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SUMÁRIO
O Estado Português, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos Organismos de Investimento Colectivo estabelecidos em Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Colectivo estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola o artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A..., com o n.º de contribuinte português..., B..., com o n.º..., C..., com o n.º..., D..., com o n.º..., E..., com o n.º ... e F..., com o n.º..., Organismos de Investimento Colectivo (“OICs”) constituídos ao brigo da lei alemã (doravante “Requerentes”), aqui representados pela sua sociedade gestora G... GmbH, apresentaram, no dia 9 de Agosto de 2024, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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Os Requerentes pediram a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente aos actos de retenção na fonte de IRC referentes aos anos de 2020 e 2021, que incidiram sobre os dividendos por eles auferidos em território nacional, no montante total de € 672.405,15, tendo por objecto mediato a anulação, nos termos dos arts. 3.º, 1 do RJAT e 99.º, a) do CPPT, das referidas liquidações, peticionando a restituição do imposto indevidamente retido, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 21 de Outubro de 2024.
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Por Despacho de 22 de Outubro de 2024, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
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A AT apresentou a sua Resposta em 27 de Novembro de 2024.
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Por Despacho de 3 de Dezembro de 2024, foi solicitado aos Requerentes que se pronunciassem sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta, o que os Requerentes fizeram, por requerimento de 17 de Dezembro de 2024.
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Por Despacho de 23 de Dezembro de 2024, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e convidadas as partes a apresentar alegações escritas.
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Somente os Requerentes apresentaram alegações, em 13 de Janeiro de 2025.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objecto do processo.
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e os Requerentes juntaram procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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Os Requerentes são OICs em valores mobiliários (“OICVMs”, ou “UCITS”, “Undertakings for the Collective Investment in Transferable Securities”), com sede e direcção efectiva na Alemanha, constituídos sob a forma contratual ao abrigo do direito alemão que transpõe a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que regula a actividade dos OIC, cumprindo na Alemanha, pois, exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a mesma Directiva 2009/65/CE.
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Pela mesma razão, o conceito de OICVM é o mesmo em Portugal e na Alemanha: organismos dedicados exclusivamente ao investimento colectivo de capitais obtidos junto do público em valores mobiliários ou noutros activos financeiros líquidos referidos no art. 50.º, 1 da Directiva, e cujo funcionamento seja sujeito ao princípio da repartição de riscos; e organismos cujas unidades de participação sejam, a pedido dos seus detentores, readquiridas ou reembolsadas pelos activos desses organismos, equiparando-se a essas reaquisições ou reembolsos a circunstância de um OICVM procurar evitar que o valor das suas unidades de participação na bolsa não se afaste sensivelmente do seu valor patrimonial líquido.
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Os Requerentes são geridos pela sociedade G... GmbH, igualmente residente na Alemanha.
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Os Requerentes detiveram acções representativas do capital social de algumas empresas nacionais e residentes em Portugal, como por exemplo a H... e a I... .
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A custódia de tais acções foi sempre confiada à instituição financeira J..., residente para efeitos fiscais na Alemanha.
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Aquela entidade custodiante subcontratou a entidade registadora ou depositária em Portugal, o K..., com a responsabilidade de efectuar a retenção na fonte em sede de IRC.
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Em 2020 e 2021, os Requerentes auferiram dividendos distribuídos por sociedades residentes em território português, especificamente pela I... e pela H..., os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, à taxa de 35%, nos seguintes termos:
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O imposto retido foi entregue pelo substituto tributário, em 20 de Junho de 2020 e em 20 de Maio de 2021.
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Os Requerentes apresentaram reclamações graciosas para apreciação da legalidade dos referidos actos de retenção na fonte de IRC, solicitando a anulação dos actos por vício de ilegalidade decorrente de violação directa do Direito da União, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal – assente no entendimento sustentado pelo TJUE (em acórdão proferido em 17 de Março de 2022, Proc. n.º C-545/19, AllianzGI-Fonds AEVN) de que o Estado Português, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola o artigo 63.º do TFUE.
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Todos os Requerentes foram notificados da decisão de indeferimento expresso das reclamações graciosas – indeferimentos datados de 15 de Março, 10 de Maio, 13 de Maio e 16 de Maio de 2024, e fundamentados na inaplicabilidade, a OICs não-residentes, do regime previsto no art. 22º, 1, 3 e 10 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).
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A 9 de Agosto de 2024, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria não-provada
Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar o facto invocado pela Requerida como “questão prévia” da sua resposta, de que os valores declarados na Modelo 30 pelo substituto tributário, referentes ao dividendos distribuídos em 14/05/2020 à entidade B..., seriam inferiores ao valor indicado no pedido de pronúncia arbitral (“OS VALORES DECLARADOS PELO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO ASCENDEM A € 345.369,84 DE RENDIMENTO E €120.879,44 DE RETENÇÃO DE IRC E NÃO €399.000,00 DE RENDIMENTO E 139.650,00 DE RETENÇÃO DE IRC PETICIONADA”).
Não tendo sido junta aos autos a referida declaração Modelo 30, não está provada a aludida discrepância de valores.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos e nos documentos juntos ao PPA.
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Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Além do que precede, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
II. D. Especificamente sobre a ausência de impugnação especificada, e sobre a falta de junção do Processo Administrativo
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A Requerida não juntou aos autos o Processo Administrativo, mas isso não tem como consequência dar-se como provada toda a matéria de facto comprovada pelos Requerentes, como estes pretendem.
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Isto porque a Requerida está exonerada do ónus de impugnação especificada, não se lhe aplicando o princípio geral do art. 574.º do CPC, visto que o art. 110.º, 6 e 7 do CPPT impede que ao silêncio da Administração Tributária seja conferido o efeito de uma confissão: e isto porque, no âmbito do processo tributário, o referido preceito do CPPT constitui norma especial face ao art. 574.º do CPC; e deste modo, de acordo com o princípio lex specialis derogat legi generali, aplica-se o CPPT.
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Dispõe o n.º 6 do art. 110.º do CPPT que “A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante”; e o n.º 7 dispõe que “O juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos”. Ou seja, a Requerida não tem o ónus de contestar, nem de contestação especificada dos factos, não se tendo por confessados, na ausência de contestação especificada, os factos alegados pelos Requerentes.
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Deste modo, da não impugnação não decorre qualquer necessidade de distribuição dos factos invocados do lado da matéria provada ou não-provada, deixando à livre apreciação do juíz essa distribuição: pelo que um facto não-impugnado pode, mesmo assim, vir a ser considerado como não provado. Ou seja, a não contestação de factos não importa, tout court, a sua admissão por acordo, pelo que improcede o invocado pelos Requerentes.
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Pelas razões já aduzidas, este tribunal já fixou a matéria de facto dada como provada ou como não-provada, considerando que a documentação junta ao pedido de pronúncia já é bastante para darmos por provada matéria de facto suficiente para fundamentar a decisão – razão pela qual se entendeu não ser sequer necessário recorrer à faculdade prevista no n.º 5 do art. 110.º do CPPT.
