambiental do respetivo imposto.
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Do valor de ISV apurado, € 15.431,67 correspondem à componente cilindrada, e € 17.710,59 à componente ambiental, sendo que, relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido pela quantia correspondente a 35% do seu montante, ou seja € 5.401,08, por força da redução resultante do número de anos de uso do veículo e relativamente à componente ambiental foi reduzida apenas em 20% conforme a DAV junta com o PPA.
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O cálculo do ISV em causa considerou, na componente “Redução de Anos de Uso”, para a componente cilindrada, percentagens maiores de dedução do que na componente ambiental, i.e. entre 52% a 80% para a componente cilindrada e entre 28% e 75% para a componente ambiental.
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Foi pago pela Requerente o ISV no valor de € 24.199,06.
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A Requerente apresentou o PPA no dia 22.08.2024.
B. Factos não provados
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Não foi feita prova da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.
C. Fundamentação da decisão da matéria de facto
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
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DO DIREITO E DO MÉRITO
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As normas em causa (em vigor à data da liquidação aqui em apreço, i.e., na esteira do vertido na decisão proferida no proc. 54/2024-T, que aqui acompanhamos na integra (com as necessárias adaptações) são as seguintes:
Direito Nacional
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Código do ISV
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Artigo 5.º
Facto Gerador
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1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.
(…)
3 - Para efeitos do presente código entende-se por:
(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de junho)
a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;
(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de junho) (…)
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Artigo 6.º
Exigibilidade
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1 - Nos casos mencionados no n.º 1 do artigo anterior, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:
(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de junho)
a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;
(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de junho)
b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.
(Redação dada pelo DL 53/2017, de 31 de maio)
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Artigo 7.º
Taxas normais – automóveis
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1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:
(Redação dada pela L 64-B/2011, de 30 de dezembro)
a) Aos automóveis de passageiros;
(Redação dada pela L 64-B/2011, de 30 de dezembro)
b) Aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.
(Redação dada pela L 64-B/2011, de 30 de dezembro)
TABELA A
Componente cilindrada
Escalão de Cilindrada
(em centímetros cúbicos)
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Taxas por centímetros cúbicos
(em euros)
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Parcela a Abater
(em euros)
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Até 1000
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0,99
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769,80
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Entre 1001 e 1250
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1,07
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771,31
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Mais de 1250
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5,08
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5 616,80
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(Redação dada pela L 2/2020, de 31 de março)
Componente ambiental
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (New European Driving Cycle – NEDC)
Veículos a Gasolina
Escalão de CO2
(em gramas por quilómetro)
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Taxas
(em euros)
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Parcela a abater
(em euros)
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Até 99
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4,19
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387,16
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De 100 a 115
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7,33
|
680,91
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De 116 a 145
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47,65
|
5 353,01
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De 146 a 175
|
55,52
|
6 473,88
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De 176 a 195
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141,42
|
21 422,47
|
Mais de 195
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186,47
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30 274,29
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(Redação dada pela L 2/2020, de 31 de março)
Veículos a Gasóleo
Escalão de CO2
(em gramas por quilómetro)
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Taxas
(em euros)
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Parcela a abater
(em euros)
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Até 79
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5,24
|
398,07
|
De 80 a 95
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21,26
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1 676,08
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De 96 a 120
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71,83
|
6 524,16
|
De 121 a 140
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159,33
|
17 158,92
|
De 141 a 160
|
177,19
|
19 694,01
|
Mais de 160
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243,38
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30 326,67
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(Redação dada pela L 2/2020, de 31 de março)
Componente ambiental
Aplicável a veículos com emissões de CO2 resultantes dos testes realizados ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP)
Veículos a Gasolina
Escalão de CO2
(em gramas por quilómetro)
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Taxas
(em euros)
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Parcela a abater
(em euros)
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Até 110
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0,40
|
39,00
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De 111 a 115
|
1,00
|
105,00
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De 116 a 120
|
1,25
|
134,00
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De 121 a 130
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4,78
|
561,40
|
De 131 a 145
|
5,79
|
691,55
|
De 146 a 175
|
37,66
|
5 276,50
|
De 176 a 195
|
46,58
|
6 571,10
|
De 196 a 235
|
175,00
|
31 000,00
|
Mais de 235
|
212,00
|
38 000,00
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(Redação dada pela L 2/2020, de 31 de março)
Veículos a Gasóleo
Escalão de CO2
(em gramas por quilómetro)
|
Taxas
(em euros)
|
Parcela a abater
(em euros)
|
Até 110
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1,56
|
10,43
|
De 111 a 120
|
17,20
|
1 728,32
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De 121 a 140
|
58,97
|
6 673,96
|
De 141 a 150
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115,50
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14 580,00
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De 151 a 160
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145,80
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19 200,00
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De 161 a 170
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201,00
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26 500,00
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De 171 a 190
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248,50
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33 536,42
|
Mais de 190
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256,00
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34 700,00
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(Redação dada pela L 2/2020, de 31 de março)
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Artigo 11.º
Taxas - veículos usados
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Artigo 11.º
Taxas - veículos usados
1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
(Redação dada pela L 75-B/2020, de 31 de dezembro)
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
(Redação inicial da L 22-A/2007, de 29 de Junho)
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Direito da União Europeia
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Tratado de Funcionamento da União Europeia
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DISPOSIÇÕES FISCAIS
Artigo 110.º (ex-artigo 90.o TCE)
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Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados- -Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.