III. Sobre o Mérito da Causa
III. A. Posição dos Requerentes
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Os Requerentes começam por assinalar que os indeferimentos das reclamações graciosas se centraram exclusivamente na questão da inaplicabilidade da norma e do regime legal vertidos no art. 22.º do EBF, alegando a Requerida não lhe caber invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável – e por isso mantendo a sua posição, que assenta na vigência dos n.os 1, 2, 3 e 10 desse art. 22.º – vigência que, além do mais, a AT entende ser justificada em termos de se privilegiar a residência fiscal em Portugal, incentivando os OIC a operarem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado: o que não é o caso dos ora Requerentes.
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Os Requerentes lembram que o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro, procedeu à reforma do regime de tributação dos OIC, alterando o art. 22.º do EBF, e aditando o atual artigo 22.º-A do mesmo diploma. No art. 22.º, 3 encontra-se previsto, no âmbito dos benefícios fiscais ao sistema financeiro e mercado de capitais, um regime especial de tributação, aplicável aos OIC, o qual, na redacção que lhe foi conferida pelo referido Decreto-Lei n.º 7/2015 e pela Lei n.º 42/2016, prevê que os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e as mais-valias, tal como eles se encontram definidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, não sejam considerados no apuramento do lucro tributável dos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional; além de ser prevista, no art. 22.º, 6, uma isenção do pagamento das derramas municipal e estadual, por parte destas entidades.
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Buscou-se, com o Decreto-Lei n.º 7/2015, a reformulação do regime de tributação dos OIC, materializada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, no sentido de se consagrar um “regime fiscal neutro, passando a tributação para a esfera dos investidores a uma taxa única” – ou seja, seguindo a tendência internacional, quis-se instituir um regime de tributação “à saída”, isentando de tributação os rendimentos obtidos pelos próprios OIC, embora sujeitando a imposto os rendimentos que sejam auferidos pelos respectivos investidores.
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Daqui resultou a possibilidade de estes veículos de investimento, se constituídos e a operar em conformidade com a legislação nacional (art. 22.º, 1), beneficiarem da exclusão, no apuramento do seu lucro tributável, dos rendimentos de capital, prediais e das mais-valias, o que parece, à partida, excluir do benefício as entidades que sejam não residentes e que não operem de acordo com a legislação portuguesa – ou seja, um regime mais favorável do que o regime geral de tributação em IRC (o das taxas gerais do art. 87.º do CIRC).
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Daqui decorreu a solução discriminatória, na medida em que o tratamento fiscal dos rendimentos obtidos por um OIC em território nacional passou a ser distinto em função da legislação ao abrigo da qual o mesmo tenha sido constituído e se encontre sujeito no seu funcionamento: se o OIC estiver constituído e se encontrar sujeito à legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, ou de país terceiro (não sendo, portanto, residente para efeitos fiscais), ele será, em princípio, tributado quanto a todos os rendimentos obtidos em território português, nos termos do art. 4.º, 2 e 3 do CIRC – tratando-se de dividendos recebidos de fonte portuguesa, através de retenção na fonte, nos termos do art. 94.º do CIRC.
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Especificamente quanto a dividendos distribuídos a OICs não residentes por entidades portuguesas:
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Se houver estabelecimento estável, é aplicável retenção na fonte de 25%, a qual poderá, no entanto, vir a ser deduzida ao imposto a pagar;
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Se não houver estabelecimento estável, as taxas de retenção na fonte aplicáveis poderão ser de 25% ou de 35%, embora possam verificar-se os pressupostos de isenção previstos na “Diretiva Mães e Filhas”.
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A discriminação entre OICs residentes e não-residentes é, no entanto, problemática, porque gera uma disfunção entre a legislação nacional e o direito da União Europeia. Lembrando os Requerentes que é hoje indiscutível, à luz da jurisprudência firmada pelo TJUE, que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem interpretar e aplicar as normas nacionais em conformidade com o direito da União Europeia, por força do princípio do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional.
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Não obstante não existir, na tributação directa, o grau de hermonização que ocorre na indirecta – por causa do IVA – o controlo do exercício da competência dos Estados-Membros em sede de fiscalidade directa tem sido assegurado pelo TJUE, por via da apreciação da compatibilidade das normas internas dos Estados-Membros, e da respectiva interpretação, por um lado com as liberdades económicas fundamentais plasmadas no TFUE, e por outro lado com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade ou da residência, consagrado no art. 18.º do mesmo Tratado.
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Não surpreende, por isso, que a discriminação entre OICs residentes e não-residentes se tenha tornado um tema importante na jurisprudência do TJUE, e até do Tribunal EFTA
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Tem predominado a ponderação da compatibilidade com duas liberdades económicas fundamentais: a liberdade de estabelecimento e a liberdade de circulação de capitais, consagradas, respectivamente, nos arts. 49.º e 63.º do TFUE e nos arts. 31.º e 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – tendo o TJUE assinalado consistentemente que, sendo o tratamento fiscal dos dividendos susceptível de estar abrangido por ambas as liberdades, a determinação da liberdade aplicável deve ter em conta o objecto da legislação nacional em causa.
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Sendo que uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos que não se aplique exclusivamente às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos, abarcando igualmente participações efectuadas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira (“investimentos de carteira”), sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa, deve ser apreciada à luz da liberdade de circulação de capitais, e não à luz da liberdade de estabelecimento.
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Ora, o nível de participação propiciado pelo investimento aos OICs é irrelevante para o regime do art. 22.º do EBF – o que reforça a conclusão de que a questão da compatibilidade do regime aí previsto com o direito da União Europeia deve ser examinada à luz da liberdade de circulação de capitais.
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Assim sendo, entendem os Requerentes que se segue que a discriminação entre OICs residentes e não-residentes é inadmissível, à luz do disposto no art. 63.º do TFUE, que consagra a liberdade de circulação de capitais, com o intuito de promover e preservar o objectivo de instituir uma zona de livre circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais, reforçando as relações comerciais e económicas e prevenindo as desigualdades – o que, por sua vez, deve traduzir-se na protecção que cada Estado-Membro deve dar à liberdade em causas, no exercício dos seus deveres de concretização e transposição interna das normas comunitárias.
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Por outro lado, os Requerentes argumentam que já não subsistem dúvidas de que a discriminação aludida tem efeitos concretos, e se traduz num tratamento fiscal mais gravoso das OICs que não sejam residentes em Portugal nem operem de acordo com a legislação nacional, em termos de, pelo menos, dissuadir, por um lado, os OICs estabelecidos num outro Estado-Membro ou num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas em Portugal; e, por outro, os investidores que residem em Portugal de adquirirem participações em fundos de investimento não-residentes – em ambos os casos, restrições à livre circulação de capitais.
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Não contendo o TFUE uma definição do conceito de “circulação de capitais”, a jurisprudência do TJUE tem vindo a preencher esse conceito, sempre no sentido de remoção e abolição de restrições em todas as situações, independentemente de estarem nelas envolvidos apenas Estados-Membros, ou serem situações que implicam também Estados terceiros, sendo as situações perfeitamente comparáveis nesse plano.
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Quanto à não-aplicação do regime do art. 22.º do EBF e sua articulação com a liberdade de circulação de capitais plasmada no art. 63.º do TFUE, os Requerentes invocam o entendimento que foi seguido pelo TJUE no acórdão AllianzGI‑ Fonds AEVN:
“33 Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 35 e 36).
34 Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura‑se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar‑ lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑ 480/16, EU:C:2018:480, n.º 37).
35 Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.º TFUE”.
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Reconhecendo o TJUE que resulta do art. 22.º do EBF um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, conclui ainda no acórdão AllianzGI‑ Fonds AEVN:
“39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida)”.
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Sublinham os Requerentes que a liberdade de circulação de capitais não é, em si mesmo, um princípio ou um direito absoluto, na medida em que cada Estado tem o poder de tributar e de estabelecer regras que estabeleçam privilégios ou regimes de tributação que possam ser subjectivamente mais favoráveis para determinadas entidades; só que, para não colidir com normas ou princípios comunitários, essa diferença de tratamento terá que ter necessariamente uma justificação, pois senão constituirá uma discriminação arbitrária. E insistem que resulta da jurisprudência que o que deverá ser realçado numa análise desta natureza é o efectivo impacto que uma eventual diferença de tratamento fiscal tem, ou pode ter, nas decisões que as entidades não residentes tomem, contendendo, por isso, com a circulação dos seus capitais, dos seus investimentos e da sua própria liberdade de estabelecimento – sendo que, do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos foram sujeitos à mesma tributação.
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Lembrando ainda que o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos não se deve confundir com o efeito indirceto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados, porque estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, pelo que é desnecessário avaliar a situação fiscal na perspectiva dos investidores, ou dos próprios beneficiários de qualquer entidade não-residente, para se aferir da concreta violação de liberdades – lembrando ainda que a presente acção não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição, para efeitos fiscais, dos referidos investidores.
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Pelo que se torna decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados de residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores.
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De facto, foi Portugal que optou por tributar, de forma menos favorável, todos os OIC que não se tenham constituído ao abrigo da legislação nacional, baseando-se apenas num critério: a residência.
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Embora o teor literal do art. 65.º, 1 do TFUE pareça conferir aos Estados-Membros ampla margem para fixarem distinções assentes na residência fiscal ou no lugar em que o capital é investido, o TJUE tem repetidamente sublinhado que, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, a mesma deve ser objecto de interpretação estrita, não podendo ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes, em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais, é automaticamente compatível com o Tratado; e, de facto, o art. 65.º 3 do TFUE prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º do TFUE.
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Tem assim de existir uma comparabilidade objectiva – no sentido de que qualquer diferença de tratamento se refira a situações não comparáveis objectivamente, a menos que se justifique por razões imperiosas de interesse geral.
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A comparabilidade objectiva numa situação transfronteiriça deve centrar-se no objectivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa, assim como o objecto e o conteúdo destas últimas. Quanto ao objectivo, os Requerentes alegam que se visa evitar uma dupla tributação económica, que se verificaria se os dividendos fossem tributados ao nível do OIC e ao nível dos seus participantes – assegurando, deste modo, uma igualdade da carga fiscal que recai sobre os investidores em sociedades estabelecidas em Portugal através de um OIC, por um lado, e, por outro, a que recai sobre os investidores que optam por adquirir directamente participações sociais em sociedades estabelecidas em Portugal.
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Ora, de acordo com o TJUE, a partir do momento em que um Estado‑Membro opta por exercer a sua competência fiscal também sobre os rendimentos obtidos pelos OIC não-residentes, estes passam a estar numa situação comparável à dos OIC residentes. Também de acordo com o TJUE, a legislação prevista no art. 22.º do EBF não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os OICs não-residentes – sendo que o facto de os OICs residentes se encontrarem sujeitos a Imposto do Selo sobre o respectivo valor líquido contabilístico, ou à tributação autónoma nos termos do art. 88.º, 11 do CIRC, não é um argumento relevante para afastar a comparabilidade entre os OIC residentes e OIC não residentes, para efeitos da tributação dos dividendos de fonte portuguesa.
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Concluem os Requerentes que se trata, aqui, de uma questão de igualdade e de justiça tributárias. E que não podemos, sob o pretenso manto do critério da residência e de uma aparente desigualdade entre entidades residentes e não residentes, permitir que as normas internas apliquem restrições ou regimes mais gravosos que, na realidade, não faz sentido serem aplicados a determinados sujeitos passivos e a outros não – ainda que se trate, como é o caso, de retenção na fonte a título definitivo. E daí que uma eventual exigência de identidade absoluta, ou comparabilidade, entre OIC residentes e não residentes, para além de representar a prevalência da forma sobre a substância, terá sempre que ser enquadrada no âmbito de um direito ou liberdade, como é a de circulação de capitais ou de estabelecimento, sob pena de esvaziar por completo o seu conteúdo.
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Ou seja: mesmo que as situações não sejam absolutamente comparáveis, é facilmente identificada uma conexão que se revela essencial para a discussão, a de que se trata de rendimentos obtidos por um OIC não-residente.
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Lembrando ainda que é sobre o Estado Português que recai o ónus de provar que os seus objectivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa – resultando claro que as excepções do art. 65.º, 1, a) e 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais.
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E chamando a atenção para o entendimento do STA, em acórdão de 28 de Setembro de 2023 (Proc. n.º 93/19.7BALSB):
“Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação”.
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Os Requerentes declaram não identificarem, no caso, quaisquer razões imperiosas de interesse geral, do tipo daquelas que o TJUE admite que, em certos casos, justificam uma restrição à liberdade de circulação de capitais – como, por exemplo, a necessidade de salvaguardar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros, quando o regime em causa tenha por objectivo evitar comportamentos susceptíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às actividades exercidas no seu território, argumento que não procede quando – como sucedeu – o legislador português optou por não tributar os OIC residentes beneficiários desses mesmos dividendos.
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O carácter discriminatório de um regime nacional pode ainda ser legitimado pela necessidade de preservar a sua coerência, caso exista um nexo directo entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto – mas, observam os Requerentes, tal justificação não colhe neste caso, na medida em que o regime do art. 22.º do EBF, em particular o seu n.º 3, não faz depender a exclusão de tributação dos dividendos na esfera do OIC da condição de tais rendimentos serem redistribuídos aos investidores e serem objecto de tributação na esfera destes últimos (para compensar aquela exclusão). A que acresce que, nos termos do art. 22.º-A, 1, d) do EBF, os investidores não-residentes estão inclusivamente isentos de tributação em Portugal em sede de IRS ou de IRC quanto aos rendimentos pagos ou colocados à sua disposição por OICs aos quais seja aplicável o regime previsto no art. 22.º do EBF.