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O AMBIENTE Artigo 191.º
(ex-artigo 174.o TCE)
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1. A política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objectivos: — a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente, — a protecção da saúde das pessoas, — a utilização prudente e racional dos recursos naturais, — a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas.
2. A política da União no domínio do ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.
Neste contexto, as medidas de harmonização destinadas a satisfazer exigências em matéria de protecção do ambiente incluirão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões ambientais não económicas, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União.
3. Na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a União terá em conta: — os dados científicos e técnicos disponíveis, — as condições do ambiente nas diversas regiões da União, — as vantagens e os encargos que podem resultar da actuação ou da ausência de autuação, — o desenvolvimento económico e social da União no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões.
(…)
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Os fundamentos da Requerente quanto à ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV
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A Requerente alega que:
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A norma jurídica que esteve na base da liquidação em crise nos presentes autos – o art. 11º do CISV - viola o art. 110º TFUE, conforme acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia (proc. C-200/15), porquanto permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo, onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
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Embora com a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV o Estado Português tenha reconhecido a aplicação de uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal, oriundos de outros Estados Membros, no que diz respeito à componente ambiental do ISV, as percentagens de redução devem ser iguais para as duas componentes, cilindrada e ambiental.
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A tabela criada para a componente ambiental do imposto, por prever uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada, não impede que a discriminação negativa daqueles veículos se mantenha, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até 31 de dezembro de 2020, entendendo que a violação do artigo 110.º do TFUE se mantém.
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Pelo que, a liquidação de ISV supra referida, ao não aplicar a redução de anos de uso à componente ambiental, está ferida de flagrante ilegalidade, pelo que deve a mesma ser anulada parcialmente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da desconsideração da redução do imposto correspondente à componente ambiental do ISV e, consequentemente ser restituído ao Requerente o montante indevidamente cobrado, e que se computa € 2 656,59 (dois mil seiscentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, valor correspondente à dedução de 35% na componente ambiental.
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Este tem sido o entendimento unânime da jurisprudência, designadamente decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (Proc. nº 350-2019-T, 459/2019-T ou 352/2022-T).
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Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade dos atos de liquidação de ISV
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A Requerida alega que:
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não pode ser imputado ao ato de liquidação em crise qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do TFUE, por não ter sido aplicada a redução de anos de uso à componente ambiental na medida em que a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º já prevê na Tabela D percentagens de redução para a componente ambiental;
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o aludido ato de liquidação foi praticado tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho, e a AT não pode deixar de aplicar normas com base num “julgamento” de alegada desconformidade com o direito comunitário;
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o princípio constitucional da legalidade que entre nós vigora, exige que os impostos e os seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes) têm obrigatoriamente de ser criados por lei [nº 2 do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP)];
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por outro lado, por força do disposto no nº 2 do at.º 266º da CRP, a atuação da AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, prevista no art.º 8º da LGT, o que determina a sua vinculação à lei, isto é, a AT não pode contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes, pelo que, este princípio deve ser entendido em sentido proibitivo ou negativo, pois são proscritas atuações administrativas que contrariem a lei;
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sendo o CISV a lei que determina incidência do ISV, e considerando que o ato tributário de liquidação visado, foi praticado ao abrigo do art.º 11º desse Código, a AT não podia contrariar ou desobedecer às disposições legais nele ínsitas;
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não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária, relativamente à nova redação do mencionado art.º 11º, a AT uma vez vinculada ao princípio da legalidade, terá de proceder à tributação dos veículos usados de acordo com a legislação atualmente em vigor e que se encontra vertida no CISV;
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o legislador nacional optou por aplicar percentagens de redução de ISV diferenciadas à componente cilindrada e à componente ambiental, na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados Membros da União;
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como se afirma na Proposta de Lei do OE para 2021, «(…) que se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, prevê-se, à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal»;
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na sua decisão, o TJUE não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, o que sucedeu mediante a alteração ao nº 1 do art.º 11º do CISV, na nova redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro;
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a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, do CISV, dada pelo art.º 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro, já incorpora o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu e já reflete a doutrina que resulta do acórdão do TJUE de 2 de setembro de 2021, no Processo C-169/20, porquanto já prevê na Tabela D, à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiam de um desconto sobre a componente ambiental do ISV.