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Pelo que não existe qualquer nexo directo entre a exclusão de tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por um OIC residente e a tributação dos mesmos enquanto rendimentos dos detentores de participações do dito OIC.
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Concluem os Requerentes que têm direito à anulação e correcção dos actos de Retenção da Fonte impugnados, e à restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, essencialmente porque o art. 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe ao art. 22.º do EBF, quando este determina que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente sejam objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente fiquem isentos dessa retenção.
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Dado terem procedido ao pagamento do imposto, na qualidade substitutos tributários, os Requerentes invocam o direito a serem ressarcidos pelo pagamento indevido do imposto, bem como o direito a juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento do imposto, calculados nos termos do disposto no art. 43.º da LGT.
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Em alegações, os Requerentes mantêm os argumentos aduzidos no pedido de pronúncia arbitral. E depois de reiterarem o seu entendimento quanto à improcedência das excepções apresentadas pela Requerida na sua resposta.
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Assinalam que a Requerida não juntou aos autos o Processo Administrativo, não obstante ter sido notificada para fazê-lo, enquanto que os Requerentes também não juntaram ao pedido de pronúncia a totalidade do acervo documental que foi junto às reclamações graciosas, confiando que a AT iria cumprir com o seu dever – o que deverá ter como consequência dar-se como provados todos os factos invocados pelos Requerentes.
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Com o mesmo fundamento, entendem não-provado o facto invocado pela Requerida na sua resposta, de que os valores declarados na Modelo 30 pelo substituto tributário, referentes ao dividendos distribuídos em 14/05/2020 à entidade B..., seriam inferiores ao valor indicado no pedido de pronúncia arbitral (“OS VALORES DECLARADOS PELO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO ASCENDEM A € 345.369,84 DE RENDIMENTO E €120.879,44 DE RETENÇÃO DE IRC E NÃO €399.000,00 DE RENDIMENTO E 139.650,00 DE RETENÇÃO DE IRC PETICIONADA”). Não tendo sido junto aos autos o referido Modelo 30, não estaria provada a aludida discrepância de valores (adiantando os Requerentes que mesmo essa prova só teria por efeito uma redução do valor de reembolso em € 18.770,56 (= € 139.650,00 - €120.879,44)).
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De resto, mantêm os Requerentes que a opção portuguesa por tributar, de forma menos favorável, todos os OICs que não se tenham constituído ao abrigo da legislação nacional, ainda que depois, na prática, não exista qualquer dúvida quanto à sua integração no conceito de OIC, consagrado naquela norma do EBF, ou qualquer diferença entra a natureza dos rendimentos que lhes são pagos ou distribuídos por entidades residentes em território português – fazendo, pois, assentar a discriminação no único critério da residência – viola o princípio da livre de circulação de capitais, consagrado com caráter erga omnes no art. 63.º do TFUE.
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Concluem os Requerentes que, tendo o carácter discriminatório do regime doméstico de tributação dos veículos de investimento não constituídos de acordo com a lei portuguesa sido amplamente reconhecido pelo TJUE, órgão com competência para interpretar a conformidade das normas do Direito Interno com o Direito da União Europeia, bem como pelos tribunais nacionais, não pode prevalecer a posição sustentada pela AT, sob pena de verificar uma flagrante restrição da liberdade fundamental à livre circulação de capitais, nos termos em que essa restrição se encontra proibida pelo art. 63.º do TFUE.
III. B. Posição da Requerida
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Na resposta, a Requerida começa por formular uma questão prévia:
“Salienta-se que: - Relativamente à entidade... – B..., e quanto aos dividendos distribuídos em 14-05-2020 (I...) os valores constantes na Modelo 30 são inferiores aos indicados no PPA, OU SEJA, OS VALORES DECLARADOS PELO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO ASCENDEM A € 345.369,84 DE RENDIMENTO E €120.879,44 DE RETENÇÃO DE IRC E NÃO €399.000,00 DE RENDIMENTO E 139.650,00 DE RETENÇÃO DE IRC PETICIONADA. - Através da Comunicação nº ..., de 28-10-2024, foi solicitado à DSRI que informassem se foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos constantes do PPA, não tendo sido rececionada qualquer resposta até à presente data.”
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Passada a matéria de excepção, a Requerida, por impugnação, sustenta que os Requerentes não fizeram prova adequada do que alegam, inviabilizando a subsunção às normas aplicáveis do direito da União Europeia. E remete para o art. 110.º, 7, do CPPT que, no seu entender, veda que ao silêncio da administração tributária seja conferido o efeito de uma confissão, e exonera-a de qualquer ónus da impugnação especificada.
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Mas sustenta, ou sugere (obliquamente embora, por transcrição do voto de vencido noutro processo), que a documentação apresentada não é idónea para suportar aquilo que os Requerentes alegam: mormente que os pagamentos bancários tivessem revertido a favor dos Requerentes, na sua condição de meros substitutos tributários; que, à luz da causa de pedir, os Requerentes não lograram demonstrar serem os sujeitos passivos da relação jurídico-tributária de direito substantivo, porquanto não demonstraram ser os titulares dos rendimentos objecto de tributação nem os destinatários directos e imediatos dos actos tributários impugnados.
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De seguida, sustenta a improcedência do pedido, assente na ideia de que, em matéria de impostos directos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objectivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal (remetendo para os Acórdãos do TJUE Schumacher, Proc. C-279/03 e Truck Center, C-282/07, de 22/12/2008): atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correcto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente seria, por isso, distinta da de um não-residente.
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Lembra que nos Acórdãos do TJUE Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pelas razões de interesse geral e de coerência do sistema fiscal nacional; e que se admitiu, no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), que a residência pode constituir um factor justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não-residentes.
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E lembra ainda a Requerida que o STA admitiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.” (Acórdão no Proc. nº 0654/13).
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E que, portanto, nada há de irregular na opção legislativa plasmada no Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de Janeiro, que, ao proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, abarcou os OIC abrangidos pelo art. 22º do EBF, excluíndo os OIC constituídos, e que operem, ao abrigo de uma legislação estrangeira.
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Além disso, entende a Requerida não se estar em presença de situações objectivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos Requerentes.
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E que, ainda que os Requerentes não consigam recuperar, no seu Estado de residência, o imposto retido na fonte em Portugal, também não está demonstrado que o imposto não recuperado não o possa vir a ser pelos investidores dos Requerentes.
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Insiste a Requerida que a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não-residentes não pode levar a concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo (IS), quando os mesmos rendimentos integrem o valor líquido destes organismos – não podendo, pois, afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objectivamente comparáveis.
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Alega ainda a Requerida que, adstrita que está ao princípio da legalidade positivada, não lhe cabe avaliar a conformidade das normas internas com as do Direito da União, não podendo aceitar de forma directa e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
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Por outro lado, alega que a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstracto, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC, incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro, constitui, por si só, uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.
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Para avaliar se a legislação nacional aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros, não basta, segundo a Requerida, olhar apenas o art. 22.º, 10 do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num Estado-Membro, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os activos que lhes dão origem.
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Deste modo, embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo art. 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte, a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do art. 88.º, 11 do CIRC e do art. 22.º, 8 do EBF, excepto se as correspondentes acções forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano. Acresce que as acções integram o património dos OIC, e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no art. 9.º, 5 do CIS.
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Consequentemente, reitera a Requerida que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise requer uma visão global, para poder concluir-se, com um mínimo de segurança, que os fundos estrangeiros que investem em acções de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação desfavorável.
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Quanto à liberdade de circulação de capitais e a correspectiva proibição de discriminação entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora, a Requerida assinala que o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Directiva n.º 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988, incluindo o respectivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsume ao conceito uma vasta constelação de operações e transacções transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento colectivo, incluindo os relevantes no caso em apreço.
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Com efeito, a distribuição de dividendos efectuada por sociedades residentes em Portugal aos Requerentes é passível de ser qualificada como movimento de capital, na acepção do art. 63.º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE.
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Reconhecendo que o artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu, e entre este e países terceiros, proibindo, por isso, qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos, e seja susceptível de os dissuadir de investir em Portugal, a Requerida chama a atenção, em contrapartida, para os direitos que o art. 65º do TFUE reconhece aos Estados-Membros, em contraponto ao princípio enunciado no art. 63º.
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A Requerida insiste que o imposto retido aos Requerentes poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, tanto na esfera dos Requerentes, como na esfera dos seus investidores – alegando que os Requerentes não provaram se, no caso concreto, existiu, ou não, um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos próprios Requerentes, ou dos investidores.
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Conclui a Requerida que o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não-residentes, mas a que não corresponde uma discriminação em substância – não sendo legítimo inferir-se a partir da simples comparação dos arts. 22º do EBF e 63.º do TFUE.
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Insistindo que o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas a que não corresponde uma discriminação em substância; sugerindo que, em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-Membros da UE.
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Quanto à remissão para a posição do TJUE, a Requerida assinala que a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstracto, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui, por si só, uma restrição à livre circulação de capitais no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.
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Insiste a Requerida que reputa de ligeira e simplista a conclusão de que o regime de tributação dos OIC abrangidos pelo art. 22.º do EBF se mostra contrária ao direito da União Europeia e que contraria as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, porquanto se baseia apenas no n.º 3 dessa disposição, alheando-se do disposto no n.º 8 do mesmo preceito, bem como da tributação em Imposto do Selo: reiterando que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de se averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais, e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.
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Quanto aos juros indemnizatórios, a Requerida entende que não estão reunidos os respectivos pressupostos – socorrendo-se da jurisprudência do STA, e nomeadamente da do acórdão de uniformização de jurisprudência de 30/01/2019 (Proc. 0564/18.2BALSB):
“Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP).”
III. C. Fundamentação da decisão
III. C. 1. A matéria de excepção
III. C. 1. 1. Na resposta da Autoridade Tributária – uma sucessão de lapsos
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Na sua resposta, a Requerida suscita duas excepções:
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A inimpugnabilidade dos actos tributários de retenção na fonte;
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A incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral.
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Em princípio, apreciaríamos o mérito das excepções formuladas somente depois de percorrermos a totalidade da argumentação apresentada, e depois de apreciada a contra-argumentação apresentada pelos Requerentes.
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Sucede, todavia, que, neste ponto, a Requerida evidencia lapsos manifestos na sua argumentação, que devem levar-nos a ponderar liminarmente o respectivo mérito – pois cremos que a Requerida, presumindo a identidade deste processo com outros processos, presumiu demasiado, desconsiderando elementos específicos que autorizariam conclusões diametralmente opostas daquelas a que chegou.
Vejamos.
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Quanto à inimpugnabilidade dos actos tributários de retenção na fonte, a Requerida invoca o art. 132.º do CPPT, que estabelece que, em caso de impugnação por parte do substituto tributário, há lugar a reclamação graciosa para o órgão periférico regional da administração tributária competente, no prazo de 2 anos – estabelecendo-se, pois, no art. 132.º, 3 do CPPT que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa – o que, segundo a Requerida, tem o sentido de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do acto tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa, de acordo, aliás, com o princípio geral que resulta do art. 185.º, 1, do CPA, subsidiariamente aplicável no processo arbitral. Lembra a Requerida, também, que a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do acto impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão, antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial.
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E lembra ainda que os Requerentes tinham à sua disposição a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou, dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do art. 78.º, 1 da LGT) – sendo o pedido de revisão igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o art. 132.º do CPPT.
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Alega a Requerida que, conferindo a lei aos interessados dois meios alternativos de reacção administrativa contra o acto tributário, com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.
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Só que daí retira argumentos quanto a prazos de impugnação administrativa como requisito de impugnabilidade judicial – mas por transcrição de outras decisões arbitrais nas quais estavam em causa pedidos de revisão oficiosa; e não, como nos presentes autos, reclamações graciosas.
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O que, evidentemente, constitui um lapso da própria Requerida, que inquina todas as conclusões que ela se propunha tirar neste ponto.
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Quanto à alegação de incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, novamente se evidencia um lapso da Requerida, que na sua resposta refere que “vem a requerente deduzir o presente p.p.a. invocando a presunção de indeferimento tácito que se terá formado na sequência da apresentação de um pedido de revisão oficiosa, tendo em vista anular as liquidações de retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário aquando da colocação à disposição da requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português” (n.º 4 da resposta, p. 8/36) – sendo que, no caso presente, há uma pluralidade de Requerentes, não um Requerente singular; eles apresentaram reclamações graciosas, e não pedidos de revisão oficiosa; e houve indeferimentos expressos, e não qualquer presunção de indeferimento tácito.
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E adiante, o lapso prossegue, e agrava-se, quando a Requerida assevera que: “constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT” (n.º 7 da resposta, p. 9/36) – quando, no caso presente, é manifesto que houve reclamação graciosa, a cujo indeferimento expresso os Requerentes reagem.
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Do mesmo lapso decorre o argumento subsidiário de que, tendo havido indeferimento tácito, a AT não teria chegado a pronunciar-se sobre a legalidade, ou ilegalidade, de tais retenções – retenções que não foram efectuadas pela própria AT – um argumento que se desmorona perante a constatação de que houve indeferimentos expressos. Pretendia-se, da infundada alegação de ausência de apreciação, fazer decorrer a conclusão de que a reacção dos Requerentes deveria ser a acção administrativa especial (para apreciação dos pressupostos de aplicação do mecanismo de revisão do art. 78º da LGT), e não a impugnação judicial – o que apoiaria a conclusão da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral. Mas novamente a falsidade da premissa invalida esta outra conclusão.
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Afigura-se inaproveitável toda a argumentação da Requerida na matéria das excepções, na medida em que decorre de premissas inquinadas, de forma insanável, por lapsos muito manifestos.