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No sentido pugnado, já foram proferidas decisões nos processos do CAAD nºs 350-2021-T, 209/2021-T, 349/2022-T.
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Concluindo, assim, que a liquidação de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.
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Por fim, a Requerida juntou ao processo o Acórdão proferido no Processo n.º 25/23.8BALSB do Supremo Tribunal Administrativo em 24.04.2024, do qual decorre que:
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O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se acerca da conformidade com o Tratado de Funcionamento da União do artigo 11.º do Código do ISV na alteração legislativa de 2020 do artigo 11.º do CISV, pelo Processo C-399/23 (Ósoquim), de 6 de fevereiro de 2024, devendo decidir-se em conformidade com esta decisão.
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Entendeu o Tribunal de Justiça da União pronunciar-se no sentido de que, sem prejuízo de o critério de desvalorização fixado no artigo 11.º do Código do ISV não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.
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A avaliação da conformidade do imposto será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras do daquele Tribunal, o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”.
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Assim sendo, a determinação da conformidade ou não da legislação aqui em causa com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras do Tribunal de Justiça da União, por “determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.”
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Esta comparação pressupõe matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.
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Concluindo, assim, que a liquidação de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.
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Apreciação
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O presente pedido de pronúncia arbitral tem por questão essencial saber se o ato de liquidação de ISV aqui em causa está ferido de ilegalidade por ter na sua base um cálculo de ISV que viola o disposto no artigo 110.º do TFUE.
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O artigo 110.º do TFUE dispõe que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos de outros EM, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
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Neste âmbito, há que reconhecer a jurisprudência do STA nesta matéria que implica uma revisão da interpretação que vinha a ser adotada sobre a avaliação da desconformidade do artigo 11.º do CISV com o direito europeu.
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Com efeito, o STA é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, com competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Tem jurisdição em todo o território nacional.
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Ora nesta sede, são já diversas as decisões do STA que, tal como a decisão do STA invocada pela Requerida (Processo n.º 25/23.8BALSB), indicam que a avaliação da conformidade do artigo 11.º do Código do ISV com o direito europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
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Neste sentido estão os Acórdãos do STA n.º 018/24.8BALSB,
080/23.0BALSB, 084/22.0BALSB, 0191/23.2BALSB, 071/23.1BALSB e 0184/23.0BALSB (posteriores ao Processo n.º 25/23.8BALSB).
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Decorre do teor dos acórdãos do STA que esta avaliação depende de matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização (veículos usados nacionais vs veículos usados de outro EM considerando as vertentes componente ambiental vs componente cilindrada), mas compare os efeitos dos distintos regimes de desvalorização com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar a existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.
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De acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar.
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O princípio do ónus da prova e as regras da sua distribuição correspondem a questão e a critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide, e em função da pretensão e da posição das partes na relação material dela objeto. Se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que invoca.
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Decorre do regime constante do artigo 100.º do CPPT que a falta de prova é valorada contra a Parte sobre que recai o ónus de prova.
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Improcede assim o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV impugnada, por forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do CISV para a componente cilindrada à componente ambiental, e, em consequência improcede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e de reembolso de imposto.
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DECISÃO
De harmonia com o exposto este Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV em crise e, em consequência:
- julgar improcedente o pedido de reembolso do imposto pago e respetivos juros indemnizatórios à taxa legal;
- condenar a Requerente nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
fixa-se ao processo o valor de € 2.656,59.
VII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 3 de Abril de 2025
O Árbitro,
Cristina Aragão Seia
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