III. C. 1. 2. No requerimento dos Requerentes de 17 de Dezembro de 2024
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No seu requerimento de 17 de Dezembro de 2024, os Requerentes assinalam, precisamente, os lapsos manifestos já identificados.
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No que respeita à alegada inimpugnabilidade dos actos tributários de retenção na fonte, observam que a AT se limita a transcrever parcialmente a decisão arbitral proferida no processo n.º 1000/2023-T, bem como o voto de vencido proferido no processo arbitral n.º 984/2023-T, processos nos quais foi analisada uma situação completamente diferente da analisada no presente processo.
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Concluem os Requerentes que a invocação nos presentes autos só pode resultar de um manifesto equívoco ou lapso de análise da AT, na medida em que as decisões invocadas se debruçaram sobre a questão de saber se um pedido de revisão oficiosa apresentado com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de 4 anos, poderia satisfazer a exigência procedimental a que alude o nº 3 do artigo 132.º do CPPT – uma questão que nunca poderá ser colocada nos presentes autos, visto que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelas Requerentes foi efectivamente precedido de reclamações graciosas apresentadas no prazo de 2 anos previsto no n.º 3 do artigo 132.º do CPPT, das quais resultaram decisões de indeferimento que constituem o objecto do pedido.
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Inclusivamente, os Requerentes assinalam que naquelas decisões de indeferimento, a própria AT analisou e se pronunciou no sentido da tempestividade das referidas reclamações graciosas.
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Os Requerentes insistem que nunca esteve em questão, nos presentes autos, qualquer pedido de revisão oficiosa, o que os leva a concluir que a resposta apresentada pela AT apenas poderá resultar de um equívoco na análise do pedido de pronúncia arbitral, e da documentação de suporte.
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Pelo que, concluem, não se verifica qualquer excepção de inimpugnabilidade dos actos de retenção na fonte, seja pela eventual falta de apresentação de impugnação administrativa necessária, seja por qualquer outra razão.
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Quanto à invocada excepção de incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, alegam os Requerentes que ela também improcede, uma vez que ela assenta igualmente no erróneo pressuposto de que o presente pedido arbitral foi precedido de um pedido de revisão oficiosa.
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Concluindo os Requerentes que, também quanto a esta excepção, ocorreu certamente um equívoco na análise do presente pedido de pronúncia arbitral, pois o mesmo nunca poderia comportar a apreciação, por parte do Tribunal Arbitral, dos pressupostos de admissibilidade de um pedido de revisão oficiosa, na medida em que as Requerentes lançaram mão de reclamações graciosas, e não desse mecanismo legal para contestar a legalidade dos actos de retenção na fonte. Pugnando, pois, pela improcedência de ambas as excepções.
III. C. 2. Decisão sobre a matéria de excepção
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Tínhamos concluído já, liminarmente, que se afigura inaproveitável toda a argumentação da Requerida na matéria das excepções, na medida em que decorre de premissas inquinadas, de forma insanável, por lapsos muito manifestos.
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Por tudo o que precede, não há qualquer fundamento para a verificação, no caso vertente, de qualquer das excepções invocadas pela Requerida.
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E, mesmo que fossem sanados os lapsos em que incorreu, neste ponto, a Requerida, ainda assim seriam improcedentes as excepções por ela invocadas, por falta de prova de qualquer factualidade que, dando-lhes uma razão, as fizesse existir, e pudesse torná-las pertinentes, e procedentes.
III. C.3. Sobre o mérito da causa
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Resolvida a questão das excepções, impõe-se começar por assinalar que a questão a decidir no presente processo é idêntica a outras sobre as quais a arbitragem do CAAD tem sido chamada a pronunciar-se; e reconduz-se a saber se o art. 63º do TFUE deve, ou não, ser interpretado no sentido de vedar que a legislação de um Estado‑Membro imponha a retenção na fonte da tributação correspondente a juros e dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não-residente, ao passo que os juros e dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
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No caso, devemos apreciar a legalidade do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, e, mediatamente, a legalidade das liquidações de IRC, por retenção na fonte, que incidiram sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelos Requerentes em 2020 e 2021, para efeitos de se saber se deve seguir-se a restituição do imposto retido, acrescido de juros indemnizatórios.
III. C.4. O art. 22º do EBF
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No centro da questão a apreciar situa-se o artigo 22.º do EBF: o n.º 1 dessa norma dispõe que “são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, excluindo, portanto, do âmbito do regime aí previsto os OIC como os Requerentes, que não foram constituídos de acordo com a legislação nacional.
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O art. 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável do que o regime geral de tributação em IRC, visto que, nos termos do seu n.º 3, não considera os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS (juros, dividendos, rendas, mais-valias) para efeitos do apuramento do lucro tributável – excepto quando esses rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças –, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do CIRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1, e a isenção de derramas, estadual e municipal.
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O n.° 10 do mesmo artigo dispensa as empresas que distribuem dividendos aos OIC da obrigação de reter e de entregar esse imposto à Fazenda Pública.
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Importa saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos, por sociedades residentes em Portugal, a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia (no caso, a Alemanha) – ao mesmo tempo que se isenta de tributação a distribuição de dividendos a OIC residentes em Portugal, e se sujeita os mesmos a tributação trimestral em IS, pela verba 29 da TGIS, e à eventual aplicação da tributação autónoma, designadamente a prevista no artigo 88º, 11 do CIRC – é conforme, ou não, com o art. 63º do TFUE.
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Trata-se, em suma, de aferir da conformidade com este artigo do TFUE, à data dos factos relevantes, das pertinentes normas do CIRC e do EBF respeitantes ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelos Requerentes.
III. C.5. A liberdade de circulação de capitais
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O art. 26º do TFUE estabelece uma conexão substantiva entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais, elevada esta, pelo art. 63º do TFUE, ao estatuto de liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do direito da União Europeia.
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A mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno dos Estados-Membros, cabendo aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário.
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A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efectiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia, através da mais fácil disponibilização de capital.
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O objectivo dos OIC, cujo enquadramento jurídico é definido pela Directiva 2009/65/CE, consiste em facilitar a participação dos investidores privados num mercado de valores mobiliários, idealmente integrado a nível da UE.
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O TJUE desempenha uma função interpretativa decisiva, nomeadamente em sede de acções por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento sobre as normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele Tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade por parte do Estado-Membro.
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A liberdade de circulação de capitais, consagrada no art. 63º do TFUE, implica a proibição de discriminação entre capitais de um dado Estado-Membro, e capitais provenientes de fora desse Estado.
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Trata-se de uma norma directamente aplicável aos Estados-Membros, que devem abster-se de restringir o seu alcance por via legislativa, administrativa ou jurisdicional, embora isso não impeça os Estados-Membros de regularem em alguma medida a circulação de capitais, desde que o façam em termos compatíveis com o direito da União Europeia.
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A autonomia fiscal permite aos Estados‑Membros regularem soberanamente as condições de tributação aplicáveis, desde que o tratamento das situações transfronteiriças não seja discriminatório em comparação com o das situações nacionais.
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Não obstante a fiscalidade directa ser da competência dos Estados‑Membros, o respectivo regime jurídico deve respeitar o direito da União Europeia, sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.
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O TJUE tem sustentado que a existência de meras “divergências” entre os sistemas fiscais nacionais não é suficiente para declarar a existência de uma tal restrição.
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Na ausência de harmonização no plano da União Europeia, as desvantagens que podem resultar do exercício paralelo de competências dos diferentes Estados‑Membros, desde que o exercício não seja discriminatório, não constituem restrições às liberdades de circulação.
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Um dos domínios do âmbito e do programa normativo da liberdade de circulação de capitais do art. 63º do TFUE diz especificamente respeito ao tratamento fiscal dos movimentos de capitais.
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A densificação do âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais tem sido levada a cabo pelo TJUE, acolhendo e sublinhando o valor enumerativo, mas não exaustivo, da Directiva n.º 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988, incluindo o respectivo Anexo I número IV, no qual se integra, no conceito de liberdade de circulação, um amplo conjunto de operações e transacções transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento colectivo, nas quais se incluem as que estão em causa nos presentes autos: razão pela qual a distribuição de dividendos efectuados, aos Fundos geridos pelos Requerentes, por sociedades residentes em Portugal deve ser qualificada como “movimento de capital”, na acepção do art. 63º do TFUE e da própria Directiva 88/361/CEE.
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Comecemos por esclarecer que a questão do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA[1].
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Este último órgão, no caso Focus Bank, e o TJUE, em casos como, entre outros, ACT GLO, Denkavit, Amurta, Truck Center, Aberdeen Property, Comissão v. Países Baixos, Comissão v. Portugal, Santander Asset Management e Sofina SA, a despeito das diferenças factuais e jurídicas nas respectivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não-residentes – por exemplo imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não-residentes a retenção de imposto sem imputação; ou retendo imposto sobre dividendos pagos a não-residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configura, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais, e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
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Confirmando a existência de uma área apreciável de divergências interpretativas neste domínio, as conclusões da Advogada Geral (AG) Kokott, apresentadas a propósito de um reenvio prejudicial apresentado num processo arbitral do CAAD (Processo n.º 93/2019-T), envolvendo o regime fiscal também em causa no presente processo, vieram sustentar uma leitura menos “formalista” do art. 63º do TFUE, reconhecendo uma maior amplitude aos Estados-Membros na conformação do regime fiscal dos OIC residentes e não-residentes, concluindo que esse artigo não se opõe à aplicação de retenção na fonte aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, quando esses dividendos sejam distribuídos a um OIC não-residente que não esteja sujeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no seu Estado de residência.
III. C.6. A decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN no TJUE
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Os argumentos sustentados pela AT foram rebatidos na decisão do Processo (CAAD) n.º 166/2021-T, tendo sido posteriormente rejeitados pelo TJUE, na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19), que entendeu que
“o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
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Como esta decisão considerou expressamente o regime fiscal em causa no presente processo, e, estando os tribunais nacionais juridicamente obrigados a seguir a jurisprudência do TJUE, impõe-se seguir a sua argumentação, que é o que faremos a partir daqui.
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No caso AllianzGI-Fonds AEVN, o TJUE reiterou o seu entendimento de que, embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não-residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que um Estado-Membro, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os accionistas ou obrigacionistas não-residentes de maneira menos favorável do que os residentes, relativamente aos juros e dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes.
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Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais – a liberdade que o TJUE entendeu ser pertinente neste caso –, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não-residentes os dissuadir, na qualidade de accionistas ou obrigacionistas, de investirem no Estado da residência das empresas pagadoras de juros e distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior, por parte dessas empresas.
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Para o TJUE, é significativo o facto de que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
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No entender do TJUE, ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não-residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obterem a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não-residentes, susceptível de dissuadir, por um lado, os OIC não-residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal, e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC – constituindo, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo art. 63º do TFUE.
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No entendimento do TJUE, o facto de o art. 65º, 1, a) do TFUE estabelecer que o disposto no art. 63º do TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação, no que se refere ao seu lugar de residência, ou ao lugar em que o seu capital é investido, não isenta um Estado-Membro de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno, nem o exonera pela simples circunstância de esse Estado poder pensar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar, de alguma maneira, o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação[2].
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É entendimento do TJUE, portanto, que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos juros e dividendos pagos a residentes e não-residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de tais rendimentos.
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O TJUE tem sustentado que, quando se trata de interpretar e aplicar as liberdades fundamentais do mercado interno, prevalece o entendimento segundo o qual a liberdade é a regra, e as restrições à liberdade são a excepção: pelo que o art. 65º, 1, a) do TFUE, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita.
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Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre contribuintes, em função do lugar em que residam, ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais, é automaticamente compatível com o TFUE.
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Com efeito, a derrogação prevista no art. 65º, 1, a) do TFUE é, ela própria, limitada pelo disposto no nº 3 do mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o nº 1 desse artigo não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos: ou seja, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais[3].
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No entender do TJUE, plasmado na decisão AllianzGI-Fonds AEVN, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo art. 65º, 1, a) do TFUE, das discriminações proibidas pelo nº 3 do mesmo artigo.
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Para que o regime fiscal nacional possa ser considerado compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objectivamente comparáveis, ou que ela se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral.
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Sobre a questão de saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objectivamente comparável, o TJUE, depois de ponderados os argumentos do Estado Português (em tudo idênticos aos aqui expostos pela AT), reiterou o seu entendimento segundo o qual, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não-residentes, relativamente aos juros ou dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não-residentes passa a ser comparável à dos contribuintes residentes.
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No caso AllianzGI-Fonds AEVN, o TJUE considerou que a legislação nacional em causa no processo principal – o mesmo regime fiscal aqui em análise – não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de juros e dividendos de origem nacional; mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos rendimentos que onera apenas os OIC não-residentes.
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Por exemplo, no que respeita ao IS, o TJUE entendeu serem decisivos o facto de, por um lado, a sua matéria colectável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, sendo esse IS um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas; e, por outro lado, a legislação fiscal portuguesa distinguir, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido Imposto do Selo.
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Com efeito, observa o TJUE, mesmo considerando que esse mesmo IS possa ser equiparado a um imposto sobre os juros ou dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação procedendo ao seu pagamento ou distribuição imediatos, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não-residente.
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Quanto ao imposto específico previsto no art. 88º, 11 do CIRC, o TJUE, na decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, considerou significativo o facto de este imposto só incidir sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
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Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objecto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não-residentes.
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Por conseguinte, a circunstância de os OIC não-residentes não estarem sujeitos ao IS e ao imposto específico previsto no art. 88º, 11 do CIRC não os coloca numa situação objectivamente diferente da situação dos OIC residentes, no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
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Quanto à alegada necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, o TJUE, na decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, entendeu que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objectivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas.
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No caso em apreço, no que diz respeito ao objecto, ao conteúdo e ao objectivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, o TJUE entendeu que o referido regime foi concebido numa lógica de “tributação à saída”, ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando dele isentos os detentores de participações sociais não-residentes.
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Para o TJUE, se se concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, deve entender-se que, se o objectivo da legislação nacional em causa for comprovadamente o de deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o accionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos accionistas que devem ser consideradas determinantes, e não a técnica de tributação utilizada.
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Os Requerentes, residentes na Alemanha, podem ter detentores de participações estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães.
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Mas a presente acção não foi intentada pelos investidores, nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição dos referidos investidores.
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Por seu lado, o art. 22º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos juros ou dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC, residentes ou não residentes, e a situação fiscal dos seus detentores de participações.
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Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC residentes para efeitos fiscais em Portugal, para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no art. 22º do EBF.
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Seria administrativamente impraticável, excessivamente oneroso, proceder-se a uma determinação caso a caso, totalmente particularizada, para cada OIC não-residente, ou investidor individual, com o único fito de aumentar as receitas tributárias dos Estados-Membros. É que tanto os fundos residentes em Portugal, como os não-residentes, podem ter titulares institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia e de terceiros Estados: será, portanto, administrativamente mais praticável, e muito menos oneroso, circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não-residentes a quem são pagos juros ou distribuídos dividendos, obtendo-se a informação relevante numa única determinação, sem necessidade de particularizar as situações de benefício económico último.
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Por outras palavras: considerando que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não-residentes a uma retenção na fonte dos rendimentos de capital que recebem, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos, e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, o que deve ser considerado normal, até porque os investimentos transfronteiriços são um dos objectivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais no âmbito da União Europeia.
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Em suma, o rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo, e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
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Regressando ao plano dos Fundos: a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não-residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia.
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Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa, que tem por critério o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objectiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não-residentes.
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Logo, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não-residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
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Por outro lado, como reconheceu o TJUE no caso caso AllianzGI-Fonds AEVN, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objectivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objectivo, sendo tais razões, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e outro Estado-Membro da UE, como a Alemanha.
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Quanto à primeira razão, sempre se poderia alegar que essa coerência só seria garantida se a entidade gestora do OIC não-residente operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excepcionais, orientados por considerações ligadas ao facto de evitar o planeamento fiscal, junto dos detentores de participações sociais não-residentes.
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Contudo, para que um argumento baseado nessa justificação pudesse ser acolhido, seria necessário que estivesse demonstrada a existência de uma relação directa entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal.
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Ora, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, visto que a isenção da retenção na fonte dos juros e dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os rendimentos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes, e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte; não se podendo, pois, falar de uma relação directa, na acepção da jurisprudência do TJUE, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
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No tocante ao objectivo de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e outro Estado-Membro da UE, como a Alemanha, o mesmo só pode ser admitido quando o regime em causa vise prevenir comportamentos susceptíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro de exercer a sua competência fiscal em relação às actividades realizadas no seu próprio território; pelo que, se Portugal optou por não tributar os OIC residentes beneficiários de juros e dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não-residentes beneficiários desses rendimentos.
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A esta luz, o art. 63º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que estabeleça que os juros e dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não-residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os juros e dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção – sendo esta a principal conclusão que, com firmeza, se alcança na decisão do TJUE no caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19).
III. C.7. A Uniformização de Jurisprudência: o Acórdão nº 7/2024 do STA
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Decidindo de um recurso por oposição entre acórdãos arbitrais, o STA, em Acórdão de 28 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB (publicado em 26 de Fevereiro de 2024), uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
“Conclusões:
1 — Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2 — O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3 — A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”
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Acolhendo expressamente, pois, a orientação adoptada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação.
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E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega.
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Conduzindo à conclusão de que os actos de retenção na fonte objecto dos presentes autos, bem como as decisões de indeferimento das reclamações graciosas que se lhes reportaram, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no art. 163.º, 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do art. 2.º, c), da LGT e do art. 29º, 1, d) do RJAT.
III. C.8. O direito aos juros indemnizatórios
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Os Requerentes peticionam o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente ao montante indevidamente retido na fonte, juros a serem contados desde a data do pagamento do imposto, calculados nos termos do disposto no art. 43.º da LGT.
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Dispõe o art. 24º, b) do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
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É hoje consensual que os tribunais arbitrais abarcam nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, até porque o processo arbitral foi desenhado como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Por sua vez, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do teor do art. 43.º, 1 da LGT, em que se dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do art. 61º, 4 do CPPT, que estabelece que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
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Igualmente o art. 24.º, 5 do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
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No caso em apreço, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele tem sido interpretado pelo TJUE, e agora é interpretado pelo STA.
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Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal Arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respectiva ilegalidade.
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Nos termos dos artigos 61º do CPPT e 43º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.
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Uma vez verificado o erro, e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, os Requerentes têm direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas da União Europeia, e não apenas de normas nacionais.
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Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da AT que se traduz num “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação art. 43º da LGT.
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Quanto à solução que, neste ponto, os Requerentes propõem, lembremos que eles apresentaram reclamações graciosas sobre actos de retenção na fonte.
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Ora, segundo jurisprudência uniformizada do STA, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa, os juros indemnizatórios devem ser contados, não desde a data do pagamento indevido do imposto – como dispõe o art. 61º, 5 do CPPT – mas desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, momento em que se consuma o “erro imputável aos serviços”[4].
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Logo, os juros indemnizatórios contam-se a partir da data dos indeferimentos das reclamações graciosas; ou seja, desde 15 de Março, 10 de Maio, 13 de Maio ou 16 de Maio de 2024, conforme os casos. Atendendo ao estabelecido no art. 61º do CPPT, tais juros são calculados à taxa legal, e contados até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.
III. C.9. Questões de conhecimento prejudicado
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Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria, por isso, inútil, nomeadamente questões de constitucionalidade e de reenvio prejudicial suscitadas, a título subsidiário, pelos Requerentes – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
IV. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedentes as excepções apresentadas pela Requerida;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade dos actos tributários de retenção na fonte ora sindicados, por erro nos pressupostos de direito, especificamente por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º do TFUE, e declarando a ilegalidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra tais actos tributários;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição da quantia relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal pelos Requerentes, sobre dividendos distribuídos em 2020 e 2021;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data dos indeferimentos das reclamações graciosas, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 672.405,15 (seiscentos e setenta e dois mil, quatrocentos e cinco euros e quinze cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. Custas
Custas no montante de € 9.792,00 (nove mil, setecentos e noventa e dois euros) a cargo da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 3 de Abril de 2025
Os Árbitros
Fernando Araújo
Sónia Martins Reis
António Cipriano da Silva
[1] Cfr., sobre esta matéria, Christiana Hji Panayi, European Union Corporate Tax Law, Cambridge, 2013, 253 ss.
[2] Case E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23-11-2004.
[3] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995.
[4] “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.” – Acórdão do STA de 29-06-2022, Proc. n.º 93/21.7BALSB.
